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Informativo do STF 998 de 10/11/2020

Publicado por Supremo Tribunal Federal


PLENÁRIO

DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Auditor independente e rotatividade -

São constitucionais as restrições impostas aos auditores independentes pelo art. 31 da Instrução 308/1999 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) (1). A rotatividade dos auditores independentes, prevista pelo art. 31 da Instrução 308/1999 da CVM, não inviabiliza o exercício profissional, mas o regula com base em decisão técnica, adequada à atividade econômica por ela regulamentada, mostrando-se medida adequada para resguardar a própria idoneidade do auditor, resguardando a imparcialidade do trabalho de auditoria e protegendo os interesses dos investidores, do mercado de capitais e da ordem econômica. A competência atribuída à CVM pela legislação de regência, especialmente no que tange ao exercício do poder de polícia, legitima a restrição, promovida pelo referido art. 31, a direitos fundamentais referentes à livre iniciativa, à livre concorrência e ao exercício profissional. Ademais, a prestação de serviços de auditoria para um mesmo cliente, por um prazo longo, pode comprometer a qualidade desse serviço ou mesmo a independência do auditor na visão do público externo. No caso, trata-se de ação direta proposta em face do aludido art. 31 da Instrução 308/1999 da CVM, que restringe a atividade profissional dos auditores independentes, de forma a vedar a prestação de serviços para um mesmo cliente, por prazo superior a cinco anos consecutivos, exigindo um intervalo mínimo de três anos para a sua recontratação. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido. (1) IN 308/1999 da CVM: “Art. 31 – O Auditor Independente — Pessoa Física e o Auditor Independente — Pessoa Jurídica não podem prestar serviços para um mesmo cliente, por prazo superior a cinco anos consecutivos, contados a partir da data desta Instrução, exigindo-se um intervalo mínimo de três anos para a sua recontratação.”

ADI 3033/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 10.11.2020. (ADI-3033)

DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Compra de votos de parlamentares e inconstitucionalidade formal de EC -

Em tese, é possível o reconhecimento de inconstitucionalidade formal no processo constituinte reformador quando eivada de vício a manifestação de vontade do parlamentar no curso do devido processo constituinte derivado, pela prática de ilícitos que infirmam a moralidade, a probidade administrativa e fragilizam a democracia representativa. O devido processo constituinte reformador não tem apenas aquelas restrições expressas no art. 60 da Constituição Federal (CF) (1), submetendo-se também aos princípios que legitimam a atuação das casas congressuais brasileiras. Inclui-se, no devido processo legislativo, a observância dos princípios da moralidade e da probidade, voltados a “impedir que os dispositivos constitucionais sejam objeto de alteração através do exercício de um poder constituinte derivado distanciado das fontes de legitimidade situadas nos fóruns de uma esfera pública que não se reduz ao Estado”. Nesse sentido, o vício de corrupção da vontade do parlamentar e de seu compromisso com o interesse público subverte o regime democrático e deliberativo adotado pela CF e ofende o devido processo legislativo por contrariar o princípio da representação democrática que deve, obrigatoriamente, nortear a produção de normas jurídicas. Demonstrada a interferência ilícita na fase de votação pela prevalência de interesses individuais do parlamentar, admite-se o reconhecimento de inconstitucionalidade formal de emenda constitucional ou norma infraconstitucional. Entretanto, de acordo com o princípio da presunção de inocência e da legitimidade dos atos legislativos, há de se comprovar que a norma tida por inconstitucional não teria sido aprovada, se não houvesse o grave vício a corromper o regime democrático pela “compra de votos”. Sem a demonstração inequívoca de que sem os votos viciados pela ilicitude o resultado do processo constituinte reformador ou legislativo teria sido outro, com a não aprovação da proposta de emenda constitucional ou com a rejeição do projeto de lei, não se há declarar a inconstitucionalidade de emenda constitucional ou de lei promulgada. Diante desses argumentos, não há inconstitucionalidade formal por vício de decoro parlamentar a ser declarada, por não estar evidenciado que as Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005 foram aprovadas apenas em razão do ilícito “esquema de compra de votos” de alguns parlamentares no curso do processo de reforma constitucional. (1) CF: “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II – do Presidente da República; III – de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais. § 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.”

ADI 4887/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 10.11.2020. (ADI-4887) ADI 4888/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 10.11.2020. (ADI-4888) ADI 4889/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 10.11.2020. (ADI-4889)

