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Informativo do STF 860 de 07/04/2017

Publicado por Supremo Tribunal Federal


REPERCUSSÃO GERAL

DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITO DE GREVE

Direito de greve e carreiras de segurança pública

O exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública. É obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança pública, nos termos do art. 165 do Código de Processo Civil (CPC), para vocalização dos interesses da categoria. Com base nessas orientações, o Plenário, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário com agravo interposto contra acórdão que concluiu pela impossibilidade de extensão aos policiais civis da vedação do direito à greve dos policiais militares. Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes. Para ele, a interpretação teleológica dos arts. 9º, 37, VII, e 144 da Constituição Federal (CF) veda a possibilidade do exercício de greve a todas as carreiras policiais previstas no citado art. 144. Não seria necessário, ademais, utilizar de analogia com o art. 142, § 3º, IV, da CF, relativamente à situação dos policiais militares. Esclareceu que a Constituição tratou das carreiras policiais de forma diferenciada ao deixá-las de fora do capítulo específico dos servidores públicos. Segundo o ministro, as carreiras policiais são carreiras de Estado sem paralelo na atividade privada, visto que constituem o braço armado do Estado para a segurança pública, assim como as Forças Armadas são o braço armado para a segurança nacional. Diversamente do que ocorre com a educação e a saúde — que são essenciais para o Estado, mas têm paralelo na iniciativa privada —, não há possibilidade de exercício de segurança pública seja ostensiva pela Polícia Militar, seja de polícia judiciária pela Polícia Civil e pela Polícia Federal, na União. Em outras palavras, não há possibilidade de nenhum outro órgão da iniciativa privada suprir essa atividade, que, por si só, é importantíssima e, se paralisada, afeta ainda o exercício do Ministério Público e do próprio Poder Judiciário. Por isso, considerou que a segurança pública, privativa do Estado, deve ser tratada de maneira diferenciada tanto para o bônus quanto para o ônus. Observou, no ponto, que uma pessoa que opta pela carreira policial sabe que ingressa num regime diferenciado, de hierarquia e disciplina, típico dos ramos policiais. É um trabalho diferenciado, por escala, com aposentadoria especial, diverso das demais atividades do serviço público. Os policiais andam armados 24 horas por dia e têm a obrigação legal de intervenção e realização de toda e qualquer prisão em flagrante delito. Devem cuidar ainda da própria segurança e de sua família, porque estão mais sujeitos à vingança da criminalidade organizada do que qualquer outra autoridade pública. Justamente em razão dessas peculiaridades, o ministro registrou a impossibilidade de os policiais participarem desarmados de reuniões, manifestações ou passeatas. Frisou que, ao analisar os anais da Constituinte relativamente ao art. 144 da CF e às carreiras policiais, verificou uma dupla finalidade nas discussões constituintes: a) atender aos reclamos sociais para uma melhor segurança pública, tendo em vista que no Brasil ocorrem cerca de 58 mil mortes violentas por ano, sendo 52 mil homicídios dolosos; e b) reduzir a possibilidade de intervenção das Forças Armadas em questões internas, a fim de evitar eventuais retornos autoritários à democracia. As carreiras policiais, que representam o braço armado do Estado, são responsáveis por garantir a segurança pública e a democracia. Portanto, não se pode permitir que realizem greve. Entretanto, segundo o ministro, tem-se verificado a necessidade, cada vez maior, da garantia de lei e ordem, ou seja, de utilização das Forças Armadas em defesa da segurança pública, situação que a Constituição buscou evitar com o equacionamento e com a colocação de carreiras policiais como carreiras