Jurisprudência STF 1017365 de 15 de Fevereiro de 2024

Publicado por Supremo Tribunal Federal


Título

RE 1017365

Classe processual

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Relator

EDSON FACHIN

Data de julgamento

27/09/2023

Data de publicação

15/02/2024

Orgão julgador

Tribunal Pleno

Publicação

PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 14-02-2024 PUBLIC 15-02-2024

Partes

RECTE.(S) : FUNDAÇÃO NACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL FEDERAL RECDO.(A/S) : INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE DE SANTA CATARINA - IMA - NOVA DENOMINACAO DO FATMA PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA ADV.(A/S) : ALISSON DE BOM DE SOUZA ADV.(A/S) : MARISTELA APARECIDA SILVA ADV.(A/S) : CAMILA DE ALCANTARA RICO ADV.(A/S) : DEBORA TIEMI SCOTTINI ADV.(A/S) : DEBORAH MARIA FERREIRA GOMES ADV.(A/S) : LUIZ EDUARDO MARINHO RAUEN ADV.(A/S) : GERALDO STELIO MARTINS ADV.(A/S) : JULIANA CASSANELLI MACHADO RECDO.(A/S) : COMUNIDADE INDÍGENA XOKLENG, TERRA INDÍGENA IBIRAMALA KLAÑO ADV.(A/S) : RAFAEL MODESTO DOS SANTOS ADV.(A/S) : CARLOS FREDERICO MARES DE SOUZA FILHO AM. CURIAE. : CONSELHO INDIGENISTA MISSIONARIO - CIMI ADV.(A/S) : RAFAEL MODESTO DOS SANTOS ADV.(A/S) : PALOMA GOMES AM. CURIAE. : CONSELHO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS - CNDH ADV.(A/S) : LEANDRO GASPAR SCALABRIN AM. CURIAE. : FIAN BRASIL - ORGANIZAÇÃO PELO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO E À NUTRIÇÃO ADEQUADAS ADV.(A/S) : ADELAR CUPSINSKI AM. CURIAE. : INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL - ISA ADV.(A/S) : JULIANA DE PAULA BATISTA AM. CURIAE. : INDIGENISTAS ASSOCIADOS - INA ADV.(A/S) : MAURO DE AZEVEDO MENEZES ADV.(A/S) : GUSTAVO TEIXEIRA RAMOS AM. CURIAE. : FUNDAÇÃO LUTERANA DE DIACONIA - FLD ADV.(A/S) : LUCIA HELENA VILLAR PINHEIRO AM. CURIAE. : CONSELHO INDÍGENA DE RORAIMA - CIR ADV.(A/S) : IVO CÍPIO AURELIANO AM. CURIAE. : COORDENAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA - COIAB ADV.(A/S) : LUIZ HENRIQUE ELOY AMADO ADV.(A/S) : MARIA JUDITE DA SILVA BALLERIO GUAJAJARA ADV.(A/S) : CRISTIANE SOARES DE SOARES ADV.(A/S) : EDNALDO ROGERIO TENORIO VIEIRA ADV.(A/S) : FELIPE MARTINS CANDIDO ADV.(A/S) : EWESH YAWALAPITI WAURA AM. CURIAE. : CONFEDERACAO DA AGRICULTURA E PECUARIA DO BRASIL - CNA ADV.(A/S) : RUDY MAIA FERRAZ AM. CURIAE. : MOVIMENTO UNIDO DOS POVOS E ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DA BAHIA - MUPOIBA ADV.(A/S) : SAMARA CARVALHO SANTOS AM. CURIAE. : ATY GUASU KAIOWA GUARANI ADV.(A/S) : ANDERSON DE SOUZA SANTOS AM. CURIAE. : CONSELHO DO POVO TERENA ADV.