Informativo do STF 980 de 05/06/2020
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
DIREITO CONSTITUCIONAL – ORDEM SOCIAL
Verbas destinadas à educação e bloqueio judicial - O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) para declarar a inconstitucionalidade de quaisquer medidas de constrição judicial que recaiam sobre verbas destinadas à educação, bem como para afastar a submissão ao regime de precatório das Caixas Escolares ou Unidades Descentralizadas de Educação (UDEs), em razão da sua natureza jurídica de direito privado, de não integrar a Administração Pública, de não compor o orçamento público e da ratio que inspira a gestão descentralizada da coisa pública. Na ADPF, questionava-se a constitucionalidade de decisões da justiça trabalhista que determinaram o bloqueio de verbas destinadas ao custeio de merenda escolar, transporte de alunos e manutenção das escolas públicas do estado do Amapá. Inicialmente, o colegiado explicou que as Caixas Escolares consistem em Unidades Executoras Próprias (UEx), que recebem recursos públicos destinados à educação, via transferência, para a melhoria da infraestrutura física e pedagógica, o reforço da autogestão escolar e a elevação dos índices de desempenho da educação básica, por meio da gestão descentralizada. Encontram-se inseridas em uma política de descentralização dos recursos destinados às escolas, intitulada Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), que presta assistência financeira às escolas públicas da educação básica das redes estaduais, municipais e do Distrito Federal e às escolas privadas de educação especial mantidas por entidades sem fins lucrativos. Os recursos do programa são transferidos de acordo com o número de alunos e com o censo escolar do ano anterior ao do repasse. Por sua vez, a assistência financeira a ser concedida a cada estabelecimento de ensino é admitida via repasse diretamente à unidade executora ou à entidade representativa da comunidade escolar. As unidades executoras das escolas instituídas e mantidas pelo Poder Público consistem em sociedades civis com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que têm por finalidade receber e gerenciar os recursos destinados às escolas, inclusive aqueles recebidos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Estabeleceu-se, desse modo, a possibilidade de os recursos destinados à educação serem repassados a associações privadas sem fins lucrativos, às quais cabe geri-los em benefício da escola. A inovação do programa reside justamente na descentralização da gestão financeira de recursos da educação para a sociedade civil. Vê-se, assim, que as Caixas Escolares, enquanto unidades executoras próprias, foram criadas para viabilizar o repasse de verbas públicas diretamente às escolas, conferindo-lhes maior autonomia na aplicação dos recursos de acordo com as necessidades particulares de cada localidade. A ratio é a descentralização da gestão da educação para maior agilidade e eficiência. Assim, é preciso identificar o que é constitucionalmente exigido de forma invariável e diferenciar daquilo que é constitucionalmente deixado à escolha das maiorias políticas prevalecentes, para que possam moldar a intervenção do Estado nos domínios sociais à luz da vontade coletiva legitimamente predominante. Nesse sentido, as UEx funcionam por meio de repasses de verbas para associações privadas sem fins lucrativos. Essa medida de descentralização da gestão financeira na prestação de serviços educacionais configura escolha de alocação de recursos plenamente legítima, inserida na margem de conformação das decisões de agentes políticos. Não encontra óbice na Constituição, que, ao contrário, estabelece, em seu art. 205, que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Portanto, o experimentalismo do administrador público caminha no sentido da descentralização da execução, mantido o controle normativo e fiscalizador dos entes públicos. No caso, ao se estabelecer a transferência direta de recursos para as escolas, pretende-se atingir ganhos de agilidade e eficiência, além de democratizar a administração da escola. Como o recurso é público, entretanto, há forte fiscalização, responsabilização e submissão aos princípios gerais da administração pública e ao controle do Tribunal de Contas da União (TCU). O âmbito constitucionalmente definido para o controle a ser exercido pelo TCU e pelo Ministério Público não é de qualquer forma restringido em relação a essas entidades. A Constituição proíbe a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa, mandamento esse que também vincula o Judiciário. Nesse sentido, as regras sobre aprovação e gestão orçamentárias consagram mecanismos de freios e contrapesos essenciais ao regular o funcionamento das instituições republicanas e democráticas e à concretização do princípio da separação dos poderes. Assim, os princípios da separação dos poderes e do