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Informativo do STF 913 de 31/08/2018

Publicado por Supremo Tribunal Federal


PLENÁRIO

DIREITO PROCESSUAL PENAL – EMBARGOS INFRINGENTES

Embargos infringentes e dispensa irregular de licitação -

O Plenário, por maioria, acolheu embargos infringentes interpostos em face de acórdão condenatório proferido pela Primeira Turma para absolver a embargante. Em 2016, a Primeira Turma, por maioria de votos, julgou procedente a acusação e condenou parlamentar federal pela suposta prática do crime de dispensa irregular de licitação [Lei 8.666/1993, art. 89 (1)] e do crime de peculato [Código Penal (CP), art. 312 (2)], reconhecida a prescrição em relação ao último. Nos embargos infringentes, a defesa sustentou, em preliminar: (a) a nulidade do feito em razão da litispendência e da usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal (STF) para deliberar sobre o desmembramento da ação penal em relação aos demais investigados; e (b) a inépcia da denúncia, sob o argumento de que as condutas não teriam sido satisfatoriamente descritas, a impedir o exercício regular do direito de defesa. Em relação ao mérito, a recorrente defende a inexigibilidade dos procedimentos licitatórios e a ausência de sobrepreço ou de prejuízo ao erário. Destaca, ainda, a existência de pareceres favoráveis à inexigibilidade das licitações emitidos pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Inicialmente, o Tribunal, por maioria, rejeitou as preliminares suscitadas. No tocante à suposta litispendência e à alegada usurpação de competência do STF, o Plenário registrou que a denúncia oferecida na presente ação penal versa sobre fatos distintos daqueles tratados em procedimento que tramita na primeira instância. Ademais, tal questão, bem como a arguida inépcia da denúncia, já foram objeto de expressa deliberação pela Turma, implementada a preclusão “pro iudicato”. Quanto ao cabimento dos embargos infringentes, reiterou o que decidido na AP 863 no sentido de que esse recurso é cabível contra decisões proferidas em sede de ação penal de competência originária das Turmas quando proferidos dois votos minoritários de caráter absolutório em sentido próprio, o que se deu na espécie. Vencido o ministro Marco Aurélio, que não conheceu dos embargos infringentes. Acompanharam o relator, com ressalva de entendimento, os ministros Edson Fachin e Celso de Mello. No mérito, afirmou que, para a responsabilização penal do administrador público com base no art. 89 da Lei de Licitações — norma penal em branco —, cumpre aferir se foram violados os pressupostos de dispensa ou inexigibilidade de licitação previstos nos artigos 24 e 25 do mesmo diploma legal, bem como se houve vontade livre e consciente de violar a competição e de produzir resultado lesivo ao patrimônio público. Tal compreensão busca distinguir o administrador probo que, sem má-fé, agindo com culpa, aplica equivocadamente a norma de dispensa ou inexigibilidade de licitação, daquele que afasta a concorrência de forma deliberada, sabendo-a imperiosa, com finalidade ilícita. No caso dos autos, examinados os elementos de convicção existentes, não restou demonstrado o dolo específico na conduta da embargante, no sentido de que teria agido com o intuito de beneficiar as empresas contratadas ou lesar o erário público. Da análise dos procedimentos administrativos adotados, constatou-se que a seleção do material didático adquirido foi precedida da constituição de comissões compostas de equipe técnica especializada, que considerou algumas obras adequadas aos objetivos de determinado programa de governo. Quanto à apontada utilização de fundamentação padronizada para justificar a escolha do material, é certo que o simples fato de os procedimentos licitatórios terem sido instruídos com pareceres técnicos nos quais constam termos e fundamentos semelhantes não consubstancia ilegalidade. Inexiste qualquer elemento concreto a indicar que o material didático comprado era inadequado para os fins a que se prestava. Ademais, a escolha dos livros ideais para alcançar os objetivos do programa governamental em questão é matéria circunscrita ao mérito do ato administrativo. Desse modo, a seleção do melhor material didático escapa aos critérios estritamente objetivos sobre os quais o Poder Judiciário poderia exercer controle jurisdicional. De outro lado, as cartas de exclusividade apresentadas pelas empresas contratadas mostram-se aptas a ensejar a inexigibilidade de licitação regulamentada pelo art. 25, I (3), da Lei 8.666/1993. A demonstração da exclusividade do representante comercial pode ter caráter local e dispensa registro em órgão específico, autorizada sua comprovação por meio de documentos emitidos por entidades idôneas, vinculadas ao setor de mercado respectivo, como é o caso da Câmara Brasileira do Livro. Da mesma forma, a acusada, ao encaminhar o procedimento de inexigibilidade de licitação à PGE, pautou-se em ofícios assinados pelos coordenadores do programa, os quais garantiam não apenas a exclusividade da distribuição dos livros pelas contratadas, como a equivalência dos valores por elas praticados aos do mercado nacional. Eventual culpa por parte da embargante na conferência dos documentos apresentados não é capaz de conduzir ao enquadramento penal da conduta ao art. 89 da Lei 8.666/1993, que não admite a modalidade culposa para sua consumação. Vencidos os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Marco Aurélio, que rejeitaram os embargos infringentes e mantiveram o entendimento firmado quando da prolação do acórdão recorrido (Informativos 836 e 837 ). (1) Lei 8.666/1993: “Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.” (2) CP: “Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.” (3) Lei 8.666/1993: “Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;”

