Informativo do STF 920 de 19/10/2018
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
DIREITO CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
Lei municipal e competência privativa -
Compete privativamente à União legislar sobre sistemas de consórcio e sorteios, nos termos do art. 22, XX (1), da Constituição Federal (CF). Com base nesse entendimento, o Plenário converteu a apreciação da medida cautelar em exame de mérito e julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da Lei 1.566/2005 do município de Caxias/MA, que estabeleceu, como serviço público municipal, o concurso de prognósticos de múltiplas chances. (1) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XX – sistemas de consórcios e sorteios; ”
ADPF 337/MA, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 17.10.2018. (ADPF-337)
DIREITO CONSTITUCIONAL — COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
Representação estudantil: competência privativa da União e autonomia universitária – 3 -
O Plenário, por maioria, ao julgar procedente, em parte, pedido formulado em ação direta, declarou a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei paranaense 14.808/2005 e conferiu interpretação conforme à Constituição Federal (CF) aos arts. 1º a 4º da mencionada norma, excluindo do seu âmbito de incidência as instituições federais e particulares de ensino superior (Informativo 774 ). A Lei 14.808/2005, em seu art. 1º, assegura a livre organização dos centros e diretórios acadêmicos nos estabelecimentos de ensino superior, públicos e privados. No art. 2º, dispõe ser de competência exclusiva dos estudantes a definição das formas, dos critérios, dos estatutos e demais questões referentes a sua organização. Esses dois artigos são constitucionais, não dispõem sobre matéria atinente a direito civil e versam apenas sobre liberdade de associação. Dessa maneira, ausente violação à competência da União (CF, art. 22, I (1)). O art. 3º preceitua que os estabelecimentos de ensino devem ceder espaço para instalações dos centros e diretórios acadêmicos e garantir: livre divulgação dos jornais e outras publicações (inciso I); participação nos conselhos universitários (inciso II); acesso à metodologia da elaboração das planilhas de custos (inciso III); e acesso dos representantes das entidades estudantis às salas de aula (inciso IV). O art. 4º preconiza que os espaços cedidos devem ser preferencialmente nos prédios correspondentes aos cursos. Ambos os dispositivos não invadem a autonomia universitária (CF, art. 207). Ao contrário, concretizam os valores constitucionais de liberdade de expressão, associação e reunião, asseguram a gestão democrática das universidades públicas e, por conseguinte, permitem a construção de tais universidades como um espaço de reflexão, de exercício da cidadania e de fortalecimento democrático. O ministro Dias Toffoli (relator), ao reajustar seu voto na linha do proferido pelo ministro Roberto Barroso, esclareceu que a participação dos centros acadêmicos e diretórios nos conselhos fiscais e consultivos das instituições de ensino pode ser lida de várias formas, não no sentido de ter direito a voto. Por sua vez, o ministro Edson Fachin assinalou que a autonomia da universidade delimitará a densidade da participação. O art. 209 da CF – que garante o ensino, a livre iniciativa – determina o atendimento de algumas condições, entre as quais o cumprimento de normas gerais da educação. Nessas normas, está, precisamente, a gestão democrática (art. 206, VI), que se concilia com a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial (CF, art. 207). No tocante à metodologia, ressaltou não se tratar de interferir na gestão. O Colegiado deu interpretação conforme à Constituição aos arts. 1º a 4º para excluir do seu âmbito de incidência as instituições federais e particulares de ensino superior, haja vista integrarem o sistema federal de que tratam os arts. 209 e 211 (2) da CF combinados com os arts. 16 e 17 (3) da Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Além disso, assentou a inconstitucionalidade do art. 5º da lei paranaense, no qual se prevê a aplicação de multa às instituições particulares que não observem as regras contidas nos artigos anteriores. A norma viola a competência legislativa da União para dispor sobre o sistema federal, bem como a isonomia, uma vez que estabelece multa exclusivamente em desfavor das universidades privadas. Vencidos, parcialmente, o ministro Alexandre de Moraes, que julgou formalmente inconstitucionais também os incisos II e III do art. 3º da citada lei, e o ministro Marco Aurélio, que concluiu pela inconstitucionalidade formal de toda a legislação. O ministro Alexandre de Moraes vislumbrou clara intervenção estatal na autonomia universitária, da qual faz parte a estruturação interna da universidade. A participação nos conselhos fiscais e consultivos das instituições de ensino e o acesso à metodologia são possíveis dentro da discussão universitária não por imposição legislativa do estado à revelia da universidade. Para o ministro Marco Aurélio, o tema deve ter tratamento linear no País. A normatização paranaense, em geral, implica avanços, considerado o que previsto no art. 206 (4) da CF. (1) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;” (2) CF: “Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. (...) Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. § 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. (...)” (3) Lei 9.394/1996: “Art. 16. O sistema federal de ensino compreende: I – as instituições de ensino mantidas pela União; II – as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada; III – os órgãos federais de educação. Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal compreendem: I – as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal; II – as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público municipal; III – as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada; IV – os órgãos de educação estaduais e do Distrito Federal, respectivamente. Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, integram seu sistema de ensino. ” (4) CF: “Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional 53, de 2006) VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade. VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. ”
ADI 3757/PR, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 17.10.2018. (ADI-3757)
DIREITO CONSTITUCIONAL – PRECATÓRIOS
Débito trabalhista e regime de precatórios -
É inconstitucional determinação judicial que decreta a constrição de bens de sociedade de economia mista, prestadora de serviços públicos em regime não concorrencial, para fins de pagamento de débitos trabalhistas. Diante desse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental. O Tribunal entendeu que sociedade de economia mista prestadora de serviço público não concorrencial está sujeita ao regime de precatórios (CF, art. 100 (1)) e, por isso, impossibilitada de sofrer constrição judicial de seus bens, rendas e serviços, em respeito ao princípio da legalidade orçamentária (CF, art. 167, VI (2)) e da separação funcional dos poderes (CF, art. 2º c/c art. 60, § 4º, III (3)). Vencido o ministro Marco Aurélio, que julgou improcedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental. (1) CF: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.” (2) CF: “Art. 167. São vedados: (...) VI – a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;” (3) CF: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”; “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) III – a separação dos Poderes;”
ADPF 275/PB, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 17.10.2018. (ADPF-275)
DIREITO PROCESSUAL PENAL — EMBARGOS INFRINGENTES
STF: embargos infringentes e calúnia eleitoral -
O Plenário, por maioria, conheceu de embargos infringentes opostos de acórdão da Segunda Turma e deu-lhes provimento para absolver o acusado da prática do crime de calúnia eleitoral. Afastada a preliminar de prescrição, o Supremo Tribunal Federal (STF) rememorou entendimento firmado na AP 863 , segundo o qual os embargos infringentes são cabíveis contra acórdão condenatório não unânime, desde que proferidos dois votos absolutórios, em sentido próprio, no julgamento de mérito de ação penal pelas Turmas da Corte. Consignou que, no entanto, o caso concreto impõe distinguishing, a permitir os infringentes com um voto absolutório em sentido próprio. O quórum na sessão estava incompleto. A Turma contava com quatro ministros e a exigência de dois votos conduziria, por si só, à absolvição do acusado. Além disso, a admissibilidade dos embargos deu-se em momento anterior à mencionada construção jurisprudencial. Dessa maneira, excepcionalmente, o Tribunal reiterou a admissão dos embargos. A parte não pode ser prejudicada pela ausência do quórum completo. Os ministros Edson Fachin e Roberto Barroso aduziram que, havendo quatro votos com um divergente na linha da absolvição própria, o procedimento a ser adotado é aguardar-se a composição plena. A ministra Cármen Lúcia registrou conhecer dos embargos sem se vincular ao posicionamento. O ministro Marco Aurélio frisou que a Turma funcionou com o quórum exigido regimentalmente suplantado e atuou como órgão revisor. O enfoque jurisprudencial a exigir dois votos vencidos ocorreu dois anos após o surgimento do interesse em recorrer. A situação jurídica em apreço se enquadrou no parágrafo único do art. 609 (1) do Código de Processo Penal (CPP). Vencido o ministro Celso de Mello na preliminar de conhecimento dos embargos. Para ele, a necessidade dos dois votos deve prevalecer diante da existência de quórum regimental a legitimar a realização de julgamento por órgão fracionário do STF, especialmente na espécie, em que presentes quatro ministros. No mérito, o STF absolveu o acusado. Considerou que a prova da lesividade da conduta há de ser aferida no curso da ação penal, perquirindo-se, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, a configuração ou não da materialidade delitiva, acima de dúvida razoável. O condenado, cujo comitê fora invadido, teria dito suspeitar do governo, de forma genérica. O áudio da entrevista beneficia a versão apresentada pela defesa, e a manifestação acoimada na denúncia revela-se lacônica. Ademais, o depoimento da vítima – sujeito passivo