Informativo do STF 851 de 19/12/2016
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Direito Constitucional - Controle de Constitucionalidade. Processamento de governador: autorização prévia da assembleia legislativa e suspensão de funções
O Plenário iniciou julgamento de ação direta proposta contra o art. 92, § 1º, I, da Constituição do Estado de Minas Gerais, que dispõe que o governador será submetido a processo e julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos crimes comuns e será suspenso de suas funções, na hipótese desses crimes, se recebida a denúncia ou a queixa pelo STJ. O ministro Edson Fachin (relator) reconheceu a presença dos requisitos de cognoscibilidade da ação. Quanto ao mérito, deu parcial procedência ao pedido para dar interpretação conforme à Constituição Federal ao art. 92, § 1º, I, da Constituição do Estado de Minas Gerais para consignar que não há necessidade de autorização prévia da Assembleia Legislativa para o processamento e julgamento do governador por crime comum perante o STJ. O relator ainda julgou improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade da expressão “ou queixa”, contida no mencionado dispositivo. O relator afirmou a necessidade de superar os precedentes da Corte na dimensão de uma redenção republicana, cumprindo a promessa estampada no art. 1º, “caput”, da CF, diante dos reiterados e vergonhosos casos de negligência deliberada pelas assembleias legislativas estaduais, que têm sistematicamente se negado a deferir o processamento de governadores. Asseverou ser refutável a referida autorização prévia em razão de: a) ausência de previsão expressa e inexistência de simetria; b) ofensa ao princípio republicano (art. 1º, “caput”, CF); c) ofensa à separação de Poderes (art. 2º, “caput”, CF) e à competência privativa da União (art. 22, I, CF); e d) ofensa à igualdade (art. 5º, “caput”, CF). O relator esclareceu não haver na CF previsão expressa da exigência de autorização prévia de assembleia legislativa para o processamento e julgamento de governador por crimes comuns perante o STJ. Dessa forma, ausente o fundamento normativo-constitucional expresso que faculte aos Estados-Membros possuírem em suas Constituições estaduais essa exigência. Não haveria, também, simetria a ser observada pelos Estados-Membros. Considerou, no ponto, que, se o princípio democrático que constitui nossa República (CF, art. 1º, “caput”) se fundamenta e se concretiza no respeito ao voto popular e à eleição direta dos representantes do povo, qualquer previsão de afastamento do presidente da República é medida excepcional e, como tal, é sempre prevista de forma expressa e taxativa, não se podendo inferir exceções. O afastamento do presidente da República é medida excepcional, e, no caso de crime comum, seu processamento e julgamento deverá ser precedido de autorização da Câmara dos Deputados (CF, arts. 51, I; e 86, “caput” e § 1º, I). Essa exigência foi expressamente prevista apenas para presidente da República, vice-presidente e ministros de Estado, e para mais nenhum outro cargo público. E assim o foi em razão das características e competências que moldam e constituem o cargo de presidente da República, mas que não se verificam no cargo de governador. Diante disso, o que se verifica é, portanto, a extensão indevida de uma previsão excepcional válida para o presidente da República, porém inexistente e inaplicável ao governador. Sendo a exceção prevista de forma expressa, não pode ser transladada como se fosse regra ou como se estivesse cumprindo a suposta exigência de simetria para governador. As eventuais previsões em Constituições estaduais são, a despeito de se fundamentarem em suposto respeito ao texto constitucional, ofensa e usurpação das regras constitucionais. Segundo o relator, afastado o argumento de suposta obediência à simetria, a exigência de autorização prévia de assembleia legislativa para processamento e julgamento de governador por crime comum perante o STJ traz como consequência o congelamento de qualquer tentativa de apuração judicial das eventuais responsabilizações dos governadores por cometimento de crime comum. Essa previsão afronta a responsividade exigida dos gestores públicos, o que viola o princípio republicano que erige nosso Estado. A exigência de autorização prévia de assembleia estadual para o processamento e julgamento de governador por crime comum perante o STJ viola, ainda, a separação de Poderes, visto que estabelece uma condição não prevista pela Constituição para o exercício da jurisdição pelo Poder Judiciário. Ou seja, o STJ fica impedido de exercer suas competências e funções até que se proceda à autorização prévia do Poder Legislativo estadual. Esse tipo de restrição ao exercício da jurisdição é sempre excepcional e deve estar expresso na Constituição Federal. Além disso, a previsão do estabelecimento de condição de procedibilidade para o exercício da jurisdição penal pelo STJ consiste em norma processual, matéria de competência privativa da União (CF, art. 22, I), portanto impossível de ser prevista pelas Constituições estaduais. O relator afirmou que estabelecer essa condição de procedibilidade equivale a alçar um sujeito à condição de desigual, supostamente superior por ocupar relevante cargo de representação, posição, no entanto, que deveria ser antes de tudo a de servidor público. A autorização prévia de assembleias estaduais para o processamento e julgamento de governador por crime comum perante o STJ é, portanto, afronta cristalina à cláusula geral de igualdade estabelecida na Constituição. Destacou que a Emenda Constitucional 35/2001 alterou a redação do art. 53, § 1º, CF e aboliu a exigência de autorização prévia das casas legislativas para o processamento e julgamento de deputados federais e estaduais. O mesmo entendimento de valorização da igualdade e “accountability” dos representantes do povo deve ser seguido em relação aos governadores, abandonando-se as exigências prévias que consubstanciam privilégios e restrições não autorizados pela Constituição. Por fim, aduziu inexistir inconstitucionalidade na expressão “ou queixa”, por considerá-la consentânea com o disposto no art. 105, I, “a”, da CF. Explicou que a Constituição não fez nenhuma distinção ao se referir a “crimes comuns”, ou seja, não fez diferenciação entre crimes de ação penal pública ou crimes de ação penal privada. Da mesma forma, a Constituição do Estado de Minas Gerais previu o afastamento do governador no caso de recebimento de denúncia ou queixa. O ministro Roberto Barroso acompanhou o voto do relator na parte em que considera inconstitucional a exigência de autorização prévia de assembleia legislativa para instauração de ação penal contra o governador, por violação ao princípio republicano e ao princípio da separação de Poderes, na medida em que condiciona a atuação do Poder Judiciário a um ato e vontade política de outro Poder, sem previsão constitucional. Por outro lado, reputou indispensável enfrentar a questão da legitimidade da previsão do afastamento automático do governador após o recebimento da denúncia, por ser consequência natural e necessária do pedido de interpretação conforme acolhido. Nesse ponto, entendeu ser incompatível com a Constituição afastar-se automaticamente um agente público eleito, pelo simples recebimento da denúncia. Se não há um juízo prévio, o simples recebimento da denúncia não pode importar no afastamento automático de governador. Isso violaria o princípio democrático, porque o mandatário, eleito por voto popular, seria suspenso do cargo pelo simples recebimento de uma denúncia que, em rigor, não precisa sequer ser fundamentada. Ponderou, entretanto, que o afastamento poderia decorrer de decisão fundamentada que demonstrasse, por exemplo, que, no cargo, atrapalharia a investigação ou produziria qualquer outra conduta incompatível com o bom andamento do processo. Em suma, julgou procedente, em parte, o pedido para interpretar a Constituição do Estado de Minas Gerais conforme à Constituição Federal, para afirmar não ser legítima a exigência de autorização prévia para a instauração de ação penal contra o governador e para declarar a inconstitucionalidade integral do inciso I do § 1º do art. 92 da Constituição estadual mineira. O ministro Marco Aurélio adiantou o voto e julgou improcedentes os pedidos formulados, deixando consignada sua compreensão sobre a impossibilidade de ter-se em Carta estadual a previsão de licença para governador ser processado. Entendeu não ser possível cogitar de interpretação conforme, haja vista esta implicar a declaração de inconstitucionalidade do preceito no que viabilize um certo enfoque. Asseverou que, no caso, o art. 92 não viabiliza duplo enfoque, porque não versa, em si, nada sobre a licença, consubstanciando silêncio eloquente. Ressaltou, ademais, não se poder transmutar a ação direta de inconstitucionalidade em ação declaratória de constitucionalidade. Em seguida, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do ministro Teori Zavascki.