AP 946/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 30.8.2018. (AP-946)

REPERCUSSÃO GERAL

DIREITO DO TRABALHO – TERCEIRIZAÇÃO

Justiça do Trabalho e terceirização de atividade-fim – 3 -

É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante. Ao fixar essa tese de repercussão geral (Tema 725 ), o Plenário, em conclusão de julgamento conjunto e por maioria, julgou procedente o pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) e deu provimento a recurso extraordinário (RE) para considerar a licitude da terceirização de atividade-fim ou meio (Informativos 911 e 912 ). No caso, o pedido de inclusão da ADPF em pauta e o reconhecimento da repercussão geral foram anteriores à edição das Leis 13.429/2017 e 13.467/2017. Prevaleceram os votos dos ministros Roberto Barroso (relator da ADPF) e Luiz Fux (relator do RE). O ministro Roberto Barroso advertiu que, no contexto atual, é inevitável que o Direito do Trabalho passe, nos países de economia aberta, por transformações. Além disso, a Constituição Federal (CF) não impõe a adoção de um modelo de produção específico, não impede o desenvolvimento de estratégias de produção flexíveis, tampouco veda a terceirização. O conjunto de decisões da Justiça do Trabalho sobre a matéria não estabelece critérios e condições claras e objetivas que permitam a celebração de terceirização com segurança, de modo a dificultar, na prática, a sua contratação. A terceirização das atividades-meio ou das atividades-fim de uma empresa tem amparo nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a liberdade de formular estratégias negociais indutoras de maior eficiência econômica e competitividade. Por si só, a terceirização não enseja precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou desrespeito a direitos previdenciários. Terceirizar não significa necessariamente reduzir custos. É o exercício abusivo de sua contratação que pode produzir tais violações. Para evitar o exercício abusivo, os princípios que amparam a constitucionalidade da terceirização devem ser compatibilizados com as normas constitucionais de tutela do trabalhador, cabendo à contratante observar certas formalidades. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, de forma que não se configura relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. Porém, na terceirização, compete à contratante verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada e responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias. A responsabilização subsidiária da tomadora dos serviços pressupõe a sua participação no processo judicial. A decisão na ADPF não afeta os processos em relação aos quais tenha havido coisa julgada. Por sua vez, o ministro Luiz Fux consignou que os valores do trabalho e da livre iniciativa são intrinsecamente conectados, em relação dialógica que impede a rotulação de determinada providência como maximizadora de apenas um deles. O Enunciado 331 (1) da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) foi considerado inconstitucional por violar os princípios da livre iniciativa e da liberdade contratual. O direito geral de liberdade, sob pena de tornar-se estéril, somente pode ser restringido por medidas informadas por parâmetro constitucionalmente legítimo e adequadas ao teste da proporcionalidade. É necessária argumentação sólida para mitigar liberdade constitucional. Cumpre ao proponente da limitação o ônus de demonstrar empiricamente a necessidade e a adequação de providência restritiva. A segurança das premissas deve atingir grau máximo quando embasar restrições apresentadas fora da via legislativa. A terceirização não fragiliza a mobilização sindical dos trabalhadores. Ademais, as leis trabalhistas são de obrigatória observância pela empresa envolvida na cadeia de valor, tutelando-se os interesses dos empregados. A dicotomia entre a atividade-fim e atividade-meio é imprecisa, artificial e ignora a dinâmica da economia moderna, caracterizada pela especialização e divisão de tarefas com vistas à maior eficiência possível. Frequentemente, o produto ou o serviço final comercializado é fabricado ou prestado por agente distinto. Igualmente comum, a mutação constante do objeto social das empresas para atender à necessidade da sociedade. A terceirização resulta em inegáveis benefícios aos trabalhadores, como a redução do desemprego, crescimento econômico e aumento de salários, a favorecer a concretização de mandamentos constitucionais, como a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, sem prejuízo da busca do pleno emprego. O escrutínio rigoroso das premissas empíricas assumidas pelo TST demonstra a insubsistência das afirmações de fraude e precarização. A alusão, meramente retórica, à interpretação de cláusulas constitucionais genéricas não é suficiente a embasar disposição restritiva ao direito fundamental, motivo pelo qual deve ser afastada a proibição [CF, artigos 1º, IV (2); 5º, II (3); e 170 (4)]. É aplicável às relações jurídicas preexistentes à Lei 13.429/2017 a responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica contratante pelas obrigações trabalhistas não adimplidas pela empresa prestadora de serviços, bem como a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias devidas por esta, mercê da necessidade de se evitar o vácuo normativo resultante da insubsistência do Verbete 331 da Súmula do TST. O ministro Alexandre de Moraes sublinhou que a intermediação ilícita de mão-de-obra, mecanismo fraudulento combatido pelo Ministério Público do Trabalho, não se confunde com a terceirização de atividade-fim. Vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que julgaram improcedente o pedido formulado na ADPF e negaram provimento ao RE. Para eles, a orientação contida no verbete é compatível com a Constituição, adveio da análise do arcabouço normativo da época, à luz da Consolidação das Leis do Trabalho, antes da reforma de iniciativa legislativa. O ministro Marco Aurélio não se pronunciou quanto à tese. (1) Enunciado 331 do TST: “I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei 6.019, de 3.1.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei 7.102, de 20.6.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.” (2) CF: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;” (3) CF: “Art. 5º (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” (4) CF: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)”

