Informativo do STF 848 de 25/11/2016
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Execução de pena de multa e titularidade
O Plenário iniciou o julgamento de questão de ordem em ação penal na qual se discute a titularidade para a execução da pena de multa fixada em julgamento condenatório pelo STF. O ministro Roberto Barroso (relator), ao resolver a questão de ordem, assentou que: a) o Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos arts. 164 e seguintes da Lei de Execução Penal; b) caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de noventa dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (federal ou estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980; e c) é necessário dar interpretação conforme à Constituição ao art. 51 do CP para explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição” não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal. No entendimento do ministro, embora a multa penal constitua dívida de valor, possui caráter de sanção criminal. Assim, o Ministério Público é legítimo, prioritariamente, para executá-la, até mesmo pelo fato de a postura do apenado com relação ao cumprimento da sanção pecuniária interferir no gozo dos benefícios a serem usufruídos no curso da execução penal. Todavia, a multa também pode ser cobrada pela Fazenda, em caráter subsidiário e em face da demora do órgão acusador. O ministro Dias Toffoli, ao acompanhar o relator, frisou que a pendência de pagamento da pena de multa, ou sua cominação isolada nas sentenças criminais transitadas em julgado, tem o condão de manter ou ensejar a suspensão dos direitos políticos (CF, art. 15, III). Em divergência, o ministro Marco Aurélio considerou que a legitimação para a cobrança da multa é exclusiva da Fazenda. Entendeu não ter a sanção uma conotação penal, mas de dívida de valor. Seu não pagamento não pode implicar regressão de regime, ou seja, inadmissível prisão por dívida. Em seguida, o ministro Edson Fachin pediu vista dos autos.
AP 470 QO-décima segunda/MG, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 23.11.2016. (AP-470)
Amianto e competência legislativa concorrente - 14
O Plenário retomou o julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra a Lei 11.643/2001 do Estado do Rio Grande do Sul e a Lei 12.684/2007 do Estado de São Paulo. Na presente sessão, a Corte apregoou outras duas ações para julgamento conjunto: uma arguição por descumprimento de preceito fundamental (ADPF) contra a Lei 13.113/2001 e o Decreto 41.788/2002, ambos do Município de São Paulo, e uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) que ataca a Lei 12.589/2004 do Estado de Pernambuco. Os diplomas impugnados proíbem o uso, a comercialização e a produção de produtos à base de amianto/asbesto naquelas unidades federativas — v. Informativos 407 e 686. O ministro Edson Fachin julgou improcedentes os pedidos formulados na ADPF, de sua relatoria, e nas três ADIs. Inicialmente, afastou a alegação de inconstitucionalidade formal. Entendeu que a distribuição de competência entre os diversos entes federativos, à luz do federalismo cooperativo inaugurado expressamente pela Constituição de 1988, não se satisfaz apenas com o princípio informador da predominância de interesses. Diante da existência de situações como a dos presentes autos, a regra de circunscrever-se à territorialidade não resolve de forma plena a solução do conflito existente entre normas, pois é preciso eleger, entre os entes envolvidos, qual circunscrição prevalecerá. O ministro ressaltou que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem optado por concentrar no ente federal as principais competências federativas, mas que é necessário explorar o alcance do federalismo cooperativo insculpido na Constituição de 1988, a fim de enfrentar os problemas de aplicação que emergem do pluralismo que forma o Estado e a sociedade brasileira. Considerou que a resolução estaria no princípio da subsidiariedade — segundo o qual o poder sobre determinada matéria deve ser exercido pelo nível governamental que possa fazê-lo de forma mais apropriada e eficiente — e dos dois critérios que permitem a sua aplicação, que são a presunção contra a preempção (“presumption against pre-emption”) e a clareza de que a legislação sobre o tema deve ser editada de modo amplo, geral e uniforme pela União, afastando de forma clara qualquer potencialidade legiferante em sentido diverso (“clear statement rule”). Explicou que, ao se sustentar a existência do princípio da subsidiariedade no federalismo brasileiro, seria possível retomar a aplicação formulada, entre outros, nos tratados da União Europeia para o contexto nacional. Não porque seria lícito à Corte realizar um transplante de normas ou um “constitutional borrowing” sem mediações, mas porque, na medida em que a experiência comparada faz uso de um princípio geral do direito, também no Brasil seria possível aplicá-lo. Nesse sentido, o aspecto formal do princípio da subsidiariedade seria destinado sobretudo aos poderes legislativos, pois exige que sejam fornecidas razões, se possíveis quantitativas, para demonstrar que a legislação deve ser editada de modo uniforme pelo ente maior. Essa procedimentalização, por sua vez, transmudaria o enfoque a ser dado pelo Poder Judiciário. Em vez de investigar qual competência o ente detém, se deveria perquirir como o ente deve exercê-la. Ainda segundo o ministro Edson Fachin, a subsidiariedade seria complementada pela proporcionalidade. De acordo com a primeira, o ente político maior deve deixar para o menor tudo aquilo que este puder fazer