Jurisprudência STF 2356 de 14 de Agosto de 2024
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Título
ADI 2356
Classe processual
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator
NUNES MARQUES
Data de julgamento
07/05/2024
Data de publicação
14/08/2024
Orgão julgador
Tribunal Pleno
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 13-08-2024 PUBLIC 14-08-2024
Partes
REQTE.(S) : CONFEDERACAO NACIONAL DA INDUSTRIA ADV.(A/S) : CASSIO AUGUSTO MUNIZ BORGES INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
Ementa
EMENTA DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 30, DE 13 DE SETEMBRO DE 2000, QUE ACRESCENTOU O ART. 78 AO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. PARCELAMENTO DA LIQUIDAÇÃO DE PRECATÓRIOS PELA FAZENDA PÚBLICA. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. I – CASO EM EXAME 1. Ação direta de inconstitucionalidade em que se discute a constitucionalidade do regime de parcelamento precatórios instituído pelo artigo 2º da Emenda Constitucional n. 30/2000, o qual acrescentou o artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. II - QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Saber se há, ou não, afronta às cláusulas pétreas (artigo 60, §4º, III e IV), especialmente, ao princípio da separação de poderes (artigo 2º, CRFB), à garantia de acesso à jurisdição (artigo 5º, XXXV, CRFB), às garantias do ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada (artigo 5º, XXXVI, CRFB), do direito fundamental à propriedade (artigo 5º, XXII e XXIV, CRFB) e à isonomia (artigo 5º, caput, CRFB), e do princípio da proporcionalidade (artigo 5º, LIV, CRFB). 3. Saber se o parcelamento, em até dez anos, dos valores correspondentes a precatórios pendentes e futuros, decorrentes de ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, impossibilita que cidadãos e cidadãs, bem como pessoas jurídicas, titulares de créditos líquidos e certos reconhecidos em decisões transitadas em julgado, recebam do Poder Judiciário a tutela efetiva de seus direitos. III – RAZÕES DE DECIDIR 4. O legislador constituinte derivado, ao editar a norma ora impugnada, não observou direitos fundamentais dos cidadãos e cidadãs brasileiras, quando estabeleceu regras transitórias para fazer face a um problema concreto e irremediável de gestão das contas públicas, ou seja, a dos precatórios pendentes de pagamento por falta de recursos financeiros disponíveis. Feriu, portanto, cláusula pétrea expressamente disposta na Constituição da República de 1988 (art. 60, §4º, CRFB). 5. O poder público, na condição de parte devedora de relação jurídica em que deve cumprir sua obrigação de pagar, já é privilegiado por ter o prazo dilargado de até 20 meses para quitar sua dívida. 6. Não obstante compreenda a perspectiva das fazendas públicas, é necessário deslocar o olhar para o credor, cidadão e cidadã que, após demandas judiciais geralmente prolongadas no tempo, vê-se vencedor do pleito judicial, com trânsito em julgado, mas sem garantia de que receberá o valor pecuniário que lhe é devido, o que afronta a perspectiva material do princípio de acesso à jurisdição. 7. O regime de parcelamento de precatórios do artigo 78 e parágrafos do ADCT impediu o mais amplo acesso à jurisdição, pois mesmo cogitando-se do direito fundamental à propriedade e da garantia de isonomia, o regime instituído teve impacto desproporcional na vida de milhares de cidadãos e cidadãs que não tiveram reconhecidos seus direitos fundamentais à propriedade, à isonomia e ao devido processo legal substantivo, diante da mora de receber o que lhe era devido, atestado em título judicial transitado em julgado. 