fomento à educação são violados por decisões judiciais que gerem bloqueio, penhora ou sequestro, para fins de quitação de débitos trabalhistas, de verbas públicas destinadas à merenda, ao transporte de alunos e à manutenção das escolas públicas. O direito social à educação, bem como a prioridade absoluta de proteção às crianças e aos adolescentes, em respeito à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento que são, justificam a especial proteção constitucional dos valores necessários à aplicação efetiva dos recursos públicos destinados à concretização dos efetivos direitos. No caso, a destinação específica das verbas bloqueadas em juízo para aplicação em educação se verifica no manual de orientação para as UEx, que exige que a entidade, quando da formalização do cadastro, deve indicar o banco e a agência de sua preferência para abertura pelo FNDE de conta corrente específica para o programa, e que a conta é exclusiva, sendo vedada a movimentação de recursos próprios por meio de depósito, transferência, doação ou saque em espécie. Em caso de descumprimento, o FNDE fica autorizado a suspender o repasse dos recursos, assim como em caso de omissão na prestação de contas ou rejeição da prestação de contas. Ademais, qualquer irregularidade identificada na aplicação dos recursos destinados à execução do PDDE pode ser denunciada ao FNDE, ao TCU, aos órgãos de controle interno do Poder Executivo da União e ao Ministério Público, a quem cabe o controle da prestação de contas. Quanto ao pagamento de verbas trabalhistas, os atos judiciais impugnados acarretaram o indesejado comprometimento do equilíbrio e da harmonia entre os Poderes, além de prejuízo à continuidade dos serviços públicos, em ofensa ao direito social à educação, transporte e alimentação escolar, preceitos fundamentais agasalhados na Constituição. A impenhorabilidade dos valores se impõe, in casu, sob a ratio de que estão afetados a finalidades públicas e à realização das atividades e serviços públicos decorrentes do exercício obrigatório da função administrativa. Quanto à possibilidade de as Caixas Escolares pagarem suas dívidas por precatório, note-se que elas recebem doações particulares, e assumem obrigações outras. Em relação a essas obrigações, calcadas em patrimônio decorrente de doações privadas, não é razoável que devam ser pagas por precatório. Destaque-se que essas Caixas têm personalidade jurídica de direito privado. Assim, embora as Caixas Escolares do Amapá sejam entidades voltadas diretamente à prestação de serviços de educação e recebam recursos públicos via conta específica, já não se pode afirmar que dependem totalmente de recursos públicos e atuam em regime de exclusividade na gestão de recursos públicos destinados à educação. As Caixas Escolares contam com recursos provenientes do próprio do estado do Amapá e dos municípios, bem como com rendas decorrentes de atividades realizadas no ambiente escolar e auxílios financeiros de particulares. Essas verbas privadas não estão imunes aos atos de constrição judicial. Dessa forma, considerando-se que as Caixas Escolares consistem em sociedades civis com personalidade jurídica de direito privado, bem como que tais entidades não possuem os qualificativos necessários para serem enquadradas no regime especial de pagamento de débitos por precatórios, sabidamente diante da possibilidade de gerirem recursos privados, elas não se sujeitam ao regime referido independentemente da natureza dos recursos submetidos à execução judicial. É assim que a proteção constitucional a direitos individuais e a garantias fundamentais, inclusive de ordem trabalhista, convive com o princípio da impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social. Vencido o ministro Marco Aurélio, que considerou inadequada a via eleita e, quanto ao mérito, julgou o pedido improcedente.
ADPF 484/AP, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 4.6.2020. (ADPF-484)
DIREITO CONSTITUCIONAL – SIMETRIA FEDERATIVA
Tribunal de contas e autonomia municipal – 2 - O Plenário, em conclusão e por maioria, julgou improcedente pedido formulado em duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra o art. 151, caput e parágrafo único, da Constituição do estado de São Paulo, que estabelece que o Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) será composto por cinco conselheiros, aos quais deverão ser aplicadas as normas pertinentes aos conselheiros do Tribunal de Contas estadual ( Informativo 871 ). Inicialmente, o colegiado apontou particularidades entre os Tribunais de Contas dos Municípios, previsto no art. 31, § 1º, da Constituição Federal (CF) (1), e os Tribunais de Contas do Município, apenas existentes nos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro. Os primeiros são órgãos estaduais criados por deliberação autônoma dos respectivos estados-membros, com a finalidade de auxiliar as Câmaras Municipais na atribuição