direto dos crimes contra a honra – assume papel de relevância, porquanto é o titular do bem jurídico protegido pela norma criminalizadora. No caso, a suposta vítima pronunciou-se nos autos, expressando que tudo não passou de querela inerente ao calor do debate eleitoral e que seus efeitos se exauriram naquele contexto, sem sofrer qualquer ofensa a sua honra pessoal. Consectariamente, não há prova segura da materialidade da conduta. O ministro Alexandre de Moraes enfatizou a falta de elemento subjetivo do tipo e que a querela não chegaria a ser calúnia. Vencidos a ministra Cármen Lúcia e o ministro Celso de Mello, que negaram provimento aos embargos. A ministra ressaltou que a manifestação do ofendido foi trazida somente nos infringentes e que o fundamento de a pessoa não se sentir ofendida não altera uma ação pública incondicionada. Já o ministro rejeitou os embargos também por constatar ter sido correta a sentença penal condenatória proferida pela Justiça Eleitoral e mantida pela Segunda Turma. (1) CPP: “Art. 609. (...) Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência. ”
AP 929 ED-2º julg-EI/AL, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 17.10.2018. (AP-929)
REPERCUSSÃO GERAL
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
“Amicus curiae”: indeferimento de ingresso e irrecorribilidade -
É irrecorrível a decisão denegatória de ingresso, no feito, como amicus curiae. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, não conheceu de agravo regimental em recurso extraordinário interposto pela Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (APESP) e pelo Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo (SINDIPROESP) contra a decisão que indeferiu sua admissão no processo como interessados. No recurso extraordinário, discute-se a possibilidade de, ante o mesmo credor, existir a distinção do que recebido, para efeito do teto remuneratório, presentes as rubricas proventos e pensão. O Colegiado considerou que a possibilidade de impugnação de decisão negativa em controle subjetivo encontra óbice (i) na própria ratio essendi da participação do colaborador da Corte; e (ii) na vontade democrática exposta na legislação processual que disciplina a matéria. Asseverou que o art. 138 (1) do Código de Processo Civil (CPC) é explícito no sentido de conferir ao juiz competência discricionária para admitir ou não a participação, no processo, de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, e de não admitir recurso contra essa decisão. O art. 7º (2) da Lei 9.868/1999, de igual modo, é inequívoco nesse sentido. O Colegiado afirmou, também, que o amicus curiae não é parte, mas agente colaborador. Portanto, sua intervenção é concedida como privilégio, e não como uma questão de direito. O privilégio acaba quando a sugestão é feita. Ressaltou, ainda, os possíveis prejuízos ao andamento dos trabalhos da Corte decorrentes da admissibilidade do recurso, sobretudo em processos em que há um grande número de requerimentos de participação como amicus curiae. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Edson Fachin, que conheceram do agravo e reafirmaram precedentes que admitiram a interposição de recurso contra a decisão denegatória de ingresso no feito. Para eles, nos termos das normas que regem a matéria, somente é irrecorrível a decisão que admitir a intervenção. Se a decisão é negativa, contrario sensu, cabe agravo para a apreciação pelo Colegiado. Os ministros Dias Toffoli (presidente) e Rosa Weber reajustaram os votos anteriormente proferidos. (1) CPC: “Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. § 1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3º. § 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae. § 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas. ” (2) Lei 9.868/1999: “Art. 7º Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade. (...) § 2º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades. ”
RE 602584 AgR/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, 17.10.2018. (RE-602584)
DIREITO TRIBUTÁRIO – IMUNIDADES
Imunidade recíproca e Programa de Arrendamento Residencial (PAR)-
Os bens e direitos que integram o patrimônio do fundo vinculado ao Programa de Arrendamento Residencial (PAR), criado pela Lei 10.188/2001, beneficiam-se da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, (1) da Constituição Federal (CF). Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 884 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para extinguir a execução fiscal relativamente aos valores cobrados a título de IPTU. O acórdão recorrido, proferido por tribunal regional federal, manteve decisão que rejeitara a exceção de pré-executividade, sob fundamento de que a Caixa Econômica Federal (CEF) não goza de imunidade tributária na hipótese de propriedade fiduciária em programa de arrendamento residencial. A parte recorrente alegou que o imóvel tributado pela municipalidade pertence ao apontado programa residencial, de propriedade da União, razão pela qual é abrangido pela imunidade tributária recíproca. De início, o Colegiado discorreu sobre os pressupostos dogmáticos que determinaram a positivação das normas de