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    Informativo do STF 862 de 28/04/2017

    Publicado por Supremo Tribunal Federal


    REPERCUSSÃO GERAL

    DIREITO CONSTITUCIONAL - GRATUIDADE DE ENSINO

    Gratuidade de ensino e cobrança de mensalidade em curso de especialização

    A garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança por universidades públicas de mensalidade em cursos de especialização. Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário para denegar segurança. Preliminarmente, o Colegiado, também por maioria, indeferiu pedido de sustentação oral do advogado do “amicus curiae” da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG) já ter se exaurido a fase de sustentação oral na sessão anterior, e tendo ele se inscrito apenas na sessão subsequente. Vencidos, no ponto, os ministros Marco Aurélio, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, que deferiam o pleito, ao fundamento de que, se há inscrito terceiro, sem que ainda tivesse sido proferido qualquer voto, se deveria, em prestígio ao devido processo legal, viabilizar a sustentação. Quanto ao mérito, inicialmente, o Colegiado observou que, a despeito da Súmula Vinculante 12 (1), alargar a sua aplicação para os cursos de extensão seria interpretação equivocada do verbete sumular. Asseverou haver no texto constitucional uma diferenciação entre “ensino”, “pesquisa” e “extensão”, que formam tripé harmônico e essencial para a educação de qualidade. Nos termos do art. 206, IV, da Constituição Federal (CF), a gratuidade do ensino é um princípio aplicável a todos os estabelecimentos oficiais. Para tanto, conforme exige o art. 212, “caput”, da CF, um percentual da receita pública deve ser destinado à “manutenção e desenvolvimento do ensino”. O art. 213, § 2º, da CF autoriza, “argumentum a contrario”, a captação de recursos destinados à pesquisa e à extensão porque os recursos públicos, a que se refere o art. 212, “caput”, da CF, têm destinação precípua às escolas públicas. Já as atividades descritas no art. 213, § 2º, da CF não necessariamente contam com recursos públicos. Seria incorreto, porém, concluir que a Constituição não exige financiamento público para a pesquisa e extensão. Explicou que a indissolubilidade entre “ensino, pesquisa e extensão”, princípio previsto no “caput” do art. 207 da CF, exige que o financiamento público não se destine exclusivamente ao ensino, visto que, para a manutenção e desenvolvimento do ensino, são necessários, nos termos do art. 207, pesquisa e extensão. Entretanto, há um espaço de conformação no texto constitucional para a definição das atividades que integram a manutenção e o desenvolvimento do ensino. De fato, o regime constitucional de pós-graduação deve derivar das exigências constitucionais contidas no art. 207 da CF. Impossível afirmar, com base na leitura estrita da CF, que as atividades de pós-graduação são abrangidas pelo conceito de manutenção e desenvolvimento do ensino, parâmetro constitucional para a destinação, com exclusividade, dos recursos públicos. Por isso, para a solução do presente caso, é preciso examinar se a instituição de cursos de pós-graduação (especialização) implica, necessariamente, gratuidade. O Colegiado frisou competir ao legislador a tarefa de disciplinar quais características determinado curso assumirá. Caso a atividade preponderante se refira à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, a gratuidade deverá ser observada, nos termos do art. 206, IV, da CF. Para matéria relativa a ensino, pesquisa e extensão, a competência regulamentar é concorrente entre a União e os Estados-Membros (CF, art. 24, IX), mas também é afeta à autonomia universitária. Quanto a este último aspecto, a universidade pode contar, por expressa previsão constitucional (CF, art. 213, § 2º), com recursos de origem privada. Ademais, embora não disponham de competência para definir a origem dos recursos a serem utilizados para a manutenção e o desenvolvimento do ensino, as universidades podem definir quais são as atividades de pesquisa e extensão passíveis de realização em regime de colaboração com a sociedade civil. No exercício de sua competência para definir normas gerais (CF, art. 24, § 1º), a União editou a Lei 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Dessa lei é possível depreender que os cursos de pós-graduação se destinam à preparação para o exercício do magistério superior (arts. 64 e 66) e, por isso, são indispensáveis para a manutenção e o desenvolvimento das instituições de ensino (art. 55). Porém, é preciso observar que apenas os cursos de pós-graduação que se destinam à manutenção e ao desenvolvimento do ensino são financiados pelo Poder Público. Novamente é a Lei 9.394/1996, em seus arts. 70 e 71, que fixa as regras para contabilizar essas despesas. Segundo o Tribunal, não se deve, evidentemente, ler a Constituição com fundamento na lei, mas sua referência exemplifica o fato de que ao legislador é possível descrever as atividades que, por não se relacionarem com a manutenção e o desenvolvimento do ensino, não dependem de recursos exclusivamente públicos. É lícito, dessa forma, às universidades perceber remuneração pelo seu desempenho. Além disso, a elaboração da lei não retira das universidades a competência para, por meio de sua autonomia, desenvolver outras atividades voltadas à comunidade que não se relacionem precisamente com a exigência constitucional da manutenção e do desenvolvimento do ensino. Essa observação vai ao encontro do próprio texto constitucional, ou seja, não há, na previsão de autonomia das universidades (CF, art. 207), remissão à regulamentação por lei, diversamente do que ocorre com as regras sobre a carreira dos professores (CF, art. 206, V), com a forma de gestão democrática (CF, art. 206, VI) e com a contratação de professores estrangeiros (CF, art. 207, § 1º). Há, aqui, potencialmente, um choque entre as competências legais do