DIREITO CONSTITUCIONAL – ORDEM SOCIAL

Benefício social e vinculação ao salário mínimo -

É inconstitucional norma de iniciativa parlamentar que preveja a criação de órgão público e organização administrativa. Isso porque caracterizada afronta à iniciativa privativa do Chefe do Executivo, nos termos dos arts. 25 e 61, § 1º, II, b e e, da Constituição Federal (CF). Essa regra é linear e encerra observância ao princípio da separação dos Poderes, aplicável, por simetria, aos estados. O reconhecimento de vício formal dos dispositivos alusivos ao Conselho Gestor não inviabiliza a consecução do programa social instituído. Nos termos do art. 18 da Lei 1.598/2011, do estado do Amapá, compete ao governador a regulamentação, voltada à operacionalização do pagamento do benefício social, sendo inviável cogitar-se de declaração de inconstitucionalidade por arrastamento. Inviável atrelar-se ao salário mínimo o valor alusivo a benefício social e os respectivos critérios de admissão. No caso, contudo, é possível identificar, nos dispositivos impugnados, sentido que se coaduna com a Carta da República. Visando resguardar a continuidade do programa social, cumpre adotar técnica de controle a ensejar a declaração de insubsistência constitucional da norma apenas quanto a determinado enfoque, emprestando ao preceito interpretação conforme à Lei Maior. Nesse sentido, é possível compreender os preceitos para tomar-se o salário mínimo como parâmetro de fixação de valor unitário, em pecúnia, no instante em que editada a lei, a fim de alcançar-se o montante referente ao benefício, condicionados os reajustes futuros a disciplina própria. A elogiável iniciativa do programa de transferência de renda a integrantes de classes sociais desfavorecidas, no que observados o princípio da dignidade da pessoa humana e o objetivo maior de erradicação da pobreza e da marginalização encerrado no artigo 3º, inciso III, da CF, dá concretude ao que se pode denominar espírito da Carta de 1988. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face de dispositivos da Lei 1.598/2011, do estado do Amapá, de iniciativa da assembleia legislativa, que instituiu o “Programa Renda para Viver Melhor” objetivando reduzir desigualdades sociais e pobreza por meio da transferência de renda mínima a cidadãos em situação de vulnerabilidade. Com base nesse entendimento, o Plenário julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade formal dos artigos 3º, 10 a 13 e 16 do referido diploma legal, bem como conferir interpretação conforme à Constituição aos artigos 5º, c, 9º, e, 14 e 17, assentando a necessidade de serem as alusões ao salário mínimo entendidas como reveladoras do valor vigente na data da publicação do diploma, afastada vinculação futura.

ADI 4726/AP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento virtual finalizado em 10.11.2020. (ADI-4726)