de Estado permanentes ao exercício democrático. Ponderou não se tratar, no caso, de um conflito entre o direito de greve e o princípio da continuidade do serviço público ou da prestação de serviço público. Há um embate entre o direito de greve, de um lado, e o direito de toda a sociedade à garantia da segurança pública, à garantia da ordem pública e da paz social, de outro. Quanto a esse aspecto das carreiras policiais, deve ser valorada, no atual conflito, de forma muito mais intensa, a questão da segurança pública, da ordem pública e da paz social. Afinal, eventuais movimentos grevistas de carreiras policiais podem levar à ruptura da segurança pública, o que é tão grave a ponto de permitir a decretação do estado de defesa (CF, art. 136) e, se o estado de defesa, em noventa dias, não responder ao anseio necessário à manutenção e à reintegração da ordem, a decretação do estado de sítio (CF, art. 137, I). Portanto, a prevalência do interesse público e do interesse social na manutenção da ordem pública, da segurança pública, da paz social sobre o interesse de determinadas categorias de servidores públicos — o gênero servidores públicos; a espécie carreiras policiais — deve excluir a possibilidade do exercício do direito de greve por parte das carreiras policiais, dada a sua incompatibilidade com a interpretação teleológica do texto constitucional, em especial dos arts. 9º, § 1º; e 37, VII da CF. Ademais, para o ministro, é viável conciliar as previsões constitucionais sem aniquilar o direito de greve dos servidores públicos. Frisou que a CF prevê a possibilidade de greve do gênero servidores públicos. E, mesmo assim, a lei pode estabelecer restrições e limites, sejam parciais ou, para determinadas carreiras que são espécies dos servidores públicos, totais. Não se está, dessa forma, a aniquilar o direito de greve dos servidores públicos, mas a afirmar que, dentro dessa razoabilidade que a própria Constituição trouxe, não é possível o exercício do direito de greve por determinadas carreiras, como as policiais. Concluiu que, apesar de se referir à greve “lato sensu” da atividade privada, o art. 9º da CF aplica-se também na interpretação do art. 37, VII, da CF. A manutenção da segurança pública e a defesa da vida, da incolumidade física, do patrimônio de toda a sociedade, da atividade de polícia judiciária, a alavancar a atividade do Ministério Público e da própria Justiça criminal, são, “prima facie”, necessidades inadiáveis da comunidade (CF, art. 9º, § 1º). Da mesma forma, o art. 37, VII, da CF prevê termos e limites ao exercício de greve. Ao compatibilizar o art. 144 da CF às razões já ditas, para colocação de um artigo específico para carreiras policiais — como braço armado do Estado —, percebe-se que a própria Constituição já traz, quanto às carreiras policiais, a relatividade do exercício do direito de greve dos servidores públicos. A CF garante o direito de greve ao gênero servidores públicos, com limites e nos termos que a lei estabelecer, e, em relação à espécie carreiras policiais, não possibilita esse exercício, sob pena de total desrespeito ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. O ministro Roberto Barroso acrescentou que, apesar de os policiais civis não poderem exercer o direito de greve, é indispensável que essa categoria — que, no interesse público, sofre a restrição de um direito fundamental — possa vocalizar as suas reivindicações de alguma forma. De “lege ferenda”, afirmou ser perfeitamente possível que, ao mesmo passo em que se veda o direito de greve a policiais civis, seja estabelecida uma vinculação a outra categoria para que eles se beneficiem de reivindicações de categorias afins, que não sejam, entretanto, nem de segurança pública nem portem armas. De “lege lata”, à luz do direito vigente neste momento, reputou que a alternativa está contida no art. 165 do CPC. Vencidos os ministros Edson Fachin (relator), Rosa Weber e Marco Aurélio, que negavam provimento ao recurso.

