Jurisprudência STF 1235340 de 13 de Novembro de 2024
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Título
RE 1235340
Classe processual
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator
LUÍS ROBERTO BARROSO
Data de julgamento
12/09/2024
Data de publicação
13/11/2024
Orgão julgador
Tribunal Pleno
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 12-11-2024 PUBLIC 13-11-2024
Partes
RECTE.(S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA RECDO.(A/S) : JOEL FAGUNDES DA SILVA ADV.(A/S) : ALEXANDRE SANTOS CORREIA DE AMORIM AM. CURIAE. : INSTITUTO DE GARANTIAS PENAIS - IGP ADV.(A/S) : ANTONIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO E OUTRO(A/S) AM. CURIAE. : GAETS - GRUPO DE ATUAÇÃO DA ESTRATÉGICA DA DEFENSORIA PÚBLICA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DA BAHIA PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO CEARÁ PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO DISTRITO FEDERAL PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO ADV.(A/S) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE SÃO PAULO PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS AM. CURIAE. : INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS - IBCCRIM ADV.(A/S) : MAURÍCIO STEGEMANN DIETER AM. CURIAE. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO AM. CURIAE. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL AM. CURIAE. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO AM. CURIAE. : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO - CONAMP ADV.(A/S) : ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA E OUTRO(A/S) AM. CURIAE. : ANPV - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PREFEITOS E VICE-PREFEITOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL ADV.(A/S) : ALESSANDRA MARTINS GONÇALVES JIRARDI
Ementa
Ementa: Direito constitucional penal. Recurso extraordinário. Feminicídio e Posse ilegal de arma de fogo. Condenação pelo Tribunal do Júri. Soberania dos veredictos. Constitucionalidade da Execução imediata da pena. Recurso extraordinário conhecido e provido. I. Caso em exame 1. Recurso extraordinário, com repercussão geral, interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina contra acórdão em que o Superior Tribunal de Justiça considerou ilegítima a execução imediata da pena imposta ao recorrido, condenado pelo Júri a 26 anos e 8 meses de reclusão, no regime inicial fechado, pelo crime de feminicídio. 2. Hipótese em que o acusado, inconformado com o término do relacionamento, dirigiu-se à casa da sua ex-companheira e, após uma discussão, “sacou da faca que portava e desferiu uma sequência de no mínimo quatro estocadas na vítima”, provocando nela as lesões que foram a causa da sua morte. Após a consumação do homicídio qualificado, o acusado empreendeu fuga, havendo sido encontradas na sua residência arma e munições. II. Questões em discussão 3. Saber se é possível a imediata execução da pena imposta pelo Tribunal do Júri, tendo em vista a soberania dos veredictos. 4. Saber se é constitucional o art. 492, I, “e”, do CPP, que impõe ao magistrado sentenciante, “se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, [...] a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos”. III. Razões de decidir 5. O direito à vida é expressão do valor intrínseco da pessoa humana, constituindo bem jurídico merecedor de proteção expressa na Constituição e na legislação penal (CF, art. 5º, caput, e CP, art. 121). 6. A Constituição prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (CF, art. 5º, XXXVIII, “d”). Prevê, ademais, a soberania do Tribunal do Júri, a significar que sua decisão não pode ser substituída por pronunciamento de qualquer outro tribunal. 7. É certo que o Tribunal de Justiça – ou mesmo um tribunal superior – pode anular a decisão em certos casos, seja ela condenatória ou absolutória, determinando a realização de um novo júri. Todavia, é estatisticamente irrelevante o número de condenações pelo Tribunal do Júri que vêm a ser invalidadas. 8. Não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução imediata da condenação pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso. É que, diferentemente do que se passa em relação aos demais crimes, nenhum tribunal tem o poder de substituir a decisão do júri. 9. Viola sentimentos mínimos de justiça, bem como a própria credibilidade do Poder Judiciário, que o homicida condenado saia livre após o julgamento, lado a lado com a família da vítima. Essa situação se agrava pela indefinida procrastinação do trânsito em julgado, mediante recursos sucessivos, fazendo com que a pena prescreva ou seja cumprida muitos anos após o fato criminoso. 