Poder Legislativo e normativas das universidades, ou do órgão encarregado de sua organização (CF, art. 211, § 1º). Esse conflito tem, em tese, assento constitucional e não legal. No caso, contudo, não há conflito a exigir a intervenção por parte do Supremo Tribunal Federal (STF). Tanto a CF quanto a lei dão margem ao juízo de conformação a ser realizado pelas universidades para definir se determinado curso de especialização destina-se à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, hipótese em que, por expressa previsão constitucional, os recursos para seu financiamento deverão ser exclusivamente públicos. Nesse sentido, o art. 71 da Lei 9.394/1996 exclui das despesas de manutenção e desenvolvimento a formação de quadros especiais para a administração, caso em que, desde que restrita aos cursos de especialização, não haveria impedimento para as universidades, por analogia, disciplinarem outros cursos cuja cobrança de mensalidade fosse possível. O Colegiado afirmou ser evidente que as universidades não são completamente livres para definir suas atividades. O desempenho precípuo de suas funções exige que, no mínimo, haja completa realização daquelas que se relacionem com a manutenção e o desenvolvimento do ensino. Nada impede que, para além dessas atividades, a universidade possa definir outros cursos para a comunidade, como cursos de extensão, que, embora se relacionem ao ensino, guardam independência quanto a ele. Afastou o argumento de que, por ostentarem natureza autárquica ou fundacional, as universidades somente poderiam adotar o regime tributário para a obtenção de receitas, a implicar que o serviço desempenhado passasse a ser remunerado por taxa. Isso porque, em primeiro lugar, a adoção do regime de direito público, previsto no art. 37 da CF, não impõe, necessariamente, que a obtenção de receita seja exclusivamente pela via tributária. Ademais, o princípio da gratuidade veda, precisamente, a cobrança de prestação compulsória (CF, art. 205), como ocorre nas atividades de manutenção e desenvolvimento do ensino. Além disso, por serem as atividades extraordinárias desempenhadas de modo voluntário pelas universidades, pode ser estabelecida uma tarifa como contraprestação. Relembrou que, no julgamento da ADI 800/RS (DJE de 27.6.2014), se reconheceu que o traço característico de uma prestação estatal remunerada por taxa é a compulsoriedade, prevista no art. 3º do Código Tributário Nacional (CTN). Na mesma direção aponta ainda o Enunciado 545 da Súmula desta Corte (2). Essa diferenciação é fundamental para também estender às atribuições desempenhadas pelas universidades o entendimento sumulado pelo STF. Dessa forma, por não ser taxa a cobrança de mensalidade para os cursos não relacionados com a manutenção e o desenvolvimento do ensino, não está sujeita à legalidade estrita. Noutras palavras, podem as universidades regulamentar a forma de remuneração do serviço desempenhado. Ainda no que tange às limitações impostas às universidades, é mister registrar que os professores são servidores públicos e, como tal, destinam-se ao desempenho das tarefas indicadas nos seus cargos. Não podem, consequentemente, eximir-se de suas obrigações ordinárias para desempenhar aquelas que, por conveniência, a universidade decidiu oferecer ao público, mediante pagamento. Além disso, embora tenham autonomia para definir as atividades ofertadas ao público, as universidades devem ter em conta que prestam serviço público e, portanto, devem garantir os direitos dos usuários (CF, art. 175, II), observar a modicidade tarifária (CF, art. 175, III) e manter serviço de qualidade (CF, art. 206, VII), atendidas as exigências do órgão coordenador da educação (CF, art. 211, § 1º). Finalmente, a regulamentação dessas atividades deve ainda observar o princípio da gestão democrática do ensino (CF, art. 206, VI). Em suma, o Plenário concluiu ser preciso reconhecer que nem todas as atividades potencialmente desempenhadas pelas universidades se referem exclusivamente ao ensino. A função desempenhada por elas é muito mais ampla do que as formas pelas quais elas obtêm financiamento. Assim, o princípio da gratuidade não as obriga a perceber exclusivamente recursos públicos para atender sua missão institucional. Ele exige, porém, que, para todas as tarefas necessárias à plena inclusão social, missão do direito à educação, haja recursos públicos disponíveis para os estabelecimentos oficiais. O termo utilizado pela CF é que essas são as tarefas de manutenção e desenvolvimento do ensino. Consequentemente, são a elas que se estende o princípio da gratuidade. Nada obstante, é possível às universidades, no âmbito de sua autonomia didático-científica, regulamentar, em harmonia com a legislação, as atividades destinadas preponderantemente à extensão universitária, sendo-lhes, nessa condição, possível a instituição de tarifa. Vencido o ministro Marco Aurélio, que negava provimento ao recurso. Considerava que o inciso IV do art. 206 da CF prevê um princípio inafastável que garantiria a gratuidade do ensino em estabelecimentos oficiais, sem distinção, se de ensino básico, fundamental, superior, graduação ou pós-graduação. Além disso, o inciso I do art. 206 da CF asseguraria a igualdade de condições de acesso e permanência na escola. Não caberia ao intérprete, portanto, fazer distinção onde o texto constitucional não o fez, sob pena de gerar privilégio apenas aos que têm condições de arcar com os valores cobrados para os cursos. Em suma, as universidades públicas deveriam prestar o serviço educacional com base nas receitas previstas de forma exaustiva no texto constitucional (CF, art. 212) e, por serem públicas, haveriam de viabilizar, sem necessidade de qualquer pagamento, o acesso dos cidadãos em geral. (1) Súmula Vinculante 12: “A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal”. (2) Enunciado 545 da Súmula do STF: “Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu”.