ARE 654432/GO, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 5.4.2017. (ARE-654432)

1ª Parte :

2ª Parte : 3ª Parte :

DIREITO ADMINISTRATIVO - APOSENTADORIAS E PROVENTOS

Integralidade e Emenda Constitucional 70/2012

Os efeitos financeiros das revisões de aposentadoria concedida com base no art. 6º-A (1) da Emenda Constitucional (EC) 41/2003, introduzido pela EC 70/2012, somente se produzirão a partir da data de sua promulgação (30.3.2012). Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de servidor público aposentado por invalidez permanente, em decorrência de doença grave, após a vigência da EC 41/2003, mas antes do advento da EC 70/2012, receber retroativamente proventos integrais calculados sobre a remuneração do cargo efetivo em que se deu a aposentadoria. No caso, após 26 anos de serviço público, a recorrida aposentou-se por invalidez permanente, em decorrência de doença grave, com proventos calculados com base na EC 41/2003 e na Lei 10.887/2004. Ante a inesperada redução do valor de seus proventos, a servidora ajuizou ação para o restabelecimento da quantia inicialmente percebida. No curso do processo sobreveio a EC 70/2012, que introduziu o art. 6º-A. Com fundamento nesse dispositivo, o juiz de primeiro grau julgou procedente a ação para restabelecer a integralidade dos proventos de aposentadoria, acrescidos da diferença dos atrasados, corrigidos monetariamente. Essa decisão foi mantida pelas demais instâncias judiciárias. O Plenário afirmou que, no caso de aposentadoria por invalidez, a Constituição Federal (CF) original assegurava o direito aos proventos integrais e à integralidade. Dessa forma, os proventos não seriam proporcionais, mas iguais ao da última remuneração em atividade. Essa situação perdurou até a EC 41/2003, que manteve os proventos integrais, não proporcionais ao tempo de serviço, como se o servidor tivesse trabalhado todo o tempo de serviço. Porém, essa emenda acabou com a integralidade e determinou a aposentadoria com base na média dos 80% dos maiores salários de contribuição, e não mais no valor da remuneração do cargo. Em 2012, a EC 70/2012 restabeleceu a integralidade, mas com efeitos financeiros a partir de sua publicação. Assim, o servidor passou a ter direito à integralidade dos proventos. Esse direito, no entanto, não retroage para alcançar período anterior. Vencidos os ministros Dias Toffoli (relator), Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, que negavam provimento ao recurso. Sustentavam que o servidor público aposentado por invalidez permanente em decorrência de acidente em serviço ou de moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável prevista em lei, entre o início da vigência da EC 41/2003 e a publicação da EC 70/2012, teria jus à integralidade e à paridade desde a data da inativação. Pontuavam que a EC 41/2003 não teria acabado com a integralidade das aposentadorias concedidas por invalidez e que a EC 70/2012 não teria instituído nada de novo, mas apenas veio a dirimir as dúvidas de modo a tornar claro o direito existente. (1) Emenda Constitucional 41/2003: “Art. 6º-A. O servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publicação desta Emenda Constitucional e que tenha se aposentado ou venha a se aposentar por invalidez permanente, com fundamento no inciso I do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, tem direito a proventos de aposentadoria calculados com base na remuneração do cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma da lei, não sendo aplicáveis as disposições constantes dos §§ 3º, 8º e 17 do art. 40 da Constituição Federal.”

RE 924456/RJ, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 5.4.2017. (RE-924456)

1ª Parte :

2ª Parte :

DIREITO TRIBUTÁRIO - INCENTIVO FISCAL

Alíquota de IPI para produção de açúcar e localização geográfica

Surge constitucional, sob o ângulo do caráter seletivo, em função da essencialidade do produto e do tratamento isonômico, o artigo 2º da Lei nº 8.393/1991 (1), a revelar alíquota máxima de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI de 18%, assegurada isenção, quanto aos contribuintes situados na área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE e da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM, e autorização para redução de até 50% da alíquota, presentes contribuintes situados nos Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. Com base nesse entendimento, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário. Inicialmente, o Tribunal não conheceu da questão da constitucionalidade da Lei 9.532/1997, por falta de prequestionamento. Afirmou que a Constituição Federal (CF) autoriza o legislador a implementar, no âmbito da opção político-normativa, presente a razoabilidade — se a alíquota fixada estiver em patamar aceitável —, distinções, sem vínculo à divisão por regiões: Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte. Assentou que o alcance do caráter seletivo do tributo, em função da essencialidade do produto, implica variação de alíquotas de acordo com a própria mercadoria. Assim, o fato de o açúcar integrar a cesta básica, cujos produtos não têm incidência do IPI, é insuficiente para que se conclua pela impossibilidade da cobrança do tributo. Frisou que o princípio da isonomia é observado quando não ocorre preferência desarrazoada em relação a Estado-Membro, ao Distrito Federal ou a Município. No caso, o art. 2º da Lei 8.393/1991 encerrou verdadeiro incentivo fiscal no que concerne às áreas mencionadas. A cláusula constitucional (CF, art. 151, I) a remeter às diferentes regiões do País não tem interpretação a ponto de desconsiderar as áreas referidas no preceito da lei e ligadas ao Nordeste e à Amazônia. Também não há tratamento diferenciado em razão deste ou daquele Estado-Membro. O parágrafo único do art. 2º, ao revelar que, nos Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, a alíquota de 18% poderá ser reduzida em até 50%, remete, necessariamente, à situação dos contribuintes e do desenvolvimento na produção nesses Estados-Membros. Portanto, o Legislativo atuou no campo do incentivo fiscal, embora de forma estrita, considerados os Estados-Membros mencionados. (1) Lei 8.393/1991, art. 2º1: “Art. 2° Enquanto persistir a política de preço nacional unificado de açúcar de cana, a alíquota máxima do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI incidente sobre a saída desse produto será de dezoito por cento, assegurada isenção para as saídas ocorridas na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM. Parágrafo único. Para os Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, é o Poder Executivo autorizado a reduzir em até cinqüenta por cento a alíquota do IPI incidente sobre o açúcar nas saídas para o mercado interno”.

