Informativo do STF 880 de 06/10/2017
Publicado por Supremo Tribunal Federal
REPERCUSSÃO GERAL
DIREITO ELEITORAL - ELEIÇÕES
Causa de inelegibilidade e trânsito em julgado - 3
É aplicável a alínea “d” do inciso I do art. 1º da LC 64/1990 (1), com a redação dada pela LC 135/2010, a fatos anteriores a sua publicação. Essa é a orientação firmada pelo Plenário ao apreciar recurso extraordinário em que discutida a incidência da causa de inelegibilidade prevista no referido dispositivo legal, à hipótese de representação eleitoral julgada procedente e transitada em julgado antes da entrada em vigor da LC 135/2010, que aumentou de 3 para 8 anos o prazo de inelegibilidade. Na espécie, o recorrente foi declarado inelegível, por 3 anos, em decisão transitada em julgado em 2004, com fundamento na redação originária do art. 1°, I, “d”, da LC 64/1990. Posteriormente, teve seu registro indeferido, em razão do aumento do prazo da inelegibilidade constante da alteração promovida pela LC 135/2010 (Informativos 807 e 879 ). Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, resolveu questão de ordem no sentido de, não obstante pedido de desistência e circunstância de prejudicialidade do recurso, continuar no exame da tese de repercussão geral, que não incidirá no caso concreto. Vencidos, no ponto, os ministros Ricardo Lewandowski (relator), Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. No mérito, a Corte julgou prejudicado o recurso e, por maioria, considerou que, verificado o exaurimento do prazo de 3 anos, previsto na redação originária, por decisão transitada em julgado, é possível que o legislador infraconstitucional proceda ao aumento dos prazos, o que impõe que o agente da conduta abusiva fique inelegível por mais 5 anos, totalizando os 8 anos, sem que isso implique ofensa à coisa julgada, que se mantém incólume. Anotou que a inelegibilidade ostenta natureza jurídica de requisito negativo de adequação do indivíduo ao regime jurídico do processo eleitoral. Logo, não existe caráter sancionatório ou punitivo das hipóteses de inelegibilidade veiculadas na LC 64/1990. Nesse sentido, a decisão que reconhece a inelegibilidade somente produzirá seus efeitos na esfera jurídico-eleitoral do condenado se este vier a formalizar registro de candidatura em eleições vindouras, ou em recurso contra a expedição do diploma, em se tratando de inelegibilidades infraconstitucionais supervenientes. Quando a LC 64/1990 se utiliza da palavra “representação” como instrumento para viabilizar a abertura de ação de investigação judicial, a norma o faz expressamente. É o caso do art. 22, “caput” (2), que dispõe a respeito da representação ajuizada especificamente para pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso de poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social. Assim, é substancial a diferença entre essa regra e o disposto na alínea “d”, em que não há menção a nenhum pedido ou ação específica, mas apenas às causas de pedir “abuso de poder político e econômico”. Por consequência, o vocábulo “representação” contido na alínea “d” deverá ser aplicado com significação que cumpra a finalidade da norma, de afastar da vida pública políticos condenados por abuso de poder político e econômico. Além disso, o pretenso candidato condenado pelo art. 22, XIV (3), ainda assim estaria inelegível por força da incidência do art. 1º, I, “d”, da LC 64/1990, mesmo que eventualmente a decisão judicial não cominasse a sanção de inelegibilidade no título judicial. É suficiente, para assentar a inelegibilidade, a prática abusiva de poder. Em suma, a extensão dos prazos de inelegibilidade do art. 22, XIV, da LC 64/1990, justamente porque não versa sanção, não revela ofensa à retroatividade máxima, de ordem a fulminar a coisa julgada, mesmo após o exaurimento dos 3 anos inicialmente consignados na decisão judicial passada em julgado que reconhece a prática de abuso de poder político ou econômico. Trata-se de exemplo de retroatividade inautêntica ou retrospectividade. Vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio e Celso de Mello, que entenderam inaplicável a alínea “d” do inciso I do art. 1º da LC 64/1990, na redação dada pela LC 135/2010, a fatos anteriores à publicação desta lei. Destacaram que o prazo de inelegibilidade de 3 anos estabelecido pela Justiça Eleitoral nos autos de ação de investigação judicial eleitoral seria parte integrante da decisão de procedência. Por conseguinte, quando já integralmente cumprida, estaria completamente acobertada pela garantia fundamental da proteção à coisa julgada formal e material. Assim, o referido prazo, decorrente da cominação judicial de inelegibilidade, teria integrado, de forma indissociável e definitiva, o título judicial. Em seguida, o julgamento foi suspenso para posterior apreciação de proposta de modulação dos efeitos apresentada pelo relator e a fixação da tese de repercussão geral. (1) LC 64/1990: “Art. 1º. São inelegíveis: I - para qualquer cargo: ... d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes”. (2) Lei Complementar 64/1990: “Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (3) Lei Complementar 64/1990: “Art. 22. ... XIV - julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;”
RE 929670/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 4.10.2017. (RE-929670)
1ª Parte :
2ª Parte : 1ª Parte : 2ª Parte :
DIREITO ELEITORAL - ELEIÇÕES
Candidatura avulsa e repercussão geral
O Plenário, ao resolver questão de ordem suscitada pelo ministro Roberto Barroso (relator), reconheceu a repercussão geral da questão constitucional tratada em recurso extraordinário com agravo. Nele, se discute a possibilidade de candidato sem filiação partidária disputar eleições (candidatura avulsa). No caso, o recorrente, sem filiação partidária, teve a sua candidatura para a eleição de prefeito em 2016 indeferida. O Plenário, de início e por maioria, entendeu que, muito embora a questão constitucional em debate esteja prejudicada na hipótese dos autos — em razão do o esgotamento do pleito municipal de 2016 —, ela deve se revestir do caráter de repercussão geral tendo em vista sua relevância social e política. Vencidos, no ponto, os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que entenderam pela prejudicialidade do recurso. Superada a preliminar, acompanharam os demais quanto à questão de ordem.
ARE 1054490 QO/RJ, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 5.10.2017. (ARE-1054490)
PRIMEIRA TURMA
DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DO DIREITO PÚBLICO – RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO
Responsabilidade administrativa por dívidas trabalhistas de empresas terceirizadas
A Primeira Turma deu continuidade ao julgamento de agravo regimental em reclamação ajuizada contra decisão da Justiça do Trabalho, em que se alega violação à autoridade do Supremo Tribunal Federal (STF) por contradição à Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 16/DF (DJe de 9.9.2011). Afirma o reclamante ter sido condenado ao pagamento de verbas trabalhistas inadimplidas por empresa contratada, o que afrontaria o disposto no art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993 (1), declarada constitucional pela ADC 16/DF. O ministro Roberto Barroso (relator) negou seguimento à reclamação, entendendo que, por ser essa relacionada a paradigma de tema de repercussão geral ( Tema 246 ), firmado no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 760.931/DF (DJe de 12.9.2017), superveniente à ADC em questão, haveria a necessidade de esgotamento de todas as instâncias ordinárias antes que o processo fosse julgado pela Suprema Corte, conforme art. 988, § 5º, II, do CPC/2015 (2). Em divergência, o ministro Alexandre de Moraes conheceu do agravo, dando-lhe provimento. Alegou não ter sido incluída no tema a substituição da decisão da ADC 16/DF pela do RE 760.931/DF e, consequentemente, não estabelecido o necessário esgotamento das instâncias inferiores. Em sua visão, isso elevaria a morosidade da decisão do processo e desrespeitaria a resolução da ação declaratória. Dessa forma, reconhecendo desalinhamento entre ambas as decisões do colegiado e a sentença proferida pela Justiça do Trabalho, votou pela procedência da ação. Acompanharam o relator o ministro Luiz Fux e a ministra Rosa Weber. Em seguida, pediu vista o ministro Marco Aurélio. (1) Lei 8.666/1993: “Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. § 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis”. (2) Código de Processo Civil/2015: “Art. 988. (...) § 5º É inadmissível a reclamação: I – proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias”.
Rcl 27789/BA, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 3.10.2017. (Rcl-27789)
DIREITO PROCESSUAL PENAL – AÇÃO PENAL
Princípio do promotor natural e substituição de órgão acusador ao longo processo
A Primeira Turma, por maioria, indeferiu a ordem em “habeas corpus” no qual se pugnava a nulidade absoluta da ação penal, em face de violação ao princípio do promotor natural. No caso, a denúncia se deu por promotor que não o atuante em face do Tribunal do Júri, exclusivo para essa finalidade. O paciente foi denunciado como incurso nas penas dos arts. 121, “caput”, do Código Penal (CP) e 12 da Lei 6.378/1976, por haver ministrado medicamentos em desacordo com a regulamentação legal, tendo a vítima falecido. A Turma reconheceu não haver ferimento ao princípio do promotor natural. No caso concreto, a “priori”, houve o entendimento de que seria crime não doloso contra a vida, fazendo os autos remetidos ao promotor natural competente. Não obstante, durante toda a instrução se comprovou que, na verdade, tratava-se de crime doloso. Com isso, o promotor que estava no exercício ofereceu a denúncia e remeteu a ação imediatamente ao promotor do Júri, que poderia, a qualquer momento, não a ratificar. O colegiado entendeu, dessa maneira, configurada ratificação implícita. Outrossim, asseverou estar-se diante de substituição, consubstanciada nos princípios constitucionais do Ministério Público (MP) da unidade e da indivisibilidade, e não da designação de um acusador de exceção. Vencido o ministro Marco Aurélio, por considerar violado o princípio do promotor natural.