ADI 5540/MG, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 14.12.2016. (ADI-5540)
Parte 1:
Parte 2:
Direito Constitucional - Magistratura. Resolução e cargos de direção de tribunal de justiça
O Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Resolução TJ/TP/RJ 1/2014 do Plenário do Tribunal de Justiça do Rio Janeiro, que dispõe sobre regras de processo eleitoral no Poder Judiciário estadual. O Colegiado entendeu que a norma impugnada viola o art. 93, “caput”, da Constituição, segundo o qual a regulamentação da matéria afeta à elegibilidade para os órgãos diretivos dos tribunais está reservada a lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal. Considerou que, ao estabelecer a possibilidade de “o Desembargador ser novamente eleito para o mesmo cargo, desde que observado o intervalo de dois mandatos”, o art. 3º da Resolução impugnada contraria as balizas estabelecidas no art. 102 da Lei Complementar 35/1979 (LOMAN), recepcionado pela Constituição, nos termos do seu art. 93. Asseverou que as disposições da LOMAN definem regime jurídico único para a magistratura brasileira e viabilizam tratamento uniforme, válido em todo o território nacional, para as questões intrínsecas ao Poder Judiciário, garantindo a necessária independência para a devida prestação jurisdicional. Desde que não contrariem a Constituição, essas normas devem ser obrigatoriamente observadas pelos tribunais ao elaborarem seus regimentos internos e demais atos normativos. Vencidos os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli e Marco Aurélio, que julgavam o pedido improcedente. O ministro Luiz Fux, com base na orientação fixada pelo Plenário no julgamento da Rcl 13.115 MC-AgR/RS (DJE de 5.6.2013), reputou ser o art. 3º da Resolução norma compatível com a Carta Magna, exarada com fulcro na competência conferida aos tribunais pelo art. 96, I, “a”, da Lei Maior, resguardando-se, assim, a autonomia administrativa da Corte estadual.
ADI 5310/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 14.12.2016. (ADI-5310)
Parte 1:
Parte 2:
Direito Constitucional - Controle de Constitucionalidade. Depositário infiel de valor pertencente à Fazenda: proporcionalidade e devido processo legal
O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 8.866/1994, resultante da conversão da Medida Provisória 427/1994, reeditada pela Medida Provisória 449/1994. A lei impugnada trata do depositário infiel de valor pertencente à Fazenda Pública. De início, o Colegiado assinalou que, ainda que a ação tenha sido ajuizada, originalmente, em face de medida provisória, não cabe falar em prejudicialidade do pedido. Não há a convalidação de eventuais vícios existentes, razão pela qual permanece a possibilidade do exercício do juízo de constitucionalidade. Na espécie, há continuidade normativa entre o ato legislativo provisório e a lei que resulta de sua conversão. No que diz respeito à análise dos requisitos de urgência e relevância da medida provisória, no caso, não cabe ao Poder Judiciário examinar o atendimento desses requisitos. Trata-se de situação tipicamente financeira e tributária, na qual deve prevalecer, em regra, o juízo do administrador público. Afastada a hipótese de abuso, deve-se adotar orientação já consolidada pelo STF e, portanto, rejeitar a alegação de inconstitucionalidade por afronta ao art. 62 da CF. Ademais, a medida provisória atacada foi posteriormente convertida em lei, ou seja, recebeu a chancela do Poder Legislativo, titular do poder legiferante por excelência. Assim, o reconhecimento da existência de inconstitucionalidade formal poderia ser interpretado como ataque ao princípio da separação dos Poderes. No mérito, a Corte explicou que a lei: a) cria a ação de depósito fiscal, com o escopo primordial de coagir, sob pena de prisão, o devedor a depositar o valor referente à dívida na contestação, ou após a sentença, no prazo de 24 horas; b) chancela a possibilidade de submeter o devedor a sofrer processo judicial de depósito, sem que tenha ocorrido a finalização do processo administrativo fiscal; e c) dispõe sobre a proibição de, em se tratando de coisas fungíveis, seguir-se o disposto sobre o mútuo (CC/1916, art. 1280; CC/2002, art. 645), com a submissão do devedor a regime mais gravoso de pagamento, em face dos postulados da proporcionalidade, do limite do direito de propriedade e do devido processo legal. Diante desse cenário, admitir que seja erigido à condição de “depositário infiel aquele que não entrega à Fazenda Pública o valor referido neste artigo, no termo e forma fixados na legislação tributária ou previdenciária” (Lei 8.866/1994, art. 1º, § 2º) para o fim de coagi-lo a pagar a dívida tributária ou previdenciária da União, dos Estados-Membros e do Distrito Federal, cria situação mais onerosa do que a prevista no ordenamento jurídico até então vigente, consistente nas garantias constitucionais e nas já previstas disposições do CTN (CF, art. 5º, LV; e CTN, arts. 142, 201 e 204). À época da edição da Medida Provisória 427/1994, já existia a Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/1980) e a medida cautelar fiscal (Lei 8.397/1992), as quais são instrumentos suficientes, adequados e proporcionais para a cobrança tributária. Cumprindo o mandamento constitucional do devido processo legal, ambos os dispositivos estipulam ritos e privilégios para a tutela da arrecadação ao erário e garantias ao contribuinte. Sem guardar qualquer correspondência com o postulado da proporcionalidade e seus subprincípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, a lei em questão possibilita o ajuizamento de demanda que coage ao depósito da quantia devida com ou sem apresentação de contestação, sob pena de decretação de revelia. E mais: a legislação questionada admite o ajuizamento de demanda judicial apenas com base em “declaração feita pela pessoa física ou jurídica, do valor descontado ou recebido de terceiro, constante em folha de pagamento ou em qualquer outro documento fixado na legislação tributária ou previdenciária, e não recolhido aos cofres públicos” (Lei 8.866/1994, art. 2º, I), sem que ocorra a finalização do processo administrativo fiscal, o que fere postulados constitucionais (CF, art. 5º, LIV e LV). É corolário do princípio do devido processo legal que aos litigantes sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes. O postulado também se aplica aos processos que contenham relação jurídico-tributária, razão pela qual aquela medida vulnera a garantia do contribuinte ao devido processo legal. Nesse sentido, determinar que a contestação seja apresentada com o depósito do numerário sob pena de revelia equivale a exigir depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial, o que é