RE 592145/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 5.4.2017. (RE-592145)

DIREITO CONSTITUCIONAL - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

Petrobras e imunidade - 2

A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, “b”, da Constituição Federal (CF), não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município. Esse o entendimento do Plenário, que, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de reconhecimento de imunidade tributária recíproca a sociedade de economia mista ocupante de bem público. No caso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considerou ser a Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRAS) parte legítima para figurar como devedora do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) incidente sobre imóvel localizado no Porto de Santos — v. Informativo 846 . O Colegiado deliberou que a imunidade tributária recíproca de natureza subjetiva, que envolve pessoas jurídicas de direito público, não se estende para além das situações do art. 150, § 2º, da CF. Asseverou que tanto as sociedades de economia mista quanto as empresas públicas sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, por força do art. 173, § 2º, da CF. Ressaltou que o fato de o imóvel pertencente à União ser utilizado para a persecução de interesse público não atrai a imunidade quanto ao IPTU, haja vista que a recorrente é sociedade de economia mista com capital social negociado na bolsa de valores, ou seja, é pessoa jurídica de direito privado com claro objetivo de auferir lucro. Anotou, tendo em conta a limitação imposta pelo § 3º do art. 150 da CF, que, se as pessoas jurídicas de direito público que exploram atividade econômica não gozam da imunidade, as de direito privado também não poderiam fazê-lo. Ademais, o reconhecimento da imunidade recíproca, no caso, implica violação ao princípio da livre concorrência estampado no art. 170 da CF, por conferir vantagem indevida a pessoa jurídica de direito privado, não existente para os concorrentes. Por fim, à luz dos arts. 32 e 34 do Código Tributário Nacional (CTN), no sentido de que a hipótese de incidência do IPTU abrange não só a propriedade, mas também o domínio útil e a posse do imóvel, e de que o contribuinte do IPTU é tanto o proprietário do imóvel como o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título, o Plenário concluiu não se poder falar em ausência de legitimidade da recorrente para figurar no polo passivo da relação jurídica tributária. O ministro Roberto Barroso, em voto-vista, afirmou que a imunidade recíproca das pessoas jurídicas de direito público foi criada pelo constituinte para proteção do pacto federativo, não havendo sentido estendê-la a empresa privada arrendatária de bem público que o utiliza para fins comerciais. Entender que os particulares que fazem uso dos imóveis públicos para exploração econômica lucrativa não devam pagar IPTU significaria colocá-los em vantagem concorrencial em relação às outras empresas. Anotou que os contratos firmados entre as empresas privadas e a Administração Pública conferem diversos direitos aos particulares. Asseverou que o bem é formalmente público, mas materialmente privado, uma vez que o particular tem quase todas as prerrogativas do proprietário, não havendo precariedade da posse. Nesses casos, está caracterizado o fato gerador do IPTU, e a sujeição passiva que permite ao Município de Santos efetuar a cobrança. Pontuou, ademais, que o Município, por previsão legal, atribui responsabilidade tributária às empresas arrendatárias de bem. Por fim, concluiu que impossibilitar a cobrança de IPTU de particular que explora atividade econômica em imóvel público é perenizar situação extremamente prejudicial aos Municípios, ao pacto federativo e à ordem econômica, no que se refere à livre concorrência. Para o ministro Luiz Fux, após o advento da CF/1988, considerada pós-positivista, dois princípios ou regras de supradireito assumiram relevo no direito tributário. Em primeiro lugar, o contribuinte não é considerado objeto de tributação, mas sujeito de direitos. Em segundo lugar, com a inserção dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, criou-se também uma regra de supradireito na análise das questões tributárias, a justiça fiscal. Considerou inaceitável, sob o ângulo da justiça fiscal, a possibilidade de quem explora atividade econômica não pagar o imposto devido ao Município. Ressaltou que a Corte interpretou a imunidade recíproca como verdadeira garantia institucional para preservação do sistema federativo, motivo pelo qual se assentou sua extensão apenas às empresas que, embora tenham personalidade jurídica de direito privado, qualifiquem-se tão somente como prestadoras de serviço público, sem intuito lucrativo. Indicou precedentes nesse sentido (1). Apontou também os critérios estabelecidos pelo STF para o reconhecimento da extensão da imunidade tributária: a) a imunidade é subjetiva e aplicável a propriedades, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes ao ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política, b) as atividades de exploração econômica destinadas a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares devem ser tributadas por representarem manifestação de riqueza, cuja tributação não afeta a autonomia política e revela capacidade contributiva, c) a tributação não deve ter como efeito colateral a quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício da atividade profissional e econômica lícita. Vencidos a ministra Carmen Lúcia (presidente) e os ministros Celso de Mello e Edson Fachin, que davam provimento ao recurso. (1) ARE 638315/BA (DJE de 31.8.2011); RE 253394/SP (DJU de 11.4.2003); RE 265749/SP (DJU de 12.9.2003); RE 253.472/SP (DJE de 1º.2.2011).