    RE 597854/GO, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 26.4.2017. (RE-597854)

    Parte 1:

    Parte 2: Parte 3:

    DIREITO ADMINISTRATIVO - SERVIDORES PÚBLICOS

    Responsabilidade subsidiária da Administração e encargos trabalhistas não adimplidos - 5

    O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993. Com esse entendimento, o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, conheceu em parte e, na parte conhecida, deu provimento a recurso extraordinário em que discutida a responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviço. Na origem, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a responsabilidade subsidiária de entidade da Administração Pública tomadora de serviços terceirizados pelo pagamento de verbas trabalhistas não adimplidas pela empresa contratante. Isso ocorreu em razão da existência de culpa “in vigilando” do órgão público, caracterizada pela falta de acompanhamento e fiscalização da execução de contrato de prestação de serviços, em conformidade com a nova redação dos itens IV e V do Enunciado 331 da Súmula do TST. A recorrente alegava, em suma, que o acórdão recorrido, ao condenar subsidiariamente o ente público, com base no art. 37, § 6º, da Constituição Federal (CF), teria desobedecido ao conteúdo da decisão proferida no julgamento da ADC 16/DF (DJE de 9.9.2011) e, consequentemente, ao disposto no art. 102, § 2º, da CF. Afirmava que o acórdão recorrido teria declarado a inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993, embora a norma tenha sido declarada constitucional no julgamento da ADC 16/DF. Sustentava violação dos arts. 5º, II, e 37, “caput”, da CF, por ter o TST inserido no item IV do Enunciado 331 da sua Súmula obrigação frontalmente contrária ao previsto no art. 71, § 1º, da Lei de Licitações. Defendia, por fim, que a culpa “in vigilando” deveria ser provada pela parte interessada, e não ser presumida — v. Informativos 852 , 853 , 854 e 859 . Prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux, que foi acompanhado pelos ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia (Presidente) e Alexandre de Moraes. A Corte entendeu que uma interpretação conforme do art. 71 da Lei 8.666/1993, com o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da Administração Pública, infirma a decisão tomada no julgamento da ADC 16/DF (DJE de 9.9.2011), nulificando, por conseguinte, a coisa julgada formada sobre a declaração de constitucionalidade do dispositivo legal. Observou que, com o advento da Lei 9.032/1995, o legislador buscou excluir a responsabilidade subsidiária da Administração, exatamente para evitar o descumprimento do disposto no art. 71 da Lei 8.666/1993, declarado constitucional pela Corte. Anotou que a imputação da culpa “in vigilando” ou “in eligendo” à Administração Pública, por suposta deficiência na fiscalização da fiel observância das normas trabalhistas pela empresa contratada, somente pode acontecer nos casos em que se tenha a efetiva comprovação da ausência de fiscalização. Nesse ponto, asseverou que a alegada ausência de comprovação em juízo da efetiva fiscalização do contrato não substitui a necessidade de prova taxativa do nexo de causalidade entre a conduta da Administração e o dano sofrido. Ao final, pontuou que a Lei 9.032/1995 (art. 4º), que alterou o disposto no § 2º do art. 71 da Lei 8.666/1993, restringiu a solidariedade entre contratante e contratado apenas quanto aos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei 8.212/1991. Vencida a ministra Rosa Weber (relatora), acompanhada pelos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que negavam provimento ao recurso. Concluíam: a) pela impossibilidade de transferência automática para a Administração Pública da responsabilidade subsidiária pelo descumprimento das obrigações trabalhistas pela empresa terceirizada; b) pela viabilidade de responsabilização do ente público, em caso de culpa comprovada em fiscalizar o cumprimento dessas obrigações; e c) pela competência da Administração Pública em comprovar ter fiscalizado adequadamente o cumprimento das obrigações trabalhistas pelo contratado.

