Jurisprudência STF 1083955 de 07 de Junho de 2019
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Título
RE 1083955 AgR
Classe processual
AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator
LUIZ FUX
Data de julgamento
28/05/2019
Data de publicação
07/06/2019
Orgão julgador
Primeira Turma
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-122 DIVULG 06-06-2019 PUBLIC 07-06-2019
Partes
AGTE.(S) : CASCOL COMBUSTÍVEIS PARA VEÍCULOS LTDA E OUTRO(A/S) ADV.(A/S) : MARCELO LUIZ AVILA DE BESSA ADV.(A/S) : FERNANDA GUIMARÃES HERNANDEZ AGDO.(A/S) : CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL
Ementa
Ementa: AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ECONÔMICO E ADMINISTRATIVO. CONCORRÊNCIA. PRÁTICA LESIVA TENDENTE A ELIMINAR POTENCIALIDADE CONCORRENCIAL DE NOVO VAREJISTA. ANÁLISE DO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. INCURSIONAMENTO NO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO STF. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A capacidade institucional na seara regulatória, a qual atrai controvérsias de natureza acentuadamente complexa, que demandam tratamento especializado e qualificado, revela a reduzida expertise do Judiciário para o controle jurisdicional das escolhas políticas e técnicas subjacentes à regulação econômica, bem como de seus efeitos sistêmicos. 2. O dever de deferência do Judiciário às decisões técnicas adotadas por entidades reguladoras repousa na (i) falta de expertise e capacidade institucional de tribunais para decidir sobre intervenções regulatórias, que envolvem questões policêntricas e prognósticos especializados e (ii) possibilidade de a revisão judicial ensejar efeitos sistêmicos nocivos à coerência e dinâmica regulatória administrativa. 3. A natureza prospectiva e multipolar das questões regulatórias se diferencia das demandas comumente enfrentadas pelo Judiciário, mercê da própria lógica inerente ao processo judicial. 4. A Administração Pública ostenta maior capacidade para avaliar elementos fáticos e econômicos ínsitos à regulação. Consoante o escólio doutrinário de Adrian Vermeule, o Judiciário não é a autoridade mais apta para decidir questões policêntricas de efeitos acentuadamente complexos (VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: An institutional theory of legal interpretation. Cambridge: Harvard University Press, 2006, p. 248–251). 5. A intervenção judicial desproporcional no âmbito regulatório pode ensejar consequências negativas às iniciativas da Administração Pública. Em perspectiva pragmática, a invasão judicial ao mérito administrativo pode comprometer a unidade e coerência da política regulatória, desaguando em uma paralisia de efeitos sistêmicos acentuadamente negativos. 6. A expertise técnica e a capacidade institucional do CADE em questões de regulação econômica demanda uma postura deferente do Poder Judiciário ao mérito das decisões proferidas pela Autarquia. O controle jurisdicional deve cingir-se ao exame da legalidade ou abusividade dos atos administrativos, consoante a firme jurisprudência desta Suprema Corte. Precedentes: ARE 779.212-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 21/8/2014; RE 636.686-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 16/8/2013; RMS 27.934 AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe de 3/8/2015; ARE 968.607 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 15/9/2016; RMS 24.256, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 18/10/2002; RMS 33.911, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 20/6/2016. 7. Os controles regulatórios, à luz do consequencialismo, são comumente dinâmicos e imprevisíveis. Consoante ressaltado por Cass Sustein, “as normas regulatórias podem interagir de maneira surpreendente com o mercado, com outras normas e com outros problemas. Consequências imprevistas são comuns. Por exemplo, a regulação de novos riscos pode exacerbar riscos antigos (...). As agências reguladoras estão muito melhor situadas do que os tribunais para entender e combater esses efeitos” (SUSTEIN, Cass R., "Law and Administration after Chevron”. Columbia Law Review, v. 90, n. 8, p. 2.071-2.120, 1990, p. 2.090). 