RE 594015/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 6.4.2017. (RE-594015)

DIREITO TRIBUTÁRIO - LIMITAÇÃO AO PODER DE TRIBUTAR

IPTU e imóvel de ente público cedido a empresa privada - 2

O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, deu provimento a recurso extraordinário em que se discutia a incidência do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) sobre imóvel de propriedade de ente público — no caso, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO) — concedido a empresa privada exploradora de atividade econômica com fins lucrativos — v. Informativo 813 . O Colegiado pontuou que a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, “a” (1) da Constituição Federal (CF) não foi concebida com o propósito de permitir que empresa privada atue livremente no desenvolvimento de atividade econômica e usufrua de vantagem advinda da utilização de bem público. Asseverou que a referida previsão decorre da necessidade de observar-se, no contexto federativo, o respeito mútuo e a autonomia dos entes. Não cabe estendê-la para evitar a tributação de particulares que atuam no regime da livre concorrência. Nesse contexto, salientou que, uma vez verificada atividade econômica, nem mesmo as pessoas jurídicas de direito público gozam da imunidade (CF, art. 150, §3º) (2). Assentou que o IPTU representa relevante custo operacional, comum a todos que exercem a atividade econômica da recorrida. Afastar tal ônus de empresa que atua no setor econômico, a partir de extensão indevida da imunidade recíproca, implica desrespeito ao princípio da livre concorrência (CF, art. 170, IV) (3), por conferir ao particular uma vantagem inexistente para os concorrentes. Ademais, ressaltou que a hipótese de incidência do IPTU não se limita à propriedade do imóvel, pois inclui o domínio útil e a posse do bem. O mesmo entendimento vale para o contribuinte do tributo, que não se restringe ao proprietário do imóvel, mas alcança tanto o titular do domínio útil quanto o possuidor a qualquer título. Nesse sentido, o Colegiado ponderou que não há falar em ausência de legitimidade da empresa ora recorrida para figurar em polo passivo da relação jurídica tributária. Vencidos os ministros Edson Fachin e Celso de Mello, que negavam provimento ao recurso. Para eles, a) a liberdade de conformação legislativa do Poder Executivo municipal está adstrita à posse, que, “per se”, pode conduzir à propriedade; b) o particular concessionário de uso de bem público não pode ser eleito, por força de lei municipal, para figurar como sujeito passivo de obrigação tributária referente ao IPTU, porque a sua posse, nesse caso, é desdobrada; e c) o imóvel qualificado como bem público federal remanesce imune aos tributos fundiários municipais, ainda que destinado à exploração comercial. Em seguida, a Corte deliberou aguardar a oposição de embargos de declaração, para discutir eventual modulação de efeitos da decisão, e fixar a tese referente à repercussão geral em assentada posterior. (1) CF/1988: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;” (2) CF/1988: “Art. 150. (...) § 3º – As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.” (3) CF/1988: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IV – livre concorrência;”

RE 601720/RJ, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 6.4.2017. (RE-601720)

PRIMEIRA TURMA

DIREITO ADMINISTRATIVO - ANISTIA POLÍTICA

Mandado de segurança: instauração de processo de revisão de anistia e direito líquido e certo