HC 114093/PR, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 3.10.2017. (HC 114093)
SEGUNDA TURMA
DIREITO PROCESSUAL PENAL - AÇÃO PENAL
Teoria do domínio do fato e autoria
A teoria do domínio do fato não preceitua que a mera posição de um agente na escala hierárquica sirva para demonstrar ou reforçar o dolo da conduta. Do mesmo modo também não permite a condenação de um agente com base em conjecturas. Com base nessa orientação, a Segunda Turma deu provimento ao recurso de apelação a fim de absolver o réu, com base no art. 386, V (1), do CPP. No caso, o apelante, deputado federal e ex-governador, foi condenado por peculato-desvio, por supostas irregularidades verificadas durante a fase licitatória e de execução de obras para drenagem de águas pluviais na construção e ampliação de quatro grandes lagoas para deságue final que objetivava pôr termo a enchentes. Inicialmente, a Turma declarou a nulidade parcial da sentença que condenou o réu por participação nos atos de gestão praticados por secretário. Ao considerar a participação do réu em fatos estranhos, não narrados na denúncia, a sentença afrontou o princípio da ampla defesa e contraditório. O réu foi surpreendido, depois de finda a instrução probatória, com fato que lhe era desconhecido e acerca do qual não lhe foi oportunizado se manifestar. Também se ofendeu o princípio do devido processo legal, tendo em vista que houve na hipótese, ação penal “ex officio”, em desobediência ao modelo constitucional que enuncia ser função institucional privativa do Ministério Público a promoção da ação penal pública [CF, art. 129, I (2)]. Ressaltou que o Ministério Público imputou ao réu responsabilidade por dar continuidade a irregularidades iniciadas em gestão anterior, e que, segundo sua avaliação, seriam de “gritante notoriedade”. Afirmou que, embora a norma processual preceitue não depender de prova os fatos notórios, nesta categoria, porém, não se enquadram os fatos que demandam tarefa intelectiva do autor para serem compreendidos e aceitos, como é o caso das irregularidades descritas nos autos. Portanto, os elementos probatórios apontados pelo “parquet” são insuficientes para concluir pela participação do réu. As fraudes perpetradas não eram notórias ao ponto de prescindir de maior substrato probatório. Destacou que nada mais se argumentou sobre a atuação do réu na empreitada criminosa além do fato dele ter assinado os instrumentos de repasse e ter dado continuidade à obra que foi considerada irregular pelo TCU. A razão para a ausência de argumentos mais concretos a comprovar o dolo e autoria, ao que tudo indica pela frequente menção à “superioridade hierárquica do réu”, é a consideração pelo Ministério Público de que a adoção da teoria do domínio do fato dispensaria o aprofundamento do papel por ele desenvolvido nas fraudes denunciadas. No caso vertente não se evidenciou qualquer controvérsia entre a função do réu na empreitada criminosa, se o seu papel seria fundamental ou não, se seria autor ou mero partícipe. A dúvida existente reside, na realidade, em momento ainda anterior a tal apreciação, pois sequer se demonstrou estar o réu envolvido nas fraudes noticiadas. Assim, não há razão para discutir a medida da participação de um agente que sequer se comprovou ter anuído ou efetivamente concorrido para a prática delituosa. Só há motivo para discutir a medida da participação depois de confirmada a sua existência. É por isso que a adoção da teoria do domínio do fato, nos moldes em que utilizada pelo juízo de primeiro grau, não socorre ao apelo acusatório. Antes disso, acaba por infirmá-lo, na medida em que restringe o conceito aberto de autor preceituado pelo art. 29 (3) do CP. (1) CPP/1941: “Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (...) V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;” (2) CF/1988: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;” (3) CP/1940 “Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”
AP 975/AL, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 3.10.2017. (AP-975)