    RE 760931/DF, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 26.4.2017. (RE-760931)

    DIREITO ADMINISTRATIVO - CARGO PÚBLICO

    Acumulação de cargo público e ‘teto’ remuneratório

    Nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do art. 37, XI (1), da Constituição Federal (CF) pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público. Com base nesse entendimento, o Plenário, em julgamento conjunto e por maioria, negou provimento a recursos extraordinários e reconheceu a inconstitucionalidade da expressão “percebidos cumulativamente ou não” contida no art. 1º da Emenda Constitucional (EC) 41/2003, que alterou a redação do art. 37, XI, da CF, considerada interpretação que englobe situações jurídicas a revelarem acumulação de cargos autorizada constitucionalmente. Além disso, declarou a inconstitucionalidade do art. 9º da EC 41/2003 (2), para afastar definitivamente o art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) (3), por já ter surtido efeitos na fase de transformação dos sistemas constitucionais — Cartas de 1967/1969 e 1988 —, excluída a abrangência a ponto de fulminar direito adquirido. No caso, os acórdãos recorridos revelaram duas conclusões principais: a) nas acumulações compatíveis com o texto constitucional, o que auferido em cada um dos vínculos não deve ultrapassar o teto constitucional; e b) situações remuneratórias consolidadas antes do advento da EC 41/2003 não podem ser atingidas, observadas as garantias do direito adquirido e da irredutibilidade de vencimentos, porque oponíveis ao poder constituinte derivado. O Colegiado afirmou que a solução da controvérsia pressupõe interpretação capaz de compatibilizar os dispositivos constitucionais em jogo, no que aludem ao acúmulo de cargos públicos e das respectivas remunerações, incluídos os vencimentos e proventos decorrentes da aposentadoria, considerados os preceitos atinentes ao direito adquirido (CF, art. 5º, XXXVI) e à irredutibilidade de vencimentos (CF, art. 37, XV). Ressaltou que a percepção somada de remunerações relativas a cargos acumuláveis, ainda que acima, no cômputo global, do patamar máximo, não interfere nos objetivos que inspiram o texto constitucional. As situações alcançadas pelo art. 37, XI, da CF são aquelas nas quais o servidor obtém ganhos desproporcionais, observadas as atribuições dos cargos públicos ocupados. Admitida a incidência do limitador em cada uma das matrículas, descabe declarar prejuízo à dimensão ética da norma, porquanto mantida a compatibilidade exigida entre trabalho e remuneração. Assentou que as possibilidades que a CF abre em favor de hipóteses de acumulação de cargos não são para benefício do servidor, mas da coletividade. Assim, o disposto no art. 37, XI, da CF, relativamente ao teto, não pode servir de desestímulo ao exercício das relevantes funções mencionadas no inciso XVI (4) dele constante, repercutindo, até mesmo, no campo da eficiência administrativa. Frisou que a incidência do limitador, considerado o somatório dos ganhos, ensejaria enriquecimento sem causa do Poder Público, pois viabiliza retribuição pecuniária inferior ao que se tem como razoável, presentes as atribuições específicas dos vínculos isoladamente considerados e respectivas remunerações. Ademais, essa situação poderá potencializar situações contrárias ao princípio da isonomia, já que poderia conferir tratamento desigual entre servidores públicos que exerçam idênticas funções. O preceito concernente à acumulação preconiza que ela é remunerada, não admitindo a gratuidade, ainda que parcial, dos serviços prestados, observado o art. 1º da CF, no que evidencia, como fundamento da República, a proteção dos valores sociais do trabalho. Enfatizou que o ordenamento constitucional permite que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acumulem as suas funções com aquelas inerentes ao Tribunal Superior Eleitoral (CF, art. 119), sendo ilógico supor que se imponha o exercício simultâneo, sem a correspondente contrapartida remuneratória. Da mesma forma, os arts. 95, parágrafo único, I, e 128, § 5º, II, “d”, da CF veiculam regras quanto ao exercício do magistério por juízes e promotores de justiça, de maneira que não se pode cogitar, presente o critério sistemático de interpretação, de trabalho não remunerado ou por valores inferiores aos auferidos por servidores que desempenham, sem acumulação, o mesmo ofício. Idêntica orientação há de ser observada no tocante às demais circunstâncias constitucionais de acumulação de cargos, empregos e funções públicas, alusivas a vencimento, subsídio, remuneração oriunda do exercício de cargos em comissão, proventos e pensões, ainda que os vínculos digam respeito a diferentes entes federativos. Consignou que consubstancia direito e garantia individual o acúmulo tal como estabelecido no inciso XVI do art. 37 da CF, a encerrar a prestação de serviços com a consequente remuneração, ante os diversos cargos contemplados, gerando situação jurídica na qual os valores devem ser recebidos na totalidade. O teto remuneratório não pode atingir, a partir de critérios introduzidos por emendas constitucionais, situações consolidadas, observadas as regras preexistentes, porque vedado o confisco de direitos regularmente incorporados ao patrimônio do servidor público ativo ou inativo (CF, arts. 5º, XXXVI, e 37, XV). Essa óptica deve ser adotada quanto às ECs 19/1998 e 41/2003, no que incluíram a expressão “percebidos cumulativamente ou não” ao inciso XI do art. 37 da CF. Cabe idêntica conclusão quanto ao art. 40, § 11, da CF, sob pena de criar situação desigual entre ativos e inativos, contrariando preceitos de envergadura maior, entre os quais a isonomia, a proteção dos valores sociais do trabalho — expressamente elencada como fundamento da República —, o direito adquirido e a irredutibilidade de vencimentos. As aludidas previsões limitadoras, a serem levadas às últimas consequências, além de distantes da razoável noção de teto, no que conduz, presente acumulação autorizada pela CF, ao cotejo individualizado, fonte a fonte, conflitam com a rigidez constitucional decorrente do art. 60, § 4º, IV, nela contido. Vencido o ministro Edson Fachin, que dava provimento aos recursos extraordinários. Pontuava que o art. 37, XI, da CF deveria ser interpretado literalmente, de modo que o teto deveria ser aplicado de forma global e não individualmente a cada cargo. (1) CF/1988: “Art. 37. (...) XI – A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsidio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.” (2) Emenda Constitucional 41/2003: “Art. 9º Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza.” (3) ADCT: “Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.” (4) CF/1988: “Art. 37. (...) XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;”