manifestamente proibido pela Suprema Corte, nos termos da Súmula Vinculante 28. Ao contribuinte é facultado ajuizar ação de depósito em face do Fisco, a fim de obter certidão negativa de débito (ou positiva com efeito de negativa). Porém, ele não pode ser coagido a assim proceder, sob pena de vulneração ao princípio da proporcionalidade, do contraditório e da ampla defesa. De outro lado, não há nenhuma lesão ao patrimônio público, haja vista os instrumentos processuais à disposição da Fazenda Pública. Demonstrado, pois, que, se o incremento da arrecadação era o resultado almejado, o ordenamento jurídico já contém modos e formas de chegar a resultado semelhante, quais sejam, ação de execução fiscal ou medida cautelar fiscal. Sob esse aspecto, a lei em comento não guarda compatibilidade com a norma constitucional e ainda apresenta outras incompatibilidades. É cediço que há o dever fundamental de pagar tributos, entretanto os meios escolhidos pelo Poder Público devem estar jungidos à necessidade da medida, à adequação e à proporcionalidade, em sentido estrito, de restringir os meios de adimplemento em caso de cobrança judicial, as quais não estão presentes na apreciação da legislação ora questionada. O Estado brasileiro baseia-se em receitas tributárias. Um texto constitucional como o nosso, pródigo na concessão de direitos sociais e na promessa de prestações estatais aos cidadãos, deve oferecer instrumentos suficientes para que possa fazer frente às inevitáveis despesas que a efetivação dos direitos sociais requer. O tributo é esse instrumento. Considera-se, portanto, a existência de um dever fundamental de pagar impostos. No caso da Constituição, esse dever está expresso no § 1º do art. 145. Existe inegável conflito entre os cidadãos e os agentes privados no sentido de transferir para os demais concidadãos o ônus tributário, furtando-se, tanto quanto possível, a tal encargo. Ao disciplinar de maneira isonômica, segundo a capacidade econômica do contribuinte, a distribuição dos ônus tributários e ao operar por meio da fiscalização tributária para conferir efetividade a esse objetivo, o Estado está verdadeiramente a prestar aos cidadãos a função de árbitro de um conflito entre agentes privados. Igualmente, o Colegiado observou a lei à luz do disposto no inciso LIV do art. 5º da Constituição. Constatou que o instrumento de agir em juízo, lá estabelecido, restringe o cumprimento da obrigação pelo devedor tributário, quando determina apenas o depósito da quantia em dinheiro, em claro desrespeito ao direito de propriedade. Isso ocorre porque o diploma normativo em questão suprime, parcial ou totalmente, posições jurídicas individuais e concretas do devedor vinculadas ao pagamento da dívida tributária, que repercutem em sua propriedade, ante a existência de rol normativo-legal que já disciplina a matéria com completude. A restrição acaba conflitando com a existência da ação de execução fiscal, na qual coincide tal possibilidade, aliada a outras. A medida legislativa-processual criada não é adequada, tampouco necessária para obtenção de fins legítimos, por restringir a propriedade do devedor e estabelecer uma única forma de pagamento: depósito da quantia devida em dinheiro no prazo de 24 horas, situação flagrantemente inconstitucional. A retirada das disposições relativas à prisão civil por dívidas acaba com o escopo da legislação em comento. Afinal, não existe plausibilidade para manutenção da tutela jurisdicional díspar com o ordenamento jurídico, a qual cria situação desproporcional e, portanto, inconstitucional para o fim de otimizar a arrecadação tributária. Por fim, a possibilidade de manejo da ação de depósito fiscal está em franco desuso, ante a existência de outros meios de que o Fisco se pode valer para cobrança de seus créditos, tal como execução fiscal ou medida cautelar fiscal, fato que não afasta a inconstitucionalidade. No entanto, para evitar insegurança jurídica ou qualquer prejuízo ao erário em relação aos prazos prescricionais, o Tribunal definiu que as ações de depósito fiscal em curso deverão ser transformadas em ação de cobrança, de rito ordinário, com oportunidade ao Poder Público para a sua adequação ou para requerer a sua extinção.
ADI 1055/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 15.12.2016. (ADI-1055)
Direito Constitucional - Ministério Público. Conflito de atribuições e origem de verba - 2
O Plenário, em conclusão e por maioria, deu provimento a agravo regimental em petição para não conhecer de conflito negativo de atribuições entre Ministério Público estadual e Ministério Público Federal e determinou a remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República. Na espécie, o Ministério Público estadual instaurou inquérito civil público com base em denúncias de munícipes contra a prefeitura, para fins de apurar irregularidades em projeto de intervenção urbana. Segundo eles, haveria o risco de danos ao meio ambiente e à segurança da população local. Declinada a atribuição, o procedimento veio a ser remetido ao Ministério Público Federal, ante o fato de constar que a aludida obra teria sido executada a partir de verbas de programa mantido pela União. Na sequência, o Ministério Público Federal declinou da atribuição por entender inexistir interesse a ser tutelado e reencaminhou os autos para o Ministério Público estadual, que, por sua vez, suscitou o conflito — v. Informativo 812. O Tribunal adotou a mesma orientação fixada em recentes pronunciamentos (ACO 924/PR, DJE de 26.9.2016; ACO 1.394/RN, Pet 4.706/DF e Pet 4.863/RN, DJE de 27.5.2016), no sentido de que a natureza da controvérsia não se qualifica como conflito federativo apto a atrair a incidência do art. 102, “f”, da Constituição. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que negavam provimento ao recurso. O ministro Marco Aurélio confirmou o voto proferido na sessão anterior e acrescentou que o procurador-geral da República, chefe do Ministério Público da União, não teria ascendência sobre o Ministério Público estadual, não podendo ser árbitro do conflito. Relembrou o posicionamento anterior do Colegiado de que, quando a Constituição não prevê um órgão do Judiciário competente para a análise do caso, a competência seria do Supremo Tribunal Federal. O ministro Celso de Mello, na mesma linha, asseverou não haver sentido, considerada a autonomia institucional dos Ministérios Públicos estaduais, submetê-los ao poder decisório ou poder de supervisão do procurador-geral da República, tendo em conta ser a Constituição muito clara ao atribuir, ao Procurador-Geral da República, a chefia do Ministério Público da União. Concluiu que a solução mais adequada seria a de preservar a competência do Poder Judiciário.
