Informativo do STF 854 de 17/02/2017
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
DIREITO ADMINISTRATIVO - SERVIDORES PÚBLICOS
Ingresso na carreira e vinculação de remuneração de pessoal
O Tribunal iniciou o julgamento de ação direta em que se questiona a constitucionalidade dos arts. 18, § 1º, e 27, “caput”, da Lei 8.691/1993, que dispõe sobre o Plano de Carreiras para a área de Ciência e Tecnologia da Administração direta, das autarquias e das fundações públicas federais [“Art. 18. O ingresso nas carreiras referidas nesta lei dar-se-á no padrão inicial de cada classe, após a aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, respeitado o número de vagas dos respectivos cargos. § 1º Excepcionalmente, nos termos e condições que forem estabelecidos pelo CPC (Conselho do Plano de Carreiras), o ingresso nas carreiras de que trata esta lei dar-se-á no último padrão da classe mais elevada do nível superior” e “Art. 27. Os atuais servidores dos órgãos e entidades referidos no § 1º do art. 1º, não alcançados pelo artigo anterior, permanecerão em seus atuais Planos de Classificação de Cargos, fazendo jus, contudo, a todas as vantagens pecuniárias do Plano de Carreiras estruturado por esta lei”]. Segundo o autor da ação, o art. 18, § 1º, da Lei 8.691/1993 afrontaria os arts. 37 e 39, “caput”, da CF. Afinal, se os cargos estão organizados em carreiras, o provimento inicial, como consequência lógica, só poderia ser efetivado na classe inicial, sob pena de desvirtuamento do próprio conceito de carreira, com prejuízo e tratamento discriminatório àqueles que já ingressaram em classe inferior. Alega, ademais, que o art. 27, “caput”, da referida lei contrariaria o art. 37, XIII, da CF, que veda a vinculação ou equiparação de vencimentos para efeito de remuneração do pessoal do serviço público. A ministra Cármen Lúcia (Presidente e relatora) julgou procedente o pedido formulado. Para ela, o art. 18, § 1º, da Lei 8.691/1993, que prevê a possibilidade de ingresso imediato no último padrão da classe mais elevada do nível superior, afronta os princípios da igualdade e da impessoalidade, os quais regem o concurso público. A obrigatoriedade do concurso público, com as exceções constitucionais, é um instrumento de efetivação dos princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade, garantindo aos cidadãos o acesso aos cargos públicos em condições de igualdade. A relatora afirmou, nesse sentido, que o respeito efetivo à exigência de prévia aprovação em concurso público qualifica-se, constitucionalmente, como paradigma de legitimação ético-jurídica da investidura de qualquer cidadão em cargos, funções ou empregos públicos, ressalvadas as hipóteses de nomeação para cargos em comissão (CF, art. 37, II). A razão subjacente ao postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade ao princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, vedando-se, desse modo, a prática inaceitável de o Poder Público conceder privilégios a alguns ou dispensar tratamento discriminatório e arbitrário a outros (ADI 2.364 MC/AL, DJU de 14.12.2001). Com relação ao “caput” do art. 27 da Lei 8.691/1993, pontuou, inicialmente, a inexistência de prejuízo do pedido formulado na ação direta, por não haver alteração substancial da norma contida no art. 37, XIII, da CF pela EC 19/1998. Entendeu, quanto ao mérito, que o art. 27 da Lei 8.691/1993 violou a regra prevista no art. 37, XIII, da CF, o qual estabelece ser vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para efeito de remuneração de pessoal do serviço público. Nesse ponto, acrescentou que, objetivando impedir majorações de vencimentos em cadeia, a Constituição vedou a vinculação ou equiparação de vencimentos para efeito de remuneração de pessoal do serviço público (ADI 2.895/AL, DJU de 20.5.2005). Após o voto da relatora, o ministro Edson Fachin pediu vista dos autos.