    RE 612975/MT, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 26 e 27.4.2017. (RE-612975) RE 602043/MT, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 26 e 27.4.2017. (RE-602043)

    Parte 1:

    Parte 2:

    DIREITO CONSTITUCIONAL - BENS DA UNIÃO

    Terrenos de marinha localizados em ilhas costeiras sede de Municípios e bens federais

    A Emenda Constitucional (EC) 46/2005 não interferiu na propriedade da União, nos moldes do art. 20, VII, da Constituição Federal (CF), sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos situados em ilhas costeiras sede de Municípios. Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a situação dominial, à luz do art. 20, IV, da CF, dos terrenos de marinha e seus acrescidos localizados em ilha costeira com sede de Município — no caso, Vitória/ES — após a promulgação da Emenda Constitucional (EC) 46/2005. O Colegiado entendeu que os terrenos de marinha e seus acrescidos situados na ilha costeira em que sediado o Município de Vitória constituem bens federais. Inicialmente, observou que a alteração introduzida pela EC 46/2005 criou, no ordenamento jurídico, exceção à regra geral então vigente sobre a propriedade das ilhas costeiras. Com a redação conferida ao art. 20, IV, da CF pelo constituinte derivado, deixaram de pertencer à União as ilhas costeiras em que sediados entes municipais, expressamente ressalvadas, no novo comando constitucional, as “áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal e as referidas no art. 26, II”, que remanesceram no patrimônio federal. Entretanto, com a mencionada alteração, não mais se poderia presumir a propriedade da União sobre terras localizadas nas ilhas em que contida sede de Município, ou seja, com a EC 46/2005, deixou de constituir título hábil a ensejar o domínio da União o simples fato de determinada área estar localizada em ilha costeira, se nela estiver sediado Município. Desse modo, a propriedade da União sobre determinada área depende da existência de outro título para legitimá-la. Para o devido equacionamento da controvérsia, é necessário ter presente o art. 20, VII, da CF, cuja redação, dada pelo constituinte originário, a incluir, entre os bens da União, “os terrenos de marinha e seus acrescidos”, foi mantida mesmo após o advento da EC 46/2005. Desse modo, a EC 46/2005 nada alterou o regime jurídico-constitucional dos terrenos de marinha. Referiu-se à legislação de regência do instituto em vigor (1). Como bens públicos dominiais, “podem ser utilizados pela Administração inclusive para obtenção de resultados econômicos, o que supõe a possibilidade de uso pelos particulares”. Essa utilização pode ser formalizada por meio dos competentes instrumentos previstos pelo Direito, entre os quais o aforamento e a ocupação. Nessa forma de utilização do bem público por particular, o senhorio e proprietário do terreno é a União (CF, art. 20, VII), que possui o domínio direto do imóvel. A renda anual auferida pelo ente estatal é denominada foro, e a transmissão do bem, por ato “inter vivos”, onerosa ou gratuita, deve ser comunicada à União, que, não exercendo seu direito de compra, receberá o pagamento de laudêmio. O CC/2002, muito embora proíba, na esfera privada, a constituição de novas enfiteuses, remete o regramento do instituto, quanto aos terrenos de marinha e seus acrescidos, às disposições estabelecidas em lei especial, hoje, o Decreto-Lei 9.760/1946, entre outras normas esparsas. O Colegiado asseverou que o deslinde da controvérsia depende, essencialmente, da interpretação conferida ao inciso IV do art. 20 da CF, em sua redação atual. Estabelecida a regra geral de que constituem bens da União as ilhas oceânicas e as costeiras, o constituinte derivado excepcionou, no tocante ao domínio federal sobre as últimas, as que contenham a sede de Municípios, que foram trespassadas à propriedade municipal. Ressalvou, em