com maior economia e eficácia. Já de acordo com a segunda, é preciso sempre respeitar uma rigorosa adequação entre meios e fins. A proporcionalidade poderia ser utilizada, portanto, como teste de razoabilidade para soluções de problemas envolvendo competência de nítida orientação constitucional. O teste de razoabilidade, por sua vez, exigiria o exame das razões que levaram o legislador a adotar determinado regulamento. Consistiria, portanto, em avaliar se as razões necessárias para a conclusão a que chegou foram levadas em conta ou se optou por motivos que não poderiam ter sido considerados. Interpretando, pois, os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade nesses termos, seria possível, então, superar o conteúdo meramente formal do princípio e reconhecer um aspecto material, consubstanciado numa presunção de autonomia em favor dos entes menores (“presumption against pre-emption”), para a edição de leis que resguardem seus interesses. A aplicação desse entendimento às competências concorrentes poderia ser extremamente vantajosa para melhor delimitar qual o sentido dos termos geral, residual, local, complementar e suplementar. No entanto, no caso dos autos, a discussão envolveria, ainda, uma disputa de sentido desses conceitos quando se opõem às competências expressas da União, dos Estados e dos Municípios. Nessas hipóteses, seria necessário não apenas que a legislação federal se abstivesse de intervir desproporcionalmente nas competências locais, como também que, no exercício das competências concorrentes, a interferência das legislações locais na regulamentação federal não desnaturasse a restrição ou a autorização claramente indicada. Relativamente à aplicação do princípio da subsidiariedade ao caso dos autos, o ministro afirmou que, embora a competência para a produção, o consumo, a proteção do meio ambiente e a proteção e defesa da saúde seja concorrente, seria inconstitucional que o efeito da legislação geral editada pela União pudesse aniquilar totalmente as competências dos Estados e dos Municípios. Apenas se a legislação federal dispusesse, de forma clara e cogente — indicando as razões pelas quais é o ente federal o mais bem preparado para fazê-lo —, que os Estados e Municípios sobre ela não poderiam legislar, seria possível afastar a competência desses entes para impor restrições ao uso do amianto/asbesto. Entretanto, esse não seria este o caso dos autos. Destacou que a União, ao editar a norma geral (Lei 9.055/1995), estabeleceu, no art. 1º, vedação expressa à utilização de vários tipos de amianto que alcança todo o território nacional, enquanto, no art. 2º, previu a possibilidade de extração, industrialização, utilização e comercialização apenas do amianto da espécie crisotila. Contra essa vedação específica não caberia aos Estados, ao Distrito Federal ou aos Municípios legislar de forma a permitir o que havia sido vedado de forma expressa e efetiva, não havendo espaço para a incidência do princípio da subsidiariedade. Entretanto, no que diz respeito à regra geral permissiva da Lei 9.055/1995, tanto a atuação legislativa municipal quanto a estadual teriam ocorrido de forma consentânea com a ordem jurídica constitucional e em seus estritos limites; ou seja, no art. 2º, a Lei 9.055/1995 teria estabelecido a permissão como regra geral, não vedando a imposição de restrições. Tendo isso em conta, observou que, nos casos analisados, os Estados teriam legislado no exercício de sua competência concorrente de proteção e defesa da saúde. O Município de São Paulo, por sua vez, mediante uma escolha política ínsita à ambiência municipal, por definir e delimitar como se daria o seu desenvolvimento econômico no campo da construção civil, teria agido à luz do nítido interesse local e da suplementação da legislação federal de regência. Acrescentou que o Município, ao defender a constitucionalidade da lei, evocou o princípio da precaução e o disposto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal, e afirmou que o Poder Público deve agir com extrema cautela sempre que a saúde pública e a qualidade ambiental puderem ser afetadas por obra, empreendimento ou produto nocivo ao meio ambiente. Em suma, por não existir afastamento claro da competência legislativa dos entes menores pela legislação federal que rege a matéria, seriam constitucionais as leis estaduais e a lei municipal impugnadas que, em matéria de competência concorrente (art. 24, XII, da Constituição Federal) e em matéria de competência local, comum e suplementar (art. 30, I e II, da Constituição Federal), respectivamente, regulamentam de forma mais restritiva a norma geral diante do âmbito de atuação permitido por ela. O ministro Fachin afastou, ainda, a alegação de inconstitucionalidade material, por ofensa ao princípio da livre iniciativa, haja vista que a restrição contida nas leis impugnadas estaria amparada pela proteção à saúde e ao meio ambiente. Seu fundamento teria assento na competência concorrente dos Estados e na competência local, supletiva e comum dos Municípios e também em expressa previsão constante da Convenção 162 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por fim, rejeitou, de igual modo, a assertiva no sentido de não existir risco à saúde e de bastar, para a proteção dos trabalhadores que utilizam o amianto/asbesto, a exigência do uso de equipamentos de segurança no trabalho, conforme determinação da OIT. Observou que essa solução contrariaria o princípio da precaução, de fundamental importância para a ordem constitucional. Em seguida, o ministro Dias Toffoli pediu vista dos autos.