8. A atividade regulatória difere substancialmente da prática jurisdicional, porquanto: “a regulação tende a usar meios de controle ex ante (preventivos), enquanto processos judiciais realizam o controle ex post (dissuasivos); (...) a regulação tende a utilizar especialistas (...) para projetar e implementar regras, enquanto os litígios judiciais são dominados por generalistas” (POSNER, Richard A. "Regulation (Agencies) versus Litigation (Courts): an analytical framework". In: KESSLER, Daniel P. (Org.), Regulation versus litigation: perspectives from economics and law, Chicago: The University of Chicago Press, 2011, p. 13). 9. In casu, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, após ampla análise do conjunto fático e probatório dos autos do processo administrativo, examinou circunstâncias fáticas e econômicas complexas, incluindo a materialidade das condutas, a definição do mercado relevante e o exame das consequências das condutas das agravantes no mercado analisado. No processo, a Autarquia concluiu que a conduta perpetrada pelas agravantes se enquadrava nas infrações à ordem econômica previstas nos artigos 20, I, II e IV, e 21, II, IV, V e X, da Lei 8.884/1994 (Lei Antitruste). 10. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE detém competência legalmente outorgada para verificar se a conduta de agentes econômicos gera efetivo prejuízo à livre concorrência, em materialização das infrações previstas na Lei 8.884/1994 (Lei Antitruste). 11. As sanções antitruste, aplicadas pelo CADE por força de ilicitude da conduta empresarial, dependem das consequências ou repercussões negativas no mercado analisado, sendo certo que a identificação de tais efeitos anticompetitivos reclama expertise, o que, na doutrina, significa que “é possível que o controle da “correção” de uma avaliação antitruste ignore estas decisões preliminares da autoridade administrativa, gerando uma incoerência regulatória. Sob o pretexto de “aplicação da legislação”, os tribunais podem simplesmente desconsiderar estas complexidades que lhes são subjacentes e impor suas próprias opções” (JORDÃO, Eduardo. Controle judicial de uma administração pública complexa: a experiência estrangeira na adaptação da intensidade do controle. São Paulo: Malheiros – SBDP, 2016, p. 152-155). 12. O Tribunal a quo reconheceu a regularidade do procedimento administrativo que impusera às recorrentes condenação por práticas previstas na Lei 8.884/1994 (Lei Antitruste), razão pela qual divergir do entendimento firmado no acórdão recorrido demandaria o reexame dos fatos e provas, o que não se revela cognoscível em sede de recurso extraordinário, face ao óbice erigido pela Súmula 279 do STF. 13. Agravo regimental a que se NEGA PROVIMENTO.
Decisão
A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo, nos termos do voto do Relator. Não participou, justificadamente, deste julgamento, o Ministro Luís Roberto Barroso. Presidência do Ministro Luiz Fux. Primeira Turma, 28.5.2019.
Indexação
- UTILIZAÇÃO, PODER ECONÔMICO, CRIAÇÃO, OBSTÁCULO, ENTRADA, EMPRESA CONCORRENTE, MERCADO. LOBBY, GOVERNO, DISTRITO FEDERAL, APROVAÇÃO, LEI, PROIBIÇÃO, VENDA, COMBUSTÍVEL, HIPERMERCADO.
Legislação
LEG-FED CF ANO-1988 ART-00102 INC-00003 LET-A CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-FED LEI-008884 ANO-1994 ART-00020 INC-00001 INC-00002 INC-00004 ART-00021 INC-00002 INC-00004 INC-00005 INC-00010 LEI ORDINÁRIA LEG-FED SUMSTF-000279 SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF
Observação
- Acórdão(s) citado(s): (CONTROLE JUDICIAL, MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO, ILEGALIDADE, ABUSO) RMS 24256 (1ªT), RE 636686 AgR (2ªT), RMS 27934 AgR (2ªT), ARE 779212 AgR (1ªT), RMS 33911 (2ªT), ARE 968607 AgR (1ªT). (RE, INFRAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA, REEXAME, FATO, PROVA) RE 1034218 AgR (1ªT). Número de páginas: 21. Análise: 30/07/2019, AMA.
Doutrina
JORDÃO, Eduardo. Controle judicial de uma administração pública complexa: a experiência estrangeira na adaptação da intensidade do controle. São Paulo: Malheiros; SBDP, 2016. p. 152-155. POSNER, Richard A. Regulation (Agencies) versus Litigation (Courts): an analytical framework. In: KESSLER, Daniel P. (Org.), Regulation versus litigation: perspectives from economics and law. Chicago: The University of Chicago Press, 2011. p. 13. SUNSTEIN, Cass R. Law and Administration after Chevron. Columbia Law Review, v. 90, n. 8, p. 2071-2120, 1990. p. 2090. VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty: an institutional theory of legal interpretation. Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 248–251.