seguida, “áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal”, bens que, não obstante situados em território municipal, pertencem à União. Consignou que uma interpretação sistemática do texto constitucional conduz à conclusão inarredável de que a alteração introduzida no inciso IV do art. 20 pela EC 46/2005 não teve o condão de mudar o regime patrimonial dos bens referidos no inciso VII nem de nenhum outro bem arrolado no mencionado dispositivo. Assim, a leitura proposta pelo recorrente, no sentido de que os terrenos de marinha e acrescidos foram transferidos ao ente municipal, leva à conclusão desarrazoada de que todos os demais bens constitucionalmente atribuídos à dominialidade da União — tais como potenciais de energia elétrica, recursos minerais, terras tradicionalmente ocupadas pelos índios —, se situados nas ilhas municipais, estão, após a EC 46/2005, igualmente excluídos do patrimônio federal. Assim, as ressalvas constantes da parte final do dispositivo emendado devem ser compreendidas como adendos aos demais bens integrantes do acervo patrimonial da União. Ademais, os terrenos de marinha e seus acrescidos, do ponto de vista histórico, já integravam o rol de bens da União, mesmo antes de as ilhas costeiras passarem a compor o patrimônio federal, a reforçar o rechaço à tese de que teria sido alterado o tratamento jurídico a eles conferido em razão da modificação introduzida pela EC 46/2005 na propriedade das ilhas marítimas. Também destoa do sistema de distribuição de bens entre as entidades da Federação entender que os Municípios sediados em ilhas sejam proprietários dos terrenos de marinha, e não o sejam os Municípios costeiros. Com a EC 46/2005, portanto, as ilhas costeiras em que situada a sede de Município passaram a receber o mesmo tratamento da porção continental do território brasileiro no tocante ao regime de bens da União. A Corte salientou o fato de ter sido o princípio da isonomia a “ratio essendi” das propostas de emenda à Constituição que deram origem à EC 46/2005. A isonomia aspirada pelo constituinte derivado operou-se em prestígio da autonomia municipal preconizada na Carta de 1988 e cuidou de equiparar o regime jurídico-patrimonial das ilhas costeiras em que sediados Municípios àquele incidente sobre suas porções continentais, favorecendo a promoção dos interesses locais e o desenvolvimento da região. Equivocado supor que, no afã de se estabelecer tratamento isonômico entre Municípios continentais e insulares, se devesse adotar, entre duas interpretações possíveis, aquela que elastecesse o comando constitucional ao ponto de, sem motivo justificado, lhes conceder tratamento diferenciado. Na averiguação dos efeitos da EC 46/2005 sobre o regime patrimonial dos bens arrolados no art. 20, VII, da CF, deve-se adotar interpretação que privilegie a realização da igualdade preconizada no sistema constitucional pátrio. A pretendida geração de efeitos desuniformes com relação aos terrenos de marinha e acrescidos situados nos Municípios com sede em território continental e aqueles sediados nas ínsulas costeiras carece de “elemento diferencial” que a autorize. Dessa forma, em respeito ao princípio da isonomia, cumpre entender incidente a previsão contida no art. 20, VII, da CF sobre ilhas costeiras e continente, indistintamente. Dessa forma, o Plenário concluiu serem incólumes as relações jurídicas decorrentes da propriedade da União sobre as áreas referidas no inciso VII do art. 20 da CF após a modificação promovida no inciso IV do mesmo dispositivo pela EC 46/2005. Vencido o ministro Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso. Para ele, diante da EC 46/2005, não se haveria como concluir que os terrenos de ilhas costeiras, em que se tem sede do Município, continuam na propriedade da União. (1) Decreto-Lei 9.760/1946: “Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés. Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.”