ADI 3356/PE, rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23.11.2016. (ADI-3356) ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 23.11.2016. (ADI-3357) ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 23.11.2016. (ADI-3937) ADPF 109/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 23.11.2016. (ADPF-109)
Parte 1:
Parte 2: Parte 3:
Federalismo fiscal e omissão legislativa
O Plenário iniciou o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade por omissão ajuizada em face de alegada omissão legislativa, por parte do Congresso Nacional, no tocante à edição da lei complementar prevista no art. 91 do ADCT, incluído pela EC 42/2003 (“Art. 91. A União entregará aos Estados e ao Distrito Federal o montante definido em lei complementar, de acordo com critérios, prazos e condições nela determinados, podendo considerar as exportações para o exterior de produtos primários e semi-elaborados, a relação entre as exportações e as importações, os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e a efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, “a”). O ministro Gilmar Mendes (relator) julgou o pedido procedente. Declarou que há mora por parte do Congresso Nacional em editar a aludida lei complementar e estabeleceu o limite de doze meses para que a omissão seja sanada. Ressaltou que, na hipótese de o mencionado prazo transcorrer “in albis”, caberá ao Tribunal de Contas da União (TCU): a) fixar o valor total a ser repassado aos Estados-Membros e ao Distrito Federal, considerando os critérios dispostos no art. 91 do ADCT para fixação do montante a ser transferido anualmente relativo às exportações de produtos primários e semielaborados, à relação entre as exportações e as importações, aos créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente e à efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, “a”, da CF; e b) calcular o valor das quotas a que cada ente terá direito, considerando os entendimentos entre os Estados-Membros e o Distrito Federal realizados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Considerou atendidos os requisitos da legitimidade ativa e da pertinência temática. Nos termos da jurisprudência da Corte, é necessário haver pertinência entre o objeto da ação e a defesa do interesse em causa. No caso dos governadores, a legitimidade está condicionada à repercussão do ato normativo impugnado nas atividades de interesse dos Estados-Membros, como na hipótese em debate. No mérito, entendeu que o tema envolve autonomia financeira e partilha de recursos tributários. Embora o texto original da Constituição tivesse promovido esforços para descentralizar as receitas, a União, por meio das contribuições (cuja receita não é compartilhada com os demais entes), conseguiu reverter o quadro de partilha, concentrando em seu poder a maior parte dos recursos tributários arrecadados. A partir do Plano Real, houve incremento da participação das receitas de contribuições no total de receitas correntes da União, sem o respectivo incremento na participação das receitas tributárias. Assim, se, por um lado, o constituinte desenhou um quadro fiscal fortemente descentralizado quanto aos impostos, por outro, deixou nas mãos da União, livres de qualquer partilha de arrecadação, outra espécie tributária: as contribuições, especialmente as sociais. Nesse contexto, a edição da EC 42/2003 traduziu um esforço de desoneração de exportações, com impacto nas finanças estaduais. Por consequência, acabou por elevar ao plano constitucional tanto a tentativa de desoneração da LC 87/1996 quanto a obrigatoriedade de repasses mensais a cargo da União. Além disso, as exportações brasileiras foram completamente removidas do campo de incidência do ICMS. Criou-se, portanto, uma imunidade constitucional, em prejuízo de uma fonte de receita pública estadual. Se, por um lado, a modificação prestigia e incentiva as exportações, em prol de toda a Federação, por outro, a nova regra traz consequências severas sobretudo para quem se dedica à exportação de produtos primários. Por isso, para compensar a perda de arrecadação imposta pela EC 42/2003, estabeleceu-se, no art. 91 do ADCT, uma fórmula de transferência constitucional obrigatória da União em favor dos Estados-Membros e do Distrito Federal. Esse mecanismo, em tese, poderia representar importante instrumento de federalismo cooperativo, de sorte a atenuar os impactos financeiros decorrentes da desoneração promovida pela EC 42/2003 nas contas estaduais. Entretanto, a lei complementar prevista no art. 91 do ADCT nunca foi editada e, até hoje, a regra do § 3º desse dispositivo continua sendo aplicada. O relator assinalou, também, que existe um dever constitucional de legislar, previsto no art. 91 do ADCT, e uma omissão legislativa que perdura por mais de dez anos. Isso traz consequências econômicas relevantes, especialmente em relação a determinados Estados-Membros. Além disso, embora falte a lei complementar exigida pela Constituição, a legislação em vigor traz critérios provisórios para os repasses. Isso, entretanto, não basta para afastar a omissão em debate. Ao contrário, o sentido de provisoriedade do § 2º do art. 91 do ADCT só confirma a lacuna legislativa e não tem o condão de convalidá-la. Está, portanto, configurado o estado de inconstitucionalidade por omissão, em razão de mora do Poder legislativo. O relator considerou necessário, ainda, adotar solução no sentido de, decorrido “in albis” o prazo de doze meses estipulado para que o Legislativo saneie a omissão, caber ao TCU, enquanto não sobrevier lei complementar, a competência para definir anualmente o montante a ser transferido, na forma do art. 91 do ADCT, considerando os critérios ali dispostos. Quanto