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Informativo do STF 968 de 06/03/2020

Publicado por Supremo Tribunal Federal


PLENÁRIO

DIREITO CONSTITUCIONAL – PARTIDO POLÍTICO

Partidos políticos: apoiamento de eleitores não filiados e limites para criação, fusão e incorporação -

O Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada em face do art. 2º da Lei 13.107/2015 (1), na parte em que alterou os arts. 7º e 29 da Lei 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos). No caso, o requerente questionava a constitucionalidade de legislação ordinária que estabelece restrições quanto à criação, fusão e incorporação de partidos políticos, com maiores exigências dos cidadãos que apoiam a criação das agremiações — habilitados apenas aqueles sem outra e simultânea filiação partidária —, bem como a previsão de prazo mínimo de cinco anos de existência do partido antes da alteração por fusão ou incorporação a outro. O Tribunal rememorou que o art. 17 da Constituição Federal (CF), assegura aos partidos políticos a liberdade de criação, fusão, extinção e incorporação como expressão do princípio democrático e do pluripartidarismo. A CF optou pelo princípio democrático representativo, superando-se o caráter essencialmente intervencionista prevalecente no regime autoritário anterior. Dessa forma, garantiu no ordenamento jurídico-constitucional a liberdade dos partidos políticos de se formarem e se articularem, sem serem desconsideradas as características básicas de sua conformação legítima, como a imperatividade do caráter nacional das agremiações (controle quantitativo tido como cláusula de barreira lato sensu) e do cunho democrático de seus programas (controle qualitativo ou ideológico). Frisou que a liberdade na formação dos partidos há de se conformar ao respeito aos princípios democráticos, competindo à Justiça Eleitoral a conferência dos pressupostos constitucionais legitimadores desse processo, sem os quais o partido político, embora tecnicamente criado, não se legitima. Reconheceu que o advento das normas impugnadas se justifica pela multiplicação de legendas que não têm substrato de eleitores a legitimá-las e a inequívoca comprovação de formações sem partido com força para atuar em cenários decisórios. As divulgadas “bancadas” são compostas por ideologias não representadas por partidos, mas com força decisória inegável. Observou que são formalizadas agremiações intituladas partidos políticos, e assim são objetivamente, mas sem substrato eleitoral consistente e efetivo, que atuam como subpartidos ou organismos de sustentação de outras pessoas partidárias, somando ou subtraindo votos para se chegar a resultados eleitorais pouco claros ou até mesmo fraudadores da vontade dos eleitores. Tais legendas habilitam-se a receber parcela do fundo partidário, disputam tempo de televisão, mas não para difundir ideias e programas. Restringem-se a atuar como nomes sob os quais atuam em deferência a outros interesses partidários. E, ainda mais grave, para obter vantagens particulares, em especial para os dirigentes. Ao assinarem fichas de apoio à criação desses partidos, não poucas vezes os eleitores sequer sabem da condição conivente, porque não valorizam a assinatura cidadã com a mesma seriedade, compromisso e responsabilidade em que atuam como quando assinam documento financeiro. A proliferação partidária que se tem atualmente no Brasil agrava-se com a mesma rapidez com que avançam mecanismos tecnológicos, servis ao acesso e à coleta massiva de assinaturas para apoio a criações de legendas, não se exigindo dos subscritores responsabilidade ou compromisso, sequer a certeza de sua identidade. A imperatividade de urgente legitimação dos partidos também decorre do acesso ao fundo partidário, dinheiro público a que fazem jus as agremiações reconhecidas, porque registrados os estatutos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Salientou que hoje o sistema partidário é garantido por considerável soma de recursos públicos, quando não de recursos obtidos de forma nada republicana. Sublinhou que o direito à oposição partidária interna, a ser garantido aos filiados como corolário da plena cidadania, há que ser exercido em benefício e segundo o ideário, o fortalecimento e o cumprimento do programa do partido. A limitação criada pela norma impugnada quanto ao apoio para a criação de novos partidos, restrito aos cidadãos sem filiação partidária, assim, conforma-se com o regramento constitucional relativo ao sistema representativo, garantindo-lhe maior coesão e coerência. Também a exigência temporal para se levarem a efeito fusões e incorporações entre partidos, assegura o atendimento do compromisso do cidadão com o que afirma como sua opção partidária, evitando-se o estelionato eleitoral ou a reviravolta política contra o apoiamento dos eleitores então filiados. Ao estabelecer novas condições para a criação, fusão e incorporação de partidos políticos, as normas eleitorais definiram discrímens a serem analisados sob o parâmetro da legitimidade representativa, fundamento do modelo partidário. Pontuou que, pela norma, se distinguem cidadãos filiados e não filiados para o exclusivo efeito de conferência de legitimidade do apoio oferecido à criação de novos partidos políticos. O objetivo único é a garantia de coesão, coerência e substância ao modelo representativo instrumentalizado pela atuação partidária. Trata-se, portanto, de cidadãos distintos no exercício cívico livre quanto às opções políticas. Constitucionalmente livres, não são civicamente irresponsáveis nem descomprometidos com as escolhas formalizadas. O descompromisso com a atuação política cobra caro em termos de política legítima e de realização democrática e atinge todos na sociedade estatal. A disseminação de práticas antidemocráticas, como a compra e venda de votos, o aluguel de cidadãos e de partidos inteiros e os indesejáveis efeitos de band-wagon (saltar para a carruagem dos mais fortes) e de under-dog (optar pelos marginais), pode e deve ser pronta e cuidadosamente combatida pelo legislador, sem prejuízo da autonomia partidária, a ser garantida em benefício da legitimação da representação democrática e não para a sua anulação. As normas impugnadas tendem a enfraquecer essa lógica mercantilista e nada republicana de se adotar prática política. A Constituição da República garante a liberdade para a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, a eles assegurando a autonomia. Mas não há liberdade absoluta. Também não se tem autonomia sem limitação. As normas legais impugnadas não afetam, reduzem ou condicionam a autonomia partidária, porque o espaço de atuação livre dos partidos políticos conforma-se a normas jurídicas postas para a definição das condições pelas quais se pode dar a criação, ou recriação por fusão ou incorporação, de partido sem intervir no seu funcionamento interno. Vencido o ministro Dias Toffoli, que julgou procedente o pedido. (1) Lei 13.107/2015: “Art. 2º Os arts. 7º, 29 e 41-A da Lei no 9.096, de 19 de setembro de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações: ‘Art. 7º (...) § 1º Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por 1/3 (um terço), ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada um deles’ (...) ‘Art.29 (...) § 9º Somente será admitida a fusão ou incorporação de partidos políticos que hajam obtido o registro definitivo do Tribunal Superior Eleitoral há, pelo menos, 5 (cinco) anos’”.

ADI 5311/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4.3.2020. (ADI-5311)

DIREITO ELEITORAL – SISTEMA ELEITORAL

Sistema de representação proporcional e distribuição das vagas remanescentes -

O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “número de lugares definido para o partido pelo cálculo do quociente partidário do art. 107”, constante do inciso I do art. 109 do Código Eleitoral (CE) (1), com redação dada pela Lei 13.165/2015, o qual estabelece nova sistemática de distribuição das chamadas “sobras eleitorais”. Manteve, nesta parte, o critério de cálculo vigente antes da edição do referido diploma legal. O colegiado entendeu que o novo regramento desconsidera a distribuição eleitoral de cadeiras baseada na proporcionalidade, prevista no art. 45 da Constituição Federal (CF) (2), que é intrínseca ao sistema proporcional, em que as vagas são distribuídas aos partidos políticos de forma a refletir o pluralismo político-ideológico presente na sociedade. Esclareceu que um dado fixo é utilizado para os seguidos cálculos de atribuição das vagas remanescentes, desprezando-se a aquisição de vagas nas operações anteriores. Dessa forma, o partido político ou coligação que primeiro atingir a maior média e, consequentemente, receber a primeira vaga remanescente, acabará por obter todas as vagas seguintes enquanto possuir candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima (pelo menos 10% do quociente eleitoral). Isso ocasionará uma tendência à concentração, em uma única sigla ou coligação, das vagas remanescentes. Vencido o ministro Marco Aurélio, que julgou improcedente o pedido. Segundo o ministro, sem prejuízo do princípio da proporcionalidade, fez-se uma opção normativa ao se beneficiar o partido de melhor desempenho no certame, de início, na distribuição das sobras com uma cadeira, o que implica a higidez do preceito. (1) CE: “Art. 109. Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários e em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o art. 108 serão distribuídos de acordo com as seguintes regras: I - dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação pelo número de lugares definido para o partido pelo cálculo do quociente partidário do art. 107, mais um, cabendo ao partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher, desde que tenha candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima;” (2) CF: “Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.”

ADI 5420/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 4.3.2020. (ADI-5420)

DIREITO ELEITORAL – SISTEMA ELEITORAL

Dispensa da exigência de votação mínima e distribuição das vagas remanescentes -

O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra o art. 3º da Lei 13.488/2017 (1), que, ao dar nova redação do art. 109, § 2º, do Código Eleitoral (CE), estabelece que todos os partidos e coligações que participaram do pleito podem concorrer às denominadas “sobras eleitorais”. O colegiado entendeu que o dispositivo impugnado, ao flexibilizar a exigência de votação mínima para que os partidos possam concorrer à obtenção de assentos no Legislativo a partir das “sobras eleitorais”, optou por uma entre as várias fórmulas possíveis para disciplinar a distribuição das cadeiras não preenchidas após a aplicação dos divisores previstos na legislação de regência, sem discrepar do cerne do sistema de representação proporcional, especialmente porque pretendeu-se reforçar o principal traço distintivo desta fórmula eleitoral, ou seja, a efetiva participação das minorias na arena político-institucional. Asseverou que, se é possível, de um lado, argumentar não ser a flexibilização dos critérios alusivos à distribuição das cadeiras correspondentes às denominadas “sobras eleitorais” a opção mais coerente ante o recente esforço legislativo no sentido de reduzir o número de partidos políticos, não é menos acertado, de outro, afirmar que eventual discordância com relação à pertinência da regra voltada a prestigiar a representação congressual das minorias é insuficiente a fundamentar a censura, pelo Tribunal, do dispositivo atacado – a versar quadro fático residual cuja regulamentação mostra-se incapaz, por si só, de subverter o modelo de representação parlamentar imposto pelo estatuto jurídico-constitucional. Concluiu ser eminentemente política a decisão por meio da qual aprovada, em ambas as Casas legislativas, a norma em questão. Portanto, ausente ofensa direta ao complexo normativo previsto nos artigos 17, 27, § 1º, 32, § 3º, e 45 da Constituição Federal (CF), preservado o núcleo essencial do sistema representativo e proporcional, não cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) atuar como fonte de direito, observados os limites impostos pela CF, sob pena de indevida ingerência em legítima opção político-normativa do Parlamento. (1) Lei 13.488/2017: “Art. 3º A Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 109. (...) § 2º Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos e coligações que participaram do pleito.”

ADI 5947/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 4.3.2020. (ADI-5947)

DIREITO ELEITORAL – SISTEMA ELEITORAL

Cláusula de desempenho individual e constitucionalidade -

O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra o art. 4º da Lei 13.165/2015 (1), no trecho em que deu nova redação ao art. 108 do Código Eleitoral (CE), para estabelecer o limite mínimo de votação individual de 10% do quociente eleitoral para preenchimento das vagas em disputa nas eleições submetidas ao sistema proporcional. O requerente alegava que o dispositivo impugnado traz distorções ao sistema proporcional, uma vez que, por meio dessa regra, para que um candidato seja eleito seria necessário alcançar individualmente o índice de 10% do quociente eleitoral. Nesse sentido, partido ou coligação que possua candidatos de expressão mediana, mesmo que ultrapassem o quociente eleitoral, não fariam jus a nenhuma vaga. Além do mais, a exigência de limite mínimo individual de votação implicaria ofensa direta ao regime democrático e ao sistema proporcional, previstos, respectivamente, no parágrafo único do art. 1º (2) e no art. 45 (3) da Constituição Federal (CF). O Tribunal entendeu que a alteração trazida pelo art. 4º da Lei 13.165/2015 não viola o princípio democrático ou o sistema proporcional, consistindo, antes, em valorização da representatividade e do voto nominal, em consonância com o sistema de listas abertas e com o comportamento cultural do eleitor brasileiro. O ministro Luiz Fux (relator) asseverou que o legislador tentou acabar com a figura do “puxador de votos”, excluindo da participação, no parlamento, candidatos que pessoalmente tenham obtido votação inexpressiva e, por isso, tenham representatividade popular ínfima. (1) Lei 13.165/2015: “Art. 4º A Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral , passa a vigorar com as seguintes alterações: (...) “Art. 108. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido ou coligação que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido. Parágrafo único. Os lugares não preenchidos em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o caput serão distribuídos de acordo com as regras do art. 109. ” (2) CF: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. ” (3) CF: “Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal. ”

ADI 5920/DF, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 4.3.2020. (ADI-5920)

REPERCUSSÃO GERAL

DIREITO ELEITORAL – ELEIÇÃO

Indeferimento de registro, cassação de diploma ou mandato e novas eleições -

É constitucional, à luz dos arts. 1º, I e parágrafo único, 5º, LIV, e 14, caput e § 9º, da Constituição da República, o § 3º do art. 224 do Código Eleitoral, com a redação dada pela Lei 13.165/2015, no que determina a realização automática de novas eleições, independentemente do número de votos anulados, sempre que o candidato eleito, em pleito majoritário, for desclassificado, por indeferimento do registro de sua candidatura, ou em virtude de cassação do diploma ou mandato. Com base nesse entendimento, ao apreciar o Tema 986 da repercussão geral, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a inconstitucionalidade parcial do aludido dispositivo legal.

RE 1096029/MG, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 4.3.2020. (RE-1096029)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE CONHECIMENTO E CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

Art. 741, parágrafo único, do CPC/1973 e juizados especiais federais -

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário ( Tema 100 da repercussão geral) em que se discute a aplicabilidade do art. 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973) (1) no âmbito dos juizados especiais federais. No caso, trata-se de ação revisional de benefício previdenciário de pensão por morte, proposta perante juizado especial federal, em que a autora obteve a majoração pretendida, com trânsito em julgado em 2006. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), então, apresentou impugnação na fase de cumprimento da sentença. Alegou inexigibilidade do título executivo judicial, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal (STF) havia decidido, no RE 416.827 e no RE 415.454 , publicados em 2007, pelo afastamento da aplicação da majoração do percentual da pensão por morte, prevista na Lei 9.032/1995, aos benefícios concedidos antes da edição da lei. O juízo indeferiu a pretensão, por entender que a sentença está acobertada pelo trânsito em julgado, e que a decisão do STF é posterior à sentença e não implicou controle concentrado de constitucionalidade. O recurso do INSS contra essa decisão também foi desprovido, sob o fundamento de inaplicabilidade do art. 741, parágrafo único, do CPC/1973, ao procedimento dos juizados especiais federais. A ministra Rosa Weber (relatora) negou provimento ao recurso extraordinário. Inicialmente, demonstrou que o STF tem decidido pela compatibilidade do referido preceito com a Constituição Federal (CF), em processos de controle difuso e concentrado de constitucionalidade. Asseverou que, fixada essa premissa, cumpriria definir se a regra incide no âmbito do procedimento especial dos juizados especiais federais. Segundo a relatora, os juizados especiais têm importante papel na democratização do acesso à justiça na realidade brasileira, seja sob a dimensão da facilidade de acesso de todos os cidadãos ao Poder Judiciário, seja sob o enfoque da realização de um procedimento facilitado, porque simples, informal, célere e predominantemente consensual. Assim, no que se refere à solução de conflitos de menor valor econômico e complexidade jurídica, foi criado um sistema com o objetivo de cumprir o dever fundamental de prestação de acesso à ordem jurídica justa a todos. O procedimento neles desenhado deve, contudo, observar os direitos fundamentais processuais e os contornos do Estado constitucional. Portanto, não se pode incorrer, em nome da realização do acesso à justiça, na violação do acesso à ordem jurídica justa. Deve-se compatibilizar a celeridade, a economia processual e a simplicidade procedimental com o acesso à justiça, os direitos fundamentais processuais, a inafastabilidade do controle jurisdicional e a tutela da autoridade da força normativa da CF. A informalidade dos atos processuais está configurada na objetividade e eficiência, em detrimento de uma forma rígida, extensa e complexa. Não obstante, os direitos fundamentais processuais, que compõem o núcleo do direito ao processo justo, igualmente são observados na relação jurídica processual formada no âmbito dos juizados especiais, como o direito à ampla defesa, ao contraditório e à produção de provas. Ou seja, a simplicidade que conforma o procedimento diferenciado dos juizados especiais não implica violação direta de outros direitos fundamentais processuais, mas sua compatibilização e proteção mínima. No que se refere à fase de execução, o procedimento diferenciado prescreve a aplicação subsidiária do disposto no CPC, no que couber. Especificamente quanto aos embargos à execução, o executado pode, por meio de impugnação autônoma, exercer sua defesa, cujos fundamentos podem consistir em causa impeditiva, modificativa, ou extintiva da obrigação superveniente à execução. Todavia, não existe, na legislação específica dos juizados especiais estaduais ou federais, previsão quanto à arguição de inexigibilidade do título judicial, por vício de inconstitucionalidade qualificado superveniente. Entretanto, essa omissão legislativa não implica afirmar que a regra do art. 741, parágrafo único, do CPC/1973, é incompatível com os juizados especiais. Ao contrário, essa regra processual é compatível com o sistema dos juizados especiais, e mesmo de incidência obrigatória, uma vez que versa sobre meio processual de defesa da autoridade da supremacia da CF. Em outras palavras, o reconhecimento da complementariedade procedimental entre os juizados especiais e o CPC, quanto aos embargos à execução, é solução conforme à Constituição, na medida em que a constitucionalidade da regra do art. 741, parágrafo único, do CPC/1973 já foi declarada pelo STF. Trata-se de meio processual voltado para garantir a eficácia executiva das decisões proferidas pelo STF. A diferenciação procedimental dos juizados especiais não implica negativa da aplicação da ordem constitucional material, ou seja, da força normativa da Constituição reconstruída nos precedentes judiciais formados pelo STF, tampouco resulta em implementação de procedimento diferenciado para a eficácia executiva das decisões judiciais, que é uniforme na jurisdição constitucional. A relatora, todavia, destacou que, no caso concreto, a decisão objeto do recurso extraordinário transitou em julgado em 2006, e os precedentes do STF indicados como parâmetros para a configuração da inexigibilidade do título executivo judicial foram publicados em 2007. Desse modo, o trânsito em julgado da sentença de mérito é anterior aos precedentes constitucionais, o que afasta a aplicação do entendimento firmado ao presente recurso. Em seguida, o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos. (1) CPC/1973: “Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre: (...) Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicativo ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.”

RE 586068/PR, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 5.3.2020. (RE-586068)

DIREITO CONSTITUCIONAL – PODER JUDICIÁRIO

Competência jurisdicional e fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal -

Compete à Justiça comum processar e julgar controvérsias relacionadas à fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal e eventual nulidade do certame em face da Administração Pública, direta e indireta, nas hipóteses em que adotado o regime celetista de contratação de pessoal. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 992 da repercussão geral, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a competência para processar e julgar controvérsias relativas a questões afetas à fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal e eventual nulidade do certame, em face de pessoa jurídica de direito privado. No caso, candidato admitido ao cargo de técnico em mecânica de nível médio, questionava, em ação ordinária proposta perante a Justiça comum estadual contra empresa estatal de água e esgoto, modificação de sua posição classificatória no resultado final do certame, alterada após retificação do edital. O Tribunal afirmou que a discussão posta, embora esteja centralizada no critério de competência para julgamento da fase pré-contratual, tem reflexos importantes sobre o próprio tratamento jurídico que tem sido conferido à aplicabilidade do princípio do concurso público às entidades privadas integrantes da Administração Indireta. Além disso, a matéria abrange discussão sobre em que medida a adjudicação dos princípios estruturantes da Administração Pública, naquilo que aplicáveis às pessoas jurídicas de direito privado da Administração Indireta, integram ou não a jurisdição da Justiça do Trabalho. A indefinição sobre os limites da competência da Justiça do Trabalho na matéria gera um quadro de grave insegurança jurídica, tanto em razão da multiplicidade de ações nos mais diversos ramos do Judiciário quanto em razão das próprias soluções conflitantes que têm sido dadas pela Justiça comum e pela Justiça do Trabalho. Ressaltou que, nos termos do art. 173, § 1º, da Constituição Federal (CF), empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços estão sujeitas às mesmas regras aplicáveis ao regime jurídico das empresas privadas, ou seja, devem seguir o regime celetista em seus contratos de trabalho. Destacou, porém, a singularidade que caracteriza a formação do contrato de trabalho de empregados públicos, que não podem ser equiparados em todos os aspectos a um trabalhador comum. Esclareceu que isso decorre do próprio caráter híbrido apresentado nesse tipo de contratação, especialmente quando se trata do regime jurídico das empresas públicas e das sociedades de economia mista, que acabam por sofrer influência de normas de direito privado, bem como de direito público. A exigência constitucional de concurso público para a contratação, prevista no art. 37, II, da CF, é exemplo de preceito de direito público que deve ser observado no regime jurídico das empresas públicas e das sociedades de economia mista, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Trata-se de etapa prévia obrigatória à formação da relação trabalhista, na qual predomina o interesse público. Na fase pré-contratual ainda não existe um elemento essencial inerente ao contrato de trabalho, que é seu caráter personalíssimo, de índole privada. O que prevalece é, em verdade, o caráter público, isto é, o interesse da sociedade na estrita observância do processo administrativo que efetiva o concurso público. Portanto, a fase anterior à contratação de empregado público deve se guiar por normas de direito público, notadamente do direito administrativo. Ainda não há, nesse momento, direito ou interesse emergente da relação de trabalho, a atrair a competência da Justiça trabalhista. Na verdade, a contratação ainda não é uma realidade – e pode, inclusive, nem vir a ocorrer. Ressaltou que esse entendimento pode ser aplicado às demais hipóteses em que a Administração Pública contrate sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Isso porque também nessa situação há discussão acerca da competência para processar e julgar ações sobre a fase pré-contratual. Vencido o ministro Edson Fachin, que deu provimento ao recurso extraordinário para reconhecer a competência da Justiça do Trabalho. Entendeu que a controvérsia decorre de relação de trabalho já estabelecida. Pontuou que, sendo o empregado e o emprego em curso regidos por contrato firmado consoante normas trabalhistas, a competência para controvérsias relacionadas a esse vínculo, já formado, devem ser dirimidas na Justiça especializada laboral.

RE 960429/RN, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 4 e 5.3.2020. (RE-960429)

PRIMEIRA TURMA

DIREITO ADMINISTRATIVO – AGENTES PÚBLICOS

Aposentadoria e direito adquirido a regime jurídico -

A Primeira Turma iniciou julgamento conjunto de agravos regimentais em reclamações ajuizadas em face de decisão supostamente contrária ao que decidido pelo STF na ADI 4.420 . No caso, os reclamantes, titulares do cargo de escrevente notarial do Estado de São Paulo, tiveram suas aposentadorias concedidas nos termos da Lei 10.393/1970, daquele estado. Posteriormente, foi promulgada a Lei estadual 14.016/2010, que revogou a norma anterior, e alterou as condições estabelecidas à época da concessão dos benefícios dos reclamantes. Em razão disso, ajuizaram ações declaratórias de revisão de aposentadoria, que foram julgadas improcedentes. Alegam que, no paradigma citado, determinou-se que os aposentados que já estavam em pleno gozo das suas aposentadorias, e dentro das regras da lei de 1970, não poderiam ser alcançados pelos efeitos da lei de 2010. O ministro Alexandre de Moraes (relator) votou pelo desprovimento do agravo e consequente procedência da reclamação, no que foi acompanhado pela ministra Rosa Weber. Preliminarmente, afastou a alegada nulidade na decisão agravada decorrente da ausência de citação. No ponto, ressaltou inexistir prejuízo, uma vez que a interposição do agravo possibilitou ao recorrente que trouxesse seus argumentos. Assim, se houvesse nulidade, foi sanada nessa oportunidade, em que exercido o contraditório. No mérito, afastou a ausência de aderência entre o ato reclamado e o paradigma invocado. Anotou que, no julgamento da referida ação direta de inconstitucionalidade, o Plenário assentou que a extinção da carteira de previdência das serventias não oficializadas do estado de São Paulo, embora possível por lei estadual, e operada pela lei de 2010, deve respeitar o direito adquirido dos participantes que já faziam jus aos benefícios à época da edição da nova lei. Considerou que os reclamantes já possuíam os requisitos necessários para aposentadoria anteriormente à nova lei, e o ato de concessão da aposentadoria foi aperfeiçoado em momento anterior à sua edição, nos termos da lei antiga. O STF entende que a inexistência de direito adquirido a regime jurídico ocorre nas hipóteses em que o indivíduo ainda não preenche os requisitos necessários para se aposentar no momento da alteração legislativa. Ele irá se aposentar, portanto, nos termos da nova regra. Por outro lado, aqueles que preenchem os requisitos para se aposentar antes da mudança de regime têm direito adquirido à sistemática anterior, existente à época em que preenchidos esses requisitos, mesmo que se aposentem durante a vigência da nova regra. Assim, evidente que os reclamantes foram indevidamente submetidos às regras da lei de 2010, pois suas aposentadorias foram concretizadas no regime anterior. Em divergência, os ministros Luiz Fux e Marco Aurélio votaram pelo provimento do recurso. O ministro Luiz Fux considerou que o paradigma em exame de fato garante a situação jurídica de quem já preenche os requisitos para obtenção de aposentadoria, principalmente de quem já se aposentou. Entretanto, a lei de 2010 prevê novos critérios para reajustes futuros, e, nesse ponto, não há como garantir direito adquirido à manutenção de regime jurídico anterior. Portanto, o STF não garantiu o direito à manutenção da indexação de benefício de aposentadoria, sequer impediu a majoração de alíquotas. O ministro Marco Aurélio reputou ocorrer nulidade quanto à falta de citação. No mérito, apontou a inexistência de desrespeito à decisão proferida pelo STF. Em seguida, o julgamento foi suspenso para aguardar-se o voto de desempate do ministro Roberto Barroso.

Rcl 37636 AgR/SP, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 3.3.2020. (Rcl-37636) Rcl 37892 AgR/SP, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 3.3.2020. (Rcl-37892) Rcl 37940 AgR/SP, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 3.3.2020. (Rcl-37940)

SEGUNDA TURMA

DIREITO PROCESSUAL PENAL – COLABORAÇÃO PREMIADA

Colaboração premiada: fase anterior à instauração formal de procedimento investigatório e acesso -

A Segunda Turma retomou julgamento de agravo regimental interposto de decisão monocrática em que indeferidos os pedidos formulados em petição, na qual o requerente pleiteia acesso a autos de acordo de colaboração premiada homologado. O agravante sustenta que, a despeito do regime de sigilo ainda em vigor, termos de depoimento alusivos a determinados fatos alegadamente praticados por ele têm sido divulgados por veículos de imprensa. Ao lado disso, articula ser imprescindível a manutenção de eventuais apurações perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Na hipótese de declinação da competência, aponta tribunal regional eleitoral para conduzir o caso. Na sessão de 13.11.2018, o ministro Edson Fachin (relator) manteve a decisão agravada e negou provimento ao agravo regimental, no que foi acompanhado pela ministra Cármen Lúcia. Manteve compreensão segundo a qual não é possível apreciar a matéria relacionada às especulações e conjecturas acerca da possível cisão de procedimento investigativo, uma vez que não possui lastro em qualquer comando decisório concreto. Relativamente ao pedido de acesso, assentou existir ainda o regime de sigilo em relação à colaboração premiada em questão. Inicialmente, ressaltou a envergadura constitucional da ampla defesa e do contraditório, próprios do devido processo legal e do Estado constitucional. Ato contínuo, esclareceu ter examinado a dimensão do caso e do acesso às provas também à luz do Enunciado 14 da Súmula Vinculante (1). O ministro pontuou que a situação em debate se refere a acordo de colaboração premiada homologado ao qual, pelas informações coletadas nos autos, não se seguiu a instauração de inquérito. A hipótese é distinta daquela do verbete mencionado, que garante à defesa amplo acesso aos elementos de prova já documentados em procedimento investigatório. Assinalou que a colaboração premiada não constitui meio probatório, mas meio de obtenção de prova, consoante a Lei 12.850/2013 e o que fixado pelo Plenário do STF ( HC 127.483 ). Assim, as declarações do colaborador não traduzem automático gravame ao agente delatado, visto que a convicção do juiz deve derivar de efetiva produção probatória. Na mesma linha, a Lei 12.850/2013 prescreve a impossibilidade de que sentença condenatória seja proferida com fundamento exclusivo em declarações do agente colaborador, exigindo-se corroboração. A seu ver, não há dúvidas de que, se houver procedimento investigatório ou inquérito, não pode ser obstado o acesso, desde que atendidos certos requisitos e observados os limites firmados pela Segunda Turma. Isso não significa que a temporária negativa de acesso a informações que não se qualifiquem como prova acarrete cerceamento de defesa, tampouco que o exercício do contraditório não se sujeite a restrições circunstanciais. O relator entendeu que a pretensão não pode ser acolhida. As declarações do colaborador não se consideram provas. As informações dependem de corroboração e atuam, em verdade, como direcionamento da linha investigativa. Nesses termos, em fases embrionárias, a pendência de diligências é da essência de acordos de colaboração, razão pela qual a Lei 12.850/2013 dispõe, como regra geral, que o sigilo deve perdurar até o oferecimento da denúncia, ocasião que já se encontra formada a opinio delicti e cabe à defesa o enfrentamento da imputação. Salientou que o § 3º do art. 7º da Lei 12.850/2013 (2) não teve sua inconstitucionalidade declarada. Ademais, na situação em apreço, sequer há instauração formal de procedimento investigatório, cenário a manter o estrito regime de sigilo ( Rcl 22.009 ). Quanto às notícias jornalísticas, anotou que, sem embargo de uma ou outra nota de rodapé, não foi anexado documento à petição inicial. Subscreveu posicionamento segundo o qual a simples especulação jornalística a respeito da existência de acordo de colaboração premiada ou da sua homologação judicial ou de declarações que teriam sido prestadas pelo colaborador não é causa juridicamente suficiente para a quebra do regime de sigilo, sobretudo porque poderia comprometer a investigação ( Pet 6.164 AgR ). Por fim, registrou que o acesso se relaciona ao exercício da defesa e não guarda pertinência com enfrentamento de especulação jornalística, finalidade que seria estranha às hipóteses legais que excepcionam o sigilo das declarações prestadas pelo colaborador. Em voto-vista, o ministro Gilmar Mendes abriu divergência e proveu o agravo, no que foi acompanhado pelo ministro Ricardo Lewandowski. No tocante ao pedido de fixação de competência, o ministro Gilmar Mendes salientou assistir razão ao relator e, no ponto, não conheceu do agravo em virtude da ausência de interesse recursal. Enfatizou que não foi demonstrada a existência concreta de investigação ou de decisão que tenha declinado dos autos às instâncias inferiores. A irresignação do requerente é construída com base em argumentos em tese, sem comprovar haver decisão proferida capaz de causar prejuízo e ser impugnada em sede recursal. Noutro passo, deu provimento ao recurso, de modo a assegurar o acesso às declarações prestadas por colaboradores que incriminem o requerente, já documentadas e que não se refiram a diligências em andamento que possam ser prejudicadas, nos termos do Verbete 14 da Súmula Vinculante. Consignou não ser oponível ao delatado o sigilo do acordo de colaboração, que se estende aos atos de cooperação, especialmente às declarações do cooperador (Lei 12.850/2013, art. 7º). Há norma especial que regulamenta o acesso do defensor do delatado aos atos de colaboração [art, 7º, § 2º (3)]. Ao atentar para o fato de que a Lei 13.964/2019 alterou a redação do § 3º do mencionado artigo, afirmou que a determinação de que o acordo e os depoimentos do colaborador serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime não pode restringir o acesso do delatado a elementos indispensáveis ao exercício de sua defesa. O acesso deve ser garantido se o ato de colaboração apontar a responsabilidade criminal do requerente e não se referir à diligência em andamento. É essencial que, pleiteado o acesso, o julgador requisite informações acerca das diligências em andamento. Caso existam diligências pendentes, as informações podem ser prestadas em apartado. Somente de posse disso o magistrado poderá afirmar a necessidade de preservar o sigilo de ato de colaboração. Deve-se avaliar a possibilidade de as diligências serem frustradas por ação do requerente. Ademais, embora seja meio de obtenção de provas, o acordo de colaboração premiada busca exatamente a produção de elementos de provas, como as declarações do colaborador, que normalmente são produzidas em termos juntados ao acordo formalizados pelas partes. No HC 127.483, esclareceu-se que os depoimentos propriamente ditos do colaborador constituem meio de prova, que somente se mostrarão hábeis à formação do convencimento judicial se vierem a ser corroborados por outros meios idôneos de prova. O ministro enfatizou que a necessidade de corroboração das declarações do colaborador por elementos externos não afasta a condição de elemento probatório, visto que podem ser consideradas pelo julgador. Concluiu que, se houve acordo já homologado judicialmente e, em seus termos anexos, há declarações em que se incriminem terceiros, deve-se assegurar a efetividade do verbete vinculante. Não será fornecido o acesso integral a todos os elementos. Se há declarações de colaboradores que mencionam e incriminam o coimputado, o juízo deve autorizar o acesso pela defesa aos termos pertinentes, salvo se, motivadamente, apontar que há diligência investigativa em curso, que possa ser prejudicada. Compreendeu que, com a delação, o procedimento investigatório já existe. Em sua percepção, o relator pareceu assentar uma “presunção de diligências em andamento” e, assim, que a regra deveria ser o sigilo a obstar o acesso da defesa a eventuais termos em que o coimputado tenha sido delatado. O ministro Gilmar Mendes avaliou que esse entendimento está em tensão dialética com precedentes da Segunda Turma. Mencionou especificamente a Rcl 28.903 , na qual o órgão decidira ser legítimo o direito de o então reclamante ter acesso a elementos de prova devidamente documentados nos autos de procedimento em que fosse investigado. Naquele contexto, a decisão reclamada, de cunho genérico, não se lastreava em nenhuma peculiaridade do caso concreto para justificar a negativa de acesso aos autos pela defesa, limitando-se a invocar a regra legal do sigilo dos depoimentos prestados pelo colaborador. Ao expor seu posicionamento, o ministro Ricardo Lewandowski considerou presentes os requisitos para a concessão de acesso. Sublinhou inexistir negativa do Parquet de que os atos de colaboração apontam a responsabilidade criminal do requerente. Além disso, o órgão ministerial não trouxe elemento concreto a corroborar a assertiva de que a manutenção do sigilo é necessária em razão de diligências em andamento. Registrou que o sigilo antagoniza a dignidade da pessoa humana, um dos esteios do Estado democrático de direito e valor fundamental da Constituição. Em seguida, a ministra Cármen Lúcia pediu vista dos autos. (1) Enunciado 14 da Súmula Vinculante: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.” (2) Lei 12.850/2013: “Art. 7º O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto. (...) § 3º O acordo de colaboração premiada e os depoimentos do colaborador serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, sendo vedado ao magistrado decidir por sua publicidade em qualquer hipótese.” (3) Lei 12.850/2013: “Art. 7º (...) 2º O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.”

Pet 7356 AgR/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 3.3.2020. (Pet-7356)

DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROCESSO EM GERAL

Prisão preventiva e Pacote Anticrime -

A Segunda Turma, por maioria, negou provimento a agravo regimental em habeas corpus, interposto de decisão em que concedida a ordem para revogar prisão preventiva decretada em desfavor da paciente e, em substituição, impor medidas cautelares diversas da prisão, na forma do art. 319 do Código de Processo Penal (CPP). Na espécie, atribui-se à paciente a suposta prática dos delitos de lavagem ou ocultação de capitais e de participação em organização criminosa. Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes (relator), segundo o qual o Ministério Público Federal não trouxe argumentos suficientes a infirmar a ato recorrido, visando apenas a rediscussão da matéria resolvida em conformidade com jurisprudência desta Turma. Preliminarmente, observou que a reforma legislativa operada pelo chamado Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) introduziu a revisão periódica dos fundamentos da prisão preventiva, por meio da alteração do art. 316 do CPP. A redação atual prevê que o órgão emissor da decisão deverá revisar a necessidade de sua manutenção a cada noventa dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar ilegal a prisão preventiva. Isso significa que a manutenção da prisão preventiva exige a demonstração de fatos concretos e atuais que a justifiquem. A existência desse substrato empírico mínimo, apto a lastrear a medida extrema, deverá ser regularmente apreciado por meio de decisão fundamentada. O relator destacou três pontos centrais da linha argumentativa sustentada: (i) a ausência do elemento da contemporaneidade no decreto prisional; (ii) a ausência de elementos concretos que justifiquem a prisão preventiva e a adequação das medidas cautelares diversas; e (iii) o estado de saúde da ora agravada. A seu ver, embora o Parquet sustente que o tribunal estadual teria demonstrado fundamentos aptos a restabelecer a prisão da paciente, nenhum fato concreto e atual foi apresentado no decreto prisional, tanto que se propôs a narrar novamente os fatos utilizados como base para a própria capitulação dos crimes, que datam de 2012 a 2016, confundindo os fundamentos pertinentes ao mérito com os que dizem respeito à necessidade da medida cautelar extrema, tal como fez aquele tribunal. Diante de linha temporal apresentada, a paciente permaneceu em liberdade por período de quase dois anos, sem que houvesse notícias de quaisquer prejuízos para a aplicação da lei penal ou para o devido andamento da instrução criminal. Esse é um fundamento fático decisivo para que se mantenha o ato impugnado, pois demonstra a desnecessidade da segregação cautelar. Uma nova decretação de prisão preventiva, por meio da não manutenção do pronunciamento agravado, neste momento, representaria ato incongruente com o atual panorama normativo do processo penal. O ministro sublinhou a inexistência de fatos novos ou contemporâneos concretos, idôneos a justificar a segregação cautelar da agravada. A questão da contemporaneidade foi enfatizada por recentes alterações do CPP, trazidas pelo Pacote Anticrime. A esse respeito, tem-se o § 2º do art. 312 do CPP (1). Em passo seguinte, ponderou que a segregação cautelar está fundamentada apenas em suposições e ilações. Foi presumido que a prisão seria necessária para acautelar a ordem pública e desmantelar a organização criminosa, pois a agravada alegadamente integraria núcleo funcional da empreitada ilícita. Impende que a alegação abstrata ceda à demonstração concreta e firme que tais condições realizam-se na espécie. Não basta a mera explicitação textual dos requisitos previstos. Registrou que, com a redação dada ao art. 319 do CPP pela Lei 12.403/2011, o juiz passou a dispor de medidas cautelares de natureza pessoal, diversas da prisão, a permitir a tutela do meio social e também a servir, mesmo que cautelarmente, de resposta justa e proporcional ao mal supostamente causado pelo acusado. Eventual perigo que a liberdade represente à ordem pública ou à aplicação da lei penal pode ser mitigado por medidas cautelares menos gravosas do que a prisão. Ao versar sobre o estado de saúde da paciente, o relator depreendeu dos autos que ela possui problemas de saúde comprovados que demandam tratamento cirúrgico. Isso foi utilizado, inclusive, pelo juiz de piso no embasamento da concessão de prisão domiciliar. Por derradeiro, avaliou que a falta de capacidade do sistema prisional pátrio para tratar de forma digna as patologias da paciente corrobora a tese de que as medidas impostas no ato agravado se mostram mais adequadas do que o cárcere para acautelar a aplicação da lei penal e a instrução processual penal no caso concreto. Vencido o ministro Edson Fachin, que deu provimento ao agravo. Segundo ele, não há hipótese de concessão da ordem. De igual modo, inexiste ilegalidade flagrante ou teratologia da determinação da prisão cautelar. O ministro reputou assistir razão ao agravante. Inclusive, ao ressaltar que a ausência de notícias da reiteração criminosa no interior da casa prisional no período em que segregada não elide ou encurta a gravidade das infrações penais a ela atribuídas. Argumentou que a prisão domiciliar deferida à acusada teve por escopo observar o fragilizado estado de saúde demonstrado anteriormente. Entretanto, não há comprovação da subsistência dessa condição excepcional. Ao final, firmou que habeas corpus não é sede para o reexame de fatos e provas. (1) CPP: “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. (...) § 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.”

HC 179859 AgR/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3.3.2020. (HC-179859)

DIREITO ELEITORAL – ELEIÇÕES

Inelegibilidade: configuração de ato doloso de improbidade administrativa e fato superveniente -

A Segunda Turma, por maioria e em conclusão de julgamento, negou provimento a dois agravos regimentais interpostos de decisão que, em juízo de retratação, proveu recurso extraordinário com agravo, para afastar declaração, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de inelegibilidade de candidato, porquanto não mais subsistiria a premissa estruturante de rejeição das contas deste pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Os agravantes sustentavam, em síntese, que o ato agravado não poderia ter restabelecido a elegibilidade, pois, segundo a jurisprudência do TSE, a data de diplomação seria o termo final para se conhecer de fato superveniente ao registro da candidatura que afaste inelegibilidade. Anotavam, ainda, que o acórdão do TCU reconhecido como fato superveniente foi proferido em recurso de revisão julgado em 11.9.2019. Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes (relator). De início, registrou a oscilação do posicionamento do TSE sobre a aludida matéria ao longo dos anos. Com a ressalva de que o entendimento jurisprudencial não é absolutamente pacífico, avaliou que, no caso concreto, a inconstitucionalidade da decisão do TSE, na realidade, parece dar-se não em razão da limitação temporal da ocorrência do fato superveniente, mas da própria aplicação extensiva da alínea g do inciso I do art. 1º da Lei Complementar (LC) 64/1990 (1). Assinalou estar previsto, claramente, no dispositivo legal, que a rejeição de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas pelo candidato só atrai a inelegibilidade se da rejeição se configurar ato doloso de improbidade administrativa. Depreendeu da análise detida dos autos que, entretanto, essa caracterização não se faz presente na espécie. A seu ver, o TSE realizou interpretação extensiva da cláusula de inelegibilidade para pressupor que a simples afronta à Lei de Licitações (Lei 8.666/1993) implicaria a caracterização do ato doloso de improbidade, o que se revela em desacordo com o texto constitucional e com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque, ao se manifestar acerca do § 4º do art. 37 da Constituição Federal (CF) (2), o STF procedeu à devida distinção entre ato meramente ilegal e ato ímprobo, exigindo para este uma qualificação especial: lesar o erário ou, ainda, promover enriquecimento ilícito ou favorecimento contra legem de terceiro. Nessa linha, estaria o que firmado no RE 976.566 ( Tema 576 da repercussão geral). Logo, o ato de improbidade administrativa não pode ser presumido pelo simples descumprimento da Lei de Licitações. Deve ser comprovado o especial fim de agir do agente público a depender do tipo enquadrado. Segundo o ministro, parece ter havido presunção de que, ocorrida a ilegalidade na contratação pública, o ato de improbidade administrativo doloso seria daí decorrente, sem se ater a elementos factuais, a partir de mera construção exegética destituída de dados empíricos. Não se coaduna com a jurisprudência do STF e o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça a conclusão de que a ausência ou dispensa indevida de licitação é considerada irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa, sendo conduta apta a atrair a inelegibilidade previstas no art. 1º, I, g, da LC 64/1990. O relator ressaltou que o fato de a ausência de licitação para a contratação de serviços de telefonia haver sido objeto de ressalva pela Controladoria Geral da União, desde 2009, não configura argumento suficiente para amparar que se trata de ato de improbidade administrativa doloso. Reiterou que não se deve confundir ilegalidade ou incompetência com ato de improbidade administrativa. Ausente o reconhecimento de dano e a clara existência de dolo, não subsiste a conclusão extraída pelo TSE. Ademais, o TCU, em sede de recurso de revisão, aprovou, com ressalva, as contas do recorrente e afastou as multas a ele impostas. Embora a decisão superveniente reforce a inadequação da interpretação dada pelo TSE ao caso, a bem da verdade, antes mesmo disso, já era incontroverso que a posição inicial do TCU não firmava a ocorrência de ato doloso ou de dano ao erário apto a amparar a incidência da aludida alínea. A decisão do TRE e a do TSE reconheceram essa circunstância, daí não há que se falar em necessidade de revolvimento fático-probatório. Em arremate, consignou que a decisão do TSE é originariamente acoimada de inconstitucionalidade, não havendo que se falar também em limitação para ocorrência de fato superveniente. Vencido o ministro Edson Fachin, que proveu o agravo para negar seguimento ao recurso extraordinário, em face de não ser cabível o recurso para simples reexame de prova e da impossibilidade de, na sede eleita, rever interpretação de legislação infraconstitucional e seus requisitos. Verificou não ser possível manter o ato agravado até porque não caracterizadas as ofensas constitucionais indicadas no recurso extraordinário. O provimento de recurso extraordinário depende do reconhecimento, em primeiro lugar, de repercussão geral da questão constitucional trazida, o que não ocorreu; ou, como segunda opção, da existência de jurisprudência dominante em casos análogos, o que não parece ser a hipótese dos autos, até por suas peculiaridades intrínsecas. Noutro ponto, explicitou que o TCU julgou irregular as contas. O pronunciamento que se deu, em processo de revisão, foi proferido mais de dez meses após a decisão do TSE e mais de oito meses depois da diplomação dos candidatos eleitos. Sublinhou que a jurisprudência do TSE é no sentido de que a data da diplomação é o termo final para se considerar e conhecer qualquer alteração fática ou jurídica superveniente que se refira aos requisitos para o registro da candidatura. Igualmente, que cabe à Justiça Eleitoral proceder ao enquadramento das irregularidades como insanáveis, ou não, e verificar se constituem, ou não, ato doloso de improbidade administrativa. (1) LC 64/1990: “Art. 1º São inelegíveis: I – para qualquer cargo: (...) g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;” (2) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

ARE 1197808 AgR-segundo e terceiro/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3.3.2020. (ARE-1197808)