Informativo do STF 847 de 18/11/2016
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Extinção de carteira de previdência e serventias não oficializadas
O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face da Lei 14.016/2010 do Estado de São Paulo, que declara em extinção a Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado a que se refere a Lei 10.393/1970 e veda que o Estado-Membro responda, direta ou indiretamente, pelo pagamento dos benefícios já concedidos ou que venham a ser concedidos no âmbito da Carteira das Serventias, e por qualquer indenização a seus participantes ou por insuficiência patrimonial passada, presente ou futura. Prevaleceu o entendimento fixado no voto do ministro Marco Aurélio (relator) com os aditamentos do voto do ministro Teori Zavascki. O ministro Marco Aurélio considerou que, com a Emenda Constitucional 20/1998, o regime criado pela Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas deixou de ter suporte na Carta Federal, não se identificando com nenhum dos modelos nela previstos. Dessa forma, a sistemática reservada aos servidores públicos efetivos, com base no art. 40 da Constituição Federal, não se aplicaria. O diploma impugnado tampouco teria instituído sistema compatível com a previdência privada, haja vista a vedação contida no § 3º do art. 202 da Carta Magna. Observou que, diante disso, teriam restado duas possibilidades à Carteira Previdenciária: a liquidação ou a adequação das fontes de custeio e das regras ao regime complementar inaugurado com a reforma da Previdência. Entretanto, asseverou que nenhuma dessas alternativas poderia desconsiderar o princípio da segurança jurídica. O ministro Marco Aurélio reportou-se à orientação firmada no julgamento da ADI 4291/SP (DJe de 21.5.2013), no sentido de que não se poderia colocar em segundo plano direitos adquiridos e situações subjetivas já reconhecidas e de que se teria situação previdenciária singular, criada e fomentada pelo próprio Poder Público, cuja modificação da realidade jurídica implicou a necessidade de liquidação do Fundo. Os participantes não teriam o dever de arcar com os prejuízos da ausência da principal fonte de custeio da Carteira, ainda que a Administração Pública, no tocante à decisão de extingui-la, tivesse atuado dentro dos limites da licitude, sendo antiga a jurisprudência da Corte sobre a possibilidade de configuração da responsabilidade do Estado, ainda que o ato praticado seja lícito. Por fim, o ministro Marco Aurélio destacou a obrigatoriedade da filiação à Carteira das Serventias não Oficializadas do Estado de São Paulo. O ministro Teori Zavascki acompanhou o voto do relator. Entendeu, porém, que se deveria também reconhecer uma declaração conforme, assegurando àqueles que não implementaram todos os requisitos a possibilidade da contagem do tempo de serviço, nos termos do § 9º do art. 201 da Constituição Federal, a fim de evitar demandas individuais futuras. Em suma, o Plenário decidiu: a) declarar a inconstitucionalidade do art. 3º, cabeça, e § 1º, da Lei 14.016/2010, do Estado de São Paulo, no que excluem a assunção de responsabilidade pelo Estado; b) conferir interpretação conforme à Constituição ao restante do diploma impugnado, proclamando que as regras não se aplicam a quem, na data da publicação da lei, já estava em gozo de benefício ou tinha cumprido, com base no regime instituído pela Lei estadual 10.393/1970, os requisitos necessários à concessão; e c) quanto aos que não implementaram todos os requisitos, conferir interpretação conforme para garantir-lhes a faculdade da contagem de tempo de contribuição para efeito de aposentadoria pelo Regime Geral da Previdência Social, nos termos do art. 201, § 9º, da Constituição Federal, ficando o Estado responsável pelas decorrências financeiras da compensação referida. Vencidos, quanto a este último ponto, os ministros Marco Aurélio (relator), Edson Fachin e Dias Toffoli, que se limitavam às situações jurídicas devidamente constituídas à época da extinção da Carteira.
