JurisHand AI Logo

Informativo do STF 957 de 25/10/2019

Publicado por Supremo Tribunal Federal


PLENÁRIO

DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Execução provisória da pena e trânsito em julgado -

O Plenário iniciou julgamento conjunto de ações declaratórias (ADCs) em que se discute a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal (CPP) (1). A Procuradoria-Geral da República, em manifestações apresentadas nos autos, requereu, como preliminar, o não conhecimentos das ações. Sustentou a perda do objeto diante do precedente formado no julgamento do ARE 964.246 ( Tema 925 da repercussão geral) e a ausência dos pressupostos materiais necessários ao overrruling do aludido precedente. O ministro Marco Aurélio (relator) julgou procedentes os pedidos formulados nas ações para assentar a constitucionalidade do referido dispositivo legal e, como consequência, determinou a suspensão de execução provisória de pena cuja decisão a encerrá-la ainda não tenha transitado em julgado. Desse modo, determinou a libertação daqueles que tenham sido presos, ante exame de apelação, reservando-se o recolhimento aos casos verdadeiramente enquadráveis no art. 312 do CPP (2). Além disso, julgou procedente o pleito sucessivo, formulado na ADC 43, no sentido de poderem ser implementadas, analogicamente ao previsto no art. 319 do CPP (3), medidas alternativas à custódia quanto a acusado cujo título condenatório não tenha alcançado a preclusão maior. Os ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski acompanharam o relator. O ministro Marco Aurélio afirmou que as ADCs 43, 44 e 54 versam o reconhecimento da constitucionalidade do art. 283 do CPP, no que condiciona o início do cumprimento da pena ao trânsito em julgado do título condenatório, tendo em vista o figurino do art. 5º, LVII, da Constituição Federal (CF) (4). Assim, de acordo com o referido preceito constitucional, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A literalidade do preceito não deixa margem a dúvidas: a culpa é pressuposto da sanção, e a constatação ocorre apenas com a preclusão maior. O dispositivo não abre campo a controvérsias semânticas. A CF consagrou a excepcionalidade da custódia no sistema penal brasileiro, sobretudo no tocante à supressão da liberdade anterior ao trânsito em julgado da decisão condenatória. A regra é apurar para, em virtude de título judicial condenatório precluso na via da recorribilidade, prender, em execução da pena, que não admite a forma provisória. A exceção corre à conta de situações individualizadas nas quais se possa concluir pela aplicação do art. 312 do CPP e, portanto, pelo cabimento da prisão preventiva. O abandono do sentido unívoco do texto constitucional gera perplexidades, observada a situação veiculada: pretende-se a declaração de constitucionalidade de preceito que reproduz o texto da CF. Ao editar o dispositivo em jogo, o Poder Legislativo, por meio da Lei 12.403/2011, limitou-se a concretizar, no campo do processo, garantia explícita da CF, adequando-se à óptica então assentada pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do HC 84.078 , julgado em 5 de fevereiro de 2009, segundo a qual “a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar”. Também não merece prosperar a distinção entre as situações de inocência e não culpa. A execução da pena fixada por meio da sentença condenatória pressupõe a configuração do crime, ou seja, a verificação da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Assim, o implemento da sanção não deve ocorrer enquanto não assentada a prática do delito. Raciocínio em sentido contrário implica negar os avanços do constitucionalismo próprio ao Estado Democrático de Direito. O princípio da não culpabilidade é garantia vinculada, pela CF, à preclusão, de modo que a constitucionalidade do art. 283 do CPP não comporta questionamentos. O preceito consiste em reprodução de cláusula pétrea cujo núcleo essencial nem mesmo o poder constituinte derivado está autorizado a restringir. A determinação constitucional não surge desprovida de fundamento. Coloca-se o trânsito em julgado como marco seguro para a severa limitação da liberdade, ante a possibilidade de reversão ou atenuação da condenação nas instâncias superiores. Em cenário de profundo desrespeito ao princípio da não culpabilidade, sobretudo quando autorizada normativamente a prisão cautelar, não cabe antecipar, com contornos definitivos – execução da pena –, a supressão da liberdade. Deve-se buscar a solução consagrada pelo legislador nos arts. 312 e 319 do CPP, em consonância com a CF e ante outra garantia maior – a do inciso LXVI do art. 5º: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Uma vez realinhada a sistemática da prisão à literalidade do art. 5º, LVII, da CF – no que direciona a apurar para, em virtude de título judicial condenatório precluso na via da recorribilidade, prender, em execução da pena –, surge inviável, no plano da lógica, acolher o requerimento formalizado, em caráter sucessivo, nas ADCs 43 e 54, concernente ao condicionamento da execução provisória da pena ao julgamento do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se esse tribunal fosse um “Supremo Tribunal de Justiça”, nivelado ao verdadeiro e único Supremo. A ministra Rosa