de exercer o controle externo, sendo estes órgãos do Tribunal de Contas estadual. Já o Tribunal de Contas do Município (de São Paulo e do Rio de Janeiro) é órgão independente e autônomo, pertencente à estrutura da esfera municipal, com a função de auxiliar a Câmara Municipal no controle externo da fiscalização financeira e orçamentária do respectivo município. Destacou que o art. 31, § 4º, da CF (2) veda que os municípios criem seus próprios tribunais, conselhos ou órgãos de contas. Isso, entretanto, não implicou a extinção do TCM-SP e do TCM-RJ, criados sob a égide de regime constitucional anterior. Embora a autonomia municipal seja princípio constitucional, ela é limitada pelo poder constituinte em inúmeros pontos, como, por exemplo, no que proíbe os municípios de criar suas Cortes de Contas. Nesse contexto, afirmou que a Constituição do estado de São Paulo não fere a autonomia municipal ao dispor sobre o Tribunal de Contas do Município, mas, ao contrário, a prestigia. Asseverou que a norma impugnada não faz menção à regra de equiparação de vencimentos dos conselheiros do Tribunal de Contas do Município aos dos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado. Conforme a jurisprudência desta Corte, o art. 75 (3) da CF estabelece a imposição do modelo federal do Tribunal de Contas da União. Entretanto, não se pode interpretar analogicamente que os conselheiros municipais teriam seus vencimentos equiparados aos dos conselheiros estaduais. A fixação da remuneração dos conselheiros cabe ao município (mesmo que em valor diverso do fixado para os conselheiros estaduais), uma vez que ele dispõe de autonomia para deliberar sobre os vencimentos de seus servidores. Ademais, a Constituição estadual, ao fixar, de forma idêntica à Lei Orgânica do Município de São Paulo, que o TCM-SP deve ser composto por cinco membros, não ofende o princípio da simetria. É razoável que um tribunal de contas municipal tenha um número inferior de conselheiros ao dos tribunais de contas dos estados. Vencido o ministro Marco Aurélio que julgou as ações procedentes, por vislumbrar desrespeito à autonomia municipal. De acordo com o ministro, inexiste, na CF, preceito que autorize o estado a fixar regras para os Tribunais de Contas municipais. Um órgão municipal deve ser estruturado pelo respectivo ente federado. (1) CF: “Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. § 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.” (2) CF: “Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. (...) § 4º É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais.” (3) CF: “Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios”.
ADI 346/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3.6.2020. (ADI-346) ADI 4776/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3.6.2020. (ADI-4776)
DIREITO CONSTITUCIONAL – ORGANIZAÇÃO DOS PODERES
ADI: Poder Legislativo estadual e participação em nomeações – 2 - O Plenário, por maioria, em conclusão de julgamento de ação direta ajuizada contra dispositivos da Constituição do estado de Roraima, assentou o prejuízo da ação no que atine ao § 3º do art. 46, e, quanto aos preceitos remanescentes, julgou parcialmente procedente a pretensão para declarar: (i) a inconstitucionalidade parcial, com redução de texto, do inciso XVIII do art. 33, retirando o trecho controvertido e permanecendo em vigor a parte em que se mantém a escolha de 2/3 (dois terços) dos membros do Tribunal de Contas estadual pela Assembleia Legislativa; (ii) a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 62; e (iii) a nulidade parcial, com redução de texto, do art. 103, excluindo a expressão questionada. As disposições impugnadas versam sobre indicações de conselheiros do tribunal de contas estadual e exigência de arguição e aprovação de certas autoridade pelo Poder Legislativo regional antes de serem nomeadas pelo chefe do Poder Executivo ( Informativo 919 ). Na espécie, a ação foi proposta contra: (i) o trecho “e Sétima” do § 3º do art. 46; (ii) a primeira parte do inciso XVIII do art. 33 (“antes da nomeação, arguir os Titulares da Defensoria Pública, da Procuradoria-Geral do Estado, das Fundações Públicas, das Autarquias, os Presidentes das Empresas de Economia Mista”); (iii) o parágrafo único do art. 62; (iv) e a expressão “após arguição pelo Poder Legislativo” do art. 103, todos da Constituição roraimense, com redação dada ou incluída pela Emenda Constitucional (EC) 7/1999 daquele estado. Em 2018, houve aditamento à inicial, a fim de que as mesmas disposições, com as alterações havidas, passassem a ser objeto da ação. De início, o colegiado lembrou que alguns dispositivos foram alterados por emendas constitucionais posteriores ao ajuizamento do feito. Ato contínuo, consignou a perda superveniente do objeto relativo à composição do tribunal de contas. Isso porque o § 3º do art. 46 foi alterado pela EC 16/2005, que adequou a norma à