Informativo do STF 982 de 19/06/2020
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Inquérito para investigar “Fake News” e ameaças contra o STF: constitucionalidade – 2 - O Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), em que se discutia a constitucionalidade da instauração de inquérito pelo Supremo Tribunal Federal (STF), realizada com o intuito de apurar a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e atos que podem configurar crimes contra a honra e atingir a honorabilidade e a segurança do STF, de seus membros e familiares. Por conseguinte, a Corte declarou a constitucionalidade da Portaria GP 69/2019, que instaurou o referido inquérito, e a constitucionalidade do art. 43 (1) do Regimento Interno do STF (RISTF), que lhe serviu de fundamento legal ( Informativo 981 ). Preliminarmente, o Tribunal conheceu da ADPF e converteu o julgamento da medida acauteladora em julgamento definitivo de mérito. Quanto ao mérito, assentou condicionantes no sentido de que o procedimento investigatório: (a) seja acompanhado pelo Ministério Público (MP); (b) seja integralmente observado o Enunciado 14 da Súmula Vinculante; (c) limite o objeto do inquérito a manifestações que, denotando risco efetivo à independência do Poder Judiciário (CF, art. 2º), pela via da ameaça aos membros do STF e a seus familiares, atentam contra os Poderes instituídos, contra o Estado de Direito e contra a democracia; e (d) observe a proteção da liberdade de expressão e de imprensa nos termos da Constituição, excluindo do escopo do inquérito matérias jornalísticas e postagens, compartilhamentos ou outras manifestações (inclusive pessoais) na internet, feitas anonimamente ou não, desde que não integrem esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais. Nesse contexto, o colegiado afirmou que o art. 43 do RISTF pode dar ensejo à abertura de inquérito, contudo, não é e nem pode ser uma espécie de salvo conduto genérico, tornando-se necessário delimitar seu significado. Isso porque a referida regra regimental trata de hipótese de investigação, e deve ser lida sob o prisma do devido processo legal; da dignidade da pessoa humana; da prevalência dos direitos humanos; da submissão à lei; e da impossibilidade de existir juiz ou tribunal de exceção. Além disso, deve ser observado o princípio da separação de Poderes, uma vez que, via de regra, aquele que julga não deve investigar ou acusar. Ao fazê-lo, como permite a norma regimental, esse exercício excepcional submete-se a um elevado grau de justificação e a condições de possibilidade sem as quais não se sustenta. A Corte rememorou, ainda, o sentido do Enunciado 14 da Súmula Vinculante. Explicou que, num Estado de Direito, a total transparência dos atos do poder público é a regra. Restrições pontuais à publicidade devem estar fundadas na defesa da intimidade e do interesse social. O referido verbete tem o objetivo de equilibrar esses valores. Em seguida, enumerou diversos dispositivos constitucionais e de direito internacional voltados à proteção da liberdade de expressão e concluiu que seu regime jurídico garante, por um lado, a impossibilidade de censura prévia, e, por outro, a possibilidade de responsabilização civil e penal posterior. Além disso, a jurisprudência do STF é farta sobre o tema e contempla decisões que protegem a livre circulação de ideias e de manifestações. O STF reconhece que a liberdade de expressão compreende o direito de informar, de buscar informação, de opinar e de criticar. Ressaltou que, atualmente, existe o problema relativo às fake news, disseminadas especialmente pelas mídias sociais. Nesse contexto, não há mais propriamente sujeitos de direito, mas algoritmos que espalham algum tipo de informação. Portanto, mesmo com a preponderância que a liberdade de expressão assume, e de sua posição preferencial, seu uso em casos concretos pode se tornar abusivo. É por essa razão que o exercício legítimo da liberdade de expressão pode estar agregado a alguns condicionantes que balizam a aferição de responsabilidades civis e penais. A esse respeito, a restrição à liberdade de expressão deve ser permeada por alguns subprincípios. Assim, por exemplo, esse direito pode ser limitado se o agente dele se utilizar para o cometimento de crimes ou para a disseminação dolosa de informação falsa. Especificamente no que diz respeito à ameaça, exige-se seriedade, gravidade e verossimilhança, sendo indispensável que o ofendido se sinta ameaçado e acredite que algo de mal lhe pode acontecer. Quando a vítima é agente público, essa exigência é mais rigorosa, pois a submissão à crítica é inerente à sua atividade. A liberdade de expressão, nesse contexto, atua como exercício de direitos políticos e de controle da coisa pública. Isso porque não pode haver privilégios ou tratamentos desiguais com o escopo de beneficiar agentes públicos que exercem o poder em nome do povo. A proibição do dissenso equivale a impor um mandado de conformidade, condicionando a sociedade à informação oficial, ou um efeito dissuasório, culminando com a aniquilação do próprio ato individual de reflexão. Portanto, as exceções à liberdade de expressão são restritas, e seus limites estão na alteridade e na democracia. Nesse sentido, são vedados discursos racistas, de ódio, supressores de direitos e tendentes a excluir determinadas pessoas da sociedade. O Tribunal teceu considerações acerca do sistema investigatório. Ordinariamente, compete ao MP promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei. Dentro do sistema constitucional, a regra é: a autoridade policial investiga, o MP acusa e o juiz julga, e nesse ambiente interagem a advocacia e as defensorias como funções essenciais. O MP não tem exclusividade na investigação preliminar. Em regra, é a polícia judiciária quem conduz a investigação, acompanhada pelo MP, titular da acusação. Segundo a Lei 8.038/1990, o MP oferecerá denúncia ou pedirá arquivamento do inquérito ou das peças informativas. O Plenário discorreu, ainda, sobre a proteção do Estado de Direito e dos Poderes instituídos. Sob esse aspecto, nenhuma disposição constitucional pode ser interpretada ou praticada no sentido de permitir a grupos ou pessoas suprimirem o exercício dos direitos e garantias fundamentais. Assim, por exemplo, um partido político, cujos líderes incitam a violência, defendem políticas que não respeitam a democracia e tentam destruí-la, não pode invocar a proteção contra penalidades impostas por atos praticados com essas finalidades. Não há ordem democrática sem respeito a decisões judiciais. Não há direito que justifique o descumprimento de uma decisão da última instância do Poder Judiciário. Afinal, é o Poder Judiciário o órgão responsável por afastar, mesmo contra maiorias, medidas que suprimam os direitos constitucionais. São inadmissíveis, portanto, a defesa da ditadura, do fechamento do Congresso ou do STF. Não há liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos. Por essa razão, o equilíbrio e a estabilidade entre os Poderes e a preservação da supremacia da Constituição estão ameaçados. Nesse contexto, ausente a atuação dos órgãos de controle com o fim de apurar o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Judiciário e o Estado de Direito, incide o art. 43 do RISTF. Esse dispositivo é regra excepcional que confere ao Judiciário função atípica na seara da investigação, de modo que seu emprego depende de rígido escrutínio. É um instrumento de defesa da própria Constituição, utilizado se houver inércia ou omissão dos órgãos de controle. Ainda que sentidos e práticas à luz desse artigo possam ser inconstitucionais, há uma interpretação constitucional. Nesse quadro, a apuração inaugurada com fundamento nesse dispositivo regimental destina-se a reunir elementos que subsidiarão a representação ou encaminhamento ao MP. Os elementos reunidos pelo STF justificam a propositura da ação penal mediante o encaminhamento ao MP dos elementos necessários para essa finalidade. As informações equivalem às que são coligidas em um inquérito. Como as ofensas são em massa e difusas, o inquérito se justifica para coligir esses elementos. Ademais, o STF pode, diante da ciência da ocorrência em tese de um crime, determinar a instauração de inquérito, mesmo que não envolva autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição. Muito embora o dispositivo regimental exija que os fatos apurados ocorram na sede ou dependência do próprio STF, o caráter difuso dos crimes cometidos por meio da internet permite estender o conceito de “sede”, uma vez que o STF exerce jurisdição em todo o território nacional. Logo, os crimes objeto do inquérito, contra a honra e, portanto, formais, cometidos em ambiente virtual, podem ser considerados como cometidos na sede ou dependência do STF. A instauração do inquérito justifica-se, desse modo, para preservar a etapa de coleta de provas, evitando que matérias próprias do STF sejam submetidas a jurisdições incompetentes; e para impedir que suas ordens, autoridade e honorabilidade sejam desobedecidas ou ignoradas. Por sua vez, é imprescindível a obediência ao juiz natural. De acordo com a regra regimental, o ministro competente para presidir o inquérito é o presidente da Corte, ou seu delegatário. Nesse caso, a delegação pode afastar a distribuição por sorteio, embora esta também seja uma via legítima. No tocante aos atos já praticados no curso do inquérito, sua eficácia deve ser preservada até a data desse julgamento. Ao MP competirá, derradeiramente, diante dos elementos colhidos, propor eventual ação penal ou promover o arquivamento respectivo. O colegiado concluiu no sentido de que as investigações não têm como objeto qualquer ofensa ao agente público, mas devem se limitar às manifestações que denotam risco efetivo à independência do Judiciário, pela via da ameaça a seus membros e, assim, risco aos Poderes instituídos, ao Estado de Direito e à democracia. Atos atentatórios contra o STF, que incitem seu fechamento, a morte e a prisão de seus membros, a desobediência a seus atos, o vazamento de informações sigilosas, não são manifestações protegidas pela liberdade de expressão. O dissenso intolerável é aquele que visa a impor com violência o consenso. Vencido o ministro Marco Aurélio, que julgou procedente o pedido formulado na ADPF para fulminar o inquérito. Segundo o ministro, o inquérito resultou de ato individual do presidente do STF e não passou pelo crivo do colegiado. Além disso, o relator do inquérito foi escolhido a dedo, sem a observância do sistema democrático de distribuição. Ademais, a portaria foi editada com base no art. 43 do RISTF. Ocorre que a Constituição Federal de 1988, ao consagrar sistema acusatório, não recepcionou o referido artigo do RISTF. Pontuou que, em Direito, o meio justifica o fim, jamais o fim justifica o meio utilizado. (1) RISTF: “Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.”
