Jurisprudência STF 1315221 de 20 de Agosto de 2021
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Título
ARE 1315221 AgR
Classe processual
AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO
Relator
ALEXANDRE DE MORAES
Data de julgamento
17/08/2021
Data de publicação
20/08/2021
Orgão julgador
Primeira Turma
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-166 DIVULG 19-08-2021 PUBLIC 20-08-2021
Partes
AGTE.(S) : SUPERVIA - CONCESSIONARIA DE TRANSPORTE FERROVIARIO S/A ADV.(A/S) : THIAGO RAMOS RONDINELLI AGDO.(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Ementa
EMENTA: AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PREGAÇÃO RELIGIOSA EM TRANSPORTE PÚBLICO, DURANTE O HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DO SERVIÇO. INVIOLABILIDADE DA LIBERDADE RELIGIOSA. DIREITO FUNDAMENTAL ASSEGURADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MANIFESTAÇÃO RELIGIOSA EM HORÁRIO E LOCAL INAPROPRIADOS. ABUSO DE DIREITO. PONDERAÇÃO COM OUTROS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1. Trata-se na origem de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de Supervia – Concessionária de Transporte Ferroviário S/A. Na petição inicial, o Parquet informa ter recebido notícia de reclamações de usuários do serviço de transporte por trem prestado pela empresa ré, dando conta de excessos de “pregadores evangélicos, que em voz alta e se utilizando de microfones e Instrumentos musicais prejudicam o sossego dos usuários do serviço de transporte da Supervia, além de obrigá-los, indiscriminadamente, a se submeter a doutrinas religiosas que nem sempre professam (...)” (vol. 1, fl. 3). 2. O acórdão recorrido manteve a sentença que julgou procedente o pedido, para “condenar a empresa ré a providenciar a colocação de avisos em suas bilheterias e trens, comunicando ao público a proibição da realização de cultos religiosos, em qualquer forma de manifestação, em seus vagões, informando, inclusive, sobre a possibilidade de cessação coercitiva, pela autoridade competente, sob pena de multa diária ora fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais)(...)”. 3. No Recurso Extraordinário, a empresa concessionária sustenta que o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ofendeu o art. 5º, inciso VI, da Constituição, “eis que a pretensão do Ministério Público de coibir as manifestações religiosas nos trens operados pela Recorrente, especialmente as pregações das religiões evangélicas, ofende o teor literal do disposto no art. 5º, inciso VI, segundo o qual a liberdade de crença é inviolável, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos”. 4. O Poder Público tem a obrigação constitucional de garantir a plena liberdade religiosa. Entretanto, em face de sua laicidade, não pode ser subserviente, ou mesmo conivente com qualquer dogma ou princípio religioso que possa colocar em risco sua própria laicidade ou a efetividade dos demais direitos fundamentais - entre eles, o princípio isonômico no tratamento de todas as crenças e de seus adeptos, bem como dos agnósticos e ateus. 5. Embora a Constituição Federal indubitavelmente consagre a inviolabilidade de liberdade de crença e de culto, esse direito fundamental admite limitações, levando-se em consideração os direitos fundamentais dos indivíduos não praticantes da religião, dos ateus, bem como o local onde esse direito pode ser praticado. 6. No caso concreto, a forma como o direito à liberdade religiosa está sendo exercido - dentro de vagões de trem, com o uso imoderado de microfones, instrumentos musicais e som alto - não encontra guarida na jurisprudência desta CORTE, que não ampara o proselitismo religioso, que tem por objetivo a conversão de determinada pessoa para que adira a uma religião. 7. A pretexto de proteger a livre manifestação religiosa, a recorrente, na verdade, permite uma espécie de abuso de direito fundamental, ao defender que, em ambiente inapropriado (vagões de trem), as pessoas sejam forçosamente submetidas à pregação religiosa. 8. A Constituição, ao garantir, na forma da lei, a proteção aos “locais de culto”, certamente se referiu a espaços adequados para este fim - no âmbito do qual não se incluem os vagões de trem, no horário de funcionamento do serviço. 9. Agravo Interno a que se nega provimento.
Decisão
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Relator. Primeira Turma, Sessão Virtual de 6.8.2021 a 16.8.2021.
Indexação
- LIBERDADE DE EXPRESSÃO, FUNDAMENTO, DEMOCRACIA, PLURALISMO, IDEIA, TOLERÂNCIA, OPINIÃO. LIBERDADE DE RELIGIÃO, OBSERVÂNCIA, DIVERSIDADE, CRENÇA.
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988 ART-00005 INC-00006 ART-00102 INC-00003 LET-A CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Observação
- Acórdão(s) citado(s): (AUSÊNCIA, DIREITO, GARANTIA, CARÁTER ABSOLUTO) MS 23452 (1ªT), ARE 1267879 (TP). (PROSELITISMO, ABUSO DE DIREITO, LIBERDADE DE EXPRESSÃO) ADI 2566 MC (TP). Número de páginas: 21. Análise: 14/07/2022, JSF.
Doutrina
CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Princípios gerais de direito público. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1966. p. 253. FINOCCHIARO, Francesco. Il fenomeno religioso. I rapporti trà Stato e Chiesa cattolica. I culti non cattolici. Manuale di diritto pubblico. Bolonha: Il Molino, 1994. p. 943-964.