ADI 4420/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Teori Zavascki, julgamento em 16.11.2016. (ADI-4420)
Parte 1:
Parte 2:
ADI e normas para a venda de títulos de capitalização - 8
O Plenário, em conclusão, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 14.507/2002 do Estado de Minas Gerais. A lei impugnada estabelece normas para a venda de títulos de capitalização e similares na referida unidade federativa (“Art. 1º - É vedada a vinculação a outro produto de título de capitalização ou similar, por meio de procedimento, técnica ou método utilizado, ainda que indiretamente, para fomentar ou garantir sua circulação ou venda. Art. 2º - A informação ou publicidade referente a título de capitalização conterá dados comparativos entre a correção monetária e os juros incidentes sobre o valor capitalizado e a valorização obtida na caderneta de poupança por investimento de igual valor, no mesmo período. Art. 3º - A inobservância do disposto nesta lei sujeitará o infrator às seguintes penalidades: I - multa; II - suspensão do fornecimento do produto ou serviço; III - imposição de contrapropaganda; IV - suspensão temporária da atividade. Parágrafo único - As penalidades previstas neste artigo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, sem prejuízo das de natureza cível, penal e de outras cabíveis. Art. 4º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 5º - Revogam-se as disposições em contrário.”) — v. Informativos 576, 775 e 830. O Colegiado asseverou que a regra contida no § 3º do art. 24 da Constituição Federal também abrange o “caput” do artigo. Em seguida, entendeu que o exercício da competência legislativa concorrente pelos Estados — presente ou não norma geral editada pela União — pressupõe o atendimento de situações peculiares do ente, circunstância não verificada no caso. Observou haver lei federal sobre a matéria (Código de Defesa do Consumidor). Ademais, ressaltou que a lei impugnada dispõe, na sua inteireza, sobre sistema de capitalização, o que compete privativamente à União, que também já editou normas sobre defesa do consumidor e publicidade nessa matéria. A norma em debate estabelece, indevidamente, vedação a uma venda casada, o que a legislação federal autoriza. Vencidos, em parte, os ministros Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Celso de Mello e Edson Fachin, que declaravam a inconstitucionalidade apenas do art. 3º, III, da Lei 14.507/2002, do Estado de Minas Gerais, e da expressão "ou publicidade", constante do art. 2º dessa norma, por manifesta invasão do Estado-membro na competência legislativa reservada à União (CF, art. 22, XXIX).
ADI 2905/MG, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 16.11.2016. (ADI-2905)
FIES: obrigações tributárias e alteração normativa
O Plenário, ao apreciar ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face de dispositivos da Lei 10.260/2001, julgou prejudicado o pedido quanto aos arts. 12, IV; e 19, “caput” e §§ 1º a 5º; e improcedente no tocante ao art. 12, “caput”. As normas em questão tratam de obrigações tributárias e previdenciárias de instituições de ensino vinculadas ao Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). A respeito do art. 12, “caput”, da lei impugnada, o Colegiado anotou que sua alteração superveniente, por força da Lei 12.202/2010, não foi substancial. A nova redação apenas modificou a data de emissão limite para os certificados do Tesouro Nacional serem resgatados antecipadamente (de 1º de novembro para 10 de novembro), o que não implica prejudicialidade do pedido. Esses certificados representam títulos da dívida pública, emitidos em favor da instituição de ensino, com a finalidade de quitação de débitos com o INSS. Ao analisar a alegação de inconstitucionalidade material da norma, o Tribunal reputou que a necessidade de satisfação das obrigações previdenciárias correntes para o resgate antecipado dos certificados da dívida pública em poder das instituições de ensino superior não interfere no exercício do direito constitucional à obtenção gratuita de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos ou esclarecimento de situações de interesse pessoal. Essa condição não contraria nem restringe o direito dessas instituições de provocarem o Judiciário para questionar qualquer obrigação previdenciária, garantidos também os direitos processuais ao contraditório e à ampla defesa. Quanto aos arts. 12, IV; e 19, “caput” e §§ 1º a 5º, o Plenário sublinhou que o art. 12, IV sofreu alteração substancial pela Lei 11.552/2007. Com isso, passou a prever como condição para o resgate antecipado que as instituições de ensino superior não estejam em atraso nos pagamentos dos tributos administrados pela receita federal. O “caput” do art. 19, por sua vez, vincula-se ao art. 55 da Lei 8.212/1991, expressamente revogado pelo art. 44, I, da Lei 12.101/2009. Assim, embora esses dispositivos impugnados não tenham sido expressamente revogados, perderam o objeto, pois o conteúdo normativo tinha como destinatárias as instituições de ensino enquadradas no citado art. 55. O art. 19 perdeu, portanto, um elemento essencial: a definição das entidades titulares da obrigação instituída nas normas impugnadas. E, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reconhece-se o prejuízo de ações de controle abstrato nas quais as normas impugnadas deixam de subsistir no ordenamento jurídico.
