Informativo do STF 927 de 14/12/2018
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
DIREITO CONSTITUCIONAL – CONFLITO FEDERATIVO
Limite interestadual marítimo e royalties – 2 - O Plenário retomou julgamento de ação cível originária em que se discute a retificação de demarcação do limite interestadual marítimo entre os estados do Paraná e de Santa Catarina ( Informativo 908 ). A ação foi proposta pelo estado de Santa Catarina contra o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sob a alegação de que o Instituto não teria traçado corretamente as linhas de projeção marítimas das divisas dos estados do Paraná e de Santa Catarina, o que teria causado prejuízo a este estado, por repercutir na distribuição de royalties do petróleo. Em voto-vista, o ministro Marco Aurélio julgou procedente a ação cível originária, divergindo em parte do ministro Roberto Barroso (relator). Condenou o IBGE a refazer o traçado de demarcação dos limites territoriais entre os estados do Paraná e de Santa Catarina, para o fim de distribuição de royalties devidos pela exploração de derivados de petróleo, utilizando-se, como projetantes dos limites territoriais marítimos, as linhas geodésicas ortogonais à costa a serem delineadas a partir de linhas de base retas, conforme os arts. 1º e 3º do Decreto 93.189/1986, vedando-se qualquer projeção adicional até 200 milhas da costa. Determinou a reelaboração dos pontos apropriados a partir dos quais projetado o traçado da reta perpendicular geodésica, observadas as seguintes balizas: o IBGE deverá levar em conta os formatos nitidamente côncavos e convexos dos litorais paranaense e catarinense, respectivamente, bem assim as ilhas existentes na proximidade imediata da costa continental, de modo a não permitir que as linhas de base retas se afastem consideravelmente da direção geral da costa, bem assim garantir que as zonas de mar situadas dentro dessas linhas estejam suficientemente vinculadas ao domínio terrestre. Para tanto, faz-se necessária a utilização de cartas náuticas de grande escala, a teor do previsto no art. 1º da Lei 8.617/1993 e em convenções internacionais. Por consequência, o ministro Marco Aurélio condenou os estados de São Paulo e do Paraná a devolver a Santa Catarina o valor indevidamente percebido a título de royalties, a partir dos parâmetros traçados, a serem apurados em liquidação de sentença. Deverá ser observada, ainda, a necessidade de divisão equânime do montante devido em virtude da exploração de poços de petróleo localizados em eventual área de sobreposição entre as linhas projetantes dos entes envolvidos, tendo em vista o cruzamento das linhas de projeção marítima antes de alcançar-se o bordo externo da plataforma continental, nos moldes indicados pelo relator. Além de firmar critérios para correção monetária e incidência de juros da mora, estipulou o ressarcimento das quantias adiantadas pelo estado de Santa Catarina a título de honorários e o pagamento de honorários advocatícios em percentual a ser fixado em liquidação de sentença. No início do seu voto, entendeu ser imprescindível a análise da Lei 7.525/1986, que versa critérios alusivos à indenização a ser paga pela Petróleo Brasileiro S.A. aos estados e municípios, e do Decreto 93.189/1986, editado com o objetivo de regulamentá-la, para perquirir-se o cumprimento pelo IBGE das balizas impostas pelo figurino legal quando da demarcação dos limites interestaduais marítimos, em 1986. Ademais, considerou o reconhecimento, pela Corte Internacional de Justiça, em 1951, da prática do método de linhas de bases retas, solução incorporada pelas convenções internacionais sobre o Direito do Mar de Genebra, de 1958, e de Montego Bay, de 1982, internalizadas, no Brasil, mediante o Decreto legislativo 45/1968 e o Decreto 99.165/1990, respectivamente. Depois, fixou as premissas de que a atuação do IBGE se afastou, a mais não poder, do prescrito nas normas de regência e de que o respeito à legalidade é pilar do Estado Democrático de Direito. O ministro Marco Aurélio anotou a ausência de previsão específica quanto à exata localização dos pontos apropriados cruciais ao traçado das linhas de base retas no litoral brasileiro ou mesmo de expressa referência ao comprimento máximo dessas linhas. Verificou ser essencial que os pontos apropriados deem conta da idiossincrasia territorial. Do contrário, seria negada a eficácia prática do comando contido no art. 3º do Decreto 93.189/1986 (1). Assim, os pontos apropriados anteriormente indicados pelo IBGE não se revelam os mais consentâneos com o Direito posto, ante o fato de haverem sido desconsideradas as características geomorfológicas do litoral dos estados em litígio. O próprio Instituto admite ter atuado sem grande rigor no traçado das linhas de base retas. A análise dos 25 pontos apropriados, estabelecidos pelo IBGE ao longo de toda a costa nacional e estampados em mapa juntado ao processo, revela ter o Instituto lançado mão de critério único para a elaboração das linhas de base retas em todo o litoral brasileiro. A própria adoção de carta topográfica de pequena escala pelo IBGE para a indicação das coordenadas geográficas em jogo sinaliza distanciamento das diretrizes assentadas pelo legislador. Trata-se, consoante afirmado pela Marinha do Brasil em estudo de 1991, de “erro”; pois, “além da pequena escala, não atribui à linha de costa a mesma atenção e cuidado