Weber esclareceu que, diante do indeferimento das medidas cautelares nessas ações declaratórias e da tese fixada em repercussão geral segundo a qual a execução antecipada da pena não compromete a presunção de inocência, adotou, em momento anterior, o entendimento majoritário da Corte. Entendimento este mantido em processo de feição subjetiva, como no caso de habeas corpus. Porém, ao se julgar o mérito das ADCs, processo de índole objetiva, explicou estar apta a reapreciar o tema de fundo. Asseverou que o 5º, LVII, da CF, além de princípio, representa também regra específica e expressamente veiculada pelo constituinte – a fixar, objetivamente, o trânsito julgado como termo final da presunção de inocência, o momento em que passa a ser possível impor ao acusado os efeitos da atribuição da culpa. Para a ministra, o texto do art. 283 do CPP guarda higidez frente à ordem objetiva de princípios, valores e regras inscritos na Carta constitucional de 1988. A Constituição de 1988 não assegura uma presunção de inocência meramente principiológica. Ainda que não o esgote, ela delimita o âmbito semântico do conceito legal de culpa, para fins de condenação criminal, na ordem jurídica por ela estabelecida. E o faz ao afirmar categoricamente que a culpa supõe o trânsito em julgado. Considerada a conformação específica dada pela Constituição brasileira ao princípio da presunção de inocência – qual seja, a de assegurá-la até o trânsito em julgado ou a irrecorribilidade do título condenatório –, não se justifica qualquer tentativa de assimilação da ordem jurídica pátria a razões de direito comparado em relação a ordenamentos jurídicos que, por mais merecedores de admiração que sejam, não contemplam figura normativa-constitucional análoga. De outra parte, ainda que se pretendesse relativizar a densidade normativa do art. 5º, LVII, da CF, despindo-o da sua literalidade, não seria possível identificar, no art. 283 do CPP, qualquer ofensa a este ou a qualquer outro preceito constitucional. Em face de ato normativo editado pelo Poder Legislativo com exegese plenamente compatível com o parâmetro constitucional de controle, a tônica do exame de constitucionalidade deve ser a deferência da jurisdição constitucional à interpretação empreendida pelo ente legislativo. Não cabe ao Poder Judiciário, no exercício do controle jurisdicional da exegese conferida pelo Legislador a uma garantia constitucional, simplesmente substituí-la pela sua própria interpretação da Constituição. O direito processual penal tem como norte a maior das garantias constitucionais, que é a observância, na tutela constitucional da liberdade, do devido processo legal. A Constituição assegura, expressamente, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Uma vez adotado, pelo legislador infraconstitucional, marco normativo que, longe de a ela se contrapor, visa assegurar a máxima efetividade da garantia constitucional da presunção de inocência e guarda absoluta consonância com a Lei Fundamental, não pode o intérprete da norma constitucional ceifar-lhe o potencial humanizador. Embora fortes razões de índole social, ética e cultural amparem seriamente a necessidade de que sejam buscados desenhos institucionais e mecanismos jurídico-processuais cada vez mais aptos a responder, com eficiência, à exigência civilizatória que é o debelamento da impunidade, não há como, do ponto de vista normativo-constitucional vigente – cuja observância irrestrita também traduz em si mesma uma exigência civilizatória –, afastar a higidez de preceito que institui garantia, em favor do direito de defesa e da garantia da presunção de inocência, plenamente assimilável ao texto magno. O ministro Ricardo Lewandowski pontuou que a presunção de inocência integra a cláusula pétrea alusiva aos direitos e garantias individuais que representa a mais importante das salvaguardas do cidadão. Segundo o ministro, é vedado, até mesmo aos deputados e senadores, ainda que no exercício do poder constituinte derivado do qual são investidos, extinguir ou minimizar a presunção de inocência, plasmada na Constituição de 1988, porquanto foi concebida como um antídoto contra a volta de regimes ditatoriais. Com maior razão não é dado aos juízes fazê-lo por meio da estreita via da interpretação, eis que esbarrariam nos intransponíveis obstáculos das cláusulas pétreas, verdadeiros pilares das instituições democráticas. Pontuou que não se mostra possível superar a taxatividade do inciso LVII do art. 5° da CF, salvo em situações de cautelaridade, por tratar-se de comando constitucional absolutamente imperativo, categórico, com relação ao qual não cabe qualquer tergiversação. Ademais, o texto do dispositivo constitucional, além de ser claríssimo, jamais poderia ser objeto de uma inflexão jurisprudencial para interpretá-lo in malam partem, ou seja, em prejuízo dos acusados em geral. Por fim, não custa recordar que o art. 30 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, elaborada sob os auspícios da Organização das Nações Unidas e subscrita pelo Brasil, de observância obrigatória por todos os Estados que a assinaram, consagrou o princípio da proibição do retrocesso em matéria de direitos e garantias fundamentais, plenamente aplicável à espécie. Em divergência, os ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso e Luiz Fux julgaram parcialmente procedentes os pedidos formulados nas ações declaratórias, para dar interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 283 do CPP. Admitiram a execução da pena após decisão em segundo grau de jurisdição, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário. O ministro Alexandre de Moraes, inicialmente, enfatizou que os mecanismos da jurisdição constitucional brasileira de garantia dos precedentes e de garantia da segurança jurídica não se aplicam à espécie. Há a previsão de impossibilidade de novo julgamento, de nova ação direta, ou de nova ADPF em relação à mesma lei, assim como a impossibilidade de ações rescisórias dos julgamentos de controle concentrado. A hipótese dos autos não trata de nenhum desses casos. É a primeira vez que o Plenário do STF analisa a matéria em sede de controle abstrato. A questão preliminar levantada pela PGR se confunde com o próprio mérito das ações. Na sequência, esclareceu que, nos 31 anos de vigência da CF, o posicionamento no sentido da possibilidade da execução do acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação foi majoritário por 24 anos, inclusive com a edição dos Enunciados 716 (5) e 717 (6) da Súmula do STF. A exigência de trânsito em julgado prevaleceu de 2009 a 2016. Após esse período, retornou-se ao entendimento anterior. Segundo o ministro, é possível o cumprimento da pena depois da condenação em segundo grau, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário, que não possuem efeito suspensivo. Isso não desrespeita ou compromete o princípio da presunção de inocência. O Estado deve comprovar a culpabilidade do indivíduo, constitucionalmente presumido inocente. O princípio limita a atividade legislativa, é critério condicionador das interpretações das normas vigentes e de tratamento extraprocessual em todos os aspectos e implica na obrigatoriedade de o ônus da prova ser sempre do acusador. A condicionante constitucional ao trânsito em julgado – previsão expressa no art. 5º, LVII – demanda a análise de sua razão de existência, finalidade e extensão, para que seja viável, no exercício da interpretação constitucional, realizar a delimitação de seu âmbito normativo em face dos demais princípios constitucionais penais e processuais penais, em especial os da efetividade da tutela judicial, do juízo natural, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. A interligação e a complementaridade entre todos eles, no exercício da persecução penal, são ínsitas ao Estado Democrático de Direito. A interpretação constitucional deverá superar aparentes contradições entre os citados princípios, mediante a adequação proporcional do âmbito de alcance de cada um deles, de maneira harmônica e que prestigie o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido pelo legislador, para fins de persecução penal e atividade do Estado. Esse esquema garante aos juízes e tribunais de segundo grau competência para analisar o conjunto probatório e decidir o mérito das ações penais. A primeira e a segunda instância são escalonamentos em todos os ramos especializados ou na Justiça comum de cognição plena, de conhecimento de toda a produção probatória. Correspondem ao juízo natural para o exame da culpabilidade ou não do acusado. Logo, não se pode afastar a efetividade da tutela judicial dada por eles, juízes naturais da causa penal de cognição plena. Ademais, não se pode inverter a lógica do sistema, de maneira a transformar os tribunais de segundo grau em tribunais de passagem e Cortes que não tem competência constitucional para a plena análise do mérito em instâncias finais de julgamentos penais. Eventuais nulidades, questões constitucionais ou de interpretação de lei federal, são a exceção, senão o legislador constituinte teria proporcionado a análise plena do mérito pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou pelo STF. No caso de eventuais exceções, sempre haverá a possibilidade de concessão de habeas corpus e de tutelas cautelares para o recurso especial ou extraordinário. Há mecanismos estabelecidos pelo sistema constitucional. A decisão de segundo grau é colegiada, do juízo natural, escrita, fundamentada. Reconhece a materialidade e a autoria de modo muito mais amplo do que a decisão de primeiro grau de prisão temporária ou preventiva. Ignorar a possibilidade de execução do ato decisório dado perante o juízo natural de mérito do Poder Judiciário, com a observância do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e o absoluto respeito às exigências básicas decorrentes do princípio da presunção de inocência, é enfraquecer as instâncias ordinárias do Poder. O juízo de consistência do órgão colegiado afasta, no tocante à possibilidade de prisão, a presunção de inocência e autoriza a execução da pena. Portanto, as exigências decorrentes da previsão constitucional do princípio da presunção de inocência não são desrespeitadas, desde que a decisão condenatória de segundo grau observe todos os princípios constitucionais interligados. Ou seja, o juízo de culpabilidade do acusado deve ser firmado com absoluta independência pelo juízo natural, com valoração de provas obtidas mediante o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Em dupla