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    Informativo do STF 861 de 21/04/2017

    Publicado por Supremo Tribunal Federal


    PLENÁRIO

    DIREITO TRIBUTÁRIO - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

    IPTU: imunidade tributária recíproca e cessão de uso de bem público - 5

    Na linha do que foi decidido no julgamento do RE 601.720/RJ, no qual fixou-se a tese de repercussão geral no sentido da incidência do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), considerado imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo, o Plenário, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário interposto pelo Município do Rio de Janeiro contra acórdão que afastou, com base no disposto no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal (CF) (1), a cobrança do citado imposto relativamente à empresa detentora da concessão de uso de imóvel situado em aeroporto de propriedade da União — v. Informativo 597. Prevaleceu o voto do ministro Joaquim Barbosa (relator). O ministro considerou que a atividade exercida pela recorrida é alheia à administração aeroportuária, já que explora ramo do comércio de importação e exportação de veículos automotores, peças, acessórios, oficina mecânica, reparos, pintura de quaisquer veículos e outras atividades correlatas ao ramo automobilístico. Dessa forma, a atividade tem por finalidade aumentar o patrimônio das pessoas que se associaram na empreitada, não sendo destinada à filantropia ou à benemerência. Além disso, o contrato firmado prevê que a responsabilidade pelo pagamento de tributos municipais recai sobre o concessionário. Por isso, dificilmente seria possível concordar que a tributação implica surpresa ao contribuinte, que leva em conta a carga tributária em suas previsões de custo. Por fim, a desoneração concedida tem como efeito colateral garantir vantagem competitiva artificial. Afinal, a retirada de um custo permite o aumento do lucro ou a formação de preços menores, o que provoca desequilíbrio das relações de mercado. Consignou ser o momento de revisão da jurisprudência da Corte, a fim de que fosse assentada a inaplicabilidade da imunidade tributária recíproca à propriedade imóvel desvinculada de finalidade estatal. Na questão de a recorrida não poder ser considerada sujeito passivo da exação, por ser incabível sua qualificação como “possuidora a qualquer título”, o relator superou orientação consolidada pela Segunda Turma. Com isso, concluiu que a matéria poderia ser objeto de apreciação em recurso extraordinário e afastou, em consequência, a aplicação dos Enunciados 279 e 283 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (STF). Afirmou que a definição do sujeito passivo do IPTU depende de interpretação constitucional, pois, com fundamento na competência tributária, o ente federado cobra validamente o tributo. Salientou que o art. 34 do Código Tributário Nacional (CTN) (2) deve ser lido à luz da Constituição, com ênfase em três pontos: materialidade possível do IPTU, isonomia e livres iniciativa e concorrência. Entendeu que a sujeição passiva também abarca a figura do responsável tributário, não podendo o tribunal de origem pura e simplesmente julgar ser a tributação inválida, porquanto direcionada a quem não é proprietário. Assinalou, ainda, a existência de termo de responsabilidade — em que se firmou a responsabilidade do concessionário pelo pagamento de tributos municipais — a compor o conjunto fático-probatório, o que torna desnecessária a reabertura de instrução para decidir esse caso. Destacou que o locatário empresarial com fins lucrativos também é possuidor a qualquer título, para fins de incidência do IPTU, nos termos constitucionais. Resgatou, no ponto, a essência do Enunciado 456 da Súmula do STF (3) para adequar o julgado às linhas essenciais que dariam sentido tanto à imunidade tributária como à atribuição de sujeição passiva. O ministro Roberto Barroso, em razão da mudança da jurisprudência da Corte em matéria tributária, modulou o seu voto. Vencido o ministro Dias Toffolli, que negava provimento ao recurso. (1) CF/1988: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;” (2) CTN: “Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título. (3) Enunciado 456 da Súmula do STF: “O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.”