que uma Carta Náutica”. Após constatada a competência do IBGE para fazer a exata indicação dos pontos apropriados, o ministro ponderou ser inviável condenar o Instituto a adimplir obrigação de fazer atinente à submissão, pura e simples, da solução apresentada por perito judicial no que definidos os pontos apropriados coincidentes com aqueles fixados nas antigas cartas náuticas da Marinha do Brasil e, no particular, mantidos pelo Decreto 1.290/1994. No ponto, registrou que esse decreto foi revogado por outro, o qual nada dispôs sobre a projeção de linhas divisórias para fins de percepção de royalties de petróleo. Concluiu pela estipulação de balizas razoáveis para direcionar, na fase executória, a atuação do IBGE na tarefa de reelaborar os pontos apropriados a ligarem as linhas de base retas, reservando-lhe certo espaço de conformação técnica, que não deve ser confundido com o exercício de poder puramente discricionário. Em desfecho, sublinhou que o magistrado deve curvar-se ao Direito posto, segundo ciência e consciência possuídas, descabendo articular com o conteúdo econômico da ação. Não cabe impor ao estado de Santa Catarina o ônus decorrente da lentidão da máquina judiciária, para a qual não concorreu. Ao reafirmar o voto, o relator ponderou que o critério do Direito Internacional é válido apenas para os fins daquele Direito. Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos. (1) Decreto 93.189/1986: “Art. 3º Nos lugares em que o litoral apresente reentrâncias profundas ou saliências, ou onde exista uma série de ilhas ao longo da costa e em sua proximidade imediata, será adotado o método das linhas de bases retas, ligando pontos apropriados para o traçado da linha em relação à qual serão tomadas as projetantes dos limites territoriais.”
ACO 444/SC, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 12.12.2018. (ACO-444)
DIREITO CONSTITUCIONAL – MINISTÉRIO PÚBLICO
Execução de multa decorrente de sentença penal condenatória e legitimidade ativa - O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face do art. 51 do Código Penal (CP) (1) e, em conclusão de julgamento e por maioria, resolveu questão de ordem em ação penal no sentido de assentar a legitimidade do Ministério Público (MP) para propor a cobrança de multa decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, com a possibilidade subsidiária de cobrança pela Fazenda Pública ( Informativo 848 ). O colegiado assentou que a Lei 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal que lhe é inerente, por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal (CF) (2). Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do MP, perante a vara de execuções penais. Entretanto, caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de noventa dias, o juiz da execução criminal deverá dar ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (federal ou estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria vara de execução fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980. O Plenário registrou que o art. 51 do CP, na redação que lhe havia sido dada pela Lei 7.209/1984, previa a possibilidade de conversão da multa em pena de detenção, quando o condenado, deliberadamente, deixasse de honrá-la. Posteriormente, a Lei 9.268/1996 deu nova redação ao dispositivo, referindo-se à multa como dívida de valor. Assim, a nova redação do referido dispositivo implicou duas consequências: i) não mais permite a conversão da pena de multa em detenção; e ii) a multa passou a ser considerada dívida de valor. Contudo, dizer que a multa penal se trata de dívida de valor não significa dizer que tenha perdido o caráter de sanção criminal. A natureza de sanção penal dessa espécie de multa é prevista na própria CF, razão pela qual o legislador ordinário não poderia retirar-lhe essa qualidade. Diante de tal constatação, não há como retirar do MP a competência para a execução da multa penal, considerado o teor do art. 129 da CF (3), segundo o qual é função institucional do MP promover privativamente a ação penal pública, na forma da lei. Promover a ação penal significa conduzi-la ao longo do processo de conhecimento e de execução, ou seja, buscar a condenação e, uma vez obtida esta, executá-la. Caso contrário, haveria uma interrupção na função do titular da ação penal. Ademais, o art. 164 da Lei de Execução Penal (LEP) (4) é expresso ao reconhecer essa competência do MP. Esse dispositivo não foi revogado expressamente pela Lei 9.268/1996. Vencidos os ministros Marco Aurélio e Edson Fachin, que reconheceram a legitimidade exclusiva da Fazenda Pública para promover a execução da multa decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado referida no art. 51 do CP. O ministro Marco Aurélio afirmou que, ante a transformação legal em dívida de valor, consoante o dispositivo impugnado, a multa em questão deixou de ter conotação penal. Já o ministro Edson Fachin, apesar de assentar o caráter de sanção criminal da pena de multa em referência, reconheceu a atribuição da advocacia pública para iniciar sua cobrança perante o juízo de execução fiscal. (1) CP: “Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.” (2) CF: “Art. 5º (...) XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: (...) c) multa;” (3) CF: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;” (4) LEP: “Art. 164. Extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora.”