à repartição entre os diversos entes federados, propôs que fosse feita nas condições estabelecidas pelo Confaz, de modo que a distribuição de recursos considere o ICMS desonerado nas exportações de produtos primários e semielaborados e os créditos de ICMS decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente. Por fim, explicou que o TCU é a instituição mais adequada para cumprir temporariamente essa incumbência (CF, art. 161, parágrafo único). Ademais, é o órgão escolhido pelo legislador para o cálculo da participação de cada Estado-Membro ou do Distrito Federal na repartição da receita tributária a que se refere o art. 159, II, da CF. Caberá, assim, aos Estados-Membros e ao Distrito Federal proceder na forma do § 4º do art. 91 do ADCT, de modo a apresentar à União, nos termos das instruções baixadas pelo Ministério da Fazenda, as informações relativas ao imposto de que trata o art. 155, II, da CF, declaradas pelos contribuintes que realizarem operações ou prestações com destino ao exterior, a fim de subsidiar o TCU na fixação do montante a ser transferido, bem como das quotas a que terão direito os entes federados. Advindo a lei complementar, cessa a competência da Corte de Contas, conferida de forma precária e excepcional. O ministro Marco Aurélio, por sua vez, acompanhou o relator em parte, para somente assentar a mora do Legislativo na matéria. Não assinalou prazo para a edição de lei complementar, cabível apenas na hipótese de autoridade administrativa (CF, art. 103, § 2º). Além disso, reputou que o TCU não pode substituir o Congresso Nacional, omisso quanto à edição da norma. O ministro Teori Zavascki acompanhou o relator quanto à mora e à fixação de prazo para sanar a omissão. Entretanto, ressaltou a impossibilidade de substituir a norma provisória do art. 91 do ADCT por outra também precária, criada pelo STF e executada pelo TCU. Se, eventualmente, o Legislativo extrapolasse o prazo de doze meses, aí sim caberia ao STF deliberar a respeito. Após os votos dos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli, que acompanharam o relator, o julgamento foi suspenso.
ADO 25/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 23 e 24.11.2016. (ADO-25)
Parte 1:
Parte 2:
Ultra-atividade das convenções e acordos coletivos de trabalho e CF/1988
A Corte iniciou o julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade nas quais se questiona a constitucionalidade do art. 19 da Medida Provisória 1.950-62/2000, na parte em que revoga os §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei 8.542/1992. A norma impugnada, que dispõe sobre medidas complementares ao Plano Real, estabelece: “Art. 19. Revogam-se os §§ 1º e 2º do art. 947 do Código Civil, os §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei n. 8.542, de 23 de dezembro de 1992, e o art. 14 da Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991.” Nos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei 8.542/1992 havia a seguinte previsão: “Art. 1º-A política nacional de salários, respeitado o princípio da irredutibilidade, tem por fundamento a livre negociação coletiva e reger-se-á pelas normas estabelecidas nesta lei. § 1º As cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho. § 2º As condições de trabalho, bem como as cláusulas salariais, inclusive os aumentos reais, ganhos de produtividade do trabalho e pisos salariais proporcionais à extensão e à complexidade do trabalho, serão fixados em contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho, laudo arbitral ou sentença normativa, observados, dentre outros fatores, a produtividade e a lucratividade do setor ou da empresa.” A ministra Cármen Lúcia (relatora) reconheceu a parcial perda de objeto das ações diretas e julgou improcedentes os pedidos remanescentes. Verificou, inicialmente, não ter sido demonstrado, por meio de argumentação e fundamentação específica — conforme exigido pelo art. 3º da Lei 9.868/1999 e pela jurisprudência da Corte —, como a revogação dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei 8.542/1992 teria afrontado o disposto no art. 5º, XXXVII, da CF. Assim, não há como se conhecer da menção feita ao dispositivo constitucional paradigmático, ante a carência de argumentos e de fundamentação específica. Além disso, reconheceu que, em virtude da conversão da Medida Provisória 1.950-62/2000 na Lei 10.192/2001, estaria prejudicada a análise sobre o atendimento dos pressupostos de admissibilidade daquela espécie legislativa. Segundo a relatora, o Congresso Nacional deu a última palavra quanto à conveniência e oportunidade do ato, bem como quanto ao atendimento dos interesses e valores da sociedade. Nesses termos, a conversão da medida provisória em lei significa a absorção de seu conteúdo, que, segundo o Legislativo, dotou-se de mérito suficiente para se tornar uma nova lei, conforme entendimento jurisprudencial (ADI 1.721/DF, DJU de 29.6.2007). Quanto à alegação de descumprimento dos incisos VI e XXVI do art. 7º da CF, a ministra rememorou que a Corte, ao indeferir a medida cautelar requerida na ADI 2.081 MC/DF (DJU de 6.12.2002), com objeto similar ao destas ações diretas, reconheceu o caráter infraconstitucional da controvérsia surgida pela impugnação de medida provisória que se limita a revogar norma de legislação ordinária. Consignou, conforme manifestação apresentada pela AGU, que somente seria possível afirmar a inconstitucionalidade da norma revogadora se, cumulativamente, a norma constitucional invocada como parâmetro de controle de constitucionalidade carecesse de eficácia plena; a norma revogada efetivamente consubstanciasse regulamentação da norma constitucional invocada; a revogação implicasse a eliminação total de regulamentação