ADI 1240/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 15.2.2017. (ADI-1240)
DIREITO PROCESSUAL PENAL - PRISÃO CAUTELAR
Reclamação e prisão preventiva
O Plenário negou provimento a agravo regimental em reclamação no qual se discutia a legitimidade da prisão preventiva do reclamante e, por maioria e de ofício, indeferiu a ordem de “habeas corpus”. No caso, o agravante sustentava que a autoridade reclamada teria violado as decisões proferidas pelo STF nas Ações Cautelares 4.070/DF (DJE de 21.10.2016) e 4.175/DF (DJE de 19.9.2016). Alternativamente, requeria a concessão da ordem de “habeas corpus” de ofício, em vista da ausência de requisitos que justificassem a decretação da prisão preventiva, o que configuraria flagrante constrangimento ilegal. O Tribunal afirmou que, ao julgar as referidas ações cautelares, não se manifestou sobre os requisitos da prisão preventiva, o que impede a utilização da reclamação. Verificou, também, que o agravante impetrou “habeas corpus” quando a discussão a respeito dos requisitos de sua prisão preventiva estavam em análise no STJ. Por essa razão, é prematura a manifestação do STF sobre o tema antes de esgotadas as instâncias antecedentes. O cabimento de reclamação deve ser aferido nos estritos limites das normas de regência, que a concebem para a preservação da competência do STF ou para garantia da autoridade de suas decisões (CF, art. 102, I, “l”). A reclamação não se destina, destarte, a funcionar como sucedâneo recursal nem se presta a atuar como atalho processual destinado a submeter a mais alta Corte do País, “per saltum”. Afinal, é assente na jurisprudência do STF a concepção segundo a qual a competência originária da Suprema Corte se submete ao regime de direito estrito, não admitindo interpretação extensiva. A despeito da dicção do art. 654, § 2º, do CPP, segundo o qual “Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de ‘habeas corpus’, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal”, tal regra não dispensa a observância do quadro de distribuição constitucional das competências para conhecer do “habeas corpus”. Vale dizer, somente o órgão jurisdicional competente para a concessão da ordem a pedido pode conceder o “writ” de ofício. Nessa linha, ainda que o STF seja Corte de vértice, a Constituição somente lhe outorgou competência para “habeas corpus” “quando o coator for tribunal superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do STF, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância”, nos exatos termos do art. 102, I, “i”, da CF, e quando for paciente o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros, o procurador-geral da República, os ministros de Estado, os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos tribunais superiores, do TCU e os chefes de missão diplomática de caráter permanente, em razão da incidência da regra prevista no art. 102, I, “d”, combinado com o art. 102, I, “b” e “c”, todos da CF. Portanto, é necessário que o tema tenha sido submetido às instâncias antecedentes e que se possa depreender ato coator praticado por tribunal superior, ainda que se tenha por ato coator a omissão em conceder um “habeas corpus” de ofício diante de uma ilegalidade cujo conhecimento fosse possível. Vale dizer, a Suprema Corte pode conceder a ordem de ofício, se verificar que um tribunal superior teve a oportunidade de sanar uma coação ilegal e não o fez. Ademais, se houve coação ilegal contra o agravante, essa não seria mais imputável ao juiz de primeiro grau, autoridade reclamada. O reclamante impetrou “habeas corpus” perante tribunal regional, que denegou a ordem. Essa situação que faz da corte regional, caso seja mesmo ilegal a prisão do agravante, a autoridade coatora. Há, portanto, alteração do título, o que torna sem objeto o pedido de concessão de ordem de ofício. O STF tem entendido que se torna desnecessária a análise de impetrações quando o estado de liberdade é alvo de ato jurisdicional superveniente e autônomo, que desafia impugnação própria, em evidente hipótese de prejudicialidade. Vencido o ministro Marco Aurélio, que concedia a ordem de ofício. Pontuava não haver fundamento idôneo para a manutenção da prisão preventiva. Além disso, frisava que o “habeas corpus” não sofreria qualquer peia. O fato de haver outro “writ” submetido ao crivo do STJ não impediria a apreciação do “habeas corpus” de ofício pelo STF, pouco importando que isso implicasse queima de etapa ou supressão de instância.