instância ou em instância colegiada na situação de foro por prerrogativa, mediante decisão devidamente motivada com o consequente esgotamento legal da possibilidade recursal de cognição plena e da análise fática probatória e jurídica integral, em respeito ao princípio da tutela penal efetiva. Outrossim, nem a Convenção Americana de Direitos Humanos, nem a Convenção Europeia dos Direitos do Homem condicionam o cumprimento da pena ao trânsito em julgado. Ambas determinam que a culpabilidade do acusado tenha sido comprovada pelos tribunais competentes, respeitados os demais princípios. Não há exigência normativa a coibir essa interpretação. O ministro Roberto Barroso assinalou que, no caso em julgamento, não se trata de atribuir sentidos a textos normativos de significado único e unívoco. Fins sociais e bem comum são parâmetros que devem reger a atividade interpretativa. Há mais de um sentido possível da norma. A ideia de que há uma única exegese possível não tem amparo na CF. Segundo o ministro, com a mudança de jurisprudência em 2009, os impactos dramaticamente negativos ao Direito brasileiro foram: o poderoso incentivo à infindável interposição de recursos protelatórios; o reforço à seletividade do sistema, pois a defensoria não litiga dessa forma e as pessoas pobres não têm recursos financeiros para pagar recursos judiciais indefinidamente; e o mais absoluto descrédito trazido ao sistema de justiça junto à sociedade pela demora na punição e frequentes prescrições, a gerar uma realidade de impunidade. Com a possibilidade de execução da pena depois da condenação em segundo grau, o índice de encarceramento no Brasil diminuiu consoante dados oficiais. Inclusive o percentual médio de prisões provisórias caiu. A população carcerária aumentou em sua menor proporção histórica desde que o STF retomou sua jurisprudência tradicional. Igualmente, a jurisprudência impulsionou a solução de crimes de colarinho branco e incentivou a colaboração premiada pela probabilidade ou possibilidade real da punição. A seu ver, o requisito para se decretar prisão no Direito brasileiro não é o trânsito em julgado, é a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. A regra que a CF quis estabelecer é a da reserva de jurisdição. Apenas o magistrado pode mandar prender. Tanto assim é que o sistema admite prisões processuais, preventiva e temporária, para fins de extradição, expulsão e deportação, todas sem exigir trânsito em julgado. Muitas sem a exigência até mesmo de decisão de primeiro grau. Parte do problema das prisões provisórias é a ineficiência do sistema, que é agravada pela impossibilidade de execução da pena depois do segundo grau. A presunção de não culpabilidade ou de inocência é princípio constitucional. Se fosse regra, não seria possível prender provisoriamente. Regras são comandos definitivos: ou se cumprem ou se descumprem. Princípios são fins públicos, estados ideais, que são cumpridos na maior medida possível. Logo, é um princípio que é ponderado com outros valores constitucionais. Além da presunção da inocência, há o interesse da sociedade na persecução penal e num sistema minimamente efetivo. Sistema que existe para proteger direitos fundamentais de todos: a vida, a integridade física, a liberdade, a propriedade, a probidade das pessoas de maneira geral. Há direitos fundamentais dos acusados e de outras pessoas. Entre teses alternativas razoáveis, se uma acelera a tramitação do processo e a outra retarda indefinidamente, há vetor constitucional a apontar a direção. Ademais, após a condenação em segundo grau, já não há mais dúvida sobre autoria e materialidade. Não é possível produzir provas depois. Se não há mais dúvida, é mandamento de ordem pública que se dê cumprimento à decisão. Como fundamento infraconstitucional para a prisão, há a garantia da ordem pública. Demais disso, se o dispositivo questionado não impede a prisão nem antes da sentença de primeiro grau, não há motivo para proibi-la depois de assentada a culpa por decisão de segundo grau. Conciliado com a inexistência de efeito suspensivo, disposta no art. 637 do CPP, pode-se naturalmente executar a decisão. O ministro Roberto Barroso afirmou que não há sentido em se protelar o processo por muitos anos em face de uma porcentagem ínfima de reforma no STJ e no STF. O Brasil vive uma epidemia de violência e de corrupção. Num mundo globalizado, nenhum país pode ser uma ilha, menos ainda de impunidade. As sociedades capitalistas vivem da segurança jurídica, da confiança nas instituições e nos atores públicos e privados. O ministro Luiz Fux asseverou que a presunção de inocência admite prova em contrário. A presunção é mitigada à medida que o processo tramita. Há uma gradação. Os tribunais superiores não admitem reexame de fatos e provas. Para o ministro, há várias mitigações à energia que se quer emprestar ao trânsito em julgado. A Lei da Ficha Limpa, por exemplo, considera inelegíveis os condenados por diversos crimes graves a partir do julgamento do tribunal, independentemente do trânsito em julgado. A norma foi declarada constitucional pelo STF. A presunção de não culpabilidade não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, a condenação criminal surta efeitos severos. A concepção da possibilidade de execução da