(A/S) : ANDERSON DE SOUZA SANTOS ADV.(A/S) : LUIZ HENRIQUE ELOY AMADO AM. CURIAE. : CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA - CTI ADV.(A/S) : BRUNO MARTINS MORAIS AM. CURIAE. : ESTADO DE SANTA CATARINA PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA AM. CURIAE. : COMUNIDADE INDÍGENA XUKURU DO ORORUBÁ ADV.(A/S) : GUILHERME ARAÚJO MARINHO MAGALHÃES AM. CURIAE. : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL INTDO.(A/S) : UNIÃO PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO AM. CURIAE. : POVO DA TERRA INDÍGENA PASSO GRANDE DO RIO FORQUILHA E OUTRO(A/S) ADV.(A/S) : IGOR MENDES BUENO AM. CURIAE. : ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL - APIB ADV.(A/S) : ANDERSON DE SOUZA SANTOS ADV.(A/S) : NAIARA YUSY DOLABELLA SAMPAIO AM. CURIAE. : REDE SUSTENTABILIDADE AM. CURIAE. : JOENIA BATISTA DE CARVALHO ADV.(A/S) : RAYSSA CARVALHO DA SILVA ADV.(A/S) : FLAVIA CALADO PEREIRA AM. CURIAE. : COMISSÃO GUARANI YVYRUPA - CGY ADV.(A/S) : ANDRÉ HALLOYS DALLAGNOL ADV.(A/S) : GABRIELA ARAUJO PIRES ADV.(A/S) : JULIA ANDRADE FEREZIN ADV.(A/S) : JULIA CARVALHO NAVARRA ADV.(A/S) : LUISA MUSATTI CYTRYNOWICZ AM. CURIAE. : REDE ECLESIAL PAN-AMAZÔNICA - REPAM - BRASIL ADV.(A/S) : CHANTELLE DA SILVA TEIXEIRA AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS PRODUTORES DE SOJA - APROSOJA ADV.(A/S) : FELIPE COSTA ALBUQUERQUE CAMARGO AM. CURIAE. : SOCIEDADE RURAL BRASILEIRA - SRB ADV.(A/S) : PAULO DORÓN REHDER DE ARAÚJO AM. CURIAE. : GREENPEACE - BRASIL ADV.(A/S) : ALESSANDRA FARIAS PEREIRA AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA - ABA ADV.(A/S) : PAULO MACHADO GUIMARÃES AM. CURIAE. : FAMASUL - FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL ADV.(A/S) : GUSTAVO PASSARELLI DA SILVA AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE ANTÔNIO JOÃO/MS ADV.(A/S) : LUANA RUIZ SILVA AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO DO INDÍGENA KRAHÔ-KANELA APOINKK AM. CURIAE. : POVO KRAHÔ TAKAYWRÁ AM. CURIAE. : UNIÃO DAS ALDEIAS APINAJÉ PEMPXÁ AM. CURIAE. : POVO TAPUIA ADV.(A/S) : JACQUELINE D'ELLEN LEITE PAIVA AM. CURIAE. : CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB ADV.(A/S) : CEZAR BRITTO ADV.(A/S) : PAULO FRANCISCO SOARES FREIRE AM. CURIAE. : COMUNIDADE INDÍGENA APÃNJEKRA CANELA AM. CURIAE. : COMUNIDADE INDÍGENA MEMORTUMRÉ CANELA AM. CURIAE. : COMUNIDADE INDÍGENA AKROÁ-GAMELLA ADV.(A/S) : LUCIMAR FERREIRA CARVALHO AM. CURIAE. : ORGANIZAÇÃO NACIONAL DE GARANTIA AO DIREITO DE PROPRIEDADE - ONGDIP ADV.(A/S) : LUANA RUIZ SILVA AM. CURIAE. : POVO INDÍGENA XAVANTE, DA TERRA INDÍGENA MARÃIWATSÉDÉ ADV.