ADPF 324/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 29 e 30.8.2018. (ADPF-324) RE 958252/MG, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 29 e 30.8.2018. (RE-958252)

PRIMEIRA TURMA

DIREITO PENAL – CUMPRIMENTO DE PENA

Princípio da insignificância e furto simples -

A Primeira Turma, por maioria e de ofício, concedeu a ordem de “habeas corpus” para determinar a substituição da pena de condenado por crime de furto simples por medida restritiva de direito a serem fixadas pelo juízo de origem. O paciente foi absolvido da prática do delito previsto no art. 155, “caput” (1), do Código Penal (CP) — furto simples —, combinado com o art. 14, II (2), CP — tentativa. Foi considerada a atipicidade material da conduta em razão do ínfimo valor da coisa subtraída — quatro frascos de xampu, no valor de R$ 31,20 — e a restituição dos bens à vítima. Provida a apelação interposta pelo Ministério Público, o paciente foi condenado a oito meses de reclusão, em regime semiaberto, e ao pagamento de seis dias-multa. A defesa pleiteou a aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista a inexpressividade da lesão e o pequeno valor da coisa, a demonstrar a atipicidade material. Prevaleceu o voto médio proferido pelo ministro Alexandre de Moraes no sentido da inaplicabilidade do referido princípio. No entanto, concedeu a ordem de ofício, para que seja substituída a pena aplicada por medida restritiva de direito. Registrou que, em pequenas comunidades, a substituição da pena privativa de liberdade por medida restritiva de direito, a permitir que as pessoas vejam onde está sendo cumprida, tem valor simbólico e pedagógico maior do que a fixação do regime semiaberto ou aberto. Vencido o ministro Marco Aurélio, que denegou a ordem, por entender que não há ilegalidade na decisão do órgão revisor em substituir a absolvição pela pena de oito meses de reclusão em regime semiaberto. Vencidos, também, o ministro Roberto Barroso e a ministra Rosa Weber, os quais concederam a ordem para reestabelecer a sentença absolutória de primeiro grau. Vencido, em parte, o ministro Luiz Fux, que concedeu a ordem para fixar o regime aberto ao cumprimento de dois meses de pena. (1) CP: “Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.” (2) CP: “Art. 14. Diz-se o crime: (...) II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.”