Pet 5586 AgR/RS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Teori Zavascki, julgamento em 15.12.2016. (Pet-5586)
Direito Constitucional - Conselho Nacional de Justiça. CNJ: interpretação do art. 102, I, “r”, da Constituição Federal e não aplicação de lei inconstitucional
O Plenário julgou improcedente pedido formulado por sindicato em ação anulatória cujo objetivo era anular decisão administrativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que determinou a exoneração de todos os nomeados para os cargos em comissão criados pela Lei 8.223/2007 do Estado da Paraíba. Considerou válida a atuação do CNJ e declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 5º da mencionada lei paraibana. Denegou, ainda, uma série de mandados de segurança, nos quais suscitadas as mesmas questões postas na ação anulatória, com a consequente cassação das liminares deferidas na ação cautelar preparatória da ação anulatória e nas referidas impetrações. O Tribunal, preliminarmente e por maioria, decidiu manter sua competência para o processamento e o julgamento da ação anulatória. Prevaleceu o voto da ministra Cármen Lúcia (relatora) no sentido de que deveria ser mitigada, no caso, a interpretação restritiva às ações de natureza mandamental, conferida ao art. 102, I, “r”, da Constituição no julgamento da AO 1.814 QO/MG (DJE de 3.12.2014) e da ACO 1.680-AgR/AL (DJE de 1º.12.2014). A relatora entendeu que a mencionada restrição resultaria em conferir à Justiça Federal de primeira instância a possibilidade de definir os poderes atribuídos ao CNJ para o cumprimento de sua missão, subvertendo, assim, a relação hierárquica constitucionalmente estabelecida. Ademais, considerou que, se aplicado o entendimento de restrição formal da alínea “r” do permissivo constitucional, a ação ordinária deveria ser submetida ao regime de competência estabelecido pelas normas comuns de direito processual e encaminhada à Justiça Federal de primeira instância, nos termos do art. 109, I, da CF. Entretanto, continuariam no STF os mandados de segurança individuais apensados à ação ordinária. A reunião dessas ações teria sido determinada para garantir, com a tramitação e o julgamento conjuntos, a prolação de decisões harmônicas sobre a legitimidade da situação jurídica afetada pelo CNJ. As dificuldades resultantes do encaminhamento da ação ordinária coletiva ao juízo de primeiro grau seriam evidentes, se considerada a ausência de correlação entre os efeitos do seu julgamento e os mandados de segurança individuais. Vencido, no ponto, o ministro Marco Aurélio, que mantinha a orientação fixada no julgamento da Ação Originária 1.814 QO/MG e reputava a Corte incompetente para julgar a ação. No mérito, o Plenário concluiu que o CNJ teria agido com base no art. 103-B, § 4º, II, da CF, nos limites da sua competência, ao afastar a validade dos atos administrativos e a aplicação de lei estadual na qual embasados e reputada contrária ao princípio constitucional de ingresso no serviço público por concurso público, pela ausência dos requisitos caracterizadores do cargo comissionado. Ressaltou o fato de a Corte, no julgamento da ADI 3.233/PB (DJU de 14.9.2007), já ter declarado a inconstitucionalidade, por ofensa ao art. 37, V, da CF, de dispositivos de leis paraibanas anteriores que teriam criado cargos comissionados de agente judiciário de vigilância com as atribuições de prestar serviços de vigilância e segurança. Salientou entendimento doutrinário segundo o qual as leis inconstitucionais não são normas atendíveis, porque colidem com mandamento de uma lei superior, que é a Constituição. Embora o enfoque desse entendimento se dirija à atuação do chefe do Poder Executivo, as premissas seriam aplicáveis aos órgãos administrativos autônomos, constitucionalmente incumbidos da tarefa de controlar a validade dos atos administrativos, tais como o TCU, o CNMP e o CNJ. No que se refere ao CNJ, o Plenário mencionou fundamento constante do julgamento da ADI 12 MC/DF (DJE de 1º.9.2006), no sentido de se extrair do núcleo normativo implícito do art. 103-B, § 2º, II, da CF competência do órgão de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura nacional para dispor, primariamente, sobre cada qual dos quatro núcleos expressos, na lógica pressuposição de que a competência para zelar pela observância do art. 37 da CF e ainda baixar os atos de sanação de condutas eventualmente contrárias à legalidade é poder que traz consigo a dimensão da normatividade em abstrato, que já é forma de prevenir a irrupção de conflitos. Asseverou, portanto, ter-se entre as competências constitucionalmente atribuídas ao CNJ a possibilidade de afastar, por inconstitucionalidade, a aplicação de lei aproveitada como base de ato administrativo objeto de controle e determinar aos órgãos submetidos a seu espaço de influência a observância desse entendimento, por ato expresso e formal tomado pela maioria absoluta de seus membros. Frisou, ademais, não ter havido declaração de inconstitucionalidade da qual resultasse a anulação ou revogação da lei discutida, com exclusão de sua eficácia. Ou seja, houve a nulidade dos atos questionados por ser considerada inaplicável, administrativamente, lei estadual com vício de inconstitucionalidade, com a vinculação apenas da atuação de órgão judicial cujos atos administrativos foram submetidos ao controle do CNJ. Assim, não se haveria de cogitar de usurpação da competência do STF, a qual seria passível de impugnação por meio constitucional próprio, como se dera por meio da ADI 4.867/PB. O Tribunal reconheceu, também, não ter havido desrespeito ao contraditório dos servidores atingidos pela decisão do CNJ. Explicou que, sendo exoneráveis “ad nutum” e não configurando a exoneração punição por ato a eles imputado, seria prescindível a atuação de cada um dos interessados no processo administrativo, notadamente pela ausência de questão de natureza subjetiva na matéria discutida pelo órgão de controle do Poder Judiciário. Ressaltou, ainda, que deveria ser examinada a higidez constitucional do dispositivo da lei paraibana, de forma incidental, diante da mera possibilidade de ser julgado improcedente o pedido formulado na ADI 4.867/PB. Isso evitaria o risco de se afastarem desnecessariamente os ocupantes dos cargos criados pelo dispositivo discutido, com a consequente interrupção dos serviços por eles prestados para o Poder Judiciário local e com a supressão do pagamento da remuneração percebida, com grave implicação no orçamento familiar desses servidores. Ademais, o sindicato autor teria sustentado, expressamente, a constitucionalidade do dispositivo afastado pelo CNJ, não sendo possível que o STF se abstivesse do exame dessa matéria, sob pena de negar a prestação jurisdicional requerida. Concluiu, que, além dos indícios de ofensa ao que decidido na ADI 3.233/PB, a leitura das atribuições conferidas ao cargo criado pelo art. 5º da Lei paraibana 8.223/2007 evidenciaria burla ao art. 37, V, da CF. O dispositivo questionado não explicita as atividades a serem desenvolvidas pelos nomeados para o exercício do cargo comissionado de “assistente de administração”. Limita-se a atribuir-lhes o desempenho de “atividades administrativas”, expressão de conceito jurídico indeterminado a legitimar a conclusão do CNJ no sentido de que os comissionados não passam de “assistentes para múltiplas funções, ou seja, comandados para execução de operações materiais burocráticas”.