    RE 434251/RJ, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o ac. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 19.4.2017. (RE-434251)

    REPERCUSSÃO GERAL

    DIREITO TRIBUTÁRIO - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

    IPTU e imóvel de ente público cedido a empresa privada - 3

    Incide o IPTU, considerado imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo. Esse é o entendimento do Plenário, que, em conclusão de julgamento e por maioria, deu provimento a recurso extraordinário em que se discutia a incidência do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) sobre imóvel de propriedade de ente público — no caso, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO) — concedido a empresa privada exploradora de atividade econômica com fins lucrativos — v. Informativos 813 e 860 . O Colegiado pontuou que a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, “a” (1), da Constituição Federal (CF) não foi concebida com o propósito de permitir que empresa privada atue livremente no desenvolvimento de atividade econômica e usufrua de vantagem advinda da utilização de bem público. Asseverou que a referida previsão decorre da necessidade de observar-se, no contexto federativo, o respeito mútuo e a autonomia dos entes. Não cabe estendê-la para evitar a tributação de particulares que atuam no regime da livre concorrência. Nesse contexto, salientou que, uma vez verificada atividade econômica, nem mesmo as pessoas jurídicas de direito público gozam da imunidade (CF, art. 150, § 3º) (2). Assentou que o IPTU representa relevante custo operacional, comum a todos que exercem a atividade econômica da recorrida. Afastar tal ônus de empresa que atua no setor econômico, a partir de extensão indevida da imunidade recíproca, implica desrespeito ao princípio da livre concorrência (CF, art. 170, IV) (3), por conferir ao particular uma vantagem inexistente para os concorrentes. Ademais, ressaltou que a hipótese de incidência do IPTU não se limita à propriedade do imóvel, pois inclui o domínio útil e a posse do bem. O mesmo entendimento vale para o contribuinte do tributo, que não se restringe ao proprietário do imóvel, mas alcança tanto o titular do domínio útil quanto o possuidor a qualquer título. Nesse sentido, o Colegiado ponderou que não há falar em ausência de legitimidade da empresa ora recorrida para figurar em polo passivo da relação jurídica tributária. Vencidos os ministros Edson Fachin e Celso de Mello, que negavam provimento ao recurso. Para eles, a) a liberdade de conformação legislativa do Poder Executivo municipal estaria adstrita à posse, que, “per se”, pode conduzir à propriedade; b) o particular concessionário de uso de bem público não poderia ser eleito, por força de lei municipal, para figurar como sujeito passivo de obrigação tributária referente ao IPTU, porque a sua posse, nesse caso, seria desdobrada; e c) o imóvel qualificado como bem público federal remanesceria imune aos tributos fundiários municipais, ainda que destinado à exploração comercial. (1). CF/1988: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;” (2). CF/1988: “Art. 150. (...) § 3º – As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.” (3). CF/1988: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IV – livre concorrência;”

    RE 601720/RJ, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19.4.2017. (RE-601720)