constitucional de modo a comprometer, em absoluto, a sua mínima eficácia, o que não ocorreria se com a revogação passasse a operar disciplina diversa ou se a revogação fosse acompanhada da adoção de disciplina distinta da matéria em verdadeira substituição ou alteração da conformação do instituto; ou, ainda, se a norma revogada oferecesse a exata, específica e exclusiva disciplina reclamada pelo texto constitucional, o que implicaria que a nova disciplina da matéria seria contrária ao texto constitucional. Também ressaltou não prevalecer o argumento de terem sido excluídos direitos dos trabalhadores adquiridos em pactos coletivos. Para a relatora, permanecem hígidas no ordenamento jurídico brasileiro as normas constitucionais assecuratórias do direito à irredutibilidade do salário, salvo o disposto em contrário em convenção ou acordo coletivo (art. 7º, VI, da CF/1988), e do reconhecimento das convenções e dos acordos coletivos de trabalho como instrumentos válidos e plenamente eficazes para a criação de obrigações entre as partes contratantes (art. 7º, XXVI, da CF). Asseverou, ademais, que as normas postas nos incisos VI e XXVI do art. 7º não são de eficácia limitada, cuja aplicação efetiva e positiva depende da atividade de órgãos governamentais, especificamente do legislador ordinário. São institutos que fixam princípios norteadores das relações empregatícias e nessa condição vinculam, a um só tempo, os empregadores, os empregados, os órgãos de representação coletiva e o próprio legislador nacional, que poderá atuar com o fim de aprimorar as garantias e os institutos nelas reconhecidos, nada mais que isso. Nessa medida, a revogação das normas dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei 8.542/1992 não causa ruptura do princípio da irredutibilidade dos salários dos trabalhadores, nem impede que eventuais reduções possam ser objeto de convenção ou acordo coletivo (art. 7º, VI, da CF), tampouco diminui a importância das convenções e dos acordos coletivos de trabalho como fonte autônoma do direito do trabalho (art. 7º, XXVI, da CF). Assentou que a principal razão do questionamento apresentado na presente ação direta decorre da suposta revogação do “anteparo natural às pressões negociais patronais excluindo os trabalhadores de direitos em pactos coletivos”. Esse entendimento resulta da presunção de que seria exigida pela Constituição a ultra-atividade das convenções e dos acordos coletivos, ou seja, sua aplicação para além de seu prazo de vigência e até que viesse a ser revogada por instrumento congênere. Tal presunção, no entanto, não encontra uniformidade na doutrina ou na jurisprudência. Conforme evidenciado pela AGU, a controvérsia exclusivamente doutrinária relativa à ultra-atividade das convenções não assume status constitucional, nem indica uma flagrante contrariedade à Constituição. Ponderou, por fim, que os incisos VI e XXVI do art. 7º da CF não disciplinam a vigência e a eficácia das convenções e dos acordos coletivos de trabalho. A conformação desses institutos é de competência do legislador ordinário, que deverá, à luz das demais normas constitucionais, eleger as políticas legislativas capazes de viabilizar a concretização dos direitos dos trabalhadores. O ministro Edson Fachin, ao divergir da relatora, julgou procedentes os pedidos formulados nas ações diretas, declarando a inconstitucionalidade do art. 18 da Lei 10.192/2001. Observou que a Corte, ainda sob a égide da Constituição Federal de 1967 e da Emenda Constitucional 1/1969, reconheceu expressamente a ultra-atividade da norma coletiva. Após, já sob a égide da Constituição de 1988, O Supremo Tribunal Federal adotou entendimento no sentido de que a questão não alcançava estatura constitucional, o que permite concluir, de forma implícita, que prevaleceria a interpretação atribuída pela Justiça especializada. Afirmou, ainda, que a Lei 8.542/1992 é mais adequada ao contexto constitucional de 1988, do que a medida provisória de 1995, convertida em lei em 2001. Pontuou, por fim, que trazer à vigência normas que deixam expressamente consignado, no ordenamento jurídico positivo infraconstitucional brasileiro, aquilo que, por força suficiente e autônoma de densidade normativa, está previsto no inciso XXVI do art. 7º e no § 2º do art. 114 da CF, constitui-se num dever de coerência desta Suprema Corte com sua missão de guardiã da Constituição. O ministro Roberto Barroso, por sua vez, acompanhou a relatora. Ressaltou o caráter infraconstitucional da controvérsia. Destacou, ademais, que a cláusula de ultra-atividade desfavorece o empregado, na medida em que pode desestimular o reconhecimento de vantagens temporárias em acordos e convenções coletivas pelos empregadores. Para o ministro Teori Zavascki, que também acompanhou a relatora, não se pode afirmar que todas as cláusulas de um acordo ou convenção coletiva têm ultra-atividade necessária. Essa conclusão, em vez de prestigiar a força desses acordos ou dessas convenções, na verdade, opera em sentido oposto, porque limita ou elimina a possibilidade de se estabelecerem cláusulas que digam respeito a situações de caráter efêmero ou temporário. Ademais, a lei revogadora veio no âmbito de um plano econômico e, ao que tudo indica, visou a ajustar as convenções coletivas então vigentes a um novo regime salarial e de correção monetária estabelecida no Plano Real. O ministro rememorou, ainda, não haver direito adquirido a regime jurídico. O ministro Marco Aurélio, em conformidade com a relatora, julgou improcedentes os pedidos formulados. Consignou, em suma, que a ultra-atividade das convenções e acordos coletivos não está assegurada na Constituição Federal. Em seguida, a ministra Rosa Weber pediu vista dos autos.