Rcl 25509 AgR/PR, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 15.2.2017. (Rcl-25509)
REPERCUSSÃO GERAL
DIREITO ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Responsabilidade subsidiária da Administração e encargos trabalhistas não adimplidos - 3
O Plenário retomou o julgamento de recurso extraordinário em que se discute a responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresa prestadora de serviço. Na origem, o TST manteve a responsabilidade subsidiária de entidade da Administração Pública tomadora de serviços terceirizados pelo pagamento de verbas trabalhistas não adimplidas pela empresa contratante. Isso ocorreu em razão da existência de culpa “in vigilando” do órgão público, caracterizada pela falta de acompanhamento e fiscalização da execução de contrato de prestação de serviços, em conformidade com a nova redação dos itens IV e V do Enunciado 331 da Súmula do TST (“IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial; e V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei 8.666, de 21.6.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”). A recorrente alega, em suma, que o acórdão recorrido, ao condenar subsidiariamente o ente público, com base no art. 37, § 6º, da CF, teria desobedecido ao conteúdo da decisão proferida no julgamento da ADC 16/DF (DJE de 9.9.2011) e, consequentemente, ao disposto no art. 102, § 2º, da CF. Afirma, ainda, que o acórdão recorrido teria declarado a inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/1993, embora a norma tenha sido declarada constitucional no julgamento da ADC 16/DF. Sustenta violação dos arts. 5º, II, e 37, “caput”, da CF, por ter o TST inserido no item IV do Enunciado 331 da sua Súmula obrigação frontalmente contrária ao previsto no art. 71, § 1º, da Lei de Licitações. Defende, por fim, que a culpa “in vigilando” deveria ser provada pela parte interessada, e não ser presumida — v. Informativos 852 e 853. A ministra Cármen Lúcia (Presidente), ao acompanhar a divergência inaugurada pelo ministro Luiz Fux, deu provimento ao recurso extraordinário, na parte em que conhecido. Para ela, a imputação da culpa “in vigilando” ou “in elegendo” à Administração Pública, por suposta deficiência na fiscalização da fiel observância das normas trabalhistas pela empresa contratada, somente pode acontecer nos casos em que se tenha a efetiva comprovação da ausência de fiscalização. Rememorou que, na espécie, o tribunal de origem concluiu pela existência de culpa “in elegendo”, prévia à celebração do contrato, e, principalmente, de culpa “in vigilando”, posterior à contratação, por não ter demonstrado, a União, em juízo, sua atuação no sentido de fiscalizar, no curso e no encerramento do contrato administrativo, a plena observância dos direitos trabalhistas do reclamante. Asseverou, nesse ponto, que a alegada ausência de comprovação em juízo da efetiva fiscalização do contrato, não substitui a necessidade de prova taxativa do nexo de causalidade entre a conduta da Administração e o dano sofrido. Nesses termos, não tendo sido demonstrado, no caso, a comprovação cabal da responsabilidade do poder público pelo descumprimento da legislação trabalhista, entendeu que o acórdão recorrido contrariou o decidido no julgamento da ADC 16/DF (DJE de 9.9.2011). Pontuou, por fim, que a Lei 9.032/1995 (art. 4º), que alterou o disposto no § 2º do art. 71 da Lei 8.666/1993, restringiu a solidariedade entre contratante e contratado apenas quanto aos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei 8.212/1991. Diante do empate na votação, o Tribunal deliberou suspender o julgamento para colher voto de desempate do novo ministro a integrar a Corte.
RE 760931/DF, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 15.2.2017. (RE-760931)
DIREITO ADMINISTRATIVO - SERVIDORES PÚBLICOS
Aposentadoria compulsória e titulares de serventias judiciais não estatizadas
