Informativo do STF 997 de 30/10/2020
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
DIREITO TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL
PIS e Cofins: alíquota diferenciada e princípios da isonomia, da capacidade contributiva e da livre concorrência -
É constitucional o § 9º do art. 8º da Lei 10.865/2004 (1), a estabelecer alíquotas maiores, quanto à Contribuição ao PIS e à Cofins, consideradas empresas importadoras de autopeças não fabricantes de máquinas e veículos. A adoção de alíquotas diferenciadas de contribuição social para diferentes setores da economia não afronta o princípio da isonomia, tendo em vista a possibilidade de tratamento diverso no campo da política fiscal. O art. 195, § 9º, da Constituição Federal (CF) (2) permite a gradação de alíquotas, a partir do porte da empresa, direcionada às bases de cálculo previstas no inciso I do dispositivo (folha de salários, receita ou faturamento e lucro). Dessa forma, a adoção de alíquotas distintas não vulnera o princípio da capacidade contributiva. A simples intersecção entre as atividades econômicas de agentes de mercado pertencentes a categorias diversas mostra-se insuficiente a caracterizar ausente liberdade de negociação considerado o ramo de atuação. Enquanto as montadoras vinculam a oferta de autopeças à marca que representam, as importadoras comercializam modelos de variados fabricantes. Inexistem parâmetros a evidenciarem o prejuízo concorrencial. Assim, não se observa ofensa à livre concorrência. Não há incompatibilidade da contribuição social com seu uso extrafiscal. A tributação que recai sobre importação revela importante instrumento de equilíbrio da balança comercial, no que direcionada a nivelar a carga fiscal de bens nacionais com importados e induzir comportamentos quanto ao consumo de determinados produtos. Dessa forma, é razoável a medida que, além da equalização dos tributos incidentes sobre bens produzidos no mercado interno em relação àqueles adquiridos no exterior, estimula a instalação de montadoras de veículos no território nacional, visando, sobretudo, à geração de empregos. No caso, empresa importadora de autopeças, mas não fabricante de máquinas e veículos, alegava que a diferenciação de alíquotas prevista no § 9º do art. 8º da Lei 10.865/2004 violaria os princípios da isonomia, da capacidade contributiva e da livre concorrência. Com base nesse entendimento, o Plenário, ao apreciar o Tema 744 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário. (1) Lei 10.865/2004: “Art. 8º As contribuições serão calculadas mediante aplicação, sobre a base de cálculo de que trata o art. 7º desta Lei, das alíquotas: I – 1,65% (um inteiro e, sessenta e cinco centésimos por cento), para o PIS/PASEP-Importação; e II – 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento), para a COFINS-Importação. (...) § 9º Na importação de autopeças, relacionadas nos Anexos I e II da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, exceto quando efetuada pela pessoa jurídica fabricante de máquinas e veículos relacionados no art. 1º da referida Lei, as alíquotas são de: I – 2,3% (dois inteiros e três décimos por cento), para o PIS/PASEP-Importação; e II – 10,8% (dez inteiros e oito décimos por cento), para a COFINS-Importação.” (2) CF: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; (...) § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas diferenciadas em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho, sendo também autorizada a adoção de bases de cálculo diferenciadas apenas no caso das alíneas ‘b’ e ‘c’ do inciso I do caput.”