Constituição Federal (CF). A esse respeito, o ministro Roberto Barroso explicitou caber ao governador escolher três conselheiros do tribunal de contas do estado: um dentre os auditores e outro dentre os membros do Ministério Público, alternadamente, e um terceiro a seu critério. No mais, a Corte compreendeu ser vedado à legislação estadual submeter à aprovação prévia da Assembleia Legislativa a nomeação de dirigentes das autarquias e das fundações públicas, de presidentes das empresas de economia mista e assemelhados, de interventores de municípios, bem assim dos titulares da Defensoria Pública e da Procuradoria-Geral do Estado. Além de não ser possível submeter à arguição do Legislativo a nomeação de titulares de fundações e autarquias, é ilegítima a intervenção parlamentar no processo de preenchimento da direção das entidades privadas da Administração indireta dos estados. A escolha dos dirigentes dessas empresas é matéria inserida no âmbito do regime estrutural de cada uma delas. Relativamente aos interventores, considerou que a CF estabelece a análise do decreto de intervenção para serem averiguadas as condições, hipóteses, extensão, legalidade, e não para o Legislativo verificar, mesmo a posteriori, o nome do interventor. Tanto a intervenção federal nos estados quanto a estadual nos municípios são atos do chefe do Poder Executivo. O interventor é de sua escolha e confiança. Essa é a divisão entre o Executivo e o Legislativo no tema. Logo, afronta a CF a inserção da necessidade de sabatina dos interventores de municípios na Constituição estadual. Permitir a rejeição do nome de interventor resulta, na verdade, na escolha dele pela Assembleia Legislativa, porquanto poderá recusar sucessivamente as indicações do governador até ser chamado alguém de seu interesse. Ademais, se entender ser questão política, o Legislativo pode rejeitar a intervenção, o que pode caracterizar crime de responsabilidade do chefe do Executivo. No tocante a defensor público-geral do estado, asseverou a inconstitucionalidade da exigência de prévia sabatina. A CF atribuiu à lei complementar a competência para prescrever normas gerais das defensorias públicas dos estados (art. 134, § 1º). A LC 80/1994 adveio e preceituou a obrigatoriedade de aprovação do titular da Defensoria Pública da União pela maioria absoluta do Senado Federal. Não estipulou essa necessidade aos estados, porque seguiu o mesmo modelo dos ministérios públicos, a fim de evitar a politização da defensoria. Consignou a inconstitucionalidade da arguição pela Assembleia Legislativa do procurador-geral do estado, por afetar a separação dos Poderes e interferir diretamente na estrutura hierárquica do Poder Executivo. Ela transfere ao Legislativo o controle sobre agente público, que, conforme lei orgânica, integra o gabinete do chefe do Executivo como secretário de governo. O ministro Roberto Barroso aduziu caber a submissão ao Legislativo, em âmbito estadual, apenas daquilo que consta do modelo constitucional federal, sob pena de afronta à reserva de administração, corolário da separação dos Poderes e das competências privativas do chefe do Executivo de dirigir a Administração Pública. Ao excluir da sabatina prévia os dirigentes das autarquias, ressalvou a situação dos membros de agências reguladoras, que são autarquias especiais. Pela legislação, os conselheiros, no modelo federal, são submetidos à aprovação do Poder Legislativo. Por sua vez, a ministra Cármen Lúcia acentuou que a pequena isenção de alguns à sabatina também obedece ao princípio da reserva de administração. Vencidos, em parte, os ministros Ricardo Lewandowski (relator) e Edson Fachin, que declararam a inconstitucionalidade (i) das expressões “da Procuradoria-Geral do Estado” e “dos Presidentes das Empresas de Economia Mista, órgãos equivalentes ou assemelhados”, contidas no inciso XVIII do art. 33; e (ii) do texto “e da Procuradoria-Geral do Estado” constante do parágrafo único do art. 62, ambos da Constituição roraimense. De um lado, consideraram inconstitucionais os dispositivos relativos à arguição prévia das indicações para procurador-geral do estado e de dirigentes das sociedades de economia mista e de órgão equivalentes ou assemelhados. Do outro, reputaram ser constitucional a prévia sabatina pela Assembleia Legislativa das nomeações do Executivo para ocupar os cargos de direção das autarquias e das fundações públicas, bem como dos interventores nos municípios e do defensor público-geral. Vencido, em maior extensão, o ministro Marco Aurélio, que se reportou ao voto proferido quando do exame da medida acauteladora. Assim, avaliou não caber a submissão ao Legislativo dos dirigentes das empresas de economia mista e dos interventores. Depreendeu que, no entanto, seria possível submeter a escolha de titulares de outros cargos, além das indicações ligadas a autarquias, fundações públicas, defensoria e procuradoria do estado.