8. A questão posta, nos presentes autos, não perdeu o objeto em face das posteriores alterações legislativas ao regime de precatórios no Brasil, tendo em vista que a solução da controvérsia constitucional com a amplitude veiculada nos pedidos das ADIs 2356 e 2362 reafirmará os limites aos quais devem se submeter os legisladores constituintes derivados nesse tema, doravante. IV – MODULAÇÃO DE EFEITOS 9. O Supremo Tribunal Federal, por maioria, modulou os efeitos da presente decisão para que seja conferida eficácia ex nunc ao presente julgamento, mantendo os parcelamentos realizados até a concessão da medida cautelar nestes autos (25.11.2010), vencidos os Ministros Nunes Marques (Relator), Alexandre de Moraes e André Mendonça, que modulavam os efeitos da decisão, mantendo a validade de todos os pagamentos, parciais ou integrais, que tenham sido realizados de acordo com a norma declarada inconstitucional. 10. A modulação até a data da concessão da cautelar, em 25.11.2010, é devida porque os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da norma impugnada devem ser respeitados até esse marco, a partir de quando a norma impugnada teve sua eficácia suspensa em face da cautelar deferida. V - DISPOSITIVO 11. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente, nas ações diretas de inconstitucionalidade n. 2356 e n. 2362, para, confirmando a liminar nestes autos deferida, declarar a inconstitucionalidade do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 30/2000, que introduziu o artigo 78 no ADCT da Constituição da República de 1988, respeitando-se os parcelamentos realizados sob o regime instaurado pela norma declarada inconstitucional, até a concessão da medida cautelar, em 25.11.2010.
Decisão
Após os votos dos Ministros Nunes Marques (Relator) e Dias Toffoli, que (i) quanto à primeira hipótese prevista no art. 78, caput, do ADCT – precatórios pendentes na data da promulgação da Emenda Constitucional n. 30, de 13 de setembro de 2000 –, não conheciam das ações (ADIs 2.356 e 2.362), considerada a perda superveniente do objeto; (ii) em relação à segunda hipótese versada no art. 78, caput, do ADCT – precatórios decorrentes de ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 –, conheciam das ações e, confirmando a medida cautelar deferida, julgavam procedentes os pedidos nelas formulados, declarando a inconstitucionalidade da norma impugnada; (iii) em homenagem à segurança jurídica, mantinham a validade dos pagamentos que tenham sido realizados em consonância com a disciplina ora declarada inconstitucional – hipótese dos precatórios decorrentes de ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999; e (iv) em razão da impugnação específica do § 3º, faziam consignar que ele, assim como os §§ 1º, 2º e 4º, seguem todos a mesma sorte do quanto decidido a respeito da cabeça do art. 78; do voto do Ministro Gilmar Mendes, que levantou o impedimento e julgava procedentes, em parte, as ADIs 2356 e 2362, assentando a inconstitucionalidade da expressão “pendentes na data de promulgação desta Emenda” contida no art. 78, caput, do ADCT e procedendo à interpretação conforme à Constituição ao art. 2º da Emenda Constitucional 30/2000 para excluir as dívidas reconhecidas judicialmente, em processo transitado em julgado, na fase de conhecimento (antiga ação de conhecimento), até a entrada em vigor da citada emenda constitucional (DOU 14.9.2000), propondo, ainda, a modulação dos efeitos da presente decisão para que seja conferida eficácia ex nunc ao presente julgamento, mantendo os parcelamentos realizados até a concessão da medida cautelar nestes autos (25.11.2010); e dos votos dos Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Cármen Lúcia, que julgavam procedentes os pedidos das ações diretas de inconstitucionalidade n. 2356 e n. 2362, para, confirmando a liminar nestes autos deferida, declarar a inconstitucionalidade do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 30/2000, que introduziu o artigo 78 no ADCT da Constituição da República de 1988, pediu vista dos autos o Ministro Alexandre de Moraes. Falou, pela requerente, o Dr. Pedro Henrique Braz Siqueira. Plenário, Sessão Virtual de 2.6.2023 a 12.6.2023. Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedentes os pedidos formulados nas ações diretas n. 2.356 e n. 2.362, para, confirmando a liminar deferida, declarar a inconstitucionalidade do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 30/2000, que introduziu o artigo 78 no ADCT da Constituição da República de 1988. Ficaram parcialmente vencidos: a) os Ministros Nunes Marques (Relator), Alexandre de Moraes e André Mendonça, que não conheciam da ação, por perda superveniente do objeto, quanto à primeira hipótese prevista no art. 78, caput, do ADCT - precatórios pendentes na data da promulgação da Emenda Constitucional n. 30, de 13 de setembro de 2000; e b) os Ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Cristiano Zanin e Luiz Fux, que procediam à interpretação conforme à Constituição à segunda hipótese prevista no art. 78, caput, do ADCT - precatórios que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 - para excluir as dívidas reconhecidas judicialmente, em processo transitado em julgado, na fase de conhecimento (antiga ação de conhecimento), até a entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 30/2000 (DOU 14.9.2000). Na sequência, o julgamento foi suspenso para que os Ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso (Presidente) e Cármen Lúcia possam se manifestar sobre as propostas de modulação constantes dos votos já proferidos. Plenário, Sessão Virtual de 20.10.2023 a 27.10.2023. Decisão: Em continuidade de julgamento, após os votos dos Ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso (Presidente), que acompanhavam a proposta de modulação de efeitos constante do voto do Ministro Gilmar Mendes, o julgamento foi suspenso para aguardar o voto do novo Ministro a integrar a Corte. Plenário, Sessão Virtual de 17.11.2023 a 24.11.2023. Decisão: Em continuidade de julgamento e após o voto do Ministro Flávio Dino, o Tribunal, por maioria, modulou os efeitos da presente decisão para que seja conferida eficácia ex nunc ao presente julgamento, mantendo os parcelamentos realizados até a concessão da medida cautelar nestes autos (25.11.2010), vencidos os Ministros Nunes Marques (Relator), Alexandre de Moraes e André Mendonça, que modulavam os efeitos da decisão, mantendo a validade de todos os pagamentos, parciais ou integrais, que tenham sido realizados de acordo com a norma declarada inconstitucional. Redigirá o acórdão o Ministro Edson Fachin. Plenário, Sessão Virtual de 26.4.2024 a 6.5.2024.
Indexação
- VOTO, MIN. NUNES MARQUES: AÇÃO DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE, LEGITIMIDADE ATIVA UNIVERSAL, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB). MODULAÇÃO DE EFEITOS, EMENDA CONSTITUCIONAL 62 DE 2009. PAGAMENTO, DIFERENÇA, INDENIZAÇÃO, DESAPROPRIAÇÃO. - VOTO, MIN. GILMAR MENDES: AÇÃO DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE, IMPEDIMENTO, MANIFESTAÇÃO, ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO (AGU). CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTÍCIA, SUBMISSÃO, REGIME DE PRECATÓRIO. SEQUESTRO, VERBA PÚBLICA, DESCUMPRIMENTO, PAGAMENTO PARCELADO, ADCT. SEQUESTRO, COMPROVAÇÃO, PRETERIÇÃO, ORDEM DE PAGAMENTO, PRECATÓRIO ALIMENTAR. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDÊNCIA, TRANSITO EM JULGADO, MODIFICAÇÃO, REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR (RPV). - VOTO, MIN. ALEXANDRE DE MORAES: AÇÃO DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE, SUPERVENIÊNCIA, PERDA DO OBJETO, ESGOTAMENTO, EFEITO, NORMA.