    RE 636199/ES, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 27.4.2017. (RE-636199)

    Parte 1:

    Parte 2:

    PRIMEIRA TURMA

    DIREITO PENAL - PRISÃO PREVENTIVA

    ‘Habeas corpus’, competência do STF e soberania dos veredictos do Tribunal do Júri

    A Primeira Turma, por maioria, não admitiu a impetração, revogou a liminar anteriormente deferida em “habeas corpus” e determinou o restabelecimento da prisão preventiva do paciente. No caso, ele teve a prisão preventiva decretada em agosto de 2010, acusado de homicídio qualificado, sequestro, cárcere privado e ocultação de cadáver. Em março de 2013, o Tribunal do Júri o condenou a 22 anos e 3 meses de prisão, em regime fechado, tendo sido mantida a prisão preventiva. Posteriormente, em julgamento de “habeas corpus” impetrado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o pedido foi denegado em decisão monocrática. O Colegiado afirmou que incide óbice ao conhecimento da ordem impetrada no Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que se impugna decisão monocrática de ministro do STJ, que determinou a extinção do “habeas corpus” [Enunciado 691 da Súmula do STF (1)]. Conforme jurisprudência consolidada, o exaurimento da instância recorrida é, como regra, pressuposto para ensejar a competência do STF. Salientou que, em hipóteses de teratologia (2) ou excepcionalidade (3), autoriza-se a apreciação de “habeas corpus” quando não encerrada a análise na instância competente. No presente caso, entretanto, não se apresenta nenhuma das hipóteses, pois a custódia cautelar foi mantida em sentença condenatória devidamente fundamentada e em respeito à soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, e não há excesso de prazo atribuível direta e exclusivamente à inércia dos órgãos judiciários. Ressaltou que, em julgamento recente de caso análogo, foi proclamada a tese de que “a prisão do réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não culpabilidade” (4). Vencido o ministro Marco Aurélio, que concedia a ordem. Para ele, não seria aplicável o entendimento firmado no Enunciado 691 da Súmula do STF. (1) Enunciado 691 da Súmula do STF: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de ‘habeas corpus’ impetrado contra decisão do Relator que, em ‘habeas corpus’ requerido a tribunal superior, indefere a liminar.” (2) HC 138.414 AgR/RJ (DJE de 20.4.2017). (3) HC 137.078/SP (DJE de 24.4.2017). (4) HC 118.770/SP (DJE de 24.4.2017).

    HC 139612/MG, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 25.4.2017. (HC-139612)