ADI 2200/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24.11.2016. (ADI-2200) ADI 2288/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24.11.2016. (ADI-2288)
PRIMEIRA TURMA
Cabimento de reclamação e Enunciado 10 da Súmula Vinculante
Reclamação constitucional fundada em afronta ao Enunciado 10 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal [“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”] não pode ser usada como sucedâneo de recurso ou de ação própria que analise a constitucionalidade de normas que foram objeto de interpretação idônea e legítima pelas autoridades jurídicas competentes. Com base nesse entendimento, a Primeira Turma, por maioria, negou provimento a agravo regimental em que se discutia o cabimento de reclamação, por violação ao referido verbete sumular, em razão de o acórdão reclamado ter afastado o art. 25, § 1º, da Lei 8.987/1995 (“§ 1º Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados”). No caso, o tribunal de origem – ao interpretar decisão da Corte proferida na ADPF 46 firmando entendimento de persistir o monopólio postal conferido à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) – assentou que a reclamante, concessionária de energia elétrica, não poderia efetuar a contratação de empresa terceirizada para a entrega de fatura referente à leitura dos medidores de energia. A Turma, por sua vez, consignou não ser possível analisar na reclamação se a restrição imposta pela decisão reclamada, na qual se afirmava “legal e constitucional a atividade de emitir faturas e fazer com que cheguem no tempo e no prazo nas mãos dos usuários”, foi uma declaração de inconstitucionalidade parcial implícita do disposto no art. 25, §1º, da Lei 8.987/1995. Afinal, isso extrapola o objeto daquela ação. Ressaltou que o entendimento prevalecente na Suprema Corte é o de que não afronta o Enunciado 10 da Súmula Vinculante, nem a regra do art. 97 da Constituição Federal, o ato da autoridade judiciária que deixa de aplicar a norma infraconstitucional por entender não haver subsunção aos fatos ou, ainda, que a incidência normativa seja resolvida mediante a sua mesma interpretação, sem potencial ofensa direta à Constituição. No caso da presente reclamação, interpretou-se a legislação infraconstitucional respectiva (Lei 8.987/1995), à luz da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 46, sem qualquer indício de declaração de inconstitucionalidade da referida norma. Além de a questão posta já se encontrar judicializada em sede de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, dúvida razoável acerca da interpretação das normas infraconstitucionais não é hipótese de cabimento de reclamação. Vencidos os ministros Roberto Barroso e Marco Aurélio, os quais davam provimento ao agravo regimental. No caso, sublinhavam ter havido vulneração ao referido enunciado sumular e ter a decisão reclamada deixado de aplicar a Lei 8.987/1995, o que negaria vigência a esse dispositivo sem declará-lo inconstitucional. Além disso, o ministro Roberto Barroso acentuava que a terceirização, tanto por força de lei, como pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, seria plenamente admissível.
Rcl 24284/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 22.11.2016. (Rcl-24284)
SEGUNDA TURMA
Reclamação e contagem de prazo
A Segunda Turma deliberou afetar ao Plenário o julgamento de agravo regimental em que se discute a incidência do disposto no art. 798 do Código de Processo Penal no âmbito da reclamação constitucional, ante a existência de regramento específico quanto à contagem de prazos processuais (art. 219, “caput”, do novo Código de Processo Civil).