(A/S) : JUVELINO JOSE STROZAKE ADV.(A/S) : CAROLINE PRONER ADV.(A/S) : GABRIEL DARIO MATOS ADV.(A/S) : EDEMIR HENRIQUE BATISTA ADV.(A/S) : DIEGO VEDOVATTO AM. CURIAE. : COMUNIDADE INDÍGENA DO POVO XAKRIABÁ ADV.(A/S) : LETHICIA REIS DE GUIMARÃES AM. CURIAE. : ACRIMAT - ASSOCIAÇÃO DOS CRIADORES DE MATO GROSSO ADV.(A/S) : RODRIGO GOMES BRESSANE AM. CURIAE. : CONECTAS DIREITOS HUMANOS ADV.(A/S) : GABRIEL DE CARVALHO SAMPAIO ADV.(A/S) : JULIA MELLO NEIVA ADV.(A/S) : PAULA NUNES DOS SANTOS ADV.(A/S) : MARCOS ROBERTO FUCHS ADV.(A/S) : RODRIGO FILIPPI DORNELLES ADV.(A/S) : GABRIEL ANTONIO SILVEIRA MANTELLI AM. CURIAE. : A UFPE - UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO ADV.(A/S) : LUIS EMMANUEL BARBOSA DA CUNHA ADV.(A/S) : CAMILLA MONTANHA DE LIMA ADV.(A/S) : FLAVIANNE FERNANDA BITENCOURT NÓBREGA AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO DO POVO HUNI KUI DO ESTADO DO ACRE - FEPHAC, NUKUN HUNIKUINEN BEYA XARABU TSUMASHUN EWAWA ADV.(A/S) : LUCIANA ALVES DE LIMA ADV.(A/S) : DAGOBERTO AZEVEDO BUENO FILHO AM. CURIAE. : ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE CAARAPÓ ADV.(A/S) : CICERO ALVES DA COSTA AM. CURIAE. : ESTADO DO AMAZONAS PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO AMAZONAS AM. CURIAE. : MOVIMENTO DE DEFESA DA PROPRIEDADE E DIGNIDADE - DPD AM. CURIAE. : MUNICIPIO DE CUNHA PORA AM. CURIAE. : MUNICIPIO DE SAUDADES ADV.(A/S) : JAQUELINE MIELKE SILVA AM. CURIAE. : FEDERACAO DA AGRICULTURA DO ESTADO DO PARANA ADV.(A/S) : GUSTAVO PASSARELLI DA SILVA AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA ¿ AJD ADV.(A/S) : DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA ADV.(A/S) : PAULO FRANCISCO SOARES FREIRE AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE PORTO SEGURO ADV.(A/S) : LEANDRO HENRIQUE MOSELLO LIMA ADV.(A/S) : PEDRO JOSE DA TRINDADE FILHO ADV.(A/S) : FLAVIO ROBERTO DOS SANTOS ADV.(A/S) : DANIEL MASELLO MONTEIRO AM. CURIAE. : CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - CFOAB ADV.(A/S) : FELIPE DE SANTA CRUZ OLIVEIRA SCALETSKY ADV.(A/S) : LIZANDRA NASCIMENTO VICENTE ADV.(A/S) : BRUNA SANTOS COSTA AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO DOS PEQUENOS PRODUTORES RURAIS DA GLEBA PORTO VELHO AM. CURIAE. : ASSOCIACAO DOS PRODUTORES RURAIS DA SUIA MISSU - APROSUM AM. CURIAE. : ASSOCIACAO DOS PEQUENOS AGRICULTORES RURAIS DO PROJETO PAREDAO ADV.(A/S) : MARCOS DE SOUZA BOECHAT AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE BELA VISTA ADV.(A/S) : ONOFRE CARNEIRO PINHEIRO FILHO ADV.(A/S) : JANAINA BONOMINI PICKLER GONCALVES AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE ITAPETINGA ADV.