condenação após segunda instância e antes do trânsito em julgado é contemplada em vários instrumentos internacionais a que o Brasil se submete. Existem diversos recursos para eventualmente remediar o índice diminuto de erros judiciários, de supostos vícios das condenações. A execução depois da segunda instância é legítima. O STF analisará questões constitucionais e o STJ infraconstitucionais, e não autoria e materialidade. A seu ver, há contradictio in terminis em se afirmar que a execução somente pode ser iniciada após o trânsito em julgado em face da presunção de inocência e, ao mesmo tempo, que pode haver prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão provisória, que se permite a progressão de regime antes do trânsito em julgado nos termos dos Enunciados 716 e 717 do STF. Ademais, para a criação da cultura de precedentes, é preciso introjetar as ideias que norteiam os precedentes judiciais. O precedente evita erro judiciário, favorece a autocomposição e a previsibilidade. O entendimento que admite a execução antes do trânsito em julgado é salutar e evita a impunidade. No ponto, o ministro concluiu que o STF não está legitimado a promover a alteração da jurisprudência, à míngua da existência de razões suficientemente robustas para tanto. Uma viragem jurisprudencial a essa altura trará danos incomensuráveis ao país e à sociedade brasileira. Por seu turno, o ministro Edson Fachin julgou os pedidos improcedentes. Enfatizou que o direito previsto no inciso LVII do art. 5º assegura a todos os acusados a prerrogativa de não produzir provas contra si mesmo, impõe à acusação o ônus de provar a denúncia e convencer o magistrado para além da dúvida razoável da procedência da imputação. A presunção de inocência transforma o acusado em sujeito processual e lhe garante uma série de direitos. Observou que o cerne do argumento dos requerentes é o de que a culpabilidade seria um juízo de valoração sobre o injusto penal, uma das categorias elementares do conceito analítico de crime. Logo, para eles, haveria um sentido material mais amplo que o tratamento processual do acusado. Segundo o ministro, essa interpretação é contrária à CF. Não faz sentido exigir-se a extensão da atividade persecutória do Estado também aos tribunais superiores, mesmo após o julgamento condenatório proferido em grau de apelação, uma vez que não há efeito suspensivo nos recursos extraordinário e especial e, de modo mais relevante, é limitado o efeito devolutivo desses recursos. A inexistência de efeito suspensivo não decorre de texto expresso de lei, embora texto exista, mas do próprio cabimento dos recursos. Do ponto de vista da dogmática constitucional, a razão desta compreensão é que a CF estipula as hipóteses de admissibilidade do recurso extraordinário (art. 102, III) e do recurso especial (art. 105, III). O reexame das provas é vedado, não com fundamento em súmula, mas porque os recursos se destinam exclusivamente a examinar questão de direito. A CF prevê limitado âmbito de análise para os mencionados recursos, o que impossibilita o reconhecimento de efeito suspensivo automático. A seu ver, não há sistema jurídico que sobreviva a uma presunção geral de inconstitucionalidade. Presumir efeito automático suspensivo desses dois recursos é presumir, por definição, que todas as regras aplicadas pelos juízes são, por exemplo, inconstitucionais ou contrárias à lei federal. Em última análise, a inexistência de efeito suspensivo automático decorre do alto valor simbólico que a declaração de inconstitucionalidade ou invalidade de lei representa no ordenamento. Sustentar que toda e qualquer prisão somente pode ter o cumprimento iniciado quando o último recurso tenha sido examinado é inviável. Ainda que o texto constitucional brasileiro seja único na experiência comparada, a eficácia do ato legislativo não pode se subordinar à apreciação conclusiva da Corte mais alta de um país. As garantias que se amoldam à presunção de inocência estão plenamente vigentes e perduram até o trânsito em julgado. Entretanto, a presunção de inocência não afasta a presunção da constitucionalidade nem a vigência das leis. Tampouco o legislador pode retirar a presunção de constitucionalidade e de vigência das leis, que fundamentam o juízo condenatório, sob pena de usurpação da competência constitucional dos tribunais superiores e de ofensa à supremacia da lei. A literalidade do dispositivo adversado cede a sua manifesta inconstitucionalidade. Portanto, a interpretação que dá eficácia à sentença condenatória tão logo confirmada em segundo grau de jurisdição, salvo atribuição expressa de efeito suspensivo ao recurso cabível, é consentânea com a razão constitucional da própria existência dos recursos às instâncias extraordinária e especial. Em seguida, o julgamento foi suspenso. (1) CPP: “Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. (2) CPP: “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.” (3) CPP: “Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX – monitoração eletrônica.” (4) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;” (5) Enunciados 716 da Súmula do STF: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.” (6) Enunciados 717 da Súmula do STF: “Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial.”