Pet 4656/PB, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 19.12.2016. (Pet-4656)
Direito Constitucional - Conflito Federativo. Fundo de Participação dos Estados e descontos relativos ao PROTERRA e ao PIN - 5
O Plenário, em conclusão e por maioria, julgou procedente o pedido formulado em ação cível originária para condenar a União a pagar as diferenças devidas — observado o prazo prescricional de cinco anos, considerada a data do ajuizamento da ação — concernentes aos repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Tal situação ocorreu devido à redução na base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), ante as deduções nos valores recolhidos das contribuições do Programa de Integração Nacional (PIN) e do Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste (PROTERRA), criados pelos Decretos-Leis 1.106/1970 e 1.179/1971 — v. Informativos 544 e 777. O Tribunal observou que a controvérsia versava sobre a repartição das receitas tributárias e, de acordo com o art. 159, I, a, da Constituição, a União deve entregar ao FPE 21,5% do produto da arrecadação do IRPJ e do imposto sobre produtos industrializados (IPI). Assim, as balizas referentes à regência dos tributos estariam bem definidas, não se podendo considerar outras políticas norteadas pelo interesse da União, sob pena de esvaziamento do que estabelecido no Diploma Maior. Aduziu ser sintomática norma que discipline cálculo e, de forma exaustiva, disponha sobre a exclusão de certa parcela ligada à técnica de arrecadação do IRPJ. Ressaltou que a única possibilidade de desconto permitida pela Constituição seria referente à quota-parte alusiva ao desconto na fonte relativamente a servidores dos Estados e do Distrito Federal (art. 157, I) e dos Municípios (art. 158, I), porque procedido pelas próprias unidades da Federação. Frisou que a consideração de outras parcelas para desconto dependeria de emenda constitucional, da mesma forma como se dera em relação ao Fundo Social de Emergência, instituído pela Emenda Constitucional de Revisão 1. Desta forma, o que arrecadado pela União, mediante sistema conducente à diminuição do que devido a título de IRPJ, presentes os programas federais PIN e PROTERRA, destinados a financiar despesas públicas, não poderia, sob o ângulo negativo, ser distribuído entre os Estados. Citou, ainda, o que decidido pelo Supremo no julgamento do RE 572762/SC (DJE de 5.9.2008), no sentido de assentar que, relativamente à participação dos Municípios alusiva ao que arrecadado a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), não caberia ao Estado a submissão à política implementada. Vencidos os ministros Menezes Direito, Eros Grau, Gilmar Mendes e Edson Fachin, que julgavam o pedido improcedente. O ministro Menezes Direito sublinhava que a receita em questão seria dedutiva com relação à arrecadação do imposto de renda, porque ela decorreria de uma opção individual do contribuinte. Por isso, deixaria de entrar, especificamente, como receita vinculada. O ministro Eros Grau sustentava que Estados e Municípios detêm mera expectativa de participar do produto da arrecadação. O ministro Gilmar Mendes afirmava que, do ponto de vista estritamente constitucional, entender que apenas a União deva suportar a repercussão econômica da instituição de benefícios fiscais de tributos de sua competência, ainda que o produto de sua arrecadação seja partilhado, parece tolher sua competência constitucionalmente prevista e inverter o modelo de federalismo de cooperação. Além disso, pertence aos Estados apenas o produto da arrecadação na forma do art. 159, I, da Constituição. A União é livre para exercer sua competência tributária ativa, até mesmo para promover medidas de incentivo fiscal, sem prejuízo da adoção de medidas políticas compensatórias.
ACO 758/SE, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19.12.2016. (ACO-758)
Direito Constitucional - Controle de Constitucionalidade. Procuradoria de Tribunal de Contas e cobrança judicial de multas
É constitucional a criação de órgãos jurídicos na estrutura de tribunais de contas estaduais, vedada a atribuição de cobrança judicial de multas aplicadas pelo próprio tribunal. Com base nessa orientação, o Plenário julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do inciso V do art. 3º da LC 399/2007, do Estado de Rondônia, que dispõe sobre a organização e o funcionamento da Procuradoria-Geral do Tribunal de Contas estadual, na forma do art. 253 da Constituição rondoniense. Inicialmente, o Plenário rejeitou as preliminares de prejuízo e de não conhecimento da ação. Quanto ao alegado prejuízo, considerou que os artigos da LC 399/2007 revogados pela LC 658/2012 tratavam de subsídios, mantidos hígidos os dispositivos concernentes à organização e ao funcionamento da Procuradoria-Geral do Tribunal de Contas estadual. Relativamente ao não conhecimento da ação, o Plenário afirmou que a análise da constitucionalidade das normas contidas na lei complementar impugnada independeria, em princípio, da análise da constitucionalidade dos dispositivos da Constituição estadual que também cuidaram da matéria (art. 253 e parágrafos). Asseverou a possibilidade de ser inconstitucional a norma regulamentadora de determinada matéria sem que o seja também a norma que lhe serve de fundamento. Observou que as normas da Constituição de Rondônia em que o legislador rondoniense se pautou para criar a lei impugnada já foram objeto da ADI 94/RO (DJE de 15.12.2011). Assim, inviável que as normas ora impugnadas fossem objeto da referida ADI, porque editadas em 2007 (oito anos após o seu ajuizamento). Por outro lado, não remanescem dúvidas sobre a desnecessidade de se reiterar pedido de declaração de inconstitucionalidade de normas já sob análise do Supremo Tribunal Federal. No mérito, quanto ao inciso V do art. 3º da lei complementar rondoniense, que prevê a competência da Procuradoria-Geral do Tribunal de Contas estadual para cobrar judicialmente as multas aplicadas em decisão definitiva pela Corte de Contas e não saldadas em tempo devido, o Colegiado reportou-se à orientação fixada em precedentes, no sentido de que o art. 71, § 3º, da CF, norma a ser observada pelos tribunais de contas estaduais em face do princípio da simetria (CF/1988, art. 75), apenas conferiu eficácia de título executivo às decisões do TCU, de que resulte imputação de débito ou multa, sem, contudo, outorgar àquela Corte de Contas legitimação para executá-las. Por outro lado, reputou não haver qualquer vício de inconstitucionalidade dos arts. 1º, §§ 1º e 2º; 2º, “caput”, I e II, e §§ 1º; 3º, “caput”, I, II, III, IV, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, §§ 1º a 3º; 4º, I a X e parágrafo único; 5º; 6º (com alteração da LC 658/2012) e 7º da LC rondoniense 399/2007. Adotou, para tanto, o entendimento fixado no julgamento da ADI 1557/DF (DJ de 18.6.2004) e da ADI 94/RO, no sentido de reconhecer a possibilidade de existência de procuradorias especiais para representação judicial de assembleia legislativa e de tribunal de contas nos casos em que necessitem praticar em juízo, em nome próprio, uma série de atos processuais na defesa de sua autonomia e independência em face dos demais poderes, as quais também podem ser responsáveis pela consultoria e pelo assessoramento jurídico de seus demais órgãos.