Não se aplica a aposentadoria compulsória prevista no art. 40, § 1º, II, da CF aos titulares de serventias judiciais não estatizadas, desde que não sejam ocupantes de cargo público efetivo e não recebam remuneração proveniente dos cofres públicos. Com essa orientação, o Tribunal negou provimento a recurso extraordinário no qual se pretendia fosse aplicada a aposentadoria compulsória a escrivã de serventia judicial não estatizada remunerada exclusivamente por custas e emolumentos, cujo ingresso ocorreu em 19.11.1969. Inicialmente, o Tribunal rejeitou a preliminar de perda superveniente do objeto, em virtude do reconhecimento administrativo do direito pleiteado. A Corte entendeu que, ainda que reconhecida a suposta prejudicialidade do recurso, deveria proceder ao julgamento da tese de repercussão geral, em vista da relevância da questão constitucional posta em discussão. Citou o disposto no parágrafo único do art. 998 do CPC e o que decidido no RE 693.456 QO/RJ (DJE de 22.9.2015), no qual assentada a impossibilidade de desistência de qualquer recurso ou mesmo de ação após o reconhecimento de repercussão geral da questão constitucional. Em seguida, fez uma breve digressão histórica sobre a constitucionalização da matéria referente às serventias judiciais. Asseverou que a primeira previsão de oficialização dessas serventias se deu com a EC 7/1977 à CF de 1967/1969 (art. 206) e que apenas com a EC 22/1982, que alterou, entre outros, o art. 206, a determinação de oficialização das serventias judiciais passou a ter força cogente. Observou que a mesma orientação foi mantida pela CF/1988 (ADCT, art. 31). Diante disso, concluiu pela coexistência de três espécies de titulares de serventias judiciais: a) os titulares de serventias oficializadas, que ocupam cargo ou função pública e são remunerados exclusivamente pelos cofres públicos; b) os titulares de serventias não estatizadas remunerados exclusivamente por custas e emolumentos; e c) os titulares de serventias não estatizadas remunerados, em parte, pelos cofres públicos e, em outra, por custas e emolumentos. Frisou que o mencionado comando constitucional resguardou os direitos adquiridos até então, de modo que ainda hoje existem diversas serventias judiciais, cujos titulares ingressaram de forma regular, que ainda não foram estatizadas. Consignou que o art. 40, § 1º, II, da CF estabelece que a aposentadoria compulsória será aplicada apenas aos servidores titulares de cargo efetivo, abrangidos pelo RPPS. Citou o entendimento firmado na ADI 2.602/MG (DJU de 5.12.2005) no sentido da inaplicabilidade da aposentadoria compulsória pelo implemento de idade a titulares de serventias extrajudiciais, pelo fato, entre outros motivos, de não serem servidores públicos titulares de cargos efetivos. Em razão da similitude das relações jurídicas (ambos se referem à atividade privada em colaboração com o Poder Público), o Plenário considerou possível estender aos titulares de serventia judicial não estatizada remunerados exclusivamente por custas e emolumentos o mesmo tratamento conferido aos titulares de foro extrajudicial. Por fim, o Tribunal ressaltou que, resguardados os direitos adquiridos, a persistência de serventias judiciais privatizadas em alguns Estados-Membros é totalmente incompatível com o disposto no art. 31 do ADCT, sendo urgente que cada ente da Federação adote as providências cabíveis para regularizar a situação. Mencionou o que decidido no julgamento da ADI 1.498/RS (DJU de 18.11.2002), no qual consignada a determinação de que as serventias privatizadas devem retornar ao sistema estatizado.
RE 647827/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 15.2.2017. (RE-647827)
DIREITO ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Responsabilidade civil do Estado: superpopulação carcerária e dever de indenizar - 4
Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento. Com essa orientação, o Tribunal, em conclusão e por maioria, deu provimento a recurso extraordinário para restabelecer o juízo condenatório nos termos e limites do acórdão proferido no julgamento da apelação, a qual fixara indenização no valor de dois mil reais a favor de detento. Consoante o acórdão restabelecido, estaria caracterizado o dano moral porque, após laudo de vigilância sanitária no presídio e decorrido lapso temporal, não teriam sido sanados os problemas de superlotação e de falta de condições mínimas de saúde e de higiene do estabelecimento penal. Além disso, não sendo assegurado o mínimo existencial, seria inaplicável a teoria da reserva do possível — v. Informativos 770 e 784. Prevaleceu o voto do ministro Teori Zavascki (relator). Registrou, de início, a inexistência de controvérsia a respeito dos fatos da causa e da configuração do dano moral, haja vista o reconhecimento, pelo próprio acórdão recorrido, da precariedade do sistema penitenciário estadual, que lesou direitos fundamentais do recorrente, quanto à