HC 137217/MG, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 28.8.2018. (HC-137217)

DIREITO PENAL – EXCLUSÃO DO CRIME

Imunidade parlamentar e liberdade de expressão -

A Primeira Turma iniciou julgamento de inquérito instaurado contra deputado federal, por suposta prática do delito tipificado no art. 20, “caput” (1), da Lei 7.716/1989, por duas vezes, na forma do art. 70 (2) do Código Penal (CP). De acordo com a denúncia, o parlamentar, durante palestra, teria se manifestado, de modo negativo e discriminatório, sobre quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros). O ministro Marco Aurélio (relator) rejeitou a denúncia, no que foi acompanhado pelo ministro Luiz Fux. O relator entendeu não configurado o conteúdo discriminatório das manifestações do acusado, as quais, além de se inserirem na liberdade de expressão prevista no art. 5º, IV (3), da Constituição Federal (CF), estão cobertas pela imunidade parlamentar, a que se refere o art. 53, da CF (4). Observou, de início, que a narrativa contém a exposição de fato supostamente delitivo e das circunstâncias alusivas à prática. Foram individualizados os comportamentos imputados a título de ofensas dirigidas contra quilombolas e estrangeiros, estabelecendo-se vínculo de causalidade no tocante ao acusado, e especificadas as falas tidas como caracterizadoras do tipo penal. Asseverou que, consoante se depreende do discurso proferido pelo acusado em relação a comunidades quilombolas, as afirmações, embora consubstanciem entendimento de diferenciação e até de superioridade, são desprovidas da finalidade de repressão, dominação, supressão ou eliminação, razão pela qual, tendo em vista não se investirem de caráter discriminatório, são incapazes de caracterizarem o crime previsto no art. 20, “caput”, da Lei 7.716/1989. Considerou que os pronunciamentos do parlamentar contidos na peça acusatória estão vinculados ao contexto de demarcação e proveito econômico das terras e configuram manifestação política que não extrapola os limites da liberdade de expressão. Para o relator, não se pode confundir o interesse na extinção ou diminuição de reservas indígenas ou quilombolas com a supressão e eliminação dessas minorias. Ademais, o emprego, no discurso, do termo “arroba” não consiste em ato de desumanização dos quilombolas, no sentido de comparação a animais, mas forma de expressão – de toda infeliz –, evocada a fim de enfatizar estar um cidadão específico do grupo acima do peso considerado normal. Quanto à incitação a comportamento xenofóbico, reputou insubsistentes as premissas apresentadas pela acusação. O delito é de perigo abstrato, cuja tipicidade há de ser materializada teleologicamente, ou seja, embora não se exija que do discurso dito incitador sobrevenha a efetiva prática de atos discriminatórios, é imprescindível a aptidão material do teor das falas a desencadeá-los. No caso, as afirmações do denunciado se situam no âmbito da crítica à política de imigração adotada pelo Governo e não revelam conteúdo discriminatório ou passível de incitar pensamentos e condutas xenofóbicas pelo público ouvinte. O próprio acusado diz não fazer distinção quanto à origem estrangeira do imigrante. A crítica também se insere na liberdade de manifestação de pensamento, insuscetível, portanto, de configurar crime. Observou, por fim, que o convite referente à palestra se deu em razão do exercício do cargo de deputado federal ocupado pelo acusado, a fim de proceder à exposição de visão geopolítica e econômica do País. O relator reconheceu a vinculação das manifestações apresentadas na palestra com pronunciamentos do parlamentar na Câmara dos Deputados. Concluiu que, existente o nexo de causalidade entre o que veiculado e o mandato, tem-se a imunidade parlamentar. As declarações, ainda que dadas fora das dependências do Congresso Nacional e eventualmente sujeitas a censura moral, quando retratam o exercício do cargo eletivo, a atuação do congressista, estão cobertas pela imunidade parlamentar e implicam a exclusão da tipicidade. Em divergência, o ministro Luís Roberto Barroso votou pelo parcial recebimento da denúncia, tendo sido acompanhado pela ministra Rosa