Jurisprudência STF 1162 de 09 de Maio de 2025
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Título
ADPF 1162
Classe processual
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
Relator
ANDRÉ MENDONÇA
Data de julgamento
25/04/2025
Data de publicação
09/05/2025
Orgão julgador
Tribunal Pleno
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 08-05-2025 PUBLIC 09-05-2025
Partes
REQTE.(S) : ALIANCA NACIONAL LGBTI E OUTRO(A/S) ADV.(A/S) : AMANDA SOUTO BALIZA (36578/GO) ADV.(A/S) : PAULO ROBERTO IOTTI VECCHIATTI (242668/SP) ADV.(A/S) : GABRIEL DIL (111168/RS) INTDO.(A/S) : CÂMARA MUNICIPAL DE DE PORTO ALEGRE ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA CÂMARA MUNICIPAL DE DE PORTO ALEGRE INTDO.(A/S) : PREFEITO DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE
Ementa
ementa: Direito Constitucional e outras matérias de direito público. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Lei nº 13.154/2022 do município de Porto Alegre/rs. Obrigatoriedade do uso e do ensino da “norma gramatical e vocabulário padrão” em escolas e em atos de comunicação oficial do município. Conhecimento parcial. Ausência de impugnação específica. Usurpação da competência privativa da união para legislar sobre normas gerais de ensino. Inconstitucionalidade formal. Pedido parcialmente conhecido e julgado procedente I. caso em exame 1. Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) ajuizada por entidades representativas da comunidade LGBTI+ contra lei municipal que estabelece a obrigatoriedade do ensino e do uso da “norma gramatical e ortográfica padrão” em estabelecimentos de ensino e atos de comunicação oficial. II. questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se a norma municipal que estabelece a proibição e a punição do uso da “linguagem neutra” em estabelecimentos públicos e privados de ensino (básico, fundamental e superior), bem como em concursos públicos para acesso a cargos públicos na Administração Pública do Município, viola a Constituição. III. razões de decidir 3. Preliminarmente. Legitimidade ativa. O Supremo Tribunal Federal alterou seu entendimento, ampliando o rol de legitimados, incluindo na categoria das entidades de classe as associações que atuam na proteção de direitos fundamentais de grupos vulneráveis, e, portanto, flexibilizando a exigência de que a categoria representada tenha necessariamente caráter econômico ou profissional. Precedentes. 4. Preliminarmente. Atendimento ao princípio da subsidiariedade (art. 4º, §1º, da Lei nº 9.882/1999). O Supremo Tribunal Federal fixou que, em regra, “[o] cabimento de ação direta perante o Tribunal de Justiça desautoriza o conhecimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta em face do mesmo ato do poder público” (v.g. ADPF 958 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, j. 15/08/2023, p. 24/08/2023). Nada obstante, a própria Corte admite exceções a esse posicionamento, em especial quando a arguição tem como objeto questão constitucional relevante, cuja solução transcenda o interesse do ente federativo em questão e demande uniformização de caráter nacional. Nesse sentido, em diversas arguições ajuizadas justamente contra normas municipais de idêntica temática, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a ADPF se mostra o “único instrumento para, de forma nacional, resolver a questão” (ADPF nº 462, Rel. Min. Edson Fachin, j. 01/07/2024, p. 22/08/2024). Precedentes. 5. Preliminarmente. Ausência de impugnação específica da legislação questionada. Ainda que, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a causa de pedir nas ações de controle concentrado seja aberta (v.g. ADI nº 5.383, Rel. Min. Rosa Weber, j. 16/11/2021, p. 22/11/2021), isso não retira a obrigatoriedade do requerente de fundamentar todos os pedidos que sejam apresentados em sua petição inicial (art. 3º, inciso I, da Lei nº 9.868/1999 e art. 3º, inciso III, da Lei nº 9.882/1999). Em outros termos, embora o STF não esteja adstrito à causa de pedir apresentada pelo requerente, é dever do autor da ação de controle concentrado fundamentar seus pedidos, sob pena de não conhecimento (total ou parcial) da inicial. Não conhecimento da ação quanto à obrigatoriedade do uso da “norma gramatical e ortográfica padrão” por falta de impugnação específica. 6. Mérito. Os Municípios não dispõem de competência legislativa para a edição de normas que tratem de currículos, conteúdos programáticos, metodologias de ensino ou modos de exercício da atividade docente. A eventual necessidade de suplementação da legislação federal, com vistas à regulamentação de interesse local (art. 30, I e II, CF), não justifica a proibição de conteúdo pedagógico, não correspondente às diretrizes fixadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996). Precedentes. 7. Mérito. Ao estabelecer regras gerais em relação ao uso e ao aprendizado da língua portuguesa em estabelecimentos de ensino localizados no Município de Porto Alegre (art. 1º e 4º) e ao prever sanções em caso de descumprimento dessas diretrizes (art. 3º), a Lei municipal nº 13.154/2022 contém, nessas partes, inegável vício de inconstitucionalidade formal, pois regula, ao mesmo tempo: (i) matéria de interesse nacional (art. 13 da Constituição) e (ii) tema cuja edição de normas gerais é de competência legislativa privativa da União (artigos 22, inciso XXIV, e 24, inciso IX, da Constituição). IV. Dispositivo e tese 8. Arguição de descumprimento de preceito fundamental parcialmente conhecida e, na parte conhecida, julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade formal dos artigos 1º, 3º (no que se refere ao ensino da língua portuguesa) e 4º da Lei municipal nº 13.154/2022, do Município de Porto Alegre/RS. Tese de julgamento: é formalmente inconstitucional norma estadual ou municipal que disponha sobre a língua portuguesa, por violação à competência legislativa da União. _________ Dispositivos relevantes citados: artigo 22, inciso XXIV, artigo 24, inciso IX, da CF; artigo 13 da CF; Lei nº 9.394/1999; artigo 3º, inciso I, da Lei nº 9.868/1999; artigo 3º, inciso III, da Lei nº 9.882/1999; artigo 103, §1º da CF; artigo 50, §2º, do RISTF; artigo 12 da Lei nº 9.868/1999. Jurisprudência relevante citada: ADI nº 7.019, ADPF nº 457, ADPF nº 1.160, ADPF nº 1.161, ADI nº 6.312/RS, ADI nº 6.592/AM, ADPF nº 958 AgR, ADPF nº 33/PA, ADPF nº 388/DF, ADPF nº 54.
Decisão
O Tribunal, por maioria, conheceu parcialmente da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental e, na parte conhecida, julgou procedentes os pedidos para declarar a inconstitucionalidade formal dos artigos 1º, 3º (no que se refere ao ensino da língua portuguesa) e 4º da Lei municipal nº 13.154/2022, do Município de Porto Alegre/RS, com a fixação da seguinte tese de julgamento: “É formalmente inconstitucional norma estadual ou municipal que disponha sobre a língua portuguesa, por violação à competência legislativa da União”. Tudo nos termos do voto do Relator, Ministro André Mendonça, vencidos parcialmente os Ministros Cristiano Zanin e Nunes Marques. Plenário, Sessão Virtual de 11.4.2025 a 24.4.2025.