    DIREITO ADMINISTRATIVO - CONCURSO PÚBLICO

    Resolução do CNJ e avaliação de títulos

    A Primeira Turma iniciou o julgamento de mandado de segurança em que se pretende a cassação de decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio da qual foi alterada a contagem de títulos realizada por comissão de concurso público de provas e títulos para outorga de delegações de atividades notariais e/ou registrais do Estado do Rio de Janeiro. No caso, discute-se a adequada interpretação dos incisos I e II do item 16.3 do edital, os quais reproduzem integralmente os incisos I e II do item 7.1 da minuta que acompanha a Resolução 81/2009 do CNJ (1). Os impetrantes argumentam que a autoridade coatora, ao fixar entendimento no sentido da impossibilidade de contabilizar o exercício de atividade notarial e registral por bacharel em Direito, teria violado o princípio da isonomia. Destacam o acerto da óptica adotada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sublinhando que o citado preceito sempre foi interpretado de forma a abranger o cômputo de pontos em três situações: o exercício a) da advocacia; b) de delegação de notas e de registro e c) de cargo, emprego ou função privativa de bacharel em Direito. O ministro Marco Aurélio (relator) deferiu a ordem para afastar, em relação aos impetrantes, os efeitos da decisão do CNJ. Asseverou que o órgão impetrado conferiu ao edital interpretação incompatível com os arts. 14, V, e 15, § 2º, da Lei 8.935/1994 (2), ao distinguir situações que a lei não diferencia. Os preceitos legais admitem a delegação da atividade notarial e de registro tanto a bacharéis em Direito quanto àqueles que, embora sem formação jurídica, tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso, dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro. Salientou que a manutenção do ato impugnado, além de contrariar o diploma que regulamenta o art. 236 da CF (3), revela inadmissível tratamento discriminatório aos candidatos com formação jurídica, que, excluídos da contagem de títulos com fundamento no inciso I, também não poderiam ser beneficiados pela previsão do inciso II, em razão da associação com o § 2º do art. 15 da Lei 8.935/2004. Ademais, ressaltou que, ao se inscreverem para participar da seleção, os candidatos tomaram conhecimento das normas, as quais não podem ser alteradas no curso do processo sem ofensa ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório nos concursos públicos, o que implica desrespeito à segurança jurídica, consubstanciada na frustração das expectativas criadas. O ministro Alexandre de Moraes, em divergência, indeferiu a ordem. Salientou que o CNJ, assim como o próprio Poder Judiciário, na atividade jurisdicional, não pode fazer uma substituição à banca na questão valorativa, na questão de correção, mas pode substituir, anular ou reformar decisões que firmam razoabilidade, igualdade, legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Pontuou que a interpretação conferida pelo CNJ à Resolução 81/2009 é anterior ao edital do concurso público em discussão. Nesse contexto, os candidatos já sabiam previamente como os títulos seriam avaliados. Não há ilegalidade porque não foi uma mudança que quebrou a impessoalidade. Portanto, a segurança jurídica estaria na observância à interpretação do CNJ. Em seguida, o ministro Luiz Fux pediu vista. (1) Resolução 81/2009 do CNJ: “7. TÍTULOS 7.1. O exame de títulos valerá, no máximo, 10 (dez) pontos, com peso 2 (dois), observado o seguinte: I – exercício da advocacia ou de delegação, cargo, emprego ou função pública privativa de bacharel em Direito, por um mínimo de três anos até a data da primeira publicação do edital do concurso (2,0); II – exercício de serviço notarial ou de registro, por não bacharel em direito, por um mínimo de dez anos até a data da publicação do primeiro edital do concurso (art. 15, § 2º, da Lei n. 8.935/1994) (2,0).” (2) Lei 8.935/1994: “Art. 14. A delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende dos seguintes requisitos: (...) V – diploma de bacharel em direito; (...) Art. 15. Os concursos serão realizados pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e de um registrador. (...) § 2º Ao concurso público poderão concorrer candidatos não bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso de provas e títulos, dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro.” (3) CF/1988: “Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.”

    MS 33527/RJ, rel. Min. Marco Aurélio julgamento em 25.4.2017. (MS-33527)

    SEGUNDA TURMA

    DIREITO PENAL - PRISÃO PREVENTIVA

    Prisão preventiva e acordo de colaboração premiada

    A Segunda Turma concedeu “habeas corpus” para revogar prisão preventiva decretada em razão de descumprimento de acordo de colaboração premiada. A prisão preventiva do paciente foi restabelecida quando prolatada a sentença que o condenou a dezesseis anos e dois meses de prisão por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e por integrar organização criminosa, com fundamento no descumprimento dos termos do acordo celebrado. O Colegiado entendeu não haver relação direta entre a prisão preventiva e o acordo de colaboração premiada. Por essa razão, o descumprimento do acordado não justifica a decretação de nova custódia cautelar. Na liminar confirmada pela Turma, foi determinada a substituição da prisão por medidas cautelares alternativas. Naquela ocasião, observou-se não haver, do ponto de vista jurídico, relação direta entre o acordo de colaboração premiada e a prisão preventiva. A Lei 12.850/2013 não apresenta a revogação da prisão preventiva como benefício previsto pela realização de acordo de colaboração premiada. Tampouco há previsão de que, em decorrência do descumprimento do acordo, seja restabelecida prisão preventiva anteriormente revogada. Portanto, a celebração de acordo de colaboração premiada não é, por si só, motivo para revogação de prisão preventiva. A Turma concluiu no sentido de ser necessário verificar, no caso concreto, a presença dos requisitos da prisão preventiva, não podendo o decreto prisional ter como fundamento apenas a quebra do acordo.

    HC 138207/PR, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 25.4.2017. (HC-138207)

    DIREITO PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO

    Execução individual de ação coletiva e competência

    Não compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar execução individual de sentenças genéricas de perfil coletivo, inclusive aquelas proferidas em sede mandamental. Tal atribuição cabe aos órgãos judiciários competentes de primeira instância. Com base nesse entendimento, a Segunda Turma resolveu questão de ordem em que discutida a competência para promover o cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança coletivo, tendo em conta o disposto no art. 102, I, “m” (1), da Constituição. O Colegiado ressaltou que o cumprimento da sentença perante as instâncias ordinárias tem o condão, assim como ocorre em sede de ação civil pública, de aproximar a execução dos eventuais beneficiários, o que facilita o exercício do direito já reconhecido no mandado de segurança transitado em julgado. (1) CF/1988: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: (...) m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais;”

    PET 6076 QO /DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 25.4.2017. (PET-6076)