10. Em situações excepcionais, caso haja indícios de nulidade ou de condenação manifestamente contrária à prova dos autos, o tribunal, valendo-se do poder geral de cautela, poderá suspender a execução da decisão até o julgamento do recurso. 11. A exequibilidade das decisões tomadas pelo corpo de jurados não se fundamenta no montante da pena aplicada, mas na soberania dos seus veredictos. É incompatível com a Constituição Federal legislação que condiciona a execução imediata da pena imposta pelo Tribunal do Júri ao patamar mínimo de 15 anos de reclusão. Necessidade de interpretação conforme à Constituição, com redução de texto, para excluir a limitação de quinze anos de reclusão contida nos seguintes dispositivos do art. 492 do CPP, na redação da Lei nº 13.964/2019: (i) alínea “e” do inciso I; (ii) parte final do § 4º; (iii) parte final do inciso II do § 5º. 12. No caso específico em exame, o réu matou a mulher dentro da própria casa, com quatro facadas, inconformado com o término do relacionamento. O episódio se passou na frente da filha do casal. Após a consumação do homicídio, o acusado fugiu, tendo sido encontradas na sua residência arma e munições. Feminicídio por motivo torpe, por agente perigoso. Prisão que se impõe como imperativo de ordem pública. IV. Dispositivo e tese 13. Recurso extraordinário conhecido e provido para negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus. 14. Tese de julgamento: “A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada”.
Decisão
Após os votos dos Ministros Roberto Barroso (Relator) e Dias Toffoli (Presidente), que conheciam e davam provimento ao recurso extraordinário para negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, fixando, para tanto, a seguinte tese de julgamento (tema 1.068 da repercussão geral): "A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada"; e do voto do Ministro Gilmar Mendes, que negava provimento ao recurso extraordinário de modo a manter a vedação à execução imediata da pena imposta pelo Tribunal do Júri, assentando a seguinte tese: "A Constituição Federal, levando em conta a presunção de inocência (art. 5º, inciso LV), e a Convenção Americana de Direitos Humanos, em razão do direito de recurso do condenado (art. 8.2.h), vedam a execução imediata das condenações proferidas por Tribunal do Júri, mas a prisão preventiva do condenado pode ser decretada motivadamente, nos termos do art. 312 do CPP, pelo Juiz Presidente a partir dos fatos e fundamentos assentados pelos Jurados" e, ao final, declarava a inconstitucionalidade da nova redação determinada pela Lei 13.964/2019 ao art. 492, I, e, do Código de Processo Penal, pediu vista dos autos o Ministro Ricardo Lewandowski. Falaram: pelo recorrente, o Dr. Fernando da Silva Comin, Procurador-Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina; pelo amicus curiae Instituto de Garantias Penais - IGP, o Dr. Antônio Carlos de Almeida Castro; pelo amicus curiae Defensoria Pública da União, o Dr. Gustavo Zortéa da Silva, Defensor Público Federal; pelo amicus curiae Ministério Público do Estado de São Paulo, o Dr. Mario Luiz Sarrubbo, Procurador-Geral de Justiça; pelo amicus curiae Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM, o Dr. Maurício Stegemann Dieter; pelo amicus curiae Grupo de Atuação da Estratégica da Defensoria Pública nos Tribunais Superiores - GAETS, o Dr. Pedro Paulo Lourival Carriello; e, pelo amicus curiae Ministério Público do Estado de Mato Grosso, o Dr. Vinicius Gahyva Martins, Promotor de Justiça. Plenário, Sessão Virtual de 24.4.2020 a 30.4.2020. Decisão: Após o voto-vista do Ministro Ricardo Lewandowski, que negava provimento ao recurso extraordinário, com a referida declaração incidental de inconstitucionalidade, aderindo integralmente à tese proposta no voto divergente do Ministro Gilmar Mendes; do voto do Ministro Alexandre de Moraes, que acompanhava o Relator, conhecendo do recurso e, no mérito, dando-lhe provimento, cassando o acórdão recorrido e determinando a execução da pena do condenado pelo Tribunal do Júri, e propunha a fixação da seguinte tese (tema 1.068 da repercussão geral): "A prisão do réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não culpabilidade, tendo em vista que as decisões por ele