ADI 3150/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 12 e 13.12.2018. (ADI-3150) AP 470/MG, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 12 e 13.12.2018. (AP-470)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA
Ação rescisória e depósito prévio - É constitucional a fixação de depósito prévio como condição de procedibilidade de ação rescisória. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade para declarar a constitucionalidade da Lei 11.495/2007, que alterou a redação do caput do art. 836 (1) da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O Tribunal entendeu que o depósito de 20% do valor da causa para ajuizamento da ação rescisória é razoável e visa desestimular ações temerárias. Vencido o ministro Marco Aurélio, que julgou procedente o pleito formulado para declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo. Entendeu que não se pode exigir depósito prévio para propositura de ação rescisória já que o acesso à Justiça é uma garantia constitucional. (1) CLT: “Art. 836. É vedado aos órgãos da Justiça do Trabalho conhecer de questões já decididas, excetuados os casos expressamente previstos neste Título e a ação rescisória, que será admitida na forma do disposto no Capítulo IV do Título IX da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, sujeita ao depósito prévio de 20% (vinte por cento) do valor da causa, salvo prova de miserabilidade jurídica do autor.”
ADI 3995/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 13.12.2018. (ADI-3995)
DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
ADI e representação de inconstitucionalidade - Coexistindo duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma ajuizada perante o tribunal de justiça local e outra perante o Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento da primeira – estadual – somente prejudica o da segunda – do STF – se preenchidas duas condições cumulativas: 1) se a decisão do tribunal de justiça for pela procedência da ação e 2) se a inconstitucionalidade for por incompatibilidade com preceito da Constituição do Estado sem correspondência na Constituição Federal. Caso o parâmetro do controle de constitucionalidade tenha correspondência na Constituição Federal, subsiste a jurisdição do STF para o controle abstrato de constitucionalidade. Com esse entendimento, em conclusão, o Plenário, por maioria, rejeitou a prejudicialidade da ação direta. Afastada essa preliminar, por votação unânime, julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da expressão “e Graduação em Curso de Administração Pública mantido por Instituição Pública de Ensino Superior, credenciada no Estado do Amazonas” contida no caput do art. 3º, bem assim do § 1º do art. 3º e do § 4º do art. 5º da Lei amazonense 2.778/2002 (1). Na espécie, houve o ajuizamento de representação de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça estadual contra os preceitos também impugnados nesta ação direta. A Corte local julgou procedente o pleito, tendo a manifestação transitado em julgado. Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes (relator), que, ao negar o prejuízo da ação, compreendeu que a decisão do tribunal amazonense não compromete o exercício do controle de constitucionalidade pelo STF. Como regra, o trâmite de demanda estadual simultânea deve ser suspenso para aguardar-se o pronunciamento do STF, conforme jurisprudência desta Corte, o que não ocorreu. O relator compreendeu subsistir a jurisdição do Supremo para o controle abstrato, presente declaração de inconstitucionalidade, de eficácia limitada, com base em norma da Constituição do Estado que constitua reprodução, obrigatória ou não, de dispositivo da Constituição Federal. Caso contrário, seria possível que um tribunal de justiça, por não suspender o trâmite de representação de inconstitucionalidade, desse interpretação à norma de repetição obrigatória que valeria apenas para o respectivo estado-membro. Isso, porque o STF poderia conferir