ADI 2167/RR, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 3.6.2020. (ADI-2167)
DIREITO CONSTITUCIONAL – ADVOCACIA PÚBLICA
Cargo técnico com formação em Direito: autarquia estadual e atribuições de procurador do estado - O Plenário, por maioria, deu parcial provimento a embargos de declaração em ação direta de inconstitucionalidade a fim de, resguardada a validade dos atos já praticados: (i) incluir na declaração de inconstitucionalidade, ao lado dos trechos anteriormente excluídos, também as expressões “apresentar recursos em qualquer instância”, “comparecer às audiências e outros atos para defender os direitos do órgão” e “promover medidas administrativas e judiciais para proteção dos bens e patrimônio do DETRAN-ES”, dispostas no Anexo Único da Lei Complementar (LC) 734/2013 e no Anexo IV da LC 890/2018, ambas do estado do Espírito Santo (ES); (ii) esclarecer que a declaração de inconstitucionalidade parcial dos aludidos anexos alcança as atribuições jurídicas consultivas do cargo de Técnico Superior – Formação Direito do Departamento Estadual de Trânsito do Estado do Espírito Santo (DETRAN-ES) privativas de procurador do estado, de modo a conferir interpretação conforme o art. 132 da Constituição Federal (CF) (1) às atribuições de “elaborar estudos de pareceres sobre questões jurídicas que envolvam as atividades do DETRAN-ES; elaborar editais, contratos, convênios, acordos e ajustes celebrados pela autarquia, com a emissão de parecer”, constantes dos referidos anexos, que devem ser exercidas sob supervisão de procurador do estado do Espírito Santo. Os embargos foram opostos da decisão em que o colegiado julgara parcialmente procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade das seguintes expressões dos anexos adversados: “representar em juízo ou fora dele nas ações em que haja interesse da autarquia” e “bem como a prática de todos os demais atos de natureza judicial ou contenciosa, devendo, para tanto, exercer as suas funções profissionais e de responsabilidade técnica regidas pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB”. Na ocasião, a validade dos atos já praticados foi igualmente assentada ( Informativo 927 ). Na espécie, a embargante alegava ser devida a integração do acórdão recorrido, com o objetivo de incluir a declaração de inconstitucionalidade de todas as atribuições de representação judicial e consultoria jurídica exclusivas dos procuradores do estado. Ao dar parcial provimento aos embargos, o Tribunal compreendeu que as atividades de representação judicial e extrajudicial atribuídas ao cargo de Técnico Superior – Formação Direito do DETRAN-ES não podem ser omitidas da declaração de inconstitucionalidade. No caso, as atribuições jurídicas consultivas de seus ocupantes devem ser exercidas sob a supervisão de procurador do estado, máxime por ser esta a interpretação que melhor prestigia o art. 132 da CF e a jurisprudência desta Corte. Vencido o ministro Marco Aurélio, que não conheceu dos segundos embargos declaratórios, por entender não ser o caso de admiti-los. (1) CF: “Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.”
ADI 5109 ED-segundos/ES, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 4.6.2020. (ADI-5109)
DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Ultra-atividade das convenções e acordos coletivos de trabalho e CF/1988 – 2 - O Plenário, em conclusão e por maioria, julgou prejudicadas, por perda superveniente de objeto, ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas em face do art. 19 da Medida Provisória 1.950-62/2000, convertida no art. 18 da Lei 10.192/2001, na parte em que revogou os §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei 8.542/1992 (1) ( Informativo 848 ). O Tribunal afirmou que a Lei 13.497/2017 (Lei da Reforma Trabalhista) alterou o § 3º do art. 614 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (2) e vedou expressamente a ultra-atividade das normas coletivas no ordenamento jurídico brasileiro. A nova lei, portanto, determinou um regime jurídico completamente diferente do previsto no § 1º do art. 1º da Lei 8.542/1992, que estabelecia a ultra-atividade e era o objeto das ações diretas. Assim, ainda que se declarasse a inconstitucionalidade da lei revogadora, a lei revogada não poderia voltar a ter vigência, em razão de norma expressa que é taxativa quanto à impossibilidade da ultra-atividade. Vencidos o ministro Edson Fachin, que julgou procedentes os pedidos formulados nas ações diretas, para declarar a inconstitucionalidade do art. 18 da Lei 10.192/2001, e, em menor extensão, o ministro Teori Zavascki. Os ministros Roberto Barroso, Marco Aurélio e Cármen Lúcia (relatora) reajustaram os seus respectivos votos. (1) Lei 8.542/1992: “Art. 1º A política nacional de salários, respeitado o princípio da irredutibilidade, tem por fundamento a livre negociação coletiva e reger-se-á pelas normas estabelecidas nesta lei. § 1º As cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho. § 2º As condições de trabalho, bem como as cláusulas salariais, inclusive os aumentos reais, ganhos de produtividade do trabalho e pisos salariais proporcionais à extensão e à complexidade do trabalho, serão fixados em contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho, laudo arbitral ou sentença normativa, observados, dentre outros fatores, a produtividade e a lucratividade do setor ou da empresa.” (2) CLT: “Art. 614 - Os Sindicatos convenentes ou as empresas acordantes promoverão, conjunta ou separadamente, dentro de 8 (oito) dias da assinatura da Convenção ou Acordo, o depósito de uma via do mesmo, para fins de registro e arquivo, no Departamento Nacional do Trabalho, em se tratando de instrumento de caráter nacional ou interestadual, ou nos órgãos regionais do Ministério do Trabalho e Previdência Social, nos demais casos. (...) § 3º Não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.”