proferidas são soberanas (art. 5º, XXXVIII, da CF)"; e do voto da Ministra Cármen Lúcia, que acompanhava o Relator, pediu vista dos autos o Ministro André Mendonça. A Ministra Rosa Weber (Presidente) antecipou seu voto, acompanhando o voto divergente e a tese proposta pelo Ministro Gilmar Mendes. Plenário, Sessão Virtual de 28.10.2022 a 9.11.2022. Decisão: Após o voto-vista do Ministro André Mendonça, que acompanhava integralmente o eminente Relator, no sentido de conhecer do recurso extraordinário e dar-lhe provimento, para negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, anuindo à tese de julgamento fixada: “A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada”; e do voto do Ministro Edson Fachin, que divergia do Relator e do Ministro Gilmar Mendes, para o fim de reconhecer como ainda constitucional a execução imediata prevista em lei infraconstitucional das penas fixadas acima de quinze anos, em decorrência de condenação pelo tribunal do júri, e no caso concreto, com fundamento diverso do eminente Relator, dava provimento ao recurso para determinar a prisão do recorrido, uma vez que na hipótese a pena em concreto foi quantificada em 26 (vinte e seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão, o processo foi destacado pelo Ministro Gilmar Mendes. Plenário, Sessão Virtual de 30.6.2023 a 7.8.2023. Decisão: Após o voto do Ministro Luís Roberto Barroso (Presidente e Relator), que (a) conhecia do recurso extraordinário e dava-lhe provimento para negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus; (b) dava interpretação conforme à Constituição, com redução de texto, ao art. 492 do CPP, com a redação da Lei nº 13.964/2019, para excluir do referido artigo o limite mínimo de 15 anos para a execução da condenação imposta pelo corpo de jurados; e (c) propunha a fixação da seguinte tese (tema 1.068 da repercussão geral): "A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada"; e do voto do Ministro Gilmar Mendes, que negava provimento ao recurso extraordinário de modo a manter a vedação à execução imediata da pena imposta pelo Tribunal do Júri, declarando a inconstitucionalidade da nova redação conferida pela Lei 13.964/2019 ao art. 492, I, e, do Código de Processo Penal, o julgamento foi suspenso. Falaram: pelo recorrente, o Dr. Fernando Linhares da Silva Júnior, Procurador de Justiça do Estado de Santa Catarina; pelo amicus curiae GAETS - Grupo de Atuação da Estratégica da Defensoria Pública nos Tribunais Superiores, o Dr. Rafael Raphaelli, Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul; pelo amicus curiae Defensoria Pública da União, o Dr. Leonardo Cardoso de Magalhães, Defensor Público-Geral Federal; e, pelo amicus curiae Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - CONAMP, o Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Não votam os Ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin, sucessores, respectivamente, dos Ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, que proferiram seus votos em assentada anterior. Plenário, 11.9.2024. Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 1.068 da repercussão geral: a) conheceu do recurso extraordinário e deu-lhe provimento para negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus e considerar que, neste caso específico, é possível a prisão imediata do acusado; (b) deu interpretação conforme à Constituição, com redução de texto, ao art. 492 do CPP, com a redação da Lei nº 13.964/2019, excluindo do inciso I da alínea “e” do referido artigo o limite mínimo de 15 anos para a execução da condenação imposta pelo corpo de jurados. Por arrastamento, excluiu do § 4º e do § 5º, inciso II, do mesmo art. 492 do CPP, a referência ao limite de 15 anos; e (c) fixou a seguinte tese: "A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada". Tudo nos termos do voto do Relator, Ministro Luís Roberto Barroso (Presidente), vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, que negavam provimento ao recurso, e os Ministros Edson Fachin e Luiz Fux, que davam provimento ao recurso nos termos de seus votos. Não votaram os Ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin, sucessores, respectivamente, dos Ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, que proferiram seus votos em assentada anterior. Plenário, 12.9.2024.
Tese
A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada.
Tema
1068 - Constitucionalidade da execução imediata de pena aplicada pelo Tribunal do Júri.