Rcl 23045 ED-AgR/SP, rel. Min. Teori Zavascki, julgamento em 22.11.2016. (Rcl-23045)
Repasse de duodécimos e frustração na realização da receita orçamentária
A Segunda Turma deferiu parcialmente medida liminar em mandado de segurança impetrado contra ato omissivo. No caso, houve atraso no repasse dos recursos correspondentes às dotações orçamentárias destinadas ao Poder Judiciário do Rio de Janeiro. O Colegiado assegurou ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) o direito de receber, até o dia vinte de cada mês, em duodécimos, os recursos correspondentes às dotações orçamentárias. Facultou ao Poder Executivo proceder ao desconto uniforme de 19,6% da receita corrente líquida prevista na lei orçamentária em sua própria receita e na dos demais Poderes e órgãos autônomos, ressalvada, além da possibilidade de eventual compensação futura, a revisão desse provimento cautelar caso não se demonstre o decesso na arrecadação nem no percentual projetado de 19,6% em dezembro/2016. Na espécie, o impetrante alegava que o art. 168 da Constituição Federal (CF) estabelece o dever de repasse, pelo Poder Executivo, dos recursos financeiros previstos em lei orçamentária regularmente aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro — no caso, a Lei Orçamentária Anual estadual 7.210/2016 (LOA) — ao Poder Judiciário, obrigatoriamente, em duodécimos, até o vigésimo dia de cada mês. Entendia que a omissão do Poder Executivo caracterizaria violação do postulado da separação de Poderes, em razão de indevida interferência do governador do Estado na autonomia administrativa e financeira do TJRJ. Requeria, dessa forma, a concessão da medida liminar pleiteada, para garantir o repasse integral de seu duodécimo orçamentário até o vigésimo dia de cada mês, nos termos do previsto no mencionado dispositivo constitucional. A autoridade impetrada, ao prestar informações, postulava a incidência dos Enunciados 269 e 271 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (STF), para obstar o conhecimento da presente ação mandamental quanto ao pedido de repasse da parcela relativa ao mês de outubro até o dia vinte desse mesmo mês. Sustentava, ainda, que o descumprimento da data prevista no art. 168 da Constituição Federal, para o repasse das dotações orçamentárias em duodécimos, não configuraria ofensa à autonomia financeira do Poder Judiciário (CF, art. 99), pois não decorreria de resistência injustificada do Poder Executivo, mas de frustração na realização do orçamento do Estado. Defendia não haver impedimento legal para utilização de recursos do Fundo Especial do Tribunal de Justiça (FETJ) para pagamento de despesas de pessoal e custeio do TJRJ. Prevaleceu o voto do ministro Dias Toffoli (relator). Para ele, a competência originária relativamente ao conhecimento do “writ” é do STF, porque todos os magistrados vinculados ao TJRJ possuem interesse econômico no julgamento do feito (CF, art. 102, I, “n”). Consignou, ademais, que o TJRJ, embora destituído de personalidade jurídica, detém legitimidade autônoma para ajuizar o presente mandado de segurança em defesa de sua autonomia institucional, estando, no caso, regularmente representado por advogado não vinculado aos quadros da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, em razão da natureza do direito pleiteado, nos termos da jurisprudência do STF. Entendeu, ainda, que as Súmulas 269 e 271 da Suprema Corte não incidem na espécie. Quanto ao mérito, ao reconhecer a complexidade da controvérsia, consignou que a resolução do litígio demanda diálogo entre Poderes e órgãos autônomos. Assim, é possível alcançar solução conciliatória para o quadro fático revelado pelas dificuldades declaradas pelo Estado do Rio de Janeiro em suas finanças, agravadas pela queda da arrecadação prevista para o orçamento de 2016. Além disso, o julgamento da medida cautelar não afasta a possibilidade de posterior audiência de conciliação entre as partes. No tocante à alegação do Estado-Membro de que não há impedimento legal para a utilização de recursos do FETJ para pagamento de salários dos servidores e magistrados, o relator ponderou ser inviável sua utilização para tal fim e para o custeio do TJRJ, nos termos do disposto no art. 2º da Lei estadual 2.524/1996 (“É vedada a aplicação da receita do Fundo Especial em despesas de pessoal”). Destacou, também, que a receita do FETJ origina-se, predominantemente, do pagamento de custas pelas partes que demandam no TJRJ e não são beneficiárias de gratuidade de Justiça, cuja destinação é exclusiva para custeio dos serviços afetos às atividades específicas do Poder Judiciário (CF, art. 98, § 2º). O relator afastou, em juízo liminar, a pretensão do Estado-Membro de compensar os duodécimos faltantes da receita orçamentária do TJRJ prevista para o exercício de 2016 com recursos do FETJ. Assentou que o direito prescrito no art. 168 da CF instrumentaliza o postulado da separação de Poderes, impedindo a sujeição dos demais Poderes e órgãos autônomos da República a arbítrios e ilegalidades perpetradas no âmbito do Executivo. Ponderou que a Corte, ao conceder medida liminar em caso semelhante (MS 31.671/RN, DJe de 30.10.2012), passou a avaliar a necessidade de se adequar a previsão orçamentária à receita efetivamente arrecadada, para fins de definição do direito ao repasse dos duodécimos aos demais Poderes e órgãos autônomos, sob o risco de se chegar a um impasse na execução orçamentária. Pontuou, ainda, que a lei orçamentária, no momento de sua elaboração, declara uma expectativa do montante a ser realizado a título de receita, que pode ou não vir a acontecer no exercício financeiro de referência, sendo o Poder Executivo responsável por proceder à arrecadação, conforme a política pública se desenvolva. Por essa razão, a Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF) instituiu o dever de