ADI 2200/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4.6.2020. (ADI-2200) ADI 2288/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4.6.2020. (ADI-2288)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – LEGITIMIDADE
Procurador municipal e interposição de recurso extraordinário - Os procuradores públicos têm capacidade postulatória para interpor recursos extraordinários contra acórdãos proferidos em sede de ação de controle concentrado de constitucionalidade, nas hipóteses em que o legitimado para a causa outorgue poderes aos subscritores das peças recursais. Com base nesse entendimento, o Plenário deu provimento a embargos de divergência, para admitir recurso extraordinário. No caso, embora a petição de recurso extraordinário não tenha sido subscrita por prefeito municipal, mas somente por dois procuradores, sendo um deles o chefe da procuradoria do município, há, nos autos, documento com manifestação inequívoca do chefe do Poder Executivo, conferindo poderes específicos aos procuradores para instaurar o processo de controle normativo abstrato de constitucionalidade, bem como para recorrer das decisões proferidas nos autos. Vencidos os ministros Edson Fachin, Luiz Fux e Celso de Mello, que negaram provimento aos embargos de divergência. Pontuaram que tanto para a propositura de ação quanto para a interposição de recursos, é necessária a presença da assinatura do legitimado para a causa.
RE 1068600 AgR-ED-EDv/RN, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 4.6.2020. (RE-1068600)
REPERCUSSÃO GERAL
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
Trabalhadores avulsos e direito ao adicional de risco portuário – 3 - Sempre que for pago ao trabalhador com vínculo permanente, o adicional de riscos é devido, nos mesmos termos, ao trabalhador portuário avulso. Com esse entendimento, o Plenário, em conclusão e por maioria, ao apreciar o Tema 222 da repercussão geral, negou provimento a recurso extraordinário em que discutida a possibilidade de estender aos trabalhadores portuários avulsos o adicional de riscos, previsto no art. 14 da Lei 4.860/1965 (1) e pago aos trabalhadores portuários com vínculo permanente (Informativos 923 e 924 ). O colegiado entendeu que a regulação da atividade portuária por meio de legislação específica se deu para garantir aos trabalhadores que prestam serviços nas instalações portuárias direitos inerentes ao exercício de atividades notoriamente peculiares. Até 1990, havia, basicamente, duas formas de prestação de trabalho na área portuária: os serviços de capatazia eram realizados por servidores públicos vinculados às Companhias Docas; e as demais atividades, pelos trabalhadores avulsos. A Constituição de 1988 trouxe importante regulação das relações de trabalho em geral e, no inciso XXXIV do art. 7º, previu “igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso”. Constata-se que essa cláusula de isonomia se sagrou reforçada com o advento da Lei 8.630/1993, quando novos atores sociais foram expressamente incorporados às relações portuárias, entre os quais se destacam os órgãos gestores de mão de obra — entidades com finalidade pública, sem fins lucrativos, cujo objetivo principal é centralizar e administrar a prestação de serviços nos portos organizados do Brasil —; os operadores portuários; e os trabalhadores portuários, ainda distinguidos entre contratados com vínculo permanente (servidores e empregados) e avulsos. A mudança levada a efeito pela Lei 8.630/1993 não se restringiu à seara legislativa, uma vez que inaugurou modelo regulatório das relações de trabalho no campo portuário muito diferente daquele vigente até então, mas mantendo algumas normas do regime anterior. Prova disso são os arts. 75 e 76 da Lei 8.630/1993. Apesar de terem revogado diversas normas esparsas, optaram por não revogar aquela que previa o direito a adicional de riscos para os trabalhadores portuários. O argumento pela impossibilidade de se estender o mencionado direito tem como fundamento interpretação equivocada de que o art. 19 da Lei 4.860/1965 excluiria os trabalhadores avulsos do seu âmbito de incidência normativa. Ademais, a leitura adequada da legislação a respeito, considerados os paradigmas constitucionais, é a de que não calha como excludente o fato de os trabalhadores avulsos sujeitarem-se a regime diferenciado daqueles com vínculo permanente. Implementadas as condições legais específicas, é devido o adicional de riscos, previsto no art. 14 da Lei 4.860/1965, ao trabalhador portuário avulso. A disposição constitucional tem nítido caráter protetivo da igualdade material. Se há o pagamento do adicional de riscos como direito do trabalhador portuário com vínculo permanente que labora em condições adversas, essa previsão também deve ser reconhecida aos trabalhadores portuários avulsos submetidos às mesmas condições. Vencido o ministro Marco Aurélio, que deu provimento ao recurso. (1) Lei 4.860/1965: “Art 14. A fim de remunerar os riscos relativos à insalubridade, periculosidade e outros porventura existentes, fica instituído o ‘adicional de riscos’ de 40% (quarenta por cento) que incidirá sobre o valor do salário-hora ordinário do período diurno e substituirá todos aqueles que, com sentido ou caráter idêntico, vinham sendo pagos.”