interpretação diversa à norma de repetição obrigatória para os demais entes da Federação. O ministro Roberto Barroso salientou que é prerrogativa do STF dar a última palavra sobre a compatibilidade de uma lei com a Constituição Federal. Vencidos os ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli (presidente) quanto ao prejuízo. Ambos consideraram que, tendo o tribunal de justiça assentado a inconstitucionalidade e a decisão transitado em julgado, não subsiste o objeto da ação direta, por não figurar mais no cenário jurídico e o controle concentrado de constitucionalidade pressupor ato normativo autônomo abstrato em plena vigência. No mérito, o colegiado declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados, por ofensa ao princípio constitucional da igualdade no acesso a cargos públicos e por ofensa à vedação federativa de criar-se distinções entre brasileiros. (1) Lei 2.778/2002 do Estado do Amazonas: “Art. 3º O provimento dos cargos na classe inicial da carreira dar-se-á por aprovação em concurso público de provas e títulos, e Graduação em Curso de Administração Pública mantido por Instituição Pública de Ensino Superior, credenciada no Estado do Amazonas. § 1º A classificação final dos candidatos será feita pela média ponderada da nota global do concurso, as provas e títulos com peso 1, e o coeficiente final de rendimento em Curso de Administração Pública, mantido por Instituição Pública de Ensino Superior credenciada no Estado do Amazonas, com peso 2. (...) Art. 5º (...) § 4º As notas obtidas no estágio profissional servirão, se for o caso e pela média aritmética correspondente, como critério prioritário de desempate para efeito de nomeação.”
ADI 3659/AM, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 13.12.2018. (ADI-3659)
DIREITO CONSTITUCIONAL – ADVOCACIA PÚBLICA
Procurador do Estado e atribuição de atividades exclusivas da advocacia a cargo técnico de autarquia - O Plenário julgou parcialmente procedente o pedido formulado em ação para declarar a inconstitucionalidade de partes do Anexo Único da Lei Complementar 734/2013 e do Anexo IV da Lei Complementar 890/2018, ambas do Estado do Espírito Santo (ES), especificamente quanto ao seguinte trecho: "representar em juízo ou fora dele nas ações em que haja interesse da autarquia e bem como a prática de todos os demais atos de natureza judicial ou contenciosa, devendo, para tanto, exercer as suas funções profissionais e de responsabilidade técnica regidas pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB", resguardada a validade dos atos já praticados. De início, o Colegiado registrou que a legislação impugnada, apesar de não ter criado uma procuradoria paralela, atribuiu ao cargo de Técnico Superior do Detran/ES com formação em Direito diversas funções privativas de advogado. Ao assim proceder, conferiu algumas atribuições de representação jurídica do departamento de trânsito a pessoas estranhas aos quadros da Procuradoria-Geral do Estado, com violação do art. 132, caput, da Constituição Federal (1). Por outro lado, entendeu que não se pode deslocar qualquer atuação técnico-jurídica da autarquia para a procuradoria, porque esta não poderá fazer frente a essa gama de trabalho, sob pena de ter suas atividades inviabilizadas. Nesse contexto, é válida a atuação jurídica dos servidores técnicos no âmbito interno, sobretudo em atividades de compliance, tais como conceber e formular medidas e soluções de otimização, fiscalização e auditoria. Por fim, o Colegiado asseverou que, sob o prisma do princípio da confiança e do postulado da segurança jurídica, afigura-se razoável a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Pretende-se, com isso, resguardar tanto a manutenção dos cargos em questão, excluídas as atribuições judiciais inerentes às procuradorias, quanto a validade dos atos praticados até a presente data, com base na teoria do funcionário de fato. (1) CF: “Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.”