ADPF 572 MC/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 17 e 18.6.2020. (ADPF-572)
PRIMEIRA TURMA
DIREITO CONSTITUCIONAL – RECLAMAÇÃO
Designação de escriturários para cargos de nível superior e imposição de realização de concurso público – 2 - A Segunda Turma retomou julgamento de agravo regimental interposto de decisão que negou seguimento a reclamação na qual se aponta a inobservância do que decidido no RE 960.429 ( Tema 922 da repercussão geral), considerada a suspensão nacional dos feitos sobre o mesmo tema ( Informativo 970 ). O ministro Alexandre de Moraes acompanhou a divergência inaugurada pelo ministro Luiz Fux, para dar provimento ao agravo. Asseverou que o acórdão reclamado não se limitou a proibir a designação interna de funcionários de carreira administrativa para o exercício de determinados cargos no Banco do Brasil, que exigiam formação de nível superior. Se houvesse somente a discussão interna de acesso a cargos, a competência seria da Justiça do Trabalho. Segundo o ministro, na ação civil pública, requereu-se a realização de concurso público para ingresso nesses cargos. O acórdão reclamado não só ordenou a realização do certame, mas estabeleceu o prazo de dois anos para que a entidade bancária adotasse as medidas necessárias. Isso evidencia ter se adentrado em fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal. Caracterizada, portanto, fase pré-contratual, incide o Tema 992 — com tese fixada pelo Plenário desta Corte (1) —, a justificar a competência da Justiça comum para o exame do caso. Em seguida, o Ministro Roberto Barroso pediu vista dos autos. (1) Tema 992 da repercussão geral: “Compete à Justiça comum processar e julgar controvérsias relacionadas à fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal e eventual nulidade do certame em face da Administração Pública, direta e indireta, nas hipóteses em que adotado o regime celetista de contratação de pessoal.”
Rcl 32298 AgR/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 16.6.2020. (Rcl-32298)
DIREITO ADMINISTRATIVO – AGENTES PÚBLICOS
Servidor aposentado pelo RGPS e reintegração sem concurso - A Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravos regimentais em recursos extraordinários com agravo para julgar improcedentes pedidos formulados por servidores públicos municipais, que, depois de se aposentarem voluntariamente, pretendiam ser reintegrados aos mesmos cargos que ocupavam anteriormente. Trata-se de servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo, que requereram aposentadoria perante o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pois o município não possui regime próprio de previdência. Posteriormente, mediante ação judicial, postularam a aludida reintegração, ao fundamento de que seria cabível a percepção simultânea de vencimentos de cargo público com proventos de aposentadoria, pagos pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS). A Turma considerou inadmissível que o servidor efetivo, depois de aposentado regularmente, seja reconduzido ao mesmo cargo sem a realização de concurso público, com o intuito de cumular vencimentos e proventos de aposentadoria. Se o servidor é aposentado pelo RGPS, a vacância do cargo respectivo não implica direito à reintegração ao mesmo cargo sem a realização de concurso. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Rosa Weber, que negaram provimento aos agravos ao fundamento de que a matéria implicaria análise de legislação infraconstitucional.
ARE 1234192 AgR/PR, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 16.6.2020. (ARE-1234192) ARE 1250903 AgR/PR, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 16.6.2020. (ARE-1250903)
DIREITO PENAL – REINCIDÊNCIA
Comprovação da reincidência – Inexistência de forma específica - A Primeira Turma negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que indeferiu a ordem de habeas corpus impetrado em face de acórdão do Superior Tribunal de Justiça. Nas razões do agravo regimental, a defesa insistiu na existência de ilegalidade no reconhecimento da reincidência em desfavor da paciente. Alegou que a reincidência foi reconhecida com base em informações processuais extraídas dos sítios eletrônicos de tribunais — documentação precária e, portanto, sem aptidão para comprovar o trânsito em julgado de condenações anteriores. O colegiado considerou que, conforme jurisprudência da Corte, para fins de comprovação da reincidência, é necessária documentação hábil que traduza o cometimento de novo crime depois de transitar em julgado a sentença condenatória por crime anterior, mas não se exige, contudo, forma específica para a comprovação [Código Penal (CP), art. 63] (1). Nessa linha, não há ilegalidade no ato dito coator, no ponto em reconhecida a existência de reincidência a partir do uso de informações processuais extraídas dos sítios eletrônicos de tribunais. Ademais, a verossimilhança das informações que embasaram o reconhecimento da reincidência não foi superada pela defesa, que apenas apontou ser precária a documentação que a lastreia. Ou seja, a defesa repisa a inviabilidade da reincidência pela mera repulsa à forma pela qual essa agravante fora reconhecida na origem, mas não traz prova pré-constituída apta a desconstituir seu conteúdo. Inviável, dessa forma, concluir de forma diversa das instâncias ordinárias. (1) CP: “Art. 63 – Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.”
HC 162548 AgR/SP, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 16.6.2020. (HC-162548)