dignidade, intimidade, higidez física e integridade psíquica. Portanto, sendo incontroversos os fatos da causa e a ocorrência do dano, afirmou que a questão jurídica desenvolvida no recurso ficou restrita à reparabilidade, ou seja, à existência ou não da obrigação do Estado de ressarcir os danos morais verificados nas circunstâncias enunciadas. Em seguida, consignou que a matéria jurídica está no âmbito da responsabilidade civil do Estado de responder pelos danos, até mesmo morais, causados por ação ou omissão de seus agentes, nos termos do art. 37, § 6º, da CF, preceito normativo autoaplicável, que não se sujeita a intermediação legislativa ou a providência administrativa de qualquer espécie. Ocorrido o dano e estabelecido o seu nexo causal com a atuação da Administração ou dos seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado. Sendo assim e tendo em conta que, no caso, a configuração do dano é matéria incontroversa, não há como acolher os argumentos que invocam, para negar o dever estatal de indenizar, o princípio da reserva do possível, na dimensão reducionista de significar a insuficiência de recursos financeiros. Frisou que Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, enquanto ali permanecerem detidas, e que é seu dever mantê-las em condições carcerárias com mínimos padrões de humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for o caso, ressarcir os danos que daí decorrerem. Ademais, asseverou que as violações a direitos fundamentais causadoras de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários não poderiam ser relevadas ao argumento de que a indenização não teria o alcance para eliminar o grave problema prisional globalmente considerado, dependente da definição e da implantação de políticas públicas específicas, providências de atribuição legislativa e administrativa, não de provimentos judiciais. Sustentou que admitir essa assertiva significaria justificar a perpetuação da desumana situação constatada em presídios como aquele onde cumprida a pena do recorrente. Relembrou que a garantia mínima de segurança pessoal, física e psíquica dos detentos constitui dever estatal que tem amplo lastro não apenas no ordenamento nacional (CF, art. 5º, XLVII, “e”; XLVIII; XLIX; Lei 7.210/1984 - LEP, arts. 10, 11, 12, 40, 85, 87, 88; Lei 9.455/1997 - crime de tortura; Lei 12.874/2013 - Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), como também em fontes normativas internacionais adotadas pelo Brasil (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas; Convenção Americana de Direitos Humanos; Princípios e Boas Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, contida na Resolução 1/2008, aprovada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Convenção da Organização das Nações Unidas contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, adotadas no 1º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção ao Crime e Tratamento de Delinquentes). A criação de subterfúgios teóricos — como a separação dos Poderes, a reserva do possível e a natureza coletiva dos danos sofridos — para afastar a responsabilidade estatal pelas calamitosas condições da carceragem afronta não apenas o sentido do art. 37, § 6º, da CF, mas também determina o esvaziamento das inúmeras cláusulas constitucionais e convencionais citadas. O descumprimento reiterado dessas cláusulas se transforma em mero e inconsequente ato de fatalidade, o que não pode ser tolerado. Por fim, o relator enfatizou que a invocação seletiva de razões de Estado para negar, especificamente a determinada categoria de sujeitos, o direito à integridade física e moral não é compatível com o sentido e o alcance do princípio da jurisdição. Acolher essas razões é o mesmo que recusar aos detentos os mecanismos de reparação judicial dos danos sofridos, deixando-os descobertos de qualquer proteção estatal, em condição de vulnerabilidade juridicamente desastrosa. É dupla negativa: do direito e da jurisdição. Os ministros Edson Fachin e Marco Aurélio deram provimento ao recurso extraordinário em maior extensão, para acolher o pedido formulado, na petição inicial, pela Defensoria Pública, de indenização de um salário mínimo por mês de detenção enquanto presentes as condições degradantes de superlotação. Vencidos os ministros Roberto Barroso, Luiz Fux e Celso de Mello, que, ao darem provimento ao recurso, adotavam a remição da pena como forma de indenização.