ADI 5109/ES, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 13.12.2018. (ADI-5109)
TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL
PIS/PASEP: regime diferenciado entre estatais e demais empresas privadas - Não ofende o art. 173, § 1º, II, da Constituição Federal (CF) (1) a escolha legislativa de reputar não equivalente a situação das empresas privadas com relação às sociedades de economia mista, às empresas públicas e suas respectivas subsidiárias exploradoras de atividade econômica, para fins de submissão ao regime tributário das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), à luz dos princípios da igualdade tributária e da seletividade no financiamento da Seguridade Social. Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 64 da repercussão geral, negou provimento a recurso extraordinário em que discutida a possibilidade de se criar tratamento mais gravoso para as estatais que exploram atividade econômica em comparação às empresas privadas, no que tange às contribuições para o PIS/PASEP. Para a Corte, é válida a cobrança da contribuição para o PASEP das estatais, ao passo que as demais empresas privadas recolhem para o PIS, tributo patrimonialmente menos gravoso. Não há inconstitucionalidade nessa diferenciação que justifique a apontada ofensa ao art. 173, no § 1º, II, da CF (1), de modo que é legítima a escolha legislativa de reputar como não equivalentes a situação das empresas privadas num cotejo com as estatais. Vencido o ministro Marco Aurélio, que proveu o recurso para considerar indevida a adoção de regime mais gravoso para as sociedades públicas em comparação com as demais empresas privadas, sob pena de mitigação da equiparação constitucional prevista na Carta Magna. (1) CF: “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (...) II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.”
RE 577494/PR, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 13.12.2018. (RE-577494)
TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL
PIS/COFINS: créditos presumidos de bens em estoque e alíquotas aplicáveis na transição da sistemática cumulativa para a não cumulativa - O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário – Tema 179 da repercussão geral – em que se discute, com relação à contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), quais alíquotas devem ser utilizadas no cálculo dos créditos presumidos relativos ao valor do estoque inicial, considerado no momento da transição da sistemática cumulativa para a não cumulativa. O recorrente sustenta que o critério legal de apuração desse crédito presumido – calculado com base nas alíquotas do regime não cumulativo, em contraposição às da sistemática cumulativa – representa violação aos princípios da razoabilidade, isonomia e não cumulatividade. Diante dessa diferenciação, postula que o montante a ser aproveitado seja calculado com base nas novas alíquotas, superiores às precedentes. O ministro Edson Fachin (relator) votou pelo não provimento do extraordinário e pela consequente manutenção do acórdão recorrido. Em seu entendimento, o poder constituinte derivado autorizou o legislador ordinário a instituir o regime não cumulativo do PIS/COFINS para determinados setores ou atividades econômicas, assim como a substituição gradativa da contribuição sobre a folha de salários por aquela incidente sobre a receita ou faturamento (PIS/COFINS). O relator fez um juízo de contenção, de deferência à escolha feita pelo legislador, a qual é coerente com o sistema jurídico tributário constante da Constituição. As Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, que instituíram o regime da não cumulatividade dessas contribuições, classificaram como presumido o crédito sobre o estoque de abertura. Portanto, trata-se a rigor de uma concessão feita pelo órgão legislativo com o objetivo de minimizar os impactos da alteração do regime da tributação, apesar de a nova sistemática ter importado em majoração nominal das alíquotas. Em seguida, o julgamento foi suspenso ante o pedido de vista do ministro Marco Aurélio.
RE 587108/RS, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 13.12.2018. (RE-587108)
PRIMEIRA TURMA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA
Agravo interno e emenda da petição inicial - A Primeira Turma iniciou julgamento de agravo regimental interposto em face de decisão que assentou a incompetência do Supremo Tribunal Federal (STF) para apreciar ação cível originária cuja controvérsia se restringe ao campo patrimonial. No caso, sociedade de economia mista de saneamento estadual formalizou a demanda contra a União para postular o reconhecimento da inexistência de relação jurídico-tributária que a obrigue ao recolhimento de impostos federais incidentes sobre os próprios bens, rendas ou serviços, com pedido de devolução dos valores recolhidos a título de imposto de renda. No agravo, apresentado antes da citação da parte ré, pretendeu-se a emenda da inicial para mudar tanto o pedido quanto a causa de pedir. Excluiu-se a postulação de restituição do indébito para manter apenas o pedido de reconhecimento da imunidade tributária recíproca. O ministro Marco Aurélio (relator) votou pelo não provimento do agravo interno, por entender não ser o recurso instrumento hábil para a alteração da inicial. Reafirmou que a situação apresentada não coloca em risco a Federação, diante da ausência de densidade suficiente a atrair a competência originária deste Tribunal. Em seguida, o ministro Luiz Fux pediu vista dos autos.