ADC 43/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 23 e 24.10.2019. (ADC-43) ADC 44/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 23 e 24.10.2019. (ADC-44) ADC 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 23 e 24.10.2019. (ADC-54)

PRIMEIRA TURMA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSOS NOS TRIBUNAIS E MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS

Cabimento de mandado de segurança contra ato judicial e tempestividade de recurso -

A Primeira Turma deu provimento a recurso ordinário em mandado de segurança, a fim de que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprecie, como entender de direito, recurso especial interposto pela empresa ora impetrante, afastado o óbice relativo à tempestividade. Na espécie, a presidência do STJ não conheceu de recurso especial, interposto na vigência do novo Código de Processo Civil (CPC/2015), por considerá-lo intempestivo. No pronunciamento, aduziu que, conforme o art. 1.003, § 6º, do CPC/2015, o recorrente deve comprovar a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso, o que impossibilita a regularização posterior. A recorrente então interpôs agravo, ao qual negado provimento. Na sequência, impetrou mandado de segurança. A Turma entendeu ser admissível a impetração de mandado de segurança para impugnar ato judicial em que assentada a intempestividade de recurso protocolado dentro do prazo legal, considerada a excepcionalidade. Registrou que o recurso especial foi admitido no tribunal de origem, porque presentes os feriados. Ademais, no ato da interposição do especial, o recorrente teve o cuidado de juntar calendário disponível no sítio do tribunal de justiça a revelar que certos dias se mostraram feriados na localidade. A ministra Rosa Weber enfatizou que, no caso, a observância da forma — longe de se prestar à segurança jurídica, na medida em que houve a admissão do recurso na origem — conduz à consagração da absoluta injustiça.