(A/S) : FRANKLIN SANTOS FERRAZ ADV.(A/S) : DOMINGOS JOSE BRITTO CORREIA DE MELO ADV.(A/S) : MARCIO VINICIUS LOPES ALVES AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE AQUIDAUANA ADV.(A/S) : PAMELA DE OLIVEIRA PEREIRA AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE AMAMBAI ADV.(A/S) : CHRISTIAN DA SILVA BORTOLOTTO ADV.(A/S) : ANDRE VICENTIN FERREIRA AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE TERRA ROXA ADV.(A/S) : JEAN CARLOS NERI AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE PONTA PORA ADV.(A/S) : GUSTAVO PASSARELLI DA SILVA ADV.(A/S) : JULIANA MIRANDA RODRIGUES DA CUNHA PASSARELLI ADV.(A/S) : GIOVANA DIAS ZAMPIERI DE OMENA AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE PORTO MURTINHO/MS AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE ANASTÁCIO/MS AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE JUTI/MS AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE MARACAJU ADV.(A/S) : GIOVANA DIAS ZAMPIERI DE OMENA ADV.(A/S) : JULIANA MIRANDA RODRIGUES DA CUNHA PASSARELLI ADV.(A/S) : GUSTAVO PASSARELLI DA SILVA AM. CURIAE. : SINDICATO DE TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DE CÁCERES-MT ADV.(A/S) : GABRIEL DARIO DE MATOS SILVA ADV.(A/S) : DIEGO VEDOVATTO ADV.(A/S) : EDEMIR HENRIQUE BATISTA AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE MIRANDA E BODOQUENA AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO RURAL DO VALE DO RIO MIRANDA ADV.(A/S) : CARLOS FERNANDO DE SOUZA AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE ABELARDO LUZ ADV.(A/S) : SERGIO DALBEN ADV.(A/S) : PAULO ROBERTO KOHL AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE ITAMARAJU ADV.(A/S) : PEDRO JOSE DA TRINDADE FILHO ADV.(A/S) : LEANDRO HENRIQUE MOSELLO LIMA AM. CURIAE. : SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE BARRETOS-SP ADV.(A/S) : IGOR MENDES BUENO ADV.(A/S) : FERNANDO HENRIQUE ALVES GONTIJO ADV.(A/S) : RODRIGO DE MEDEIROS SILVA AM. CURIAE. : SINDICATO DOS PRODUTORES RURAIS DE ANAURILÂNDIA-MS ADV.(A/S) : CARLOS ALBERTO GARCEZ COSTA AM. CURIAE. : SINDICATO RURAL DE TACURU/MS ADV.(A/S) : LUANA RUIZ SILVA DE FIGUEIREDO AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO ESTADO DA BAHIA ¿ FAEB ADV.(A/S) : CARLOS ARTUR RUBINOS BAHIA NETO ADV.(A/S) : FERNANDA PEDREIRA FERNANDES ADV.(A/S) : AURELIO PIRES AM. CURIAE. : ASSOCIAÇAO DOS PEQUENOS PRODUTORES RURAIS DO ASSENTAMENTO TERRA NOVA ADV.(A/S) : DENISE CERIZE KOLLING AM. CURIAE. : FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - FARSUL ADV.(A/S) : NESTOR FERNANDO HEIN ADV.(A/S) : FREDERICO SCHULZ BUSS