ADI 4070/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 19.12.2016. (ADI-4070)
REPERCUSSÃO GERAL
Direito Constitucional - Expropriação. Cultivo ilegal de plantas psicotrópicas: expropriação e responsabilidade do proprietário
A expropriação prevista no art. 243 da CF pode ser afastada, desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa, ainda que “in vigilando” ou “in elegendo”. Com essa orientação, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a natureza jurídica da responsabilidade do proprietário de terras nas quais localizada cultura ilegal de plantas psicotrópicas. Prevaleceu o entendimento do ministro Gilmar Mendes (relator). Asseverou que a redação dada ao art. 243 pela Emenda Constitucional 81/2014, além de incluir a exploração de trabalho escravo como nova hipótese de cabimento do confisco, suprimiu a previsão de que a expropriação seria imediata e inseriu a observância dos direitos fundamentais previstos no art. 5º, no que couber. Salientou que o instituto previsto no art. 243 da CF não é verdadeira espécie de desapropriação, mas uma penalidade imposta ao proprietário que praticou a atividade ilícita de cultivar plantas psicotrópicas, sem autorização prévia do órgão sanitário do Ministério da Saúde. Portanto, a expropriação é espécie de confisco constitucional e tem caráter sancionatório. Ressaltou que em nenhum momento a Constituição menciona a participação do proprietário no cultivo ilícito para ensejar a sanção, mas que não se pode negar que a medida é sancionatória, exigindo-se algum grau de culpa para sua caracterização. Ponderou ser incompreensível admitir que o proprietário das terras perdesse a pretensão reipersecutória, por ter o autor do esbulho cultivado plantas psicotrópicas em seu imóvel. Para o relator, a nova redação do art. 243 aclarou a necessidade de observância de um nexo mínimo de imputação da atividade ilícita ao atingido pela sanção. No ponto, realçou que a própria menção à aplicabilidade do art. 5º remete a um mínimo de proteção do proprietário não culpado pelo ilícito. Concluiu que a responsabilidade do proprietário, embora subjetiva, é bastante próxima da objetiva. Dessa forma, a função social da propriedade impõe ao proprietário o dever de zelar pelo uso lícito de seu terreno, ainda que não esteja na posse direta. Entretanto, esse dever não é ilimitado, e somente se pode exigir do proprietário que evite o ilícito quando evitá-lo esteja razoavelmente ao seu alcance. Ou seja, o proprietário pode afastar sua responsabilidade se demonstrar que não incorreu em culpa, que foi esbulhado ou até enganado por possuidor ou detentor. Nessas hipóteses, tem o ônus de demonstrar que não incorreu em culpa, ainda que “in vigilando” ou “in elegendo”. Segundo o relator, em caso de condomínio, havendo boa-fé de apenas alguns dos proprietários, a sanção deve ser aplicada e ao proprietário inocente cabe buscar reparação dos demais. No caso concreto, o relator observou que o acórdão recorrido deveria ser mantido, por estar demonstrada a participação dos proprietários, ainda que por omissão. O ministro Edson Fachin deixou consignado seu entendimento no sentido de ser objetiva a responsabilidade para fins de expropriação nos termos do art. 243 da Constituição. O ministro Roberto Barroso entendeu se estar diante de boa solução que afastaria a responsabilidade puramente objetiva. O ministro Teori Zavascki afirmou não ser compatível com as garantias constitucionais, inclusive com as garantias do art. 5º, um sistema sancionador fundado em responsabilidade objetiva pura e simplesmente e que, no art. 243 da Constituição, há hipótese típica de presunção “juris tantum” da presença do elemento subjetivo de dolo ou culpa do proprietário, presunção que, todavia, admitiria prova em contrário do interessado. Nesse mesmo sentido pronunciou-se a ministra Rosa Weber. O ministro Marco Aurélio afirmou que, haja vista se ter uma norma a encerrar uma sanção patrimonial, uma expropriação, o critério a prevalecer, de início, não seria subjetivo, como ocorre no direito penal, mas objetivo, sendo possível, no caso, de qualquer forma, cogitar do elemento subjetivo que é a culpa, por ser ínsito à propriedade a vigilância pelo titular.
RE 635336/PE, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14.12.2016. (RE-635336)
Direito Tributário - Sistema Tributário. Parcelamento de dívida relativa à Cofins: isonomia e acesso à Justiça
Não viola o princípio da isonomia e o livre acesso à jurisdição a restrição de ingresso no parcelamento de dívida relativa à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), instituída pela Portaria 655/1993 do Ministério da Fazenda, dos contribuintes que questionaram o tributo em juízo com depósito judicial dos débitos tributários. Esse é o entendimento do Plenário, que, por decisão majoritária, deu provimento a recurso extraordinário que debatia eventual ofensa aos aludidos postulados em face da edição da mencionada portaria, que, ao dispor sobre o parcelamento de débitos inerentes à Cofins, veda-o aos contribuintes que ingressaram em juízo e implementaram o depósito judicial do montante controvertido. O Colegiado entendeu que o princípio da isonomia, refletido no sistema constitucional tributário (CF/1988, arts. 5º e 150, II), não se resume ao tratamento igualitário em toda e qualquer situação jurídica. Refere-se, também, à implementação de medidas com o escopo de minorar os fatores discriminatórios existentes, com a imposição, por vezes, em prol da igualdade, de tratamento desigual em circunstâncias específicas. A isonomia sob o ângulo da desigualação reclama correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação que justifique os interesses protegidos na Constituição, ou seja, adequada correlação valorativa. No caso, entretanto, a norma é antijurídica, porque apresenta discriminações sem justificativa. Além disso, o princípio da inafastabilidade da jurisdição (CF/1988, art. 5º, XXXV) tem o intento de coibir iniciativas de legisladores que possam impor obstáculos desarrazoados ao acesso à Justiça. No caso, o depósito do montante integral do crédito tributário impugnado judicialmente (CTN/1966, art. 151, II) tem natureza dúplice, porque ao tempo em que impede a propositura da execução fiscal, a fluência dos juros e a imposição de multa, também acautela os interesses do Fisco em receber o crédito tributário com maior brevidade. A sua conversão em renda equivale ao pagamento previsto no art. 156 do CTN, e encerra modalidade de extinção do crédito tributário. Por sua vez, o parcelamento tributário, concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica, é causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, que não dispensa o sujeito passivo dos encargos relativos à mora (CTN/1966, art. 151, VI), e implica hipótese diversa do depósito judicial, que, uma vez efetuado, exonera o contribuinte dos acréscimos moratórios e demais encargos legais decorrentes do inadimplemento da obrigação tributária. No caso, a concessão de parcelamento apenas aos contribuintes que não ingressaram em juízo ou aos que ajuizaram ações, mas não implementaram o depósito do crédito tributário controvertido, e a exceção aos contribuintes que ingressaram em juízo e realizaram o depósito judicial não revela discriminação inconstitucional. Afinal, obedece a todos os aspectos essenciais à observância da isonomia na utilização de critérios de desigualação. O discrímen adotado pela portaria aplica-se indistintamente a todos os contribuintes que optaram pela realização do depósito judicial. Ademais, além de guardar estrita pertinência lógica com o objetivo pretendido pela norma, diz respeito apenas aos valores objeto dos respectivos depósitos, e não aos contribuintes depositantes. O critério de desigualação está em consonância com os interesses protegidos pela Constituição, visto que prestigia a racionalização na cobrança do crédito público. É uma solução administrativa que evita o ajuizamento de demandas desnecessárias e estimula o contribuinte em situação irregular ao cumprimento de suas obrigações. O regime jurídico do depósito judicial para suspensão da exigibilidade de crédito tributário, como faculdade do contribuinte, impõe que o montante depositado referente à ação judicial se torne litigioso, permanecendo à sorte do resultado final da ação. Logo, o montante depositado ficará indisponível para as partes enquanto durar o litígio, por ser garantia da dívida “sub judice”. Os contribuintes que efetuaram depósitos em juízo de valores relativos a débitos da Cofins se equiparam àqueles que adimpliram as suas obrigações, com o pagamento do crédito tributário, porque o montante depositado fica condicionado ao resultado final da ação. No julgamento da ADC 1/DF (DJU de 16.6.1995), foi assentada a legitimidade da exação. As ações ajuizadas pelos contribuintes para discussão de sua constitucionalidade encerrarão resultado favorável à Fazenda Pública, o que impossibilita de toda a forma o levantamento dos depósitos judiciais porventura realizados. O Tribunal concluiu que o texto da Portaria 655/1993 do Ministério da Fazenda não configura violação ao princípio da isonomia. Afinal, distingue duas situações completamente diferentes: a do contribuinte que se quedou inerte em relação aos seus débitos com o Fisco e a do contribuinte que voluntariamente efetuou o depósito judicial do débito e fica, portanto, imune aos consectários legais decorrentes da mora. Não há que se falar, igualmente, em ofensa ao livre acesso à Justiça, porque não se impõe o depósito judicial para o ingresso em juízo. Assim, caso o contribuinte tenha ajuizado ação e realizado o depósito do montante que entendera devido, se houver eventual saldo a pagar, pode aderir ao parcelamento para sua quitação. Não há que se falar, portanto, em obstrução à garantia de acesso ao Judiciário. Vencidos os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que negavam provimento ao recurso. Consideravam que a portaria estabeleceria uma diferença ofensiva aos princípios da isonomia e do acesso à jurisdição. O ministro Marco Aurélio ficou vencido também quanto à fixação de tese para efeitos de repercussão geral, por ter em conta que o interesse em recorrer teria surgido antes da regulamentação do instituto.