cada um dos Poderes, por ato próprio, proceder aos ajustes necessários, com limitação da despesa, ante a frustração de receitas (art. 9º da LRF). Diante disso, o ministro ressaltou que, conforme debates travados no julgamento de mérito do MS 31.671/RN (suspenso em razão de pedido de vista), no âmbito federal, os contingenciamentos de receita e empenho operam em ambiente de diálogo entre o Poder Executivo — que sinaliza o montante de frustração da receita — e os demais Poderes e órgãos autônomos da República. No exercício da autonomia administrativa, tais instituições devem promover os cortes necessários em suas despesas, para adequarem as metas fiscais de sua responsabilidade aos limites constitucionais e legais autorizados e conforme a conveniência e a oportunidade. Reconheceu, no entanto, que esse ambiente de diálogo pode encontrar dificuldades no caso de algum Poder ou órgão autônomo se recusar a realizar essa autolimitação. Isso ocorreria em razão da suspensão, por força de cautelar proferida no julgamento da ADI 2.238/DF (DJe de 17.8.2007), da eficácia do § 3º do art. 9º da LRF, que prescreve a possibilidade de o Poder Executivo, por ato unilateral, estipular medida de austeridade nas esferas dos demais Poderes e órgãos autônomos. O que informa o julgamento da medida cautelar deferida nos autos da ADI 2.238/DF, no ponto, é a impossibilidade de se legitimar a atuação do Poder Executivo como julgador e executor de sua própria decisão. Segundo o relator, a Corte, ao deferir medida liminar no MS 31.671/RN, não pretendeu legitimar a atuação unilateral do Poder Executivo na constrição de recurso financeiro repassado ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN). Aliás, no caso do citado precedente, o contingenciamento foi admitido mediante decisão judicial, ressalvada a possibilidade de eventual compensação futura. Diante do déficit orçamentário, estimado em 19,6%, o Estado do Rio de Janeiro promulgou a Lei 7.483/2016, na qual reconheceu o estado de calamidade financeira declarado pelo Decreto 45.692/2016, bem como citou os esforços empreendidos pelo TJRJ, a fim de demonstrar seu compromisso com o alcance da regularidade fiscal e com a desoneração dos cofres públicos. Entendeu, contudo, que as medidas adotadas pelo TJRJ não se confundem com as de autolimitação previstas no art. 9º, “caput”, da LRF, no sentido de se limitarem as despesas previstas, para fins de adequação ao percentual da receita efetivamente arrecadada no exercício financeiro de 2016. Assentou, por fim, a inviabilidade de avaliação, em sede de mandado de segurança, da regularidade dos atos de governo e gestão praticados no Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro. Tais ações podem e devem ser submetidas a julgamento pelos órgãos competentes, não sendo a exigência de repasse integral dos duodécimos o meio adequado para se proceder à sanção de eventual ilegalidade, pois, nesse contexto, o real prejudicado acaba por ser o cidadão. Com razão, entretanto, a justificativa do TJRJ de que não se pode legitimar o cronograma orçamentário fixado pelo Executivo, em desrespeito ao art. 168 da CF. Afinal, retira a previsibilidade da disponibilização de recursos aos demais Poderes, subtraindo-lhes condições de gerir suas próprias finanças, considerada a frustração de receita, conforme sua conveniência e oportunidade. Entendeu que o repasse duodecimal deve ocorrer até o dia vinte de cada mês, nos termos do disposto no art. 168 da CF, de modo a garantir o autogoverno do Poder Judiciário — que não se sujeita à programação financeira e ao fluxo de arrecadação do Poder Executivo —, tendo em vista ser o repasse uma ordem de distribuição prioritária de satisfação de dotação orçamentária (MS 21.450/MT, DJU de 5.6.1992). O ministro Teori Zavascki acompanhou o relator. Asseverou que, em momentos de grave crise econômica, como os que vivem praticamente todos os Estados da Federação, devem ser asseguradas a autonomia e a igualdade entre os Poderes. Consignou que não faz sentido, em uma situação de acentuado déficit orçamentário — em que a realização do orçamento é muito inferior ao previsto —, que um determinado Poder ou órgão autônomo tenha seu duodécimo calculado com base em previsão de receita não realizada, em detrimento da participação de outros órgãos e Poderes. Concluiu que a base de cálculo dos duodécimos deve observar, além da participação percentual proporcional, o valor real de efetivo desempenho orçamentário e não o valor fictício previsto na lei orçamentária. Para o ministro Ricardo Lewandowski, que também acompanhou o relator, havendo frustração de receita, o ônus deve ser compartilhado de forma isonômica entre todos os Poderes.
MS 34483-MC/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 22.11.2016. (MS-34483)
“Habeas corpus” e razoável duração do processo
A Segunda Turma concedeu a ordem em “habeas corpus” no qual se pretendia atribuir celeridade ao julgamento do mérito de REsp no STJ. A defesa alegava que a demora no julgamento do recurso violaria o princípio do devido processo legal, que pressupõe a célere prestação jurisdicional, sobretudo quando o bem jurídico em questão é a liberdade do cidadão e da justiça efetiva ou celeridade processual. O Colegiado assentou que, em regra, o grande volume de trabalho do STJ permite flexibilizar, em alguma medida, o princípio constitucional da razoável duração do processo. No caso, contudo, a demora demasiada para o julgamento do recurso, em razão do elevado número de substituição de relatores — no total de cinco substituições —, configura negativa de prestação jurisdicional e flagrante constrangimento ilegal sofrido pelo paciente. Tal circunstância justifica a concessão da ordem para determinar que o STJ julgue o recurso imediatamente.
HC 136435/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 22.11.2016. (HC-136435)