    DIREITO CONSTITUCIONAL - PRECATÓRIOS

    RPV e juros moratórios - 2

    Incidem os juros da mora no período compreendido entre a data da realização dos cálculos e a da requisição ou do precatório. Com base nesse entendimento, o Plenário, em conclusão, negou provimento a recurso extraordinário em que discutida a incidência dos juros de mora no período supracitado — v. Informativo 805 . O Colegiado afirmou que o regime previsto no art. 100 da Constituição Federal (CF) consubstancia sistema de liquidação de débito, que não se confunde com moratória. A requisição não opera como se fosse pagamento nem faz desaparecer a responsabilidade do devedor. Assim, enquanto persistir o quadro de inadimplemento do Estado, devem incidir os juros da mora. Portanto, desde a citação — termo inicial firmado no título executivo — até a efetiva liquidação da Requisição de Pequeno Valor (RPV), os juros moratórios devem ser computados, a compreender o período entre a data da elaboração dos cálculos e a da requisição. Segundo o Colegiado, a Súmula Vinculante 17 não se aplica ao caso, pois não cuida do período de 18 meses referido no art. 100, § 5º, da CF, mas sim do lapso temporal compreendido entre a elaboração dos cálculos e a RPV. Além disso, o entendimento pela não incidência dos juros da mora durante o aludido prazo foi superado pela Emenda Constitucional 62/2009, que excluiu o § 12 ao art. 100 da CF. A Corte enfatizou que o sistema de precatório, a abranger as RPVs, não pode ser confundido com moratória, razão pela qual os juros da mora devem incidir até o pagamento do débito. Comprovada a mora da Fazenda até o efetivo pagamento do requisitório, não há fundamento para afastar a incidência dos juros moratórios durante o lapso temporal anterior à expedição da RPV. No plano infraconstitucional, antes da edição da aludida emenda constitucional, entrou em vigor a Lei 11.960/2009, que modificou o art. 1º-F da Lei 9.494/1997. A norma prevê a incidência dos juros para compensar a mora nas condenações impostas à Fazenda até o efetivo pagamento. Não há, portanto, fundamento constitucional ou legal a justificar o afastamento dos juros da mora enquanto persistisse a inadimplência do Estado. Ademais, não procede a alegação no sentido de que o ato voltado a complementar os juros da mora seria vedado pela regra do art. 100, § 4º, da CF, na redação da Emenda Constitucional 37/2002. Há precedentes do Supremo Tribunal Federal a consignar a dispensa da expedição de requisitório complementar — mesmo nos casos de precatório — quando houvesse erro material, inexatidão dos cálculos do precatório ou substituição, por força de lei, do índice empregado. Também é insubsistente o argumento de que o requisitório deve ser corrigido apenas monetariamente, ante a parte final da regra do art. 100, § 1º, da CF, na redação conferida pela Emeda Constitucional 30/2000. O fato de o constituinte haver previsto somente a atualização monetária no momento do pagamento não teria o condão de afastar a incidência dos juros da mora.

    RE 579431/RS, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19.4.2017. (RE-579431)

    DIREITO CONSTITUCIONAL - PRECATÓRIOS

    Conselhos profissionais e sistema de precatórios

    Os pagamentos devidos, em razão de pronunciamento judicial, pelos Conselhos de Fiscalização não se submetem ao regime de precatórios. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário em que se discutia a utilização, pelos conselhos de fiscalização profissional, do regime de precatório para pagamentos de dívidas decorrentes de decisão judicial. O Plenário reconheceu que os conselhos de fiscalização profissional são autarquias especiais — pessoas jurídicas de direito público, que se submetem à fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) e ao sistema de concurso público para a seleção de pessoal. Além disso, esses órgãos são dotados de poder de polícia e poder arrecadador. Entretanto, eles não participam do orçamento público, não recebem aporte do Poder Central nem se confundem com a Fazenda Pública. Segundo o Colegiado, o sistema de precatório foi concebido para assegurar a igualdade entre os credores, com impessoalidade e observância de ordem cronológica, sem favorecimentos. Outra finalidade do sistema de precatório é permitir que as entidades estatais possam programar os seus orçamentos para a realização de despesas. Portanto, o precatório está diretamente associado à programação orçamentária dos entes públicos. A Corte ressaltou que os conselhos de fiscalização profissional têm autonomia financeira e orçamentária. Portanto, sua dívida é autônoma em relação ao Poder Público. Desse modo, inserir esse pagamento no sistema de precatório transferiria para a União a condição de devedora do conselho de fiscalização. Reputou que, se não é possível considerar esses conselhos como Fazenda Pública, tampouco seria possível incluí-los no regime do art. 100 da Constituição Federal. Vencido o ministro Edson Fachin (relator), que negava provimento ao recurso. Pontuava que o regime de precatórios decorreria do reconhecimento da natureza jurídica de autarquia atribuída pelo Supremo Tribunal Federal aos conselhos de fiscalização profissional.