imunidade nos ordenamentos constitucionais. A partir deles seria possível verificar se os requisitos e pressupostos da criação, existência e manutenção de imunidades recíprocas, num regime federalista, estariam presentes na hipótese. Com base no histórico da Suprema Corte norte-americana sobre o tema, foram identificados dois requisitos para fins de reconhecimento da imunidade. O primeiro se refere à tributação de um ente federado em relação ao outro. Haverá imunidade se essa tributação for capaz de impedir, reduzir ou interferir, ainda que potencialmente, na independência do exercício das competências constitucionais de outro. Como segundo requisito, a imunidade recíproca somente deve ser reconhecida no exercício de políticas públicas decorrentes de competências governamentais, não tendo incidência em questões de natureza comercial. Entretanto, os fatores subjetivo e finalístico não são os únicos a condicionar a incidência da norma constitucional de imunidade, apesar de relevantes. É preciso considerar a existência de estratégias de organização administrativa do Estado que podem implicar consequências prejudiciais para o equilíbrio econômico. Quando, além da desvinculação às finalidades públicas, houver risco de perturbação para a ordem econômica, a subsistência da norma imunizante torna-se criticável, ante a necessidade de preservar o equilíbrio concorrencial decorrente da livre iniciativa. Essa é a razão da previsão do art. 173, § 2º, da CF (2), que exclui da imunidade recíproca o patrimônio de empresas públicas e sociedades de economia mista, por não poderem gozar de privilégios fiscais não extensíveis ao setor privado. Assim, a proteção imunizante em análise será inaplicável quando inconteste que bem imóvel do patrimônio de ente federativo não está afetado a qualquer destinação social, funcionando apenas como elemento para alavancar o desempenho de atividade particular de propósitos exclusivamente econômicos. No julgamento do Tema 385 da Repercussão Geral ( RE 594015 ), esta Corte fixou a tese de que a imunidade recíproca não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público quando esta explorar atividade econômica com fins lucrativos. Para o Colegiado, no entanto, esse precedente não se aplica à presente hipótese, pois há tanto o fator subjetivo quanto o finalístico da imunidade, além de a estratégia de organização administrativa utilizada pelo Estado não implicar qualquer consequência prejudicial ao equilíbrio econômico ou à livre iniciativa, não havendo cogitar a possibilidade de atividade comercial. O Colegiado asseverou que a União criou uma estrutura organizacional para cumprir uma competência que a Carta Magna determina, ligada diretamente à efetividade do direito de moradia – uma das mais importantes previsões de direitos sociais – e em consonância com o objetivo fundamental de redução de desigualdades sociais, consagrados respectivamente nos arts. 6º, caput (3), e 3º, III (4), da Carta Magna. Não há desigualdade maior, nada que marginalize mais, do que não ter um lar para si e para a sua família para, a partir daí, desenvolver todas as suas atividades do dia a dia. Isso é mais do que uma política pública, mais do que uma atividade governamental, são determinações expressas da Constituição. A partir desses mandamentos, a União – tanto o Executivo quanto o Legislativo – implementou o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), por meio de medida provisória, posteriormente convertida na Lei 10.188/2001. E como a União não pode gerir esse programa por meio de sua Administração Direta, a tarefa coube à CEF, braço instrumental do programa. Não há exploração de atividade econômica, mas prestação de serviço público, uma vez que se trata de atividade constitucionalmente atribuída à União e cuja operacionalização foi delegada, por lei, a empresa pública federal, visando à consecução de direito fundamental. A CEF é apenas a administradora do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), constituído de patrimônio único e exclusivo da União Federal e somente administrado e operacionalizado pela empresa para fins de consecução do programa. A CEF não teve aumento patrimonial nem se beneficiou do programa. Não houve confusão patrimonial, e o serviço não concorreu com o mercado privado. O PAR destina-se à população cuja renda familiar mensal não ultrapasse, em média, dois mil reais, sendo excepcionalmente elevado para dois mil e oitocentos reais no caso de militares das forças armadas e profissionais da área de segurança pública. Esses limites de renda ressaltam o caráter eminentemente social do programa e demonstram que a concessão de imunidade tributária em relação aos imóveis que o integram não representa risco relevante à livre concorrência, uma vez que os arrendamentos residenciais a ele vinculados abrangem grupo específico de pessoas de baixa renda. A iniciativa privada, por sua vez, não oferece nenhum programa nesse sentido. Ainda que seus beneficiários façam o pagamento de contraprestação pelo uso e pela eventual aquisição das moradias arrendadas, as receitas provenientes das operações de arrendamento e das aplicações de recursos destinados ao