RE 640905/SP, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 15.12.2016. (RE-640905)
Direito Administrativo - Servidores Públicos. Cargo em comissão, função comissionada e aposentadoria compulsória
Os servidores ocupantes de cargo exclusivamente em comissão não se submetem à regra da aposentadoria compulsória prevista no art. 40, § 1º, II, da CF, a qual atinge apenas os ocupantes de cargo de provimento efetivo, inexistindo, também, qualquer idade limite para fins de nomeação a cargo em comissão. Ressalvados impedimentos de ordem infraconstitucional, não há óbice constitucional a que o servidor efetivo aposentado compulsoriamente permaneça no cargo comissionado que já desempenhava ou a que seja nomeado para cargo de livre nomeação e exoneração, uma vez que não se trata de continuidade ou criação de vínculo efetivo com a Administração. Esse o entendimento do Plenário, que, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário no qual discutidas a possibilidade de aplicação da aposentadoria compulsória a servidor público ocupante exclusivamente de cargo em comissão e a viabilidade de o servidor efetivo aposentado compulsoriamente vir a assumir cargos ou funções comissionadas. O Colegiado anotou que o art. 40, “caput”, da CF faz menção expressa a servidores efetivos. Assim, as disposições relativas à previdência insculpidas nessa norma não se aplicam aos ocupantes de cargo em comissão apenas pelo fato de também serem servidores públicos. Há diferenças significativas entre um agrupamento e outro. Se o art. 40 tivesse o intuito de se referir aos servidores de forma genérica, não haveria a delimitação expressa em seu texto. Portanto, o § 1º, II, do art. 40 — especificamente impugnado nesse recurso — tem sentido e alcance delimitados aos servidores efetivos. Caso persistisse dúvida quanto a essa delimitação, ela seria dirimida pela redação do § 13 do art. 40 (EC 20/1998), o qual, evidenciando o tratamento dissonante a ser conferido aos ocupantes de cargo em comissão, dispõe que ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração aplica-se o regime geral de previdência social. A previsão desse parágrafo proporciona, ainda, outro fundamento em favor da tese da inexistência de obrigatoriedade da aposentadoria compulsória para ocupantes exclusivamente de cargo em comissão. É que a passagem para a inatividade, de acordo com o regime geral, observa o art. 201 da CF e a Lei 8.213/1990, que arrolam, como espécies de aposentadoria, a aposentadoria por invalidez, a aposentadoria por idade, a aposentadoria por tempo de serviço e a aposentadoria especial. Para os vinculados ao regime geral inexiste qualquer previsão de compulsoriedade de aposentação, que será sempre facultativa. Evidente, portanto, que o art. 40, § 1º, II, não incide sobre os ocupantes exclusivamente de cargo comissionado. Nesse sentido, a jurisprudência da Corte tem-se orientado pelo entendimento de que, para a discussão acerca da aposentadoria compulsória, o importante é a condição de exercente ou não de cargo efetivo. Não se atenta para a natureza dos serviços prestados ou pela inserção no genérico grupo de servidores públicos, mas para a natureza da forma de provimento no cargo, com foco na delimitação do art. 40, § 1º, II, da CF. A partir da EC 20/1998, que restringiu o alcance do art. 40 aos servidores de cargos efetivos, o STF vem reconhecendo que o servidor obrigado a se aposentar quando se torna septuagenário é apenas o titular de cargo efetivo. O Colegiado diferenciou, ademais, a lógica que rege as nomeações para cargos comissionados da que rege as nomeações para os efetivos. Os efetivos ingressam no serviço público mediante concurso. Adquirem estabilidade e tendem a manter longo vínculo com a Administração, o que torna admissível a expulsória como forma de renovação. Os comissionados, por sua vez, adentram no serviço público para o desempenho de cargos de chefia, direção ou assessoramento, pressuposta a existência de relação de confiança e de especialidade incomum. Sendo esse o fundamento da nomeação, não há motivo para submeter o indivíduo à compulsória quando, além de persistirem a relação de confiança e a especialização, o servidor é exonerável a qualquer momento, independentemente de motivação. Nesse sentido, a regra da aposentadoria compulsória (CF, art. 40, § 1º, II) aplica-se unicamente aos servidores efetivos. Os ocupantes exclusivamente de cargo em comissão estão livres da passagem involuntária para a inatividade. Evidente, porém, que essa lógica não se aplica às funções de confiança, exercidas exclusivamente por ocupantes de cargo efetivo e a quem são conferidas determinadas atribuições, obrigações e responsabilidades. Nesse caso, a livre nomeação e exoneração se refere somente à função e não ao cargo efetivo. O servidor efetivo aposentado compulsoriamente, embora mantenha esse vínculo com a Administração mesmo após sua passagem para a inatividade, ao tomar posse em virtude de provimento em comissão, inaugura, com esta, uma segunda e nova relação, referente ao cargo comissionado. Não se trata da criação de um segundo vínculo efetivo, mas da coexistência de um vínculo efetivo e de um cargo em comissão sem vínculo efetivo. Vencido o ministro Marco Aurélio, que provia o recurso ao fundamento de que a expulsória diria respeito à prestação de serviço público e alcançaria não somente o detentor de cargo efetivo, mas também o detentor de cargo de confiança.