    RE 938837/SP, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19.4.2017. (RE-938837)

    1ª Parte :

    2ª Parte :

    DIREITO CONSTITUCIONAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL

    Estrangeiros e beneficiários de assistência social

    Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no art. 203, V, da Constituição Federal (CF) (1), uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais. Com base nessa orientação, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário em que discutida a concessão de benefício assistencial a estrangeiros residentes no Brasil. Inicialmente, o Plenário registrou que o caso envolve os preceitos relativos à dignidade humana, à solidariedade social, à erradicação da pobreza e à assistência aos desamparados, os quais fornecem base para interpretação adequada do benefício assistencial estampado na Constituição Federal (CF). Observou, com base em doutrina, que o substrato do conceito de dignidade humana pode ser decomposto em três elementos: a) valor intrínseco, b) autonomia e c) valor comunitário. Como “valor intrínseco”, a dignidade requer o reconhecimento de que cada indivíduo é um fim em si mesmo. Impede-se, de um lado, a funcionalização do indivíduo e, de outro, afirma-se o valor de cada ser humano, independentemente das escolhas, situação pessoal ou origem. Deixar desamparado um ser humano desprovido dos meios materiais para garantir o próprio sustento, haja vista a situação de idade avançada ou deficiência, representaria expressa desconsideração do mencionado valor. Como “autonomia”, a dignidade protege o conjunto de decisões e atitudes relacionado especificamente à vida de certo indivíduo. Para que determinada pessoa possa mobilizar a própria razão em busca da construção de um ideal de vida boa, é fundamental que lhe sejam fornecidas condições materiais mínimas. Nesse aspecto, a previsão do art. 203, V, da CF também opera em suporte dessa concepção de vida digna, cabendo ao Estado brasileiro dar essa sustentação até mesmo ao não nacional. Realçou que a ideia maior de solidariedade social constitui princípio da CF. No mais, ponderou que o estrangeiro residente no País, inserido na comunidade, participa do esforço mútuo, na construção de um propósito comum. Esse laço de irmandade, fruto, para alguns, do fortuito e, para outros, do destino, faz-nos, de algum modo, responsáveis pelo bem de todos, até mesmo daqueles que adotaram o Brasil como novo lar e fundaram seus alicerces pessoais e sociais nesta terra. Ao lado dos povos indígenas, o País foi formado por imigrantes, em sua maioria europeus, os quais fomentaram o desenvolvimento da nação e contribuíram sobremaneira para a criação e a consolidação da cultura brasileira. Desde a criação da nação brasileira, a presença do estrangeiro no País foi incentivada e tolerada. Não seria coerente com a história estabelecer diferenciação tão somente pela nacionalidade, especialmente quando a dignidade está em xeque em momento de fragilidade do ser humano — idade avançada ou algum tipo de deficiência. Consignou que o constituinte instituiu a obrigação do Estado de prover assistência aos desamparados, sem distinção. Com base no art. 6º da CF, os Poderes Públicos devem efetivar políticas para remediar, ainda que minimamente, a situação precária daqueles que acabaram relegados a essa condição, sem ressalva em relação ao não nacional. Nesse ponto, ressaltou que, pelo contrário, o art. 5º, “caput”, da CF estampa o princípio da igualdade e a necessidade de tratamento isonômico entre brasileiros e estrangeiros residentes no País. Asseverou que a óptica veiculada na regra infralegal (Lei 8.742/1993), ao silenciar quanto aos estrangeiros residentes no País, não se sobrepõe à revelada na CF, que estabeleceu, sem restringir os beneficiários somente aos brasileiros natos ou naturalizados, que “a assistência social será prestada a quem dela necessitar”. A Corte afirmou que, ao delegar ao legislador ordinário a regulamentação do benefício, a CF o fez apenas quanto à forma de comprovação da renda e das condições específicas de idoso ou portador de necessidades especiais hipossuficiente. Dessa forma, não houve delegação relativamente à definição dos beneficiários, já estabelecida. No confronto de visões, deve, portanto, prevalecer aquela que melhor concretiza o princípio constitucional da dignidade humana, cuja observância surge prioritária no ordenamento jurídico. Ressaltou que o orçamento, embora seja peça essencial nas sociedades contemporâneas, não tem valor absoluto. A natureza multifária do orçamento abre espaço à atividade assistencial, que se mostra de importância superlativa no texto da CF. No ponto, registrou não terem sido apresentadas provas técnicas da indisponibilidade financeira e do suposto impacto para os cofres públicos nem de prejuízo para os brasileiros natos e naturalizados. Por fim, concluiu ser descabido o argumento de pertinência do princípio da reciprocidade, ou seja, arguir que o benefício somente poderia ser concedido a estrangeiro originário de país com o qual o Brasil tenha firmado acordo internacional e que preveja a cobertura da assistência social a brasileiro que esteja em seu território. Apesar de a reciprocidade permear a CF, não é regra absoluta quanto ao tratamento dos não nacionais. O Sistema Único de Saúde (SUS) é regido pelo princípio da universalidade a tutelar a saúde, direito fundamental do ser humano. Assim, ao ingressar no território brasileiro, o estrangeiro tem direito a atendimento médico pelo SUS, caso precise de assistência de urgência, sem necessidade de reciprocidade para garantir tal suporte. Em suma, somente o estrangeiro com residência fixa no País pode ser auxiliado com o benefício assistencial, pois, inserido na sociedade, contribui para a construção de melhor situação social e econômica da coletividade. Somente o estrangeiro em situação regular no País, residente, idoso ou portador de necessidades especiais, hipossuficiente em si mesmo e presente a família pode se dizer beneficiário da assistência em exame. Nessa linha de ideias, os estrangeiros em situação diversa não alcançam a assistência, haja vista o não atendimento às leis brasileiras, fato que, por si só, demonstra a ausência de noção de coletividade e de solidariedade a justificar a tutela do Estado. (1) CF, Art. 203: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”