ADI 2545/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 16.11.2016. (ADI-2545)
Constituição estadual e modelo federal
O Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face de dispositivos da Constituição do Estado do Sergipe que dispõem sobre as competências do Tribunal de Contas estadual e os critérios de recondução do Procurador-Geral de Justiça e de escolha do Superintendente da Polícia Civil. A Corte, por unanimidade: a) declarou a inconstitucionalidade do art. 47, V, e da expressão “decorrido o tempo previsto sem oferecimento do parecer, serão os autos remetidos no prazo de cinco dias às respectivas Câmaras Municipais”, contida na parte final do inciso XII do art. 68, ambos da Constituição de Sergipe; b) deu interpretação conforme à Constituição da República à expressão “permitida a recondução”, constante do § 1º do artigo 116, para ser entendida como “permitida uma recondução”; e c) deu interpretação ao § 1º do art. 127 da Constituição de Sergipe, conforme o art. 144, § 4º, da Constituição da República, para circunscrever a escolha do Superintendente da Polícia Civil, pelo Governador do Estado, a delegados ou delegadas de polícia da carreira, independentemente do estágio de sua progressão funcional. Entendeu que os referidos preceitos impugnados violam o modelo federal instituído pela Constituição da República, de observância compulsória pelos Estados-Membros, por força do art. 75. Considerou que o inciso V do art. 47, ao conferir competência privativa à Assembleia Legislativa para julgar as contas do Poder Legislativo, usurpou a atribuição típica do Tribunal de Contas para julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, prevista no inciso II do art. 71 da Carta Magna. Relativamente à expressão contida na parte final do inciso XII do art. 68, que permite que as Câmaras Legislativas apreciem as contas anuais prestadas pelos prefeitos, independentemente do parecer do Tribunal de Contas do Estado, caso este não o ofereça em 180 dias a contar do respectivo recebimento, o Colegiado vislumbrou ofensa ao art. 31, § 2º, da Constituição Federal. Asseverou, no ponto, que o parecer prévio a ser emitido pela Corte de Contas seria imprescindível, só deixando de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal. No que se refere ao § 1º do art. 116, ressaltou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a permissão de recondução ao cargo do Procurador-Geral de Justiça, sem limite de mandatos, seria contrária ao disposto no art. 128, § 3º, da Constituição Federal, que autoriza uma única recondução. Por fim, o Plenário concluiu que ao § 1º do art. 127 não cumpria circunscrever o exercício da Superintendência da Polícia Civil aos delegados ou delegadas em final de carreira, mas, apenas, àqueles da carreira independentemente de sua progressão, tendo em conta o disposto no art. 144, § 4º, da Constituição Federal.
ADI 3077/SE, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 16.11.2016. (ADI-3077)
REPERCUSSÃO GERAL
Servidor público: contribuição previdenciária sobre parcelas não incorporáveis aos proventos - 6
O Plenário retomou o julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária de servidor público sobre terço constitucional de férias, horas extras, adicional de insalubridade e adicional noturno, no período compreendido entre os meses de maio de 1999 a setembro de 2004 — v. Informativos 776 e 787. Em voto-vista, a ministra Cármen Lúcia acompanhou o ministro Roberto Barroso (relator) e deu parcial provimento ao recurso. Preliminarmente, reconheceu a incidência de prescrição sobre as parcelas cujo recolhimento tenha ocorrido há mais de cinco anos da propositura da ação. Quanto à questão de fundo, asseverou que, embora na Constituição Federal haja modelos distintos de previdência social para os servidores públicos e para os trabalhadores da iniciativa privada, com dinâmicas atuariais próprias, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) seguem os mesmos princípios constitucionais. Os objetivos e os princípios da seguridade social valem para todo o sistema e não para alguns de seus beneficiários. Por isso, não se pode negar a aplicação nem afirmar o desconhecimento de qualquer deles, seja quem for o sujeito dos direitos e deveres neles prescritos. Ademais, definiu-se a existência de dois regimes previdenciários vigentes no País. Ambos podem ter incidência sobre servidores públicos, a depender da condição funcional de cada um. Nesse tipo de situação, coloca-se, de um lado, o RGPS — a que se sujeitam todos os trabalhadores e os servidores ocupantes de cargos de provimento inefetivo ou em condição de não efetividade — e, de outro, o RPPS — destinado exclusivