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Informativo do STF 966 de 14/02/2020

Publicado por Supremo Tribunal Federal


PLENÁRIO

DIREITO CONSTITUCIONAL – ORGANIZAÇÃO DO ESTADO

Composição de órgão da Administração Pública estadual e participação de representante de seccional da OAB -

O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta, para declarar a inconstitucionalidade do trecho “e 1 (um) representante da Ordem dos Advogados do Brasil — Seção RJ” (OAB/RJ) constante do art. 110 da Lei Complementar (LC) 69/1990, com a redação dada pelo art. 4º da LC 135/2009, ambas do Estado do Rio de Janeiro (1). O Tribunal depreendeu da leitura do preceito haver caráter impositivo na participação de representante da OAB/RJ na composição da Corregedoria Tributária do Controle Externo, órgão colegiado composto por três membros, a serem escolhidos pelo governador. Aduziu ser possível que chefe do Poder Executivo estadual convide, em consenso com a OAB, representante desta para integrar órgão da Administração. Entretanto, embora a norma questionada atenda a pleito da OAB/RJ, lei estadual não pode impor a presença de representante de autarquia federal em órgão da Administração Pública local. Vencidos os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski, que julgaram a pretensão improcedente. Consideraram inexistir obrigatoriedade, e sim possibilidade de composição híbrida do órgão por representante da OAB/RJ, por ela própria indicado. O ministro Alexandre de Moraes reiterou, por fim, tratar-se de seccional, que faz parte da OAB, mas dentro dos limites do Estado-membro. (1) LC fluminense 69/1990: “Art. 110. Integra a Corregedoria Tributária de Controle Externo num Colegiado composto por 3 (três) membros, sendo 1 (um) escolhido entre Fiscais de Rendas, ativos ou aposentados, 1 (um) entre Procuradores do Estado, ativos ou aposentados e 1 (um) representante da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção RJ, a serem escolhidos pelo Governador do Estado, o qual nomeará o Corregedor-Chefe da Corregedoria Tributária de Controle Externo entre aqueles, sendo que as decisões da Corregedoria sobre sindicância e processo administrativo disciplinar serão tomadas por maioria de votos dos membros presentes do Colegiado.”

ADI 4579/RJ, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 13.2.2020. (ADI-4579)

DIREITO CONSTITUCIONAL – CONFLITO FEDERATIVO

Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza e amortização de dívida pública -

As receitas provenientes do adicional criado pelo art. 82, § 1º, do ADCT (1) não podem ser computadas para efeito de cálculo da amortização da dívida do Estado. Os recursos devem, no entanto, ser considerados para efeito de cálculo do montante mínimo destinado à saúde e à educação. Com base nesse entendimento, o Plenário julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação cível originária para condenar a União a ressarcir os valores pagos a maior a título de amortização da dívida pública nos exercícios de 2002, 2003 e 2004, mediante compensação da diferença com débitos futuros. No caso, Estado-membro ajuizou ação cível originária, com base no art. 102, I, f, da Constituição Federal (CF) (2), objetivando a não inclusão dos valores destinados constitucionalmente ao Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (FECEP) na apuração da Receita Líquida Real (RLR), sobre a qual é computado o total da dívida pública do estado com a União. Pretendia, ainda, a exclusão desses recursos do cálculo do montante mínimo destinado à saúde e à educação. Inicialmente, o Tribunal afastou a alegação de inconstitucionalidade formal das normas ordinárias definidoras da RLR (Resolução do Senado Federal 69/1995 e Lei 9.496/1997), por não constituir matéria sujeita à reserva de lei complementar. Relativamente à inconstitucionalidade material, reputou relevante a articulação do Estado-membro, notando-se a necessidade de observância do fundo criado, cuja base maior é a Constituição Federal. Frisou que, ante dificuldades gerais, é comum desvirtuarem-se receitas, deixando-se de atender às finalidades discriminadas em textos normativos, até mesmo de índole constitucional. A partir da tomada de empréstimo de parcelas a compor o FECEP, chega-se ao comprometimento do arrecadado, tendo em conta a dívida pública do estado e os valores a serem despendidos com saúde. (1) ADCT: “Art. 82. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate á Pobreza, com os recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar, devendo os referidos Fundos ser geridos por entidades que contem com a participação da sociedade civil. § 1º Para o financiamento dos Fundos Estaduais e Distrital, poderá ser criado adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, sobre os produtos e serviços supérfluos e nas condições definidas na lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, da Constituição, não se aplicando, sobre este percentual, o disposto no art. 158, IV, da Constituição.” (2) CF: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;”

ACO 727/BA, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 13.2.2020. (ACO-727)

DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Majoração de taxa e custas judiciais -

O Plenário iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face dos arts. 3º e 4º da Lei 8.071/2006 (1) e do art. 1º da Lei 6.682/1998 (2), ambas do estado da Paraíba. O requerente impugna a majoração dos valores cobrados a título de custas e taxas judiciais pelo Poder Judiciário estadual. O ministro Edson Fachin (relator) julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 8.071/2006. Ressaltou que as custas forenses possuem como fato gerador a prestação de serviço público adjudicatório, sendo que o seu regime jurídico corresponde ao da taxa. Ademais, compõem receita pública de dedicação exclusiva ao custeio do aparelho do sistema de Justiça, de onde se extrai a relevância fiscal desse tributo para a autonomia financeira do Judiciário. Observou que o acesso à Justiça possui assento e traduz-se em direito fundamental que preconiza tanto a acessibilidade igualitária à ordem jurídica quanto a produção de resultados materialmente justos. Nesse sentido, a legislação impugnada não constitui, no ponto, obstáculo econômico ao acesso igualitário à tutela jurisdicional, principalmente porque se trata de contrariedade à alíquota máxima que pressupõe litígio, cujo bem da vida seja de vultoso valor. O relator, por outro lado, afirmou que o aumento do teto das taxas judiciárias de 200 para 900 Unidades Fiscais de Referência (UFIRs) ofende os princípios do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade. Rememorou precedente em que a Corte concluiu não haver violação direta à ordem constitucional em razão da majoração da alíquota máxima em apenas dois pontos percentuais. Ocorre que, no caso, essa majoração foi da ordem de 350 por cento. Em divergência, o ministro Dias Toffoli julgou improcedente o pedido. Pontuou que não há desproporcionalidade diante dos valores consignados. Em seguida, o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos. (1) Lei 8.071/2006: “Art. 3° - O § 1° do artigo 2° da Lei 6.682, de 02 de dezembro de 1998, passa a viger com a seguinte redação: § 1° Em nenhuma hipótese, a taxa de que trata esta lei poderá ultrapassar o valor correspondente a novecentas (900) UFR's nem será inferior ao valor de uma (l) UFR. Art. 4° - Os itens especificados das tabelas anexas à Lei Estadual n° 5.672, de 17 de novembro de 1992, passam a viger com a redação dada no Anexo Único desta Lei.” (2) Lei 6.682/1998: “Art. 1° - Fica instituída a taxa judiciária, que tem como fato gerador a utilização dos serviços judiciais, compreendendo os processos de conhecimento de execução, cautelar e procedimentos especiais de jurisdição contenciosa ou voluntária. Parágrafo único - Considera-se ocorrido o fato gerador no ato da distribuição do feito.”

ADI 5688/PB, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 13.2.2020. (ADI-5688)

DIREITO TRIBUTÁRIO – RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

Responsabilidade tributária solidária de terceiros -

É inconstitucional lei estadual que disciplina a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa da matriz geral estabelecida pelo Código Tributário Nacional (CTN). Com essa orientação, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 18-C da Lei 7.098/1998, incluído pelo art. 13 da Lei 9.226/2009, ambas do Estado de Mato Grosso, que atribui responsabilidade tributária solidária por infrações a toda pessoa que concorra ou intervenha, ativa ou passivamente, no cumprimento da obrigação tributária, especialmente advogado, economista e correspondente fiscal. Entendeu que a norma impugnada invadiu a competência do legislador complementar federal para estabelecer normais gerais sobre a matéria. Além de ampliar o rol das pessoas que podem ser pessoalmente responsáveis pelo crédito tributário previsto pelos arts. 134 e 135 do CTN (1), dispôs diversamente do CTN sobre as circunstâncias autorizadoras da responsabilidade pessoal de terceiro. (1) CTN: “Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório. Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”

ADI 4845/MT, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 13.2.2020. (ADI-4845)

REPERCUSSÃO GERAL

DIREITO TRIBUTÁRIO – LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR

Imunidade tributária e exportação indireta – 2 -

A norma imunizante contida no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição Federal (CF) (1) alcança as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação caracterizadas por haver participação negocial de sociedade exportadora intermediária. Com essa tese de repercussão geral (Tema 674), o Plenário concluiu julgamento conjunto de recurso extraordinário e de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nos quais se discutia o alcance da mencionada imunidade, que preceitua não incidir contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico sobre as receitas decorrentes de exportação ( Informativo 965 ). O colegiado julgou procedente o pedido formulado na ADI, para declarar a inconstitucionalidade do art. 170, §§ 1º e 2º, da Instrução Normativa (IN) da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) 971/2009 (2). Além disso, deu provimento ao recurso extraordinário, a fim de reformar o acórdão impugnado e conceder ordem mandamental, assentando a inviabilidade de exações baseadas nas restrições presentes no art. 245, §§ 1º e 2º, da IN da Secretaria da Receita Previdenciária (SRP) 3/2005 (3), no tocante às exportações de açúcar e álcool realizadas por intermédio de sociedades comerciais exportadoras. Prevaleceram os votos dos ministros Alexandre de Moraes e Edson Fachin, relatores da ADI e do recurso extraordinário, respectivamente. Segundo o ministro Alexandre de Moraes, inexiste controvérsia a respeito da aplicação da aludida imunidade sobre as receitas decorrentes de exportação direta, isto é, quando a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no exterior. Discute-se apenas relativamente às receitas decorrentes de exportação indireta, quando a produção é comercializada entre produtor e vendedor com empresas constituídas e em funcionamento no Brasil que destinem os produtos à exportação. Para fins didáticos, tais empresas podem ser ordenadas em duas categorias: (i) a primeira, composta por sociedades comerciais regulamentadas pelo Decreto-Lei 1.248/1972, que possuem Certificado de Registro Especial, chamadas habitualmente de trading companies; (ii) a segunda, formada com aquelas que não possuem o referido certificado e são constituídas de acordo com o Código Civil (CCv). O relator da ADI aduziu que a Administração Tributária dispensa o mesmo tratamento a ambas. Atualmente, ao adquirirem produtos no mercado interno para posterior remessa ao exterior, essas empresas já gozam de benefícios fiscais relacionados ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); às contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins e ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Em seguida, asseverou que, em prestígio à garantia da máxima efetividade, a imunidade sobre as receitas de exportação também deve ser aplicada à hipótese das exportações indiretas. Não se trata de dar interpretação mais ampla e irrestrita para alargar o preceito. A regra da imunidade, diferentemente da isenção, deve ser analisada do ponto de vista teleológico/finalístico do Sistema Tributário Nacional. Dessa maneira, depreendeu que o escopo da imunidade contida no art. 149, § 2º, I, da CF é a desoneração da carga tributária sobre transações comerciais que envolvam a venda para o exterior. É evitar a indesejada exportação de tributos e permitir que os produtos nacionais se tornem mais competitivos no exterior, contribuindo para a geração de divisas e o desenvolvimento nacional. Destacou que a desoneração das atividades ligadas à exportação aparece como tendência explícita da CF, o que pode ser comprovado por regras que disciplinam a imunidade do IPI e do ICMS. Considerada a finalidade da norma imunizante, não há como simplesmente cindir as negociações realizadas no âmbito das exportações indiretas, de modo a tributar as operações realizadas no mercado interno e imunizar exclusivamente a posterior remessa ao exterior. Tributar a operação interna onera em verdade a exportação inteira e fere inclusive a livre concorrência. Não há razoabilidade em se excluir da imunidade a exportação indireta. A ideia da regra é permitir o favorecimento para quem vai exportar. Impende levar em conta se a destinação final é a exportação. Assim, o País lucra externamente, na balança comercial, e internamente, com a geração de renda e emprego. Por seu turno, o ministro Edson Fachin sublinhou que, em seu voto, analisou três tópicos para responder à questão constitucional submetida à repercussão geral: (i) a desoneração da tributação na cadeia produtiva exportadora; (ii) o regime jurídico da imunidade tributária; (iii) a exigibilidade de contribuição previdenciária a ser paga pela agroindústria, definida na concepção ampla de produtor rural (Lei 8.212/1991, art. 22A). Nessa dimensão, a decisão retomou observações e ponderações sobre a dinâmica do comércio internacional e sobre a aplicação do princípio do destino, realizadas nos julgamentos da ADO 25 e do RE 723.651 , respectivamente. O ministro Fachin realçou premissa segundo a qual a desoneração dos tributos que influa no preço de bens e serviços deve estruturar-se, a princípio, em formato destinado à garantia do objeto, e não do sujeito passivo da obrigação tributária. Irrelevante se promovida exportação direta ou indireta. (1) CF: “art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. (...) § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (...) I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;” (2) IN RFB 971/2009: “Art. 170. Não incidem as contribuições sociais de que trata este Capítulo sobre as receitas decorrentes de exportação de produtos, cuja comercialização ocorra a partir de 12 de dezembro de 2001, por força do disposto no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001. § 1º Aplica-se o disposto neste artigo exclusivamente quando a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no exterior. § 2º A receita decorrente de comercialização com empresa constituída e em funcionamento no País é considerada receita proveniente do comércio interno e não de exportação, independentemente da destinação que esta dará ao produto.” (3) IN SRP 3/2005: “Art. 245. Não incidem as contribuições sociais de que trata este Capítulo sobre as receitas decorrentes de exportação de produtos, cuja comercialização ocorra a partir de 12 de dezembro de 2001, por força do disposto no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001. § 1º Aplica-se o disposto neste artigo exclusivamente quando a produção é comercializada diretamente com adquirente domiciliado no exterior. § 2º A receita decorrente de comercialização com empresa constituída e em funcionamento no País é considerada receita proveniente do comércio interno e não de exportação, independentemente da destinação que esta dará ao produto.” (Revogada pela IN RFB 971/2009)

ADI 4735/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 12.2.2020. (ADI-4735) RE 759244/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 12.2.2020. (RE-759244)

DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS FUNDAMENTAIS

Suspensão de habilitação e direito ao trabalho -

É constitucional a imposição da pena de suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor ao motorista profissional condenado por homicídio culposo no trânsito. Essa foi a tese de repercussão geral ( Tema 486 ) fixada pelo Plenário ao dar provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão que afastou a pena de suspensão de habilitação, prevista no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) (1), aplicada em desfavor do recorrido. O tribunal a quo reputou que a aplicação dessa sanção ao condenado que exerce profissionalmente a atividade de motorista seria inconstitucional, por violar o seu direito ao trabalho. O colegiado asseverou que inexiste direito absoluto ao exercício de atividade profissionais (CF, art. 5º, XIII), sendo possível que haja restrição imposta pelo legislador, desde que razoável, como no caso. Além disso, a medida é coerente com o princípio da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI) e, também, respeita o princípio da proporcionalidade. A suspensão do direito de dirigir não impossibilita o motorista profissional de extrair seu sustento de qualquer outra atividade econômica. (1) CTB: “Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. § 1º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente: (...) IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.”

RE 607107/MG, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 12.2.2020. (RE-607107)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSOS NOS TRIBUNAIS E MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

Reclamação: repercussão geral e imunidade de vereador -

O Plenário iniciou julgamento de agravo regimental em reclamação ajuizada com base em suposta afronta à autoridade do Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de repercussão geral, consubstanciada em decisão de tribunal de justiça que teria descumprido o comando exarado no ARE 1.018.685 . Naquele ato, a então presidente do STF assentou que as questões trazidas no recurso extraordinário com agravo teriam sido submetidas à sistemática da repercussão geral ( RE 600.063 , Tema 469 ). Na sequência, determinou a devolução dos autos ao tribunal de origem para observância de procedimentos previstos no Código de Processo Civil. Quando apreciado o Tema 469 , a Corte fixou a seguinte tese de repercussão geral: “Nos limites da circunscrição do município e havendo pertinência com o exercício do mandato, garante-se a imunidade ao vereador”. O ministro Dias Toffoli (presidente e relator) negou provimento ao agravo e manteve a decisão em que negado seguimento à reclamação, por compreender que o recurso não reúne condições de prosperar. Registrou constar do pronunciamento agravado que o tribunal de justiça rejeitou ação rescisória, fundado em óbices processuais ao enquadramento da pretensão deduzida à matéria de fundo em discussão nos autos. Contexto em que seria inviável falar-se ter a decisão reclamada desrespeitado comando do STF no ARE 1.018.685. Ponderou que, consoante entendimento do STF, a imunidade material do vereador é relativa. No acórdão, o tribunal de origem ainda entendeu que a condenação imposta ao reclamante estaria correta, pois as ofensas por ele irrogadas a servidora pública municipal teriam extrapolado o campo do interesse público para atingir a esfera individual e a intimidade da pessoa ofendida. Portanto, não haveria pertinência com o exercício do mandato, de modo a não configurar afronta à autoridade desta Corte. Por fim, o presidente asseverou não ser a reclamação constitucional meio apto a obter, em juízo, a reforma acerca da plausibilidade da matéria legal deduzida nas instâncias de origem, porquanto não se configura instrumento viabilizador do reexame do conteúdo do ato reclamado. Em divergência, o ministro Alexandre de Moraes proveu o agravo para julgar procedente a reclamação, no que foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber. O ministro Alexandre de Moraes reputou ser excepcionalmente cabível a reclamação. Explicitou que, na situação em apreço, trata-se de vereador condenado a pagar certa quantia a título de danos morais, por utilizar expressões ofensivas em desfavor de servidora pública municipal que exercia função de secretária de finanças de prefeitura. Na ementa, o tribunal de origem inclusive teria feito constar que o fato ocorrera no plenário da Câmara Municipal, em sessão legislativa realizada com o intuito de apurar a utilização indevida de verbas. Avaliou haver clara negativa de cumprimento do que determinado no STF. Aduziu que a controvérsia processual, aparentemente, já teria sido superada no momento em que determinada a devolução dos autos e a aplicação do Tema 469 da repercussão geral. O tribunal de justiça ignorou isso e manteve a improcedência da rescisória, afirmando não ser hipótese de incidência do tema. Ato contínuo, assentou a procedência da reclamação. Observou que a imunidade cabe tanto na esfera penal quanto na civil. A seu ver, a hipótese se encaixa plenamente no art. 29 da Constituição Federal (CF) (1), que estende aos vereadores apenas a imunidade material. Além de as palavras ofensivas terem sido proferidas no ambiente da respectiva casa legislativa, há nexo causal entre o que dito e o exercício do mandato de vereador. O ministro enfatizou que a fiscalização dos atos do Poder Executivo é função precípua e primordial das câmaras legislativas como um todo. Esclareceu que, na espécie, o vereador apontava eventuais desvios, ilícitos praticados. Verdade ou não, ofensivas as palavras ou não, o vereador possui esse direito. Realçou que, inclusive, depois foi instalada Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar exatamente aqueles fatos, o que resultou na demissão da secretária pelo prefeito antes de concluída a CPI. Alfim, advertiu que se afigura extremamente perigoso restringir essa imunidade, principalmente no ambiente das câmaras municipais. O ministro Roberto Barroso ponderou que o acórdão reclamado foi ao mérito quando tratou do preceito relativo à disposição literal da lei, mas não observou a imunidade. Em seguida, o ministro Luiz Fux pediu vista dos autos. (1) CF: “Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:(...) VIII – inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município;”

Rcl 33471 AgR/SP, rel. Min. Presidente, julgamento em 13.2.2020. (Rcl-33471)

DIREITO ADMINISTRATIVO – AGENTES PÚBLICOS

Julgamento de concessão de aposentadoria: prazo decadencial, contraditório e ampla defesa – 2 -

O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida (Tema 445) em que se discute se o Tribunal de Contas da União (TCU) deve observar o prazo decadencial de cinco anos, previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999 (1), para julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria e a necessidade de observância do contraditório e da ampla defesa ( Informativo 955 ). O ministro Edson Fachin, em voto-vista, divergiu do relator e negou provimento ao recurso extraordinário. Entendeu ser aplicável o prazo decadencial de cinco anos à pretensão de denegação do registro do ato de concessão do benefício de aposentadoria, reforma ou pensão, pelo TCU, salvo comprovada má-fé, iniciando-se o respectivo termo inicial na data da publicação do ato normativo que concede o benefício pela autoridade competente. Discordou da premissa de que o ato administrativo de aposentadoria de servidor é um ato complexo e que somente se perfectibilizaria e, portanto, passaria a ter validade e eficácia plenas, a partir do registro junto ao TCU. Acolheu o parecer do Ministério Público Federal (MPF) que classificou o ato de concessão inicial de aposentadoria como ato composto, não complexo, e que, por essa razão, estaria sujeito, desde a sua concessão inicial pela autoridade do órgão ao qual o servidor está vinculado, ao prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, já que o registro junto ao TCU teria efeito meramente declaratório, não constitutivo. Ressaltou que o que deve ser considerado para a formação da vontade final da Administração é a integralização de vontades autônomas e parciais de órgãos distintos para a obtenção do objetivo final colimado. Assim, exsurge complexo o ato que resulta da vontade parcial de dois ou mais órgãos, ao passo que o ato composto resulta da vontade única de um órgão, embora dependente de verificação por parte de outro. Observou que cada ato — o de concessão e o de registro — é independente entre si e tem o escopo de produzir efeitos específicos, dentro de um amplo processo administrativo, que se inicia com o requerimento formulado pelo servidor ou por dependente — nos casos de pensão ou aposentadoria voluntária —, passa pela análise da legalidade e do preenchimento de requisitos pela autoridade competente, segue para a publicação do decreto de concessão do benefício e termina com o controle, a posteriori, pelo TCU para fins de registro. O ato praticado pela autoridade competente para o reconhecimento do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria, pensão ou reforma produz, desde a publicação do decreto de aposentadoria em diário oficial e antes mesmo do registro pelo TCU, todos os efeitos dele esperados: é extinto o vínculo jurídico entre o Estado e o servidor, que passa à inatividade, cujo regime jurídico é diverso, com direitos e obrigações distintos; e o cargo passa a ser considerado vago, com a sua disponibilidade para admissão de outro servidor mediante concurso. Já o ato do TCU, no estrito cumprimento do disposto no art. 71, III, da Constituição Federal (CF) (2), e nos arts. 1º, V, e 39, ambos da Lei 8.443/1992 (3), tem o fito de apreciar, a posteriori, a legalidade do ato de concessão inicial para fins de registro. Nessa atuação, o TCU exerce o controle externo de legalidade dos atos da Administração e, caso constate irregularidade ou ilegalidade, não poderá retificá-lo ou alterá-lo, mas apenas negar-lhe o registro, comunicando à autoridade competente que proceda à revisão e à retificação ou alteração necessárias à conformação do ato com a lei. Assim, o ato do TCU não pode ser classificado como uma vontade autônoma integrante do ato de concessão de aposentadoria, mas, sim, como um ato de controle realizado a posteriori, que respeita ao reconhecimento de legalidade e suficiência para fins de registro e composição da regularidade das contas do órgão pagador. O ato de concessão de aposentadoria não é, portanto, um ato complexo, mas uma conjugação de atos simples, independentes entre si, cada um produzindo os efeitos necessários e suficientes à perfectibilização dentro do plano de validade de cada ato. Evidentemente que, se o TCU encontrar, por ocasião do registro, vício de legalidade, a Administração deverá revisá-lo. Essa revisão, no entanto, seja para cancelar o benefício, seja para reduzir-lhe o valor, não pode ser realizada passados mais de cinco anos da data de publicação do decreto de aposentação, porquanto não há razões para afastar a aplicação do art. 54 da Lei 9.874/1999 ao ato de concessão inicial de aposentadoria. Sublinhou que, ainda que se pudesse considerar o ato administrativo de aposentadoria como complexo, o princípio da proteção à confiança, consectário do princípio da segurança jurídica, o qual está calcado no Estado de Direito, por si próprio autoriza a aplicação do prazo decadencial ao ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão. Reconheceu que os princípios da boa-fé, da segurança jurídica, da proteção à confiança e da necessidade de estabilização das relações sociais levam a Administração Pública a observar prazo razoável para a revisão de atos administrativos dos quais resultem efeitos patrimoniais aos administrados, neles incluídos os atos de concessão inicial de benefícios previdenciários no âmbito do serviço público federal. A Constituição privilegia a segurança jurídica, prevendo a prescritibilidade como regra e a imprescritibilidade como exceção. Dessa forma, mesmo atos que, em princípio, não se afigurariam hígidos à luz da estrita legalidade, recebem, em obediência à segurança jurídica, o manto cobertor da estabilidade. Além disso, não é razoável que a Administração se valha da sua ineficiência para que se permita a revisão tardia desse ato que é tão caro ao servidor e a seus dependentes. Há, dessa forma, a necessidade de se respeitar o prazo de cinco anos previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999 também para o ato de concessão inicial de aposentadoria, pensão ou reforma do servidor público. Ademais, a regra do citado art. 54 tem como pressuposto a boa-fé do servidor ou de seu dependente, justificando-se a necessidade de estabilização da relação que tenha nascido do ato praticado em desconformidade com a legalidade estrita. Isso, porque o servidor, quando titular do benefício, passa a ter a legítima expectativa de que o benefício, que tem caráter alimentar, será definitivamente mantido. Nos casos em que verificada fraude ou má-fé do interessado, ou mesmo conluio entre este e o administrador para, por exemplo, postergar o envio do processo ao TCU, não há prazo para revisão desse ato, por conta do disposto na parte final do próprio art. 54, “salvo comprovada má-fé”. O termo inicial para a contagem do prazo decadencial deve ser a data da publicação do ato concessivo pela autoridade competente. Em seguida, o relator indicou adiamento e o julgamento foi suspenso. (1) Lei 9.784/1999: “Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.” (2) CF: “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (...) III – apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;” (3) Lei 8.443/1992: “Art. 1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta Lei: (...) V – apreciar, para fins de registro, na forma estabelecida no Regimento Interno, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público federal, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; (...) Art. 39. De conformidade com o preceituado nos arts. 5°, inciso XXIV, 71, incisos II e III, 73 in fine, 74, § 2°, 96, inciso I, alínea a, 97, 39, §§ 1° e 2° e 40, § 4°, da Constituição Federal, o Tribunal apreciará, para fins de registro ou reexame, os atos de: I - admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público, executadas as nomeações para cargo de provimento em comissão; II - concessão inicial de aposentadoria, reformas e pensões, bem como de melhorias posteriores que tenham alterado o fundamento legal do respectivo concessório inicial. Parágrafo único. Os atos a que se refere este artigo serão apreciados pelo Tribunal na forma estabelecida no Regimento Interno.”

RE 636553/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 12.2.2020. (RE-636553)

PRIMEIRA TURMA

DIREITO PENAL – CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

Crime de desobediência: ato atentatório à dignidade da Justiça e tipicidade -

A Primeira Turma iniciou julgamento de habeas corpus deduzido em favor de condenado à pena de 1 mês e 10 dias de detenção, em regime semiaberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, pela prática do crime de desobediência [Código Penal (CP), art. 330 (1)]. Na espécie, a denúncia narra que o paciente não atendeu a ordem dada pelo oficial de justiça por ocasião do cumprimento de mandado de entrega de veículo, expedido no juízo cível. Recusou-se, na qualidade de depositário do bem, a entregar o veículo ou a indicar sua localização. A impetração aponta, como autoridade coatora, relator do Superior Tribunal de Justiça que indeferiu monocraticamente pedido de liminar lá formulado em writ de mesma natureza. Requer, no campo precário e efêmero, a absolvição do paciente, haja vista a atipicidade da conduta, e, sucessivamente, a substituição da sanção privativa de liberdade por restritiva de direitos ou a imposição de regime aberto. No mérito, busca a confirmação da providência. O ministro Marco Aurélio (relator) deferiu a ordem para, considerada a atipicidade da conduta, tornar insubsistente o título condenatório. Preliminarmente, quanto à adequação do habeas corpus, afirmou que, sem fato, não há julgamento. Noutro ponto, compreendeu que a circunstância de a condenação desafiar revisão criminal não obstaculiza a impetração. Tampouco há de se falar em supressão de instância. Ato contínuo, reportou-se ao que consignado no deferimento da medida acauteladora. Asseverou que o delito previsto no art. 330 do CP constitui tipo penal subsidiário, cuja caracterização típica pressupõe, além do descumprimento de ordem emitida por funcionário público, que o ato de desobediência não se mostre suscetível de, considerada previsão legal, sofrer sanção administrativa, civil ou penal. Esclareceu que o comportamento imputado ao paciente consubstancia ato atentatório à dignidade da Justiça, sujeitando-se à imposição de multa de até 20% do valor do débito executado, a teor dos arts. 14, V e parágrafo único; 600, III, e 601 do Código de Processo de Civil de 1973 (CPC/1973) (2), correspondentes aos arts. 77, §§ 1º e 2º; e 774, IV, do CPC de 2015 (CPC/2015) (3). Dessa forma, a existência de sanção específica na legislação de regência, ausente qualquer ressalva expressa acerca da possibilidade de aplicação cumulativa do crime versado no art. 330 do CP, torna a conduta desprovida de tipicidade penal e inviabiliza a condenação pelo delito de desobediência. Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos. (1) CP: “Art. 330 – Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.” (2) CPC/1973: “Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: (...) V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final. Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado. (...) Art. 600. Considera-se atentatório à dignidade da Justiça o ato do executado que: (...) III – resiste injustificadamente às ordens judiciais; (...) Art. 601. Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução. Parágrafo único. O juiz relevará a pena, se o devedor se comprometer a não mais praticar qualquer dos atos definidos no artigo antecedente e der fiador idôneo, que responda ao credor pela dívida principal, juros, despesas e honorários advocatícios.” (3) CPC/2015: “Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: (...) IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação; (...) § 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça. § 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. (...) Art. 774. Considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado que: (...) IV – resiste injustificadamente às ordens judiciais;”

HC 169417/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 11.2.2020. (HC-169417)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – RECLAMAÇÃO

Reclamação: sistemática da repercussão geral e julgamento de REsp pelo STJ – 3 -

A Primeira Turma, em conclusão e por maioria, deu provimento ao agravo regimental para negar seguimento a reclamação em que se discutia se a decisão do presidente de tribunal regional federal (TRF), que inadmitiu recurso extraordinário ao reputá-lo prejudicado em face do julgamento de recurso especial, teria descumprido a autoridade da decisão proferida, por ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), no AI 816.086 (Informativos 951 e 962 ). No caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em agosto de 2010, deu provimento a recurso especial (REsp) interposto pela Fazenda Nacional em desfavor dos contribuintes, ora reclamantes. Em outubro de 2010, o referido AI foi provido pelo respectivo relator para admitir o recurso extraordinário interposto pelos ora reclamantes e determinar a devolução dos autos ao tribunal de origem, a fim de que, nele, fosse observado o disposto no art. 543-B e respectivos parágrafos do Código de Processo Civil vigente à época (CPC/1973) (1). Na ocasião, o relator do AI indicou que a controvérsia jurídica versada naquele feito coincidiria, em todos os seus aspectos, com a questão constitucional correspondente ao Tema 311 da repercussão geral. A Fazenda interpôs agravo regimental contra esse ato decisório, o qual não foi conhecido. Em agosto de 2015, o presidente do TRF, com fundamento no acórdão do STJ, declarou o prejuízo do mencionado recurso extraordinário, por superveniente perda de objeto. Contra esse pronunciamento, foi ajuizada a presente reclamação. Em decisão monocrática, o então relator julgou procedente a reclamação para cassar a decisão reclamada e determinar que o presidente do TRF encaminhasse os autos do recurso extraordinário interposto pelos reclamantes a órgão colegiado daquela corte a fim de que procedesse como entendesse de direito, realizasse ou refutasse juízo de retratação. Compreendeu estar evidenciado o desrespeito à decisão proferida no aludido AI 816.086, uma vez que a autoridade reclamada deixou de observar a determinação de que fosse aplicada, ao caso, a sistemática da repercussão geral. Contra a decisão de procedência da reclamação, a União interpôs o agravo regimental. A Turma concluiu que, à época, os ora reclamantes não interpuseram o recurso adequado contra a decisão do presidente do TRF, que inadmitiu o recurso extraordinário em razão de sua prejudicialidade. Dessa forma, a decisão reclamada do presidente do TRF, prolatada em 28.8.2015, transitou em julgado antes do ajuizamento da reclamação, ocorrido em 2.8.2016. Como o juízo de admissibilidade recursal possui natureza declaratória — tem eficácia ex tunc —, impõe-se a aplicação do art. 988, § 5º, CPC/2015, segundo o qual é inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada [Enunciado 734 da Súmula do STF (2)]. Em outras palavras, a interposição do recurso inadequado na origem não operou o efeito recursal obstativo, de sorte que a coisa julgada se consumou antes do ajuizamento da reclamação. Além disso, o ato do STF, no qual determinada a devolução dos autos ao Tribunal de origem, para que fosse observado o disposto no art. 543-B do CPC/1973, seria desprovido de cunho decisório e eventual equívoco do STF não repristinaria o acórdão substituído pela decisão do STJ. Vencido o ministro Alexandre de Moraes. Para ele, a decisão reclamada, ao inadmitir o recurso extraordinário, tornou sem efeito decisão anterior que havia admitido o RE. (1) CPC/1973: “Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. § 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. § 2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. § 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se. § 4º Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada. § 5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.” (2) Enunciado 734 da Súmula do STF: “Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal.”

Rcl 24810 AgR/MG, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 11.2.2020. (Rcl-24810)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Honorários advocatícios e recursos do Fundef – 2 -

A Primeira Turma, em conclusão e por maioria, negou provimento a agravo em que se discutia a possibilidade de retenção dos honorários advocatícios contratuais do valor a ser recebido por município em execução de complementação de verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) ( Informativo 937 ). Na espécie, a União foi condenada a pagar a município as diferenças devidas e não repassadas a título de complementação da transferência de recursos do Fundef. Na execução, o município requereu o pagamento dos valores devidos relativos às diferenças e aos honorários de advogados. A União opôs embargos sob o argumento de excesso de execução e desvinculação das verbas. Os embargos foram julgados improcedentes, e a União interpôs apelação. O tribunal regional federal negou provimento ao apelo. No que se refere à alegação de vinculação do precatório a crédito do Fundo destinado exclusivamente à educação, decidiu que em nada afeta a exigibilidade da dívida, porquanto descabe vincular judicialmente o valor do precatório a uma finalidade específica (gasto com educação). A União deve fiscalizar a utilização dos recursos pelos instrumentos de controle dos quais usualmente se vale nas vias administrativas. Quanto à possibilidade de retenção dos valores a serem percebidos pelo município a título de honorários contratuais, reputou ser direito do advogado a retenção, se requerida, mediante a juntada do contrato e antes da expedição do requisitório, com base no art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994 (1). No recurso extraordinário, a União alegou que o acórdão recorrido ofende a Constituição Federal (CF) e, em especial, o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) (2). Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator) que reputou que a controvérsia está circunscrita à análise da legislação infraconstitucional. Além disso, entendeu que o acolhimento das razões recursais depende do reexame de fatos, o que é inviável em sede de recurso extraordinário. Vencido os ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux, que deram parcial provimento ao agravo para decotar os valores destinados ao pagamento das despesas com os honorários do montante global da execução. O ministro Alexandre de Moraes considerou que os prefeitos não podem contratar advogados mediante acordos de percentuais das verbas do Fundef para pagamento de honorários, visto que os recursos não pertencem aos prefeitos e possuem destinação específica. Para o ministro, o desvio é inadmissível. Rememorou que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar a SL 1.186 , concedeu tutela de urgência para suspender o pagamento de honorários advocatícios com recursos do Fundef. (1) Lei 8.906/1994: “Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência. (...) § 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.” (2) ADCT: “Art. 60. Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições: (...)”

ARE 1107296 AgR/PE, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 11.2.2020. (ARE-1107296)

DIREITO PENAL – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Paciente reincidente e absolvição pelo princípio da insignificância -

A Primeira Turma, por maioria, deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para absolver, com base no princípio da insignificância, paciente, que possui antecedentes criminais por crimes patrimoniais, da acusação de furto de um carrinho de mão avaliado em R$ 20,00 (vinte reais). Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Luiz Fux, que votaram pelo não provimento do recurso por entenderem que o furto de objeto de pequeno valor está tipificado no § 2º do art. 155 do CP (1), de modo que não caberia aplicação do princípio da insignificância ao caso. (1) CP: “Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: (...) § 2º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. ”

RHC 174784/MS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 11.2.2020. (RHC-174784)