RE 597124/PR, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 3.6.2020. (RE-597124)
PRIMEIRA TURMA
DIREITO CONSTITUCIONAL – CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
Roubo forjado e classificação jurídica - A Primeira Turma, por maioria, indeferiu a ordem em habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do crime de roubo em concurso de agentes. No caso, o paciente, funcionário de uma empresa, tinha a atribuição de movimentar quantias em dinheiro. O corréu, mediante grave ameaça, simulando portar arma de fogo, exigiu a entrega dos valores que estavam em seu poder e no de outra pessoa, na ocasião, e o paciente, fingindo ser vítima, previamente ajustado com o suposto assaltante, entregou a quantia. A defesa alegou nulidade processual, consistente em suposto desrespeito ao art. 402 do Código de Processo Penal (CPP) (1), pois não teve a oportunidade de requerer diligências ao término da instrução. Ademais, considerou inadequada a classificação jurídica dos fatos, que consubstanciariam estelionato e não roubo. A Turma, inicialmente, afastou a suposta nulidade. Afirmou que a falta de abertura de prazo, após o encerramento da instrução, para manifestação das partes acerca do interesse na feitura de diligências complementares constitui nulidade relativa, cujo reconhecimento pressupõe seja o inconformismo veiculado em momento oportuno, ou seja, quando da apresentação de alegações finais. No caso, a defesa deixou de se insurgir nas alegações finais e nas razões de apelação. Além disso, a impetração sequer apontou quais diligências seriam requeridas. Ademais, o enquadramento dos fatos no tipo penal alusivo ao roubo mostrou-se adequado. Trata-se de crime complexo, cuja estrutura típica exige a realização da subtração patrimonial mediante violência ou grave ameaça à pessoa. O fato de o assalto envolver situação forjada entre o paciente e o corréu não viabiliza a ocorrência de estelionato, pois a caracterização do roubo não pressupõe a efetiva intenção do agente de realizar o mal prometido. Basta que a forma utilizada para a subtração da coisa alheia móvel seja revestida de aptidão a causar fundado temor ao ofendido. Nesse sentido, a ameaça praticada pela simulação do porte de arma de fogo constitui meio idôneo a aterrorizar. Por sua vez, a circunstância de não ter o paciente feito grave ameaça contra a vítima não é relevante, porquanto a vinculação subjetiva com o corréu, a configurar o concurso de agentes, legitima sejam os fatos, em relação a ambos os acusados, enquadrados no tipo de penal de roubo, observado o art. 29 do Código Penal (CP) (2). Vencido o ministro Luiz Fux, que deferiu a ordem. (1) CPP/1941: “Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução.” (2) CP/1940: “Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”
HC 147584/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 2.6.2020. (HC-147584)
DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL
Condução de veículo automotor sob influência de álcool e crime de perigo abstrato - A Primeira Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do delito de condução de veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em virtude da influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência. A defesa alega inexistirem provas suficientes para a condenação, pois, embora verificado o teor alcoólico de 0,36 mg/l de ar alveolar, foi atestada a ausência de embriaguez e de alteração da capacidade psicomotora, de modo que seria impossível presumir a situação de risco que configura o delito. O ministro Marco Aurélio (relator) indeferiu a ordem. Considerou que o tipo penal em questão (Lei 9.503/1993, art. 306) (1) constitui crime de perigo abstrato. Tem por objetivo garantir a segurança no trânsito, impondo condição para que a condução de veículo automotor seja adequada. A superveniência de resultado não é necessária para a ocorrência do crime. No caso, o teste com etilômetro revelou quantidade superior ao limite estabelecido em lei, o que é suficiente para produzir, em abstrato, perigo ao bem jurídico tutelado. O fato de o paciente haver sido submetido a exame clínico — o qual concluiu, de forma positiva, pela ingestão de bebida alcoólica e não configurada a embriaguez, a alteração do estado psicomotor — não afasta a caracterização do crime. O ato do paciente — dirigir após a ingestão de bebida —, por consistir na própria ação proibida no tipo, discrepa da previsão legal e, dessa forma, ainda que ausente risco concreto de colocação do bem jurídico em perigo, mostra-se apta a caracterizar o tipo penal. Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos. (1) Lei 9.503/1993: “Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: §1º As condutas previstas no caput serão constadas por: I – concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou II – sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora. (...) § 2º A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.”