    RE 587970/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19 e 20.4.2017. (RE-587970)

    PRIMEIRA TURMA

    DIREITO PROCESSUAL CIVIL - COISA JULGADA

    Preclusão e autonomia das entidades esportivas

    A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a agravo regimental em que discutida a validade de decisão judicial que proclamou o Sport Clube Recife como campeão brasileiro de futebol profissional do ano de 1987. O pronunciamento judicial transitou em julgado em 1999. Depois, sobreveio a Resolução 2/2011 da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), por meio da qual o Clube de Regatas Flamengo também foi considerado campeão brasileiro de futebol de 1987. Posteriormente, o pedido de cumprimento da sentença formulado pelo Sport Clube Recife foi acolhido, com a determinação, em caráter liminar, da revogação do ato impugnado, uma vez reconhecida a existência de prévia decisão judicial alcançada pela preclusão. O Colegiado ponderou ter transitado em julgado a decisão judicial que conferiu o título de campeão ao clube pernambucano, contra a qual não cabe recurso nem alteração por resolução posterior da CBF. A coisa julgada, como manifestação do princípio da segurança jurídica, assume a estatura de elemento estruturante do Estado Democrático de Direito. Assim, a autonomia das entidades desportivas não autoriza a transformação da CBF em órgão revisor de pronunciamentos jurisdicionais alcançados pela preclusão. Não se devem potencializar os conceitos de autonomia técnica e de mérito desportivo, em detrimento do que soberanamente decidido em processo judicial. A eficácia estabilizadora da coisa julgada, considerados os respectivos limites subjetivos e objetivos, estende-se ao campo administrativo — e recreativo — que caracteriza atuação da entidade máxima do futebol brasileiro. Vencido o ministro Roberto Barroso, que dava provimento ao agravo regimental.

    RE 881864 AgR (2)/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.4.2017. (RE-881864)