RMS 36114/AM, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 22.10.2019. (RMS-36114)

DIREITO CONSTITUCIONAL – SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

Sistema de recolhimento de imposto e princípio da isonomia -

A Primeira Turma, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a observância do princípio da isonomia relativamente ao sistema de apuração do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) por estimativa, facultado pelos arts. 2º e 30 da Lei 9.430/1996 (1) a empresas tributadas pelo lucro real. Asseverou que o contribuinte do IRPJ e da CSLL, sujeito à tributação pelo lucro real, tem a faculdade de, ao invés de realizar a apuração trimestral do seu resultado, efetuar recolhimentos mensais calculados por mera estimativa. Não viola a isonomia a ausência de previsão do pagamento de juros, pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC), quando se verifica que a soma dos recolhimentos por estimativa realizados ao longo do ano é maior do que o valor devido, com base em efetiva apuração anual do lucro real, pois não existe mora da Fazenda Nacional. A sistemática a que o contribuinte aderiu, por considerar que lhe era favorável, foi a de recolhimentos mensais por estimativa com ajustes no final do ano. O contribuinte é livre para optar ou não pelo regime, mas não pode escolher apenas parte dele. Nas situações equivalentes existe isonomia entre contribuinte e fisco. Isso porque, se a empresa recolhe um valor calculado por estimativa a menor, ela deverá pagar a diferença com acréscimo da SELIC. Por outro lado, se o mesmo recolhimento devido por estimativa é efetuado a maior, o contribuinte tem direito à devolução da diferença com juros calculados com base na mesma taxa SELIC. Vencido o ministro Marco Aurélio, que deu provimento do recurso. Segundo o ministro, tem-se, com esse acerto de contas pelo valor nominal, ou seja, devolvendo-se a importância pelo valor nominal e não pelo valor real, um enriquecimento sem causa por parte do Estado. (1) Lei 9.430/1996: “Art. 2º A pessoa jurídica sujeita a tributação com base no lucro real poderá optar pela pagamento do imposto, em cada mês, determinado sobre base de cálculo estimada, mediante a aplicação dos percentuais de que trata o art. 15 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, sobre a receita bruta definida pela art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, auferida mensalmente, deduzida das devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 29 e nos arts. 30, 32, 34 e 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995. § 1º O imposto a ser pago mensalmente na forma deste artigo será determinado mediante a aplicação, sobre a base de cálculo, da alíquota de quinze por cento. § 2º A parcela da base de cálculo, apurada mensalmente, que exceder a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) ficará sujeita à incidência de adicional de imposto de renda à alíquota de dez por cento. § 3º A pessoa jurídica que optar pelo pagamento do imposto na forma deste artigo deverá apurar o lucro real em 31 de dezembro de cada ano, exceto nas hipóteses de que tratam os §§ 1º e 2º do artigo anterior. § 4º Para efeito de determinação do saldo de imposto a pagar ou a ser compensado, a pessoa jurídica poderá deduzir do imposto devido o valor: I – dos incentivos fiscais de dedução do imposto, observados os limites e prazos fixados na legislação vigente, bem como o disposto no § 4º do art. 3º da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995; II – dos incentivos fiscais de redução e isenção do imposto, calculados com base no lucro da exploração; III – do imposto de renda pago ou retido na fonte, incidente sobre receitas computadas na determinação do lucro real; IV – do imposto de renda pago na forma deste artigo. (...) Art. 30. A pessoa jurídica que houver optado pelo pagamento do imposto de renda na forma do art. 2º fica, também, sujeita ao pagamento mensal da contribuição social sobre o lucro líquido, determinada mediante a aplicação da alíquota a que estiver sujeita sobre a base de cálculo apurada na forma dos incisos I e II do artigo anterior.”

RE 479956/SC, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 22.10.2019. (RE-479956)