DIREITO ADMINISTRATIVO – SERVIDORES PÚBLICOS

Policiais civis: paridade e integralidade dos proventos de aposentadoria -

É inconstitucional norma que preveja a concessão de aposentadoria com paridade e integralidade de proventos a policiais civis. A Constituição Federal (CF) garantia, até o advento da Emenda Constitucional (EC) 41/2003, a paridade entre servidores ativos e inativos, o que significava exatamente a revisão dos proventos de aposentadoria, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificasse a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade. O § 8º do art. 40 da CF (1), na redação que lhe conferiu a EC 41/2003, substituiu a paridade pela determinação quanto ao reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei. De igual modo, a integralidade, que se traduz na possibilidade de o servidor aposentar-se ostentando os mesmos valores da última remuneração percebida quando em exercício no cargo efetivo por ele titularizado no momento da inativação, foi extinta pela mesma EC 41/2003. É inconstitucional norma que preveja a concessão de “adicional de final de carreira” a policiais civis. O art. 40, § 2º, da CF, na redação dada pela EC 41/2003, dispõe que os proventos de aposentadoria e as pensões, quando de sua concessão, “não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão”. Assim, a remuneração do cargo efetivo no qual se der a aposentadoria é o limite para a fixação do valor dos proventos. Policiais civis e militares possuem regimes de previdência distintos e, portanto, o fato de alguns deles conterem previsão quanto à possibilidade de aposentadoria dos militares em classe imediatamente superior à que ocupava, quando em atividade, não é fundamento legal para a extensão dessa vantagem aos policiais civis. No caso, trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo governador do estado de Rondônia em que se discutem as alterações legislativas promovidas pela Lei Complementar estadual 672/2012. Essa lei complementar estabeleceu regras próprias para a concessão e manutenção dos benefícios previdenciários a serem concedidos para a categoria dos policiais civis. Com o entendimento acima exposto, o Plenário, por maioria, declarou a inconstitucionalidade do § 12 do art. 45 (2) e dos §§ 1º, 4º, 5º e 6º do art. 91-A (3) da Lei Complementar estadual 432/2008, na redação que lhes conferiu a LC 672/2012. Não houve modulação de efeitos da decisão, porquanto a manutenção das aposentadorias concedidas com base na lei declarada inconstitucional resultaria em ofensa à isonomia em relação aos demais servidores civis do estado de Rondônia não abrangidos pelas regras que lhes seriam mais favoráveis. (1) CF: “Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. (...) § 8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei.” (2) LC 432/2008: “Art. 45. No cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo, salvo as hipóteses de aposentadoria dos artigos 46, 48 e 51, será considerada a média aritmética simples das maiores remunerações, utilizando como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondente a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência. (...) § 12. Os proventos e outros direitos do Policial Civil do Estado Inativo e Pensionista serão calculados de acordo com o disposto no artigo 91-A e seus parágrafos e artigo 30, inciso III e, revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração ou subsídio do Policial Civil da ativa.” (3) LC 432/2008 do estado de Rondônia: “Art. 91-A. Os benefícios previdenciários da Categoria da Polícia Civil, de aposentadoria e pensão por morte aos seus dependentes, dar-se-ão em conformidade com o disposto no inciso II, do § 4o do artigo 40, da Constituição Federal e o disposto na Lei Complementar Federal no 51, de 20 de dezembro de 1985. § 1º O Policial Civil do Estado de Rondônia passará para a inatividade, voluntariamente, independente de idade mínima, com proventos integrais e paritários ao da remuneração ou subsídio em que se der a aposentadoria, aos 30 (trinta) anos de contribuição, desde que conte com 20 (vinte) anos de tempo efetivo de serviço público de natureza estritamente policial, a exceção da aposentadoria por compulsória que se dará aos 65 (sessenta e cinco) anos. ( ) § 4º O Policial Civil do Estado de Rondônia fará jus a provento igual à remuneração ou subsídio integral da classe imediatamente superior, ou remuneração normal acrescida de 20% (vinte por cento) para o Policial Civil do Estado na última classe, nos últimos cinco anos que antecederam a passagem para a inatividade, considerando a data de seu ingresso na Categoria da Polícia Civil e desde que: I – ao servidor da Categoria da Polícia Civil do Estado fazer opção formal na Instituição Previdenciária pela contribuição sobre a respectiva verba de classe superior ou verbas transitórias, atendendo o prazo de carência efetiva a ser cumprida, devendo ser comunicado a Coordenadoria Geral de Recursos Humanos – CGRH, para registro funcional na pasta do servidor, sendo da obrigatoriedade do Instituto de Previdência do Estado de Rondônia – IPERON, o entabulamento dos cálculos dos valores a ter a incidência do percentual previdenciário, conforme a opção do serventuário; e II – ao Instituto de Previdência do Estado de Rondônia – IPERON incumbe a responsabilidade do cálculo do resíduo de contribuição eventualmente devido e a ser custeado para cumprimento do interstício de 5 (cinco) anos de contribuição incidente sobre a classe superior ou sobre as verbas de caráter transitório para possível reflexo nos proventos de inatividade. § 5º Os proventos da aposentadoria de que trata este artigo terão, na data de sua concessão, o valor da totalidade da última remuneração ou subsídio do cargo em que se der a aposentadoria e serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração ou subsídio dos servidores em atividade, considerando sempre a data de ingresso do servidor na Categoria da Polícia Civil em virtude das variáveis regras de aposentação e da legislação em vigor. § 6º Serão estendidos aos aposentados quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, incluídos os casos de transformação ou reclassificação do cargo ou da função em que se deu a aposentadoria aos servidores da Categoria da Polícia Civil que tenham paridade e extensão de benefícios de acordo com a legislação em vigor.”

ADI 5039/RO, rel. Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 10.11.2020. (ADI-5039)

SEGUNDA TURMA

DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Liberdade de expressão e restrição à difusão de produto audiovisual em plataforma de “streaming” -

Retirar de circulação produto audiovisual disponibilizado em plataforma de “streaming” apenas porque seu conteúdo desagrada parcela da população, ainda que majoritária, não encontra fundamento em uma sociedade democrática e pluralista como a brasileira. Por se tratar de conteúdo veiculado em plataforma de transmissão particular, na qual o acesso é voluntário e controlado pelo próprio usuário, é possível optar-se por não assistir ao conteúdo disponibilizado, bem como é viável decidir-se pelo cancelamento da assinatura contratada. Além disso, é de se destacar a importância da liberdade de circulação de ideias e o fato de que deve ser assegurada à sociedade brasileira, na medida do possível, o livre debate sobre todas as temáticas, permitindo-se que cada indivíduo forme suas próprias convicções, a partir de informações que escolha obter. Há diversas formas de indicar descontentamento com determinada opinião e de manifestar-se contra ideais com os quais não se concorda — o que, em verdade, nada mais é do que a dinâmica do chamado “mercado livre de ideias”. A censura, com a definição de qual conteúdo pode ou não ser divulgado, deve-se dar em situações excepcionais, para que seja evitada, inclusive, a ocorrência de verdadeira imposição de determinada visão de mundo. Nesse contexto, atos estatais de quaisquer de suas esferas de Poder praticados sob o manto da moral e dos bons costumes ou do politicamente correto apenas servem para inflamar o sentimento de dissenso, de ódio ou de preconceito, afastando-se da aproximação e da convivência harmônica. No caso, trata-se de reclamação constitucional contra julgados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que, ao restringirem a difusão de conteúdo audiovisual em que formuladas sátiras a elementos religiosos inerentes ao Cristianismo, teriam ofendido o decidido por esta Corte na ADPF 130 e na ADI 2.404. Com esse o entendimento, a Turma julgou procedente a reclamação para cassar as decisões reclamadas.

Rcl 38782/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3.11.2020. (Rcl-38782)