RE 633345/ES, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento virtual finalizado em 3.11.2020. (RE-633345)
DIREITO ADMINISTRATIVO – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA
Fundação pública com personalidade jurídica de direito privado e regime jurídico -
É constitucional a legislação estadual que determina que o regime jurídico celetista incide sobre as relações de trabalho estabelecidas no âmbito de fundações públicas, com personalidade jurídica de direito privado, destinadas à prestação de serviços de saúde (1). A fundação pública, com personalidade jurídica de direito privado, é dotada de patrimônio e receitas próprias, autonomia gerencial, orçamentária e financeira para o desempenho da atividade prevista em lei [art. 1º da Lei Complementar (LC) 118/2007 do estado do Rio de Janeiro (2)]. Nessa configuração, o Estado não toca serviço público na área da saúde. Ele se utiliza de pessoa interposta — de natureza privada — que, então, adentra o mercado de trabalho e contrata. Assim, havendo uma opção do legislador pelo regime jurídico de direito privado, é decorrência lógica dessa opção que seja adotado para o pessoal das fundações autorizadas o regime celetista. No caso, trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face da LC 118/2007, e do art. 22 da Lei 5.164/2007 (3), ambas do estado do Rio de Janeiro, que dispõem sobre a criação de fundações públicas, com personalidade jurídica de direito privado, destinadas à prestação de serviços de saúde, observado o regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com esse entendimento, o Plenário julgou improcedente o pedido formalizado. Os ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski acompanharam o relator com ressalvas apenas para agregar fundamento específico acerca da distinção entre fundação pública de direito público e fundação pública de direito privado, nos termos do que decidido no RE 716.378, submetido à sistemática da repercussão geral. (1) LC 118/2007 e Lei 5.164/2007 do estado do Rio de Janeiro. (2) LC 118/2007: “Art. 1º. Fica a atividade de saúde enquadrada, para os fins do art. 37, inciso XIX, da Constituição Federal, como área de atuação passível de exercício por fundação pública de direito privado.” (3) Lei 5.164/2007: “Art. 22. O regime jurídico que regerá as relações de trabalho das Fundações, mencionadas nesta Lei, será o previsto na Consolidação das Leis de Trabalho, disciplinado no Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943 e demais normas pertinentes.”
ADI 4247/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento virtual finalizado em 3.11.2020. (ADI-4247)
DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Imposição de obrigações às concessionárias de telefonia e competência privativa da União -
São inconstitucionais normas estaduais que imponham obrigações de compartilhamento de dados com órgãos de segurança pública às concessionárias de telefonia, por configurar ofensa à competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações [Constituição Federal (CF), arts. 21, XI, e 22, IV (1)]. Consagrado, na Carta de 1988, o monopólio da União sobre os serviços públicos de telecomunicações — ainda que a atividade seja delegada a particulares mediante autorização, concessão ou permissão — somente a ela cabe dispor acerca do seu regime de exploração. A matéria foi disciplinada pela União nos arts. 3º, V, VI, IX e XII, e 72 da Lei 9.472/1997. No caso, mesmo sendo necessária e importante a devida instrumentação dos órgãos de segurança pública para viabilizarem a repressão de atos ilícitos, a definição de obrigações e procedimentos, no âmbito da prestação de serviços públicos, não se pode dar de forma não integrada, desvinculada do sistema como um todo. Nesses termos, inclusive medidas bem-intencionadas, ao desconsiderarem o funcionamento do sistema no nível mais amplo, se revelam ineficazes e, também, verdadeiramente contraproducentes na consecução dos fins a que se propõem. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra a Lei 6.336/2013, do estado do Piauí, que impõe às operadoras de telefonia móvel que operam naquela unidade federativa a obrigação de fornecer aos órgãos de segurança pública os dados necessários para a localização de telefones celulares e cartões “SIM” que tenham sido furtados, roubados, obtidos por latrocínio ou utilizados em atividades criminosas. Com esse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado na ação. (1) CF: “Art. 21. Compete à União: (...) XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (...) Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;”
ADI 5040/PI, rel. Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 3.11.2020. (ADI-5040)
DIREITO CONSTITUCIONAL – ORGANIZAÇÃO DO ESTADO
Direito do Consumidor e normas sobre a exposição de produtos orgânicos -