Legislação
LEG-FED CF ANO-1934 ART-00182 PAR-ÚNICO CF-1934 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-FED CF ANO-1988 ART-00001 ART-00002 ART-00003 ART-00005 "CAPUT" INC-00022 INC-00024 INC-00035 INC-00036 INC-00054 ART-00052 INC-00006 INC-00007 ART-00060 PAR-00004 INC-00003 INC-00004 ART-00100 "CAPUT" PAR-00001 PAR-00002 PAR-00003 PAR-00004 PAR-00005 PAR-00015 PAR-00016 ART-00103 INC-00007 CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-FED EMC-000020 ANO-1998 EMENDA CONSTITUCIONAL LEG-FED EMC-000030 ANO-2000 ART-00002 EMENDA CONSTITUCIONAL LEG-FED EMC-000062 ANO-2009 EMENDA CONSTITUCIONAL LEG-FED EMC-000094 ANO-2016 ART-00002 EMENDA CONSTITUCIONAL LEG-FED EMC-000099 ANO-2017 EMENDA CONSTITUCIONAL LEG-FED EMC-000109 ANO-2021 EMENDA CONSTITUCIONAL LEG-FED EMC-000113 ANO-2021 EMENDA CONSTITUCIONAL LEG-FED EMC-000114 ANO-2021 EMENDA CONSTITUCIONAL LEG-FED ADCT ANO-1988 ART-00033 ART-00078 "CAPUT" PAR-00001 PAR-00002 PAR-00003 PAR-00004 ART-00087 ART-00097 PAR-00001 INC-00001 INC-00002 PAR-00002 INC-00001 LET-A LET-B INC-00002 LET-A LET-B PAR-00004 PAR-00006 PAR-00007 PAR-00008 INC-00001 INC-00002 INC-00003 PAR-00015 ART-00101 "CAPUT" PAR-00001 INC-00001 INC-00002 PAR-00002 INC-00001 INC-00002 LET-A LET-B INC-00003 ART-00102 ART-0107A "CAPUT" ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS LEG-FED LEI-005172 ANO-1966 ART-00170 CTN-1966 CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL LEG-FED PEC-000407 ANO-1996 PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL LEG-FED PEC-000057 ANO-2016 PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL LEG-FED PJLCP-000406 ANO-2016 PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR DO SENADO LEG-FED SUMSTF-000655 SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF
Observação
- Acórdão(s) citado(s): (MODULAÇÃO DE EFEITOS, EMENDA CONSTITUCIONAL 62 DE 2009) ADI 4357 (TP), ADI 4425 (TP). (PAGAMENTO, DIFERENÇA, INDENIZAÇÃO, DESAPROPRIAÇÃO) RE 922144 (TP). (AÇÃO DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE, IMPEDIMENTO, MANIFESTAÇÃO, AGU) ADI 2238 QO (TP), ADI 6362 (TP). (CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTÍCIA, SUBMISSÃO, REGIME DE PRECATÓRIO) ADI 47 (TP), STA 90 AgR (TP), ADI 571 MC (TP). (SEQUESTRO, VERBA PÚBLICA, DESCUMPRIMENTO, PAGAMENTO PARCELADO, ART. 78/ADCT) Rcl 5719 AgR (TP), ADI 1662 (TP), Rcl 2056 (TP), Rcl 2452 (TP), Rcl 3084 (TP), Rcl 5730 (TP). (SEQUESTRO, COMPROVAÇÃO, PRETERIÇÃO, ORDEM DE PAGAMENTO, PRECATÓRIO ALIMENTAR) ADI 1662 (TP), Rcl 1270 (TP), AI 598790 AgR (1ªT). (INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDÊNCIA, TRANSITO EM JULGADO, MODIFICAÇÃO, RPV) RE 729107 (TP), ADI 5100 (TP), RE 861115 AgR (2ªT). (AÇÃO DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE, SUPERVENIÊNCIA, PERDA DO OBJETO, ESGOTAMENTO, EFEITO, NORMA) ADI 4663 MC-Ref (TP), ADPF 477 AgR (TP), ADI 7103 (TP). - Veja SS 4010 do STF. Número de páginas: 148. Análise: 11/10/2024, JRS.
Doutrina
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. CAPPELLETTI, Mauro. O acesso à justiça e a função do jurista em nossa época. Revista de Processo, v. 61, p. 144-260, jan./mar. 1991. p. 148. CARVALHO, Vladimir Souza. Iniciação ao estudo do precatório. Revista de Informação Legislativa, ano 19, n. 76. out./dez. 1982. p. 330-333, 338 e 342. LACERDA, Galeno. O novo direito processual civil e os feitos pendentes. Rio de Janeiro: Forense, 1974. p. 12-13. MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. p. 387, 391-392 e 395.