A Primeira Turma iniciou o julgamento de recurso em mandado de segurança, interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) — na qualidade de substituto processual —, em que se pretendia impedir o prosseguimento do processo específico de revisão de portaria que conferiu anistia política a ex-integrante da Força Aérea Brasileira. No caso, ao julgar o mandado de segurança, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu pela ausência de interesse processual do impetrante. A Advocacia-Geral da União (AGU), em sustentação na tribuna, alegou não existir direito líquido e certo a ser protegido quando a Administração está na fase de investigação sobre suposta ilegalidade. O ministro Marco Aurélio (relator) deu parcial provimento ao recurso para, reformando o acórdão recorrido, determinar ao STJ que prossiga na apreciação do mandado de segurança, com exame da pretensão veiculada pelo impetrante. Inicialmente, pontuou que há duas fases distintas no processo de revisão das anistias deferidas a militares afastados por motivos políticos: a) determinação de amplo procedimento de revisão pelo Ministério da Justiça e pela AGU (1) e b) abertura de processos individuais de reanálise dos atos de anistia. Ressaltou que, no presente caso, ao contrário do afirmado no STJ, o processo individual do recorrente já teve início. Nesse contexto, asseverou que a impetração de mandado de segurança é adequada à situação concreta em respeito à cláusula constitucional de acesso ao Judiciário, que assegura ao cidadão tutela contra lesão ou ameaça de lesão a direito. O ministro Alexandre de Moraes inaugurou divergência ao negar provimento ao recurso. Primeiramente, destacou que o STJ analisou o que foi pedido e denegou a ordem. Consignou que a segunda fase da revisão da anistia nada mais é do que uma decorrência concreta da primeira. Assim, ao recorrer, o MPF acabou corroborando a ausência de direito líquido e certo, porque pleiteou exatamente a impossibilidade de qualquer revisão geral. Ponderou não haver direito líquido e certo em caso de fato futuro que potencialmente possa lesar o impetrante. Caso contrário, haveria duas situações ensejadoras de mandado de segurança: na instauração de todo o procedimento e, a partir disso, depois, na decisão. Ademais, ressaltou a impossibilidade de o MPF impetrar mandado de segurança na segunda fase de revisão com os mesmos argumentos de anterior “writ” impetrado na primeira fase. O ministro Roberto Barroso também negou provimento ao recurso. Afirmou que, segundo a jurisprudência da Corte, a simples instauração de processo administrativo para verificar suposta existência de má-fé não viola direito líquido e certo. Em seguida o julgamento foi suspenso. (1) Portaria Interministerial MJ/AGU 134/2011.

RMS 34054/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 4.4.2017. (RMS-34054)

SEGUNDA TURMA

DIREITO PENAL - PENA

Remição da pena e jornada de trabalho inferior a seis horas

A Segunda Turma deu provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” e concedeu a ordem para que seja considerado, para fins de remição da pena, o total de horas trabalhadas em jornada diária inferior a seis horas. O Colegiado anotou que o condenado cumpria jornada de quatro horas diárias de trabalho por determinação da administração do presídio. Ponderou que, nos termos da Lei de Execução Penal (LEP) (1 e 2), a jornada diária não deve ser inferior a seis nem superior a oito horas. Afirmou que, para computar os dias de remição, a administração penitenciária somou as horas trabalhadas e as dividiu por seis. A Turma concluiu que, ao fazer a conversão matemática do cálculo da remição, a administração penitenciária agiu dentro dos limites previstos na LEP. Asseverou que o condenado não poderia ser apenado por um limite de horas imposto pelo próprio estabelecimento penitenciário na execução de sua pena. Por fim, deliberou que a obrigatoriedade do cômputo de tempo de trabalho deve ser aplicada às hipóteses em que o sentenciado, por determinação da administração, cumpra jornada inferior ao mínimo de seis horas, ou seja, em que a jornada de trabalho não derive de ato voluntário nem de indisciplina ou insubmissão do preso. (1) LEP/1984: “Art. 33. A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados.” (2) LEP/1984: “Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. § 1º A contagem de tempo referida no “caput” será feita à razão de: (...) II – 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.”

RHC 136509/MG, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 4.4.2017. (RHC-136509)


Informativo do STF 860 de 07/04/2017