RE 580252/MS, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 16.2.2017. (RE-580252)
1ª Parte :
2ª Parte : 3ª Parte : Video:
PRIMEIRA TURMA
DIREITO PENAL - PRESCRIÇÃO
Cômputo do tempo de prisão provisória e reconhecimento da prescrição da pretensão executória
A Primeira Turma iniciou o julgamento de embargos de declaração em “habeas corpus” em que se que pretende que o período de prisão provisória seja considerado para fins de reconhecimento da prescrição da pretensão executória. Os embargantes alegam que estiveram presos provisoriamente pelo período de 3 meses e 13 dias e que a detração desse período, nos termos do art. 42 do CP, implicaria a redução da pena imposta para 3 anos, 11 meses e 18 dias. Argumentam que, feita a detração do período de prisão provisória, estaria caracterizada, no caso, a prescrição da pretensão executória, conforme preceituam os arts. 109 e 110 do CPP. O ministro Dias Toffoli (relator) rejeitou os embargos declaratórios, por entender ausentes as hipóteses autorizadoras de seu cabimento (RISTF, art. 337), mas concedeu a ordem, de ofício, para, nos termos do art. 107, IV, do CP, declarar extinta a punibilidade da pena imposta aos pacientes, em razão da consumação da prescrição da pretensão executória (CP, art. 112, I). Para ele, conforme a jurisprudência da Corte, não há como desconsiderar a detração do período de prisão provisória no cômputo do prazo para a prescrição da pretensão executória. Asseverou, ainda, que o cômputo do tempo de prisão provisória exerce influência não só quanto à imposição do regime inicial de cumprimento da pena, consoante dicção do art. 382, § 2º, do CPP, como também no tocante à progressão de regime antes do trânsito em julgado da condenação, nos termos do Enunciado 716 da Súmula do STF. Pontuou, igualmente, que a detração do tempo de prisão provisória para fins de extradição do estrangeiro é uma das condições para efetivação de sua entrega ao país requerente (Lei 6.815/1980, art. 91, II). Rememorou que o tema relativo ao termo inicial para a contagem de prazo na modalidade prescrição da pretensão executória foi submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 788). No entanto, ressaltou que, até decisão definitiva do Plenário, não há impedimentos quanto à observância da jurisprudência do STF, que, prestigiando a literalidade do art. 112, I, do CP, assentou que a prescrição executória se regula pela pena aplicada depois de transitar em julgado a sentença condenatória para a acusação (HC 113.715/DF, DJE de 28.5.2013). Dessa forma, entendeu que o tempo de prisão provisória não deve ser desconsiderado para fins de prescrição da pretensão executória, mas, sim, entendido como período de pena cumprida. Em seguida, o ministro Roberto Barroso pediu vista dos autos.
HC 122577 ED/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 14.2.2017. (HC-122577)
DIREITO PROCESSUAL PENAL - NULIDADES
Defesa prévia e prerrogativa de foro
A Primeira Turma iniciou julgamento de questão de ordem em ação penal em que se discute nulidade processual em face do recebimento de denúncia sem defesa prévia, bem como em razão da não observância da prerrogativa de foro conferida a prefeitos (CF, art. 29, X). No caso, foi instaurada ação penal contra o então prefeito, hoje deputado federal, e outros, pela suposta prática do delito de fraude em licitação pública, previsto no art. 90 da Lei 8.666/1993 [“Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”] e, também, pelo crime de responsabilidade de prefeito previsto no art. 1º do Decreto-LeiSão crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio”). O juízo de origem recebeu, primeiramente, a denúncia quanto ao crime definido no art. 90 da Lei 8.666/1990 e determinou a notificação dos acusados para apresentarem defesa escrita quanto ao crime de responsabilidade, nos termos do art. 2º, I, do Decreto-Lei 201/1967 (“Antes de receber a denúncia, o Juiz ordenará a notificação do acusado para apresentar defesa prévia, no prazo de cinco dias. Se o acusado não for encontrado para a notificação, ser-lhe-á nomeado defensor, a quem caberá apresentar a defesa, dentro no mesmo prazo”). A defesa alega ofensa ao devido processo legal, tendo em vista que não foi permitido ao acusado apresentar resposta preliminar relativamente à imputação de fraude à licitação. Sustenta, ainda, ilegalidade da investigação que serviu de apoio à denúncia, uma vez que a autoridade competente para instaurar o inquérito seria o tribunal, ante a prerrogativa de foro do então prefeito. Por fim, defende ausência de justa causa para o oferecimento da denúncia, pois só seria possível imputar ao prefeito o ato de homologação do processo licitatório com base em responsabilização penal objetiva. O ministro Luiz Fux (relator) resolveu a questão de ordem no sentido de deferir “habeas corpus” de ofício para trancar a ação penal por ausência de justa causa e inépcia da denúncia. A ministra Rosa Weber (revisora) e o ministro Roberto Barroso o acompanharam. O relator afirmou que o prefeito detém prerrogativa de