É constitucional norma estadual que disponha sobre a exposição de produtos orgânicos em estabelecimentos comerciais. A regulamentação da matéria está relacionada ao Direito do Consumidor, o que atrai a competência concorrente da União, dos estados e do Distrito Federal [Constituição Federal (CF), art. 24, V (1)]. Além disso, não caracterizada, na espécie, violação à livre iniciativa. Verifica-se, ao contrário, o efetivo cumprimento do dever de informar o consumidor, princípio igualmente essencial para garantia da ordem econômica. À vista disso, o Plenário julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade. (1) CF: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) V – produção e consumo;”
ADI 5166/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 3.11.2020 (ADI-5166)
DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Responsabilidade do Estado: direito à indenização e prisão por motivo político -
É constitucional a Lei 5.751/1998 do estado do Espírito Santo, de iniciativa parlamentar, que versa sobre a responsabilidade do ente público por danos físicos e psicológicos causados a pessoas detidas por motivos políticos. Isso porque a norma impugnada está em consonância com o disposto no art. 37, § 6º (1), da Constituição Federal (CF), que prevê a responsabilidade do Estado por danos decorrentes da prestação de serviços públicos. Além disso, por não se tratar de matéria de iniciativa exclusiva do Poder Executivo (CF, arts. 61, § 1º, e 165), não caracterizada a ocorrência de vício formal. No caso, a norma questionada dispõe sobre o pagamento de indenização a pessoas presas ou detidas por motivos políticos, ou que tenham sofrido maus tratos, que acarretaram danos físicos ou psicológicos, quando se encontravam sob a guarda e responsabilidade ou sob poder de coação de órgãos ou agentes públicos estaduais. A norma estabelece, ainda, o pagamento de pensão especial a pessoas que tenham perdido a sua capacidade laborativa nas mesmas circunstâncias. O Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado em ação direta. (1) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
ADI 3738/ES, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento virtual finalizado em 3.11.2020. (ADI-3738)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AUXILIARES DA JUSTIÇA
Atribuições dos oficiais de justiça -
É constitucional norma que inclui, entre as incumbências dos oficiais de justiça, a tarefa de “auxiliar os serviços de secretaria da vara, quando não estiverem realizando diligência.” Não havendo, na norma atacada, transformação de cargos, alteração de funções nem ocupação de carreira diversa, bem como evidenciada a aderência do dispositivo questionado às atividades atinentes aos oficiais de justiça, não há falar em violação dos princípios da investidura, da legalidade e da moralidade, e, em consequência, em ofensa aos artigos 37, caput e II (1), e 39, § 1º, I, II e III (2), da Constituição Federal (CF). A exigência de realização de novo concurso público por aqueles já nomeados em determinado cargo, a teor do art. 37, II, da CF, tem lugar nos casos de alteração das funções do servidor, de modo a configurar mudança no enquadramento de seu ofício, o que não ocorre no caso. Por outro lado, deflui do preceito impugnado que o seu escopo é o aumento da celeridade e da eficiência na prestação de serviços públicos, majorando sua qualidade no âmbito do Poder Judiciário, mediante a distribuição de tarefas entre os servidores competentes. Além disso, dispõe o Código de Processo Civil [CPC, arts. 154 (3) e 149 (4)] que a competência para a realização de atos auxiliares ao juízo é intrínseca ao cargo de oficial de justiça, como evidencia a análise das suas atribuições, bem como a natureza de auxiliar da Justiça desses servidores. Com base nesse entendimento, o Plenário julgou improcedente ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face do disposto no art. 94, VIII, da Lei Complementar 14/1991 do estado do Maranhão, na redação dada pela Lei Complementar 68/2003. (1) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;” (2) CF: “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. § 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará: I – a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira; II – os requisitos para a investidura; III – as peculiaridades dos cargos.” (3) CPC: “Art. 154. Incumbe ao oficial de justiça: I – fazer pessoalmente citações, prisões, penhoras, arrestos e demais diligências próprias do seu ofício, sempre que possível na presença de 2 (duas) testemunhas, certificando no mandado o ocorrido, com menção ao lugar, ao dia e à hora; II – executar as ordens do juiz a que estiver subordinado; III – entregar o mandado em cartório após seu cumprimento; IV – auxiliar o juiz na manutenção da ordem; V – efetuar avaliações, quando for o caso; VI – certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes, na ocasião de realização de ato de comunicação que lhe couber. Parágrafo único. Certificada a proposta de autocomposição prevista no inciso VI, o juiz ordenará a intimação da parte contrária para manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, sem prejuízo do andamento regular do processo, entendendo-se o silêncio como recusa.” (4) CPC: “Art. 149. São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias.”
ADI 4853/MA, rel. min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 3.11.2020. (ADI-3050)