RE 786540/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 15.12.2016. (RE-786540)
PRIMEIRA TURMA
Direito Constitucional - Reclamação. Reclamação e necessidade de aderência
A Primeira Turma negou provimento a agravo regimental por considerar não ser possível o exame “per saltum” do ato impugnado diretamente à luz do art. 5º, V, CF, bem assim estar clara a ausência de precedente desta Corte apto a permitir o acesso pela via estreita da reclamação. No caso, o reclamante sentiu-se ofendido após emissora de telecomunicação ter veiculado, em telejornal, reportagem sobre denúncia oferecida em desfavor dele. Em seguida, depois de ter o pedido de resposta indeferido extrajucialmente, o agravante ajuizou ação de direito de resposta, que foi julgada improcedente sob o fundamento de que, para a concessão do direito de resposta, seria preciso “ofensa mais virulenta” e “intento deliberado de se transmitir apenas uma aparência de informação”. Diante disso, foi apresentada esta reclamação, alegando que a decisão do juízo teria afrontado o entendimento do Supremo Tribunal Federal firmado na ADPF 130/DF (DJE de 6.11.2009). A Turma consignou não haver aderência entre o paradigma apontado e o ato reclamado. Ao julgar a ADPF 130, o Plenário pronunciou-se sobre a compatibilidade da Lei de Imprensa de 1967 com a Constituição de 1988. Porém, não fixou entendimento de que os requisitos do direito de resposta são extraídos do art. 5º, V, da Constituição — que não estabelece qualquer requisito para sua aplicação — e, portanto, interpretados de forma ampla.
Rcl 24459 AgR/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 13.12.2016. (Rcl-24459)
SEGUNDA TURMA
Direito Processual Penal - Provas. Produção antecipada de prova e pressupostos - 2
A Segunda Turma, em conclusão e por maioria, indeferiu a ordem em “habeas corpus” no qual se pretendia reconhecer a ilegalidade de audiência realizada em ação penal em que o paciente figurou como réu. No caso, o paciente foi denunciado pela suposta prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor, delito previsto no art. 302 da Lei 9.503/1997. Como estava foragido, foi citado por edital, com a consequente suspensão do processo (CPC/1973, art. 366). O juízo determinou, em seguida, a realização de audiência de produção antecipada de prova. Na impetração, o réu alegava haver cerceamento de defesa em virtude de, na mencionada audiência, a antecipação de prova ter como único fundamento o decurso do tempo — v. Informativo 844. A Turma entendeu que a antecipação da prova testemunhal configura medida necessária, pela gravidade do crime praticado e possibilidade concreta de perecimento, haja vista que as testemunhas poderiam se esquecer de detalhes importantes dos fatos em decorrência do decurso do tempo. Afirmou que a antecipação da oitiva das testemunhas não revela nenhum prejuízo às garantias inerentes à defesa. Afinal, quando o processo retomar seu curso, caso haja algum ponto novo a ser esclarecido em favor do réu, basta se proceder à nova inquirição. Portanto, segundo decisão da Turma, o magistrado de origem utilizou-se da prudência necessária, a fim de resguardar a produção probatória e, em última análise, o resultado prático do processo penal. Vencidos os ministros Ricardo Lewandowski (relator) e Dias Toffoli, que concediam a ordem. Pontuavam não haver fundamento concreto a indicar a imprescindibilidade da produção antecipada de prova.
HC 135386/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13.12.2016. (HC-135386)
Direito Processual Civil - Prazos. Novo CPC e contagem de prazo em matéria penal
A Segunda Turma afetou ao Plenário o julgamento de agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. A discussão é sobre o prazo para interpor agravo regimental em matéria criminal, bem como a sua forma de contagem, com o advento do Novo Código de Processo Civil.
ARE 992066/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13.12.2016. (ARE-992066) ARE 988549/RO, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13.12.2016. (ARE-988549)
Direito Penal - Dosimetria. Furto qualificado e causa de aumento de pena - 2
É legítima a incidência da causa de aumento de pena por crime cometido durante o repouso noturno (CP/1940, art. 155, § 1º) no caso de furto praticado na forma qualificada (CP/1940, art. 155, § 4º). Com base nesse entendimento, a Segunda Turma, em conclusão, denegou a ordem em “habeas corpus” — v. Informativo 824. Destacou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já reconheceu a compatibilidade das causas privilegiadas de furto (CP/1940, art. 155, § 2º) com a sua modalidade qualificada. Além disso, sustentou que a inserção pelo legislador do dispositivo da majorante antes das qualificadoras não inviabilizaria a aplicação da majorante do repouso noturno à forma qualificada de furto. Acrescentou que, de acordo com a análise dos tipos penais, a única estrutura permanente e inatingível diz respeito ao “caput”, representativo da figura básica do delito. Ademais, ressaltou que se deve interpretar cada um dos parágrafos constantes do tipo de acordo com a sua natureza jurídica, jamais pela sua singela posição ocupada topograficamente.
HC 130952/MG, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 13.12.2016. (HC-130952)
Direito Penal - Dosimetria. Furto qualificado: dosimetria e circunstâncias judiciais - 3
A Segunda Turma, em conclusão e por maioria, concedeu a ordem de “habeas corpus”, impetrado contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que havia mantido a condenação do paciente à pena de três anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, pela prática do crime de furto qualificado (CP/1940, art. 155, § 4º). Assim, determinou que o juiz da condenação: a) refaça a dosimetria da pena, sem considerar, na primeira fase, a patente culpabilidade, o rompimento de obstáculo e os maus antecedentes como circunstâncias desfavoráveis; e b) substitua a pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. O STJ havia considerado as seguintes circunstâncias desfavoráveis ao réu: a) presença de culpabilidade, uma vez que o paciente estaria consciente da ilicitude do seu comportamento; b) ocorrência de rompimento de obstáculo à subtração da coisa (CP/1940, art. 155, § 4º, I); e c) caracterização de maus antecedentes, por conta da existência de quatro processos criminais em curso — v. Informativos 759 e 838. A Turma decidiu que a consciência da ilicitude seria pressuposto da culpabilidade (CP/1940, art. 21) e, portanto, circunstância inidônea à exasperação da pena. Ressaltou que a circunstância “rompimento de obstáculo” já teria sido considerada qualificadora e não poderia ser novamente adotada para aumentar a pena-base, sem especial demonstração de sua gravidade. Sustentou, também, que os processos criminais apontados como maus antecedentes ainda não transitaram em julgado. Nesse ponto, salientou que, embora não houvesse um pronunciamento final do Plenário, a Turma afastaria a consideração das ações e investigações em andamento como circunstância desfavorável (RHC 117.095/DF, DJe de 13.9.2013; e RHC 113.381/DF, DJe de 20.2.2014). Por fim, o Ministro Gilmar Mendes, relator, reformulou o voto para não mais conceder ordem de ofício. Vencida a Ministra Cármen Lúcia, que denegava a ordem, por não verificar constrangimento ilegal quanto à alegação de ausência de fundamentação idônea para a fixação da pena-base acima do mínimo legal. Além disso, pontuava não caber substituição da pena pela restritiva de direitos, consideradas as circunstâncias dos autos, em especial a quantidade de bens furtados, o “modus operandi” e os vários processos de mesma natureza a que responde o paciente, motivo pelo qual estava preso pouco antes do cometimento do crime.
HC 122940/PI, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13.12.2016. (HC-122940)