Weber. Considerou que, apesar de as manifestações do acusado em relação aos estrangeiros estar protegida pela liberdade de expressão e pela imunidade parlamentar, os pronunciamentos sobre quilombolas, afrodescendentes e sobre “gays” configuram, respectivamente, os delitos previstos no art. 20 da Lei 7.716/1989 e de incitação ao crime e apologia de crime, constantes dos artigos 286 e 287 (5) do CP. Segundo o ministro Barroso, os termos “arrobas e procriador”, usados pelo parlamentar, se referem a animais irracionais, e que, portanto, a equiparação de pessoas negras a bichos é um elemento plausível para fins de recebimento da denúncia. Em relação aos “gays”, destacou trechos das manifestações do acusado no sentido de que preferiria um filho morto a vê-lo com um outro homem e que, se visse dois homens se beijando na sua frente, os agrediria. Asseverou estar-se diante de tipo de discurso de ódio que o direito constitucional brasileiro não admite, que é o ódio contra grupos minoritários, historicamente violentados e vulneráveis. Para o ministro, a proteção dos direitos fundamentais das minorias é um dos papéis mais importantes de um tribunal constitucional. Ninguém é melhor do que ninguém, somos todos iguais e devemos nos comportar com o mínimo de fraternidade, sem prejuízo da mais ampla liberdade de expressão. Salientou que a homofobia mata, de acordo com dados estatísticos revelados sobre assassinatos contra integrantes de comunidades “gays”, e que, em razão disso, não devemos tratar com indiferença discursos de ódio, de agressão física em relação a pessoas que já sofrem outras dificuldades e outros constrangimentos na vida. O modo como foram tratadas as pessoas negras, os quilombolas e as pessoas de orientação sexual “gay”, nas declarações do acusado, comporta o recebimento da denúncia e o prosseguimento do processo para que o dolo específico seja verificado, as testemunhas sejam ouvidas e a defesa produza provas. Não receber a denúncia, neste caso, significa transmitir uma mensagem errada para a sociedade brasileira de que é possível tratar com menosprezo, desprezo, diminuição e menor dignidade as pessoas negras ou os homossexuais. Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos. (1) Lei 7.716/1989: “Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” CP: “Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.” (2) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;” (3) CF: “Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.” (4) CP: “Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime (...) Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: (...)” Inq 4694/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 28.8.2018. (Inq-4694)

SEGUNDA TURMA

DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVAS

Acordo de leniência e compartilhamento de provas -

A Segunda Turma negou provimento a agravo regimental para manter decisão que deferiu o compartilhamento de provas originalmente produzidas a partir de acordo de leniência, para a instrução de inquérito em trâmite no âmbito do Ministério Público estadual. O compartilhamento visa promover a instrução de inquérito civil que investiga possível prática de ato de improbidade e lesão ao erário em razão do recebimento de valores destinados à campanha eleitoral de parlamentar federal. A Turma afirmou que, no acordo de leniência em questão, o Ministério Público Federal (MPF) se compromete a não propor, contra os aderentes, qualquer ação de natureza cível ou penal em relação aos fatos e condutas nele revelados. Todavia, não há óbice ao compartilhamento das provas, desde que o pedido se mostre adequadamente delimitado e justificado, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) (Pet 6.845 7.463 ), observadas cautelas especiais quando se tratar de colaboração premiada e acordo de leniência. Dessa forma, é legítimo o compartilhamento com o fim de instrução de inquérito que investiga pessoa a qual não celebrou acordo de leniência, desde que não acarrete eventual prejuízo aos aderentes do instrumento. Inq 4420/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 21.8.2018. (Inq-44)


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