ACO 3127 AgR/MS, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 11.12.2018. (ACO-3127)
SEGUNDA TURMA
DIREITO PENAL – PRESCRIÇÃO
Recurso exclusivo da defesa: ne reformatio in pejus e prescrição - A Segunda Turma concedeu, de ofício, habeas corpus impetrado em favor de pronunciado pela prática do crime de homicídio, para reconhecer a extinção da punibilidade e determinar o trancamento da ação penal. Em 19.10.2000, o paciente foi denunciado pela prática do crime de homicídio qualificado e de quatro tentativas de homicídio, com base nos arts. 121, § 2º, I e III, e 121, § 2º, I e III, c/c o art. 14, II, do Código Penal (CP). A denúncia foi recebida em 31.10.2000, mas o juízo de origem desclassificou a acusação para homicídio culposo e lesões corporais. Contra essa decisão o Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito, que foi provido. Em 2007, o tribunal do júri condenou o paciente, pela prática do crime de homicídio duplamente qualificado, à pena de doze anos de reclusão, acrescida de 1/6 em razão do concurso formal. O conselho de sentença afastou as quatro tentativas de homicídio e reconheceu a existência de quatro crimes de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor. Posteriormente à condenação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2009, reconheceu, em habeas corpus, a nulidade do acórdão do tribunal de justiça que provera o mencionado recurso em sentido estrito. Naquela ocasião, o STJ desconstituiu a pronúncia e impôs novo julgamento por câmara constituída de acordo com o disposto na Constituição Federal e na Lei Complementar estadual 646/1990. Em 21.7.2009, o tribunal de justiça estadual, em apelação interposta exclusivamente pela defesa, reexaminou o recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público e pronunciou novamente o paciente, dessa vez pela infração do art. 121, caput, do CP. Em outubro de 2018, o juízo de origem afastou o pedido de reconhecimento de prescrição apresentado pelo paciente e designou sessão plenária do júri para dezembro. A defesa impetrou habeas corpus no tribunal de justiça, o qual foi indeferido liminarmente, e, na sequência, um outro no STJ, também indeferido liminarmente. A Turma entendeu ter ocorrido a prescrição da pretensão punitiva do Estado. Esclareceu que o paciente foi condenado a quatorze anos de reclusão, mas, nos termos do art. 119 do CP (1), a pena inicialmente fixada para o crime de homicídio duplamente qualificado foi de doze anos. Dessa forma, a prescrição da pretensão punitiva passou a se regular com base nesse lapso temporal, notadamente porque a capitulação imposta na nova pronúncia é menos grave do que aquela que subsidiou a condenação inicial pelo tribunal do júri. Observou, também, incidir o art. 115 do CP (2), já que o paciente tinha dezoito anos de idade na época do crime. Fixada a pena de doze anos pelo juízo de origem na primeira condenação, seria inviável, haja vista o recurso exclusivo da defesa, a exasperação desse montante no segundo julgamento, marcado para dezembro de 2018. Por isso, o prazo prescricional a ser observado, na espécie, é de oito anos, de acordo com o disposto no art. 109, II, do CP (3). O colegiado registrou ainda que, entre a data do recebimento da denúncia, 31.10.2000, e a da pronúncia, 21.7.2009, e entre esta data e a atual, já teriam transcorrido dois prazos superiores a oito anos. Ressaltou que a soberania relativa do veredito do conselho de sentença não enseja o agravamento da pena com base em novo julgamento pelo tribunal do júri em consequência de recurso exclusivo da defesa. Asseverou que o Supremo Tribunal Federal tem admitido o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva derivada de contagem de prazo adstrito à pena fixada em condenação posteriormente anulada quando questionada exclusivamente por recurso da defesa. Acrescentou que, na decisão do tribunal de justiça, não há fundamento concreto para o indeferimento da medida liminar lá requerida e que o órgão judicial se limitou a afirmar a impossibilidade da verificação de prazos, “à míngua de elementos precisos, datas e fatos, além dos demais elementos probatórios que tanto indiquem”. Concluiu que a Constituição da República impõe a necessária motivação de decisão judicial, principalmente em providência restritiva de direito, e não admite exceção à observância desse dever. Novo júri a conduzir a nonada jurídica é mais uma atitude agressiva ao direito e manifesto déficit do Estado-juiz. (1) CP: “Art. 119. No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.” (2) CP: “Art. 115. São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.” (3) CP: “Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (...) II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;”
HC 165376/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 11.12.2018. (HC-165376)