Ementa

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. POSSE INDÍGENA. TERRA OCUPADA TRADICIONALMENTE POR COMUNIDADE INDÍGENA. POSSIBILIDADES HERMENÊNTICAS DO ARTIGO 231 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DEFINIÇÃO DO ESTATUTO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DAS RELAÇÕES DE POSSE DAS ÁREAS DE TRADICIONAL OCUPAÇÃO INDÍGENA À LUZ DAS REGRAS DISPOSTAS NO ARTIGO 231 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. APERFEIÇOAMENTO DO JULGADO NA PET 3.388. POSSIBILIDADE. DIREITOS INDÍGENAS POSITIVADOS COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS. DEMARCAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA MERAMENTE DECLARATÓRIA DO DIREITO ORIGINÁRIO DOS ÍNDIOS. POSSE INDÍGENA. HABITAT. DISTINÇÃO DA POSSE CIVIL. MARCO TEMPORAL. INSUBSISTÊNCIA. LAUDO ANTROPOLÓGICO. DEMONSTRAÇÃO DA TRADICIONALIDADE DA OCUPAÇÃO INDÍGENA. REDIMENSIONAMENTO DA TERRA INDÍGENA. POSSIBILIDADE SE DESCUMPRIDO O ARTIGO 231. POSSE PERMANENTE E USUFRUTO EXCLUSIVO. NULIDADE DOS TÍTULOS PARTICULARES INCIDENTES EM TERRA INDÍGENA. INDENIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE DA POSSE INDÍGENA E DA PROTEÇAO AMBIENTAL. AÇÕES POSSESSÓRIAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 1. A Constituição de 1988 rompe com um paradigma assimilacionista, que pretendia a progressiva integração do indígena à sociedade nacional, a fim de que deixasse paulatinamente sua condição, para um paradigma de reconhecimento e incentivo ao pluralismo sociocultural e ao direito de existir como indígena. 2. Os direitos dos povos indígenas referentes à posse das terras tradicionais pelas Comunidades Indígenas, mesmo com o grande avanço que a Carta Constitucional de 1988 representou, ainda se encontram pendentes de concretização, a envolver a sobrevivência de pessoas, comunidades, etnias, línguas e modos de vida que compõem, à sua maneira, a pluralidade inerente à sociedade brasileira. 3. É possível que esta Corte promova o aperfeiçoamento do julgado na Pet 3.388, uma vez que o próprio Tribunal admitiu que as condicionantes ali fixadas não foram conformadas como representativas de precedente, a vincular de modo obrigatório as instâncias jurisdicionais inferiores, bem como espraiar seus efeitos de forma automática à Administração Pública na análise dos processos demarcatórios. 4. Ao reconhecer aos indígenas “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, o artigo 231 tutela aos povos indígenas direitos fundamentais, com as consequentes garantias inerentes à sua proteção, quais sejam, consistir em cláusulas pétreas, anteparo em face de maiorias eventuais, interpretação extensiva e vedação ao retrocesso. 5. O texto constitucional reconhece a existência dos direitos territoriais originários dos indígenas, que lhe preexistem, logo, o procedimento administrativo demarcatório não constitui a terra indígena, mas apenas declara que a área é de ocupação pelo modo de viver da comunidade. 6. A posse indígena espelha o habitat de uma comunidade, a desaguar na própria formação da identidade, à conservação das condições de sobrevivência e do modo de vida indígena, distinguindo-se da posse civil, de feição marcadamente econômica e mercantil. 7. A tradicionalidade da ocupação indígena abrange as áreas por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, nos termos do §1º do artigo 231, sempre segundo os usos, costumes e tradição da comunidade. 8. As terras de ocupação tradicional indígena foram objeto de tutela legal desde a colônia e pelas Constituições desde a Lei Magna de 1934, razão pela qual não se justifica normativamente que a Constituição de 1988 constitua termo para verificação dos direitos originários dos índios, pois ausente fratura protetiva em relação à tutela de seus direitos territoriais, a autorizar a apropriação particular dessas áreas. 9. A proteção constitucional aos “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 e da configuração do renitente esbulho como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição. 10. A tradicionalidade da posse indígena refere-se ao modo de ocupação da terra, de acordo com os costumes, usos e tradições da comunidade, demonstrada por meio de trabalho técnico antropológico, a levantar as características históricas, etnográficas, sociológicas e ambientais da ocupação, para determinar se há ou não o cumprimento do disposto no artigo 231, §1º do texto constitucional. 11. A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio pedido de revisão do procedimento demarcatório apresentado até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento. 12. As terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas destinam-se à sua posse permanente e usufruto exclusivo das riquezas do solo, rios e lagos, como desdobramentos da posse qualificada exercida em área de domínio da União, afetada à manutenção do modo de vida comunitário. 13. As terras indígenas configuram-se como res extra commercium, em respeito à natureza pública e afetada à manutenção do bem-estar indígena, razão pela qual, nos termos do §4º do artigo 231 do texto constitucional, são inalienáveis, indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. 14. A cadeia dominial ou possessória de determinada área não impede a realização de procedimento demarcatório, diante da existência de direito originário à posse das terras tradicionalmente ocupadas, nos termos do §6º do artigo 231. 15. Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do §6º do art. 37 da CF. 16. Há compatibilidade constitucional da dupla afetação da área como terra indígena e como de proteção ambiental, assegurando-se às comunidades o exercício dos direitos originários de acordo com seus usos, costumes e tradições. 17. Nas ações possessórias em que conflitem o direito à posse civil, compreendida como expressão dos poderes proprietários, e o direito constitucional indígena à posse das terras tradicionalmente ocupadas, deve-se aferir a presença dos elementos caracterizadores da posse indígena, bem como aplicar ao litígio, de caráter coletivo, o disposto no artigo 536 do Código de Processo Civil. 18. Recurso extraordinário provido, com a fixação da seguinte tese de repercussão geral: “I - A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena; II - A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, nas utilizadas para suas atividades produtivas, nas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e nas necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do §1º do artigo 231 do texto constitucional; III - A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição; IV – Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no §6º do art. 231 da CF/88; V – Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do §6º do art. 37 da CF; VI – Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento; VII – É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT); VIII – A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio pedido de revisão do procedimento demarcatório apresentado até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento; IX - O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.775/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições, na forma do instrumento normativo citado; X - As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes; XI - As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis; XII – A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas; XIII – Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei.”