programa são utilizadas para amortização das operações de crédito contratadas com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), uma compensação. Ademais o art. 3º, § 4º, da Lei 10.188/2001 (5) impõe que o saldo positivo existente ao final do programa seja integralmente revertido à União. Assim, não só o programa é financiado essencialmente por recursos da União como também terá, ao seu final, o saldo positivo integralmente revertido em seu benefício. Em conclusão, o Tribunal asseverou que todos os pressupostos da incidência da imunidade recíproca foram cumpridos. O PAR representa política habitacional da União, tendo a finalidade de garantir a efetividade do direito à moradia e a redução da desigualdade social. Trata-se do legítimo exercício de competências governamentais, mesmo que a CEF seja instrumento de sua execução. Não existe nenhuma natureza comercial ou prejuízo à livre concorrência. Vencido o ministro Marco Aurélio, que negou provimento ao recurso, ao fundamento de que a Caixa Econômica é pessoa jurídica de direito privado que, no caso, exerce atividade econômica mediante remuneração. No mais, a empresa é proprietária dos imóveis alienados, sob propriedade fiduciária, tanto que a matrícula está registrada em seu nome, e não no da União. (1) CF: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. ” (2) CF: “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (...) § 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. ” (3) CF: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. ” (4) CF: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. ” (5) Lei 10.188/2001: “Art. 3º Para atendimento exclusivo às finalidades do Programa instituído nesta Lei, fica a CEF autorizada a: (...) § 4º O saldo positivo existente ao final do Programa será integralmente revertido à União. ”
RE 928902/SP, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 17.10.2018. (RE-928902)
DIREITO CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
Obrigatoriedade de empacotamento de compras e competência legislativa – 1 -
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida, em que se discute a competência legislativa municipal para dispor sobre a obrigatoriedade de prestação de serviços de acondicionamento ou embalagem das compras por supermercados ou similares. O acórdão recorrido declarou a inconstitucionalidade da Lei 5.690/2010 do município de Pelotas, por entender que a obrigatoriedade da prestação do serviço de empacotamento por ela estabelecida invade a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho, nos termos do art. 22, I (1), da Constituição Federal (CF), afronta os princípios da ordem econômica inscritos no art. 170 (2) da CF, bem como desrespeita artigos da Constituição estadual. Após a leitura do relatório e a realização de sustentação oral, o julgamento foi suspenso. (1) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; ” (2) CF: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. ”
RE 839950/RS, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 17.10.2018. (RE-839950)
PRIMEIRA TURMA
DIREITO PROCESSUAL PENAL – PRERROGATIVA DE FORO
Prorrogação de competência e prerrogativa de foro -
Finalizada a instrução processual com a publicação do despacho de intimação para serem apresentadas as alegações finais, mantém-se a competência do Supremo Tribunal Federal (STF) para o julgamento de detentores de foro por prerrogativa de função, ainda que referentemente a crimes não relacionados ao cargo ou função desempenhada. Sob essa orientação, a Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto em face de decisão que, com base no que decidido na Ação Penal (AP) 937, deslocou o processo para a primeira instância a fim de que fosse julgado o delito cometido quando o réu exercia cargo público estadual em momento anterior ao início do exercício do mandato de parlamentar federal. O Colegiado entendeu que, no caso em comento, toda a instrução processual penal ocorrera no STF, tendo sido apresentadas as alegações finais pela acusação e pela defesa. Uma das teses firmadas no julgamento da AP 937 foi precisamente a de que, após a instrução criminal, a competência do Tribunal se prorroga. No referido precedente, o Plenário firmou as seguintes teses: a) “O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”; e b) “Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”. A tese “b” – preservação da competência após o final da instrução processual – deve ser aplicada mesmo quando não for o caso de aplicação da tese “a”, ou seja, preserva-se a competência do STF na hipótese em que tenha sido finalizada a instrução processual, mesmo para o julgamento de acusados da prática de crime cometido fora do período de exercício do cargo ou que não seja relacionado às funções desempenhadas. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Alexandre de Moraes, que negaram provimento ao recurso. Entenderam que a competência penal do STF pressupõe ter sido o crime praticado no exercício do mandato e estar a este, de alguma forma, ligado, inadmitida a prorrogação de competência de natureza absoluta.
AP 962/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em 16.10.2018. (AP-962)