foro, constitucionalmente estabelecida. Desse modo, os procedimentos de natureza criminal contra ele instaurados devem tramitar perante o tribunal de justiça (CF, art. 29, X). Observou, também, que não houve submissão das investigações ao controle jurisdicional da autoridade competente. Além disso, a denúncia, ao arrepio da legalidade, fundou-se em supostas declarações, colhidas em âmbito estritamente privado, sem acompanhamento de qualquer autoridade pública (autoridade policial, membro do Ministério Público) habilitada a conferir-lhes fé pública e mínima confiabilidade. O ministro ressaltou que os indícios que serviram de fundamento à denúncia não lograram indicar, nem mesmo minimamente, a participação ou conhecimento dos fatos supostamente ilícitos pelo acusado detentor da prerrogativa de foro perante a Suprema Corte. Também não obedeceram à ritualística procedimental prevista no Código de Processo Penal para a instauração do inquérito policial. Assim, a ausência de liame subjetivo entre o então prefeito e os supostos beneficiários dos recursos públicos, somada à existência de parecer jurídico favorável à homologação da licitação e às indicações de que, no curso da execução do contrato, a própria Administração Pública recusou o pagamento de notas fiscais emitidas pelo suposto beneficiário sem comprovação da entrega dos bens nelas listados, são circunstâncias que ilidem o dolo e a participação do prefeito na prática criminosa. Sublinhou que o prefeito foi incluído entre os acusados, unicamente, em razão da função pública hierarquicamente superior à dos demais envolvidos, sem indicação mínima de sua participação em prática ilícita, evidenciando-se, por conseguinte, a violação à responsabilidade penal subjetiva, em contraposição à objetiva, cuja demonstração repele a responsabilidade presumida. Portanto, o recebimento da denúncia quanto ao crime licitatório não observou o direito de resposta preliminar do acusado, previsto em procedimento especial, que prevalece sobre o comum. Consectariamente, deve ser desde logo reconhecida a extinção da punibilidade do crime definido no art. 90 da Lei 8.666/1993, tendo em vista que a decisão válida de recebimento da denúncia ocorreu em 30 de janeiro de 2014, quando o delito licitatório já havia sido alcançado pela prescrição, ocorrida em 3.8.2013, considerada a pena máxima em abstrato. O relator determinou a remessa dos autos ao juízo de origem, para as providências cabíveis quanto aos demais acusados. A ministra revisora ponderou que a instauração de inquérito contra prefeito poderia ser realizada pela autoridade policial. Em seguida, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do ministro Marco Aurélio.
AP 912/PB, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 14.2.2017. (AP-912)
SEGUNDA TURMA
DIREITO PROCESSUAL PENAL - COMPETÊNCIA
Foro por prerrogativa de função e desmembramento de inquérito
A Segunda Turma negou provimento a agravo regimental em reclamação no qual se pretendia o reconhecimento da usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo juízo reclamado em razão do não desmembramento de inquérito depois de vislumbrado, no curso das investigações, o suposto envolvimento de deputado federal. A defesa alegava que, embora tivessem sido captados diálogos que demonstrassem o envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro, o juízo de primeiro grau não declinou da competência em situação em que seria imperiosa a remessa dos autos ao STF. O Colegiado entendeu não haver cogitar de usurpação de competência desta Corte quando a simples menção a nome de autoridade com prerrogativa de foro — seja em depoimentos prestados por testemunhas ou investigados, seja na captação de diálogos travados por alvos de censura telefônica judicialmente autorizada —, assim como a existência de informações, até então fluidas e dispersas a seu respeito, são insuficientes para o deslocamento da competência para o juízo hierarquicamente superior. Ressaltou que, para haver atração da causa ao foro competente, é imprescindível a constatação da existência de indícios da participação ativa e concreta do titular da prerrogativa em ilícitos penais. Por seu turno, ao analisar as informações prestadas pelo juízo reclamado, a Turma verificou que o deputado federal não foi alvo de nenhuma medida cautelar autorizada por aquele juízo no curso da persecução penal. Além disso, os fatos verificados sobre o parlamentar não tinham relação direta com o objeto da investigação em desfavor do agravante. Nesse contexto, asseverou ser inviável, em reclamação, o reexame do conteúdo do ato reclamado e de todo o conjunto fático-probatório para chegar à conclusão diversa. Por fim, salientou que, conforme a jurisprudência da Corte, a eventual declaração de imprestabilidade dos elementos de prova angariados em suposta usurpação de competência criminal do STF não alcançaria aqueles destituídos de foro por prerrogativa de função, como no caso.
Rcl 25497 AgR/RN, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 14.2.2017. (Rcl-25497)