Decisão

Após a leitura do relatório, o julgamento foi suspenso. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 26.08.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF). Decisão: Em continuidade de julgamento, após a realização de sustentações orais, o julgamento foi suspenso. Falaram: pelo recorrido Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina - IMA - Nova Denominação do Fatma, o Dr. Alisson de Bom de Souza; pela recorrida Comunidade Indígena Xokleng Terra Indígena Ibiramala Klaño, o Dr. Rafael Modesto dos Santos e o Dr. Carlos Frederico Marés de Souza Filho; pela interessada União, o Ministro Bruno Bianco Leal, Advogado-Geral da União; pelo amicus curiae Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB, o Dr. Luiz Henrique Eloy Amado; pelo amicus curiae Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia - MUPOIBA, a Dra. Samara Carvalho Santos; pelos amici curiae Associação Brasileira de Antropologia - ABA e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - CFOAB, o Dr. Paulo Machado Guimarães; pelo amicus curiae Defensoria Pública da União, o Dr. Bruno Arruda, Defensor Público Federal; pelo amicus curiae Associação Juízes para a Democracia - AJD, a Dra. Deborah Duprat; pelo amicus curiae Instituto Socioambiental - ISA, a Dra. Juliana de Paula Batista; pelo amicus curiae Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, o Dr. Raimundo Cezar Britto Aragão; pelo amicus curiae Conselho Indígena de Roraima - CIR, o Dr. Ivo Cípio Aureliano; pelo amicus curiae Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB, a Dra. Cristiane Soares de Soares; pelo amicus curiae Fundação Luterana de Diaconia - FLD, o Dr. Dailor Sartori Junior; pelo amicus curiae Conectas Direitos Humanos, a Dra. Julia Mello Neiva; pelo amicus curiae Comissão Guarani Yvyrupa - CGY, a Dra. Luisa Musatti Cytrynowicz; pelo amicus curiae Estado do Amazonas, o Dr. Daniel Pinheiro Viegas, Procurador do Estado; pelo amicus curiae Greenpeace Brasil, a Dra. Alessandra Farias Pereira; pelo amicus curiae Centro de Trabalho Indigenista - CTI, o Dr. Aluísio Ladeira Azanha; pelo amicus curiae Indigenistas Associados - INA, a Dra. Camila Gomes de Lima; pelo amicus curiae Conselho Indigenista Missionário - CIMI, a Dra. Paloma Gomes; e, pelo amicus curiae Aty Guasu Kaiowa Guarani, o Dr. Anderson de Souza Santos. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 1º.9.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF). Decisão: Em continuidade de julgamento, após a realização das sustentações orais, o julgamento foi suspenso. Falaram: pelo amicus curiae Comunidade Indígena do Povo Xakriabá, a Dra. Lethicia Reis de Guimarães; pelos amici curiae Comunidade Indígena Apãnjekra Canela, Comunidade Indígena Memortumré Canela e Comunidade Indígena Akroá-Gamella, a Dra. Lucimar Ferreira Carvalho; pelo amicus curiae Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM - Brasil, a Dra. Chantelle da Silva Teixeira; pelo amicus curiae Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA, o Dr. Rudy Maia Ferraz; pelo amicus curiae Estado de Santa Catarina, o Dr. Fernando Filgueiras, Procurador do Estado; pelo amicus curiae Associação Brasileira dos Produtores de Soja - APROSOJA, o Dr. Luiz Fernando Vieira Martins; pelo amicus curiae Sociedade Rural Brasileira - SRB, o Dr. Paulo Dorón Rehder de Araújo; pelos amici curiae Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso do Sul - FAMASUL, Federação da Agricultura do Estado do Paraná, Sindicato Rural de Ponta Porã, Sindicato Rural de Anastácio/MS, Sindicato Rural de Porto Murtinho/MS, Sindicato Rural de Juti/MS e Sindicato Rural de Maracaju, o Dr. Gustavo Passarelli da Silva; pelos amici curiae Sindicato Rural de Antônio João/MS, Organização Nacional de Garantia ao Direito de Propriedade - ONGDIP e Sindicato Rural de Tacuru/MS, a Dra. Luana Ruiz Silva de Figueiredo; pelo amicus curiae Sindicato Rural de Caarapó, o Dr. Cícero Alves da Costa; pelos amici curiae Movimento de Defesa da Propriedade e Dignidade - DPD, Município de Cunha Porã e Município de Saudades, a Dra. Jaqueline Mielke Silva; pelo amicus curiae Sindicato Rural de Porto Seguro, o Dr. Flávio Roberto dos Santos; pelos amici curiae Associação dos Pequenos Produtores Rurais da Gleba Porto Velho, Associação dos Produtores Rurais da Suiá Missú - APROSUM e Associação dos Pequenos Agricultores Rurais do Projeto Paredão, o Dr. Marcos de Souza Boechat; pelo amicus curiae Sindicato Rural de Abelardo Luz, o Dr. Paulo Roberto Kohl; pelo amicus curiae Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia - FAEB, o Dr. Rodrigo de Oliveira Kaufmann; pelo amicus curiae Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul - FARSUL, o Dr. Frederico Schulz Buss; e, pela Procuradoria-Geral da República, o Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras, Procurador-Geral da República. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 02.09.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF). Decisão: Após o voto preliminar do Ministro Edson Fachin (Relator), que conhecia do recurso extraordinário, o julgamento foi suspenso. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 08.09.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF). Decisão: Após o voto do Ministro Edson Fachin (Relator), que dava provimento ao recurso extraordinário e propunha fixação de tese (tema 1.031 da repercussão geral); e do início do voto do Ministro Nunes Marques, o julgamento foi suspenso. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 9.9.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF). Decisão: Após o voto do Ministro Nunes Marques, que divergia do Ministro Edson Fachin (Relator), para negar provimento ao recurso extraordinário, propondo a fixação de tese, pediu vista dos autos o Ministro Alexandre de Moraes. Aguardam os demais Ministros. Ausentes, justificadamente, os Ministros Luiz Fux (Presidente) e Roberto Barroso. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber, Vice-Presidente. Plenário, 15.9.2021 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF). Decisão: Após o voto-vista do Ministro Alexandre de Moraes, que acompanhava o Ministro Relator no sentido do provimento do recurso extraordinário, mas propunha tese parcialmente diversa (tema 1.031 da repercussão geral), nos seguintes termos: “I - A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena; II - A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos índios, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do § 1º do artigo 231 do texto constitucional; III - A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição; IV - Inexistindo a presença do marco temporal CF/88 ou de renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada que tem haver por objeto a posse, o domínio, ou a ocupação de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, ou a exploração das riquezas do solo, rios e lagos nela existentes, assistindo ao particular direito à indenização prévia, em face da União, em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, tanto em relação à terra nua, quanto às benfeitorias necessárias e úteis realizadas; V - Na hipótese prevista no item anterior, sendo contrário ao interesse público a desconstituição da situação consolidada e buscando a paz social, a União poderá realizar a compensação às comunidades indígenas, concedendo-lhes terras equivalentes às tradicionalmente ocupadas, desde que haja expressa concordância; VI - O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.776/1996 é elemento fundamental para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições; VII - O redimensionamento de terra indígena não é vedado em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de procedimento demarcatório nos termos das normas de regência; VIII - As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indíos o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes; IX - As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis; X - Há compatibilidade entre a ocupação tradicional das terras indígenas e a tutela constitucional ao meio ambiente.”, pediu vista dos autos o Ministro André Mendonça. Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 7.6.2023. Decisão: Após questão de ordem suscitada pelo Ministro André Mendonça e resolvida em Sessão Virtual do Plenário de 4 a 14 de agosto de 2023, na qual ficou assentado que “Nos recursos extraordinários apreciados sob a sistemática da repercussão geral, o impedimento restringe-se à etapa da votação referente ao processo subjetivo e à conclusão de julgamento aplicada às partes, porém, não se aplica à fixação e votação da tese constitucional, pois nesta não se discutem situações individuais nem interesses concretos. Ou seja, deve-se participar da integralidade do julgamento concernente ao tema de repercussão geral (incluindo voto, debates e sessões correspondentes), apenas deixando de apresentar voto sobre a causa-piloto (caso concreto)”, foi concedida a palavra ao Ministro André Mendonça para seu voto-vista. Na sequência, após o início do voto-vista do Ministro André Mendonça, o julgamento foi suspenso. Ausente, justificadamente, o Ministro Luiz Fux. Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 30.8.2023. Decisão: Em continuidade de julgamento, após o voto-vista do Ministro André Mendonça, adstringindo-se à apreciação do Tema 1.031 da repercussão geral e propondo fixação de tese; do voto do Ministro Cristiano Zanin, que dava provimento ao recurso extraordinário, para, reformando o acórdão recorrido, julgar improcedentes os pedidos iniciais, propondo fixação de tese; e do voto do Ministro Roberto Barroso, que dava provimento ao recurso, acompanhando, por ora, a tese proposta pelo Ministro Cristiano Zanin, o julgamento foi suspenso. Ausente, justificadamente, o Ministro Luiz Fux. Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 31.8.2023. Decisão: Em continuidade de julgamento, após o voto do Ministro Dias Toffoli, que acompanhava o Ministro Edson Fachin no provimento do recurso extraordinário e propunha fixação de tese (1.031 da repercussão geral), o julgamento foi suspenso. Ausente, justificadamente, o Ministro Roberto Barroso. Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 20.9.2023. Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 1.031 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, para julgar improcedentes os pedidos deduzidos na inicial, nos termos do voto do Relator, vencidos o Ministro Nunes Marques, que negava provimento ao recurso, e, parcialmente, os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que davam provimento ao recurso extraordinário, mas devolviam os autos à origem para que, à luz de tese a ser explicitada, fosse apreciada a questão. Em seguida, o julgamento foi suspenso para fixação de tese em assentada posterior. Não vota, quanto ao mérito do recurso extraordinário, o Ministro André Mendonça. Ausente, justificadamente, o Ministro Roberto Barroso. Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 21.9.2023. Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 1.031 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, para julgar improcedentes os pedidos deduzidos na inicial, nos termos do voto do Relator, vencidos o Ministro Nunes Marques, que negava provimento ao recurso, e, parcialmente, os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que davam provimento ao recurso extraordinário, mas devolviam os autos à origem para que, à luz da tese aprovada, fosse apreciada a questão. Não votou, quanto ao mérito do recurso extraordinário, o Ministro André Mendonça, nos termos da questão de ordem apreciada no Plenário virtual. Em seguida, foi fixada a seguinte tese: “I - A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena; II - A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, nas utilizadas para suas atividades produtivas, nas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e nas necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do § 1º do artigo 231 do texto constitucional; III - A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição; IV - Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no § 6º do art. 231 da CF/88; V - Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e, quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do § 6º do art. 37 da CF; VI - Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento; VII - É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT); VIII - A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de pedido de revisão do procedimento demarcatório apresentado até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento; IX - O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.775/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições, na forma do instrumento normativo citado; X - As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes; XI - As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis; XII - A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas; XIII - Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei”. Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 27.9.2023.

Tese

I - A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena; II - A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, nas utilizadas para suas atividades produtivas, nas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e nas necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do § 1º do artigo 231 do texto constitucional; III - A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição; IV - Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no § 6º do art. 231 da CF/88; V - Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e, quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do § 6º do art. 37 da CF; VI - Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento; VII - É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT); VIII - A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de pedido de revisão do procedimento demarcatório apresentado até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento; IX - O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.775/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições, na forma do instrumento normativo citado; X - As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes; XI - As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis; XII - A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas; XIII - Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei.

Tema

1031 - Definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena à luz das regras dispostas no artigo 231 do texto constitucional.