    DIREITO PENAL - DOLO

    Crime de dispensa irregular de licitação e dolo específico

    A Primeira Turma, por maioria, rejeitou denúncia oferecida contra deputado federal, pela suposta prática do crime de dispensa de licitação fora das hipóteses previstas em lei [Lei 8.666/1993, art. 89 (1)]. No caso, o investigado, na qualidade de secretário estadual de Educação e com base em parecer da Procuradoria Jurídica, teria homologado procedimento de inexigibilidade de licitação para aquisição de licenças de “software” para a sistematização organizacional de horários e grades escolares na rede pública estadual de Santa Catarina. Na denúncia, o Ministério Público argumentou, com fundamento em laudo pericial, que existiam outros “softwares” igualmente aptos à finalidade almejada pela Secretaria de Educação, o que indicaria a necessidade de concorrência pública. Ademais, salientou que teria havido a prática de “sobrepreço”. O Colegiado apontou que o laudo pericial constatou que o “software” da empresa escolhida tinha mais especificações do que os das concorrentes e era mais adequado ao seu objeto. Ressaltou também a ausência nos autos de prova de conluio com a empresa escolhida e de recebimento de qualquer vantagem econômica pelo então secretário. Frisou que, para a escolha do “software”, não houve qualquer participação pessoal do acusado. A tomada de decisão foi feita em procedimento policêntrico pelas instâncias técnicas envolvidas. Por fim, asseverou que o crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/1993 reclama o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de praticar o ilícito penal, que não se faz presente quando o acusado atua com fulcro em parecer da Procuradoria Jurídica no sentido da inexigibilidade da licitação. Vencido o ministro Marco Aurélio, que recebia a denúncia. Para ele, o crime de afastamento de licitação teria natureza formal, sem necessidade, portanto, da exigência de dolo específico. (1). Lei 8.666/1993: “Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.” Inq 3753/DF, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 18.4.2017. (INQ-3753)

    DIREITO PENAL - PERDÃO JUDICIAL

    Colaboração premiada e requisitos para concessão de perdão judicial - 2

    Em conclusão de julgamento, a Primeira Turma indeferiu a ordem em “habeas corpus” no qual se discutia a necessidade de “espontaneidade” ou unicamente de “voluntariedade” na colaboração premiada para a concessão de perdão judicial — v. Informativo 839. O Colegiado afirmou que, segundo o art. 13 da Lei 9.807/1999, o juiz pode, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado primário que cooperar efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal. Porém, dessa colaboração deve resultar: a) a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; b) a localização da vítima, com integridade física preservada; c) a recuperação total ou parcial do produto do crime. Consignou que os vocábulos “voluntariedade” e “espontaneidade” foram utilizados pelo tribunal “a quo” sem distinção de sentido. Ressaltou a necessidade de a colaboração do réu, para efeito de concessão do perdão judicial, decorrer de livre vontade, desprovida de qualquer tipo de constrangimento. Verificou a sinonímia entre os termos em definições de dicionário da língua portuguesa. De acordo com a obra consultada, “voluntário” seria “aquilo que não é forçado, que só depende da vontade; espontâneo”. Salientou que, ao afastar a aplicabilidade do benefício, o tribunal de origem considerou ausente a efetividade da colaboração como meio para obter provas. As investigações policiais, em momento anterior ao da celebração do acordo, revelaram os elementos probatórios acerca do esquema criminoso integrado pela paciente, especializado em enviar pessoas ilegalmente para o exterior. Por fim, sustentou que o julgamento impugnado levou em conta, na dosagem da diminuição da pena, o alcance da colaboração prestada.

    HC 129877/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.4.2017. (HC-129877)

    SEGUNDA TURMA

    DIREITO PENAL - PENA

    Cumprimento de pena em regime semiaberto ou aberto e estabelecimento prisional adequado

    A Segunda Turma julgou improcedente reclamação ajuizada para garantir a observância, pela instância de origem, da Súmula Vinculante 56 (1). O reclamante cumpre pena em regime semiaberto. Em razão de não estar recolhido em colônia penal, pleiteou lhe fosse concedida prisão domiciliar ou antecipação do regime aberto, o que foi negado. O Colegiado ressaltou o direito de o apenado cumprir a reprimenda em estabelecimento adequado ao regime imposto. Ponderou que a concessão de prisão domiciliar ou regime aberto é inviável, diante do regramento previsto na Lei de Execução Penal. Informou que o reclamante cumpre pena em ala de penitenciária destinada exclusivamente a internos do regime semiaberto e que todos os benefícios inerentes ao regime lhe são assegurados. A Turma deliberou no sentido de serem aceitáveis estabelecimentos não qualificados como colônia agrícola ou industrial (regime semiaberto) ou casa de albergado ou estabelecimento adequado (regime aberto). Entretanto, não é permitido o alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado. (1) Súmula Vinculante 56: “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.”

    Rcl 25123/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 18.4.2017. (Rcl-25123)