HC 154508/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 2.6.2020. (HC-154508)
DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROCESSOS EM ESPÉCIE
Julgamento de promotor de justiça e interrogatório – 2 - A Turma, em conclusão, indeferiu, com ressalvas quanto ao cabimento, a ordem de habeas corpus, impetrado em favor de promotor de justiça condenado, pelo respectivo tribunal, à pena de 1 ano e 9 meses de reclusão pela prática dos crimes de falsidade ideológica e advocacia administrativa ( Informativo 970 ). De acordo com a defesa, o julgamento seria nulo por não ter observado o art. 400 do Código de Processo Penal (CPP) (1), já que o interrogatório do acusado não foi o último ato da instrução. O colegiado entendeu que a situação dos autos não se submete à regra geral do art. 400 do CPP. Por se tratar de promotor de justiça, julgado perante o tribunal de justiça, a norma aplicável à espécie é a do art. 7º da Lei 8.038/1990 (2), segundo a qual a audição do acusado é o primeiro ato do procedimento. Em voto-vista, o ministro Alexandre de Moraes reputou não se verificar ilegalidade apta a desconstituir o acórdão emanado do tribunal estadual, haja vista que, no caso, a defesa não indicou o prejuízo sofrido pelo paciente nem de que modo a realização de novo interrogatório o beneficiaria. É cediço que não haverá declaração de nulidade quando não demonstrado o efetivo prejuízo causado à parte (pas de nullité sans grief). (1) CPP: “Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.” (2) Lei 8.038/1990: “Art. 7º. Recebida a denúncia ou a queixa, o relator designará dia e hora para o interrogatório, mandando citar o acusado ou querelado e intimar o órgão do Ministério Público, bem como o querelante ou o assistente, se for o caso.”
HC 178252/ES, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 2.6.2020. (HC-178252)
DIREITO PROCESSUAL PENAL – NULIDADES
Nulidade e inquirição de perguntas realizadas diretamente pelo juiz - A Primeira Turma, ante o empate na votação, concedeu a ordem de habeas corpus para assentar a nulidade processual a partir da audiência de instrução e julgamento. Além disso, afastou a prisão preventiva do paciente, por excesso de prazo, com extensão da medida aos demais corréus que se encontram na mesma situação. No caso, a defesa alegou nulidade processual por desrespeito ao art. 212 do Código de Processo Penal (CPP) (1), por ter o juízo inquerido diretamente as testemunhas. A magistrada que presidia a audiência reputou observados o contraditório e a ampla defesa, porque oportunizado aos defensores e ao órgão acusador fazerem questionamentos e colocações no tocante aos depoimentos prestados. Os ministros Marco Aurélio (relator) e Rosa Weber concederam a ordem. Consideraram que não foi respeitada a aludida norma processual. Por sua vez, os ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux concederam a ordem, em menor extensão, para revogar a prisão preventiva em razão de o paciente ter cumprido mais da metade da pena inicialmente imposta. Para eles, a alteração efetuada no art. 212 do CPP, ao permitir que as partes façam diretamente perguntas às testemunhas, não retirou do juiz, como instrutor do processo, a possibilidade de inquiri-las diretamente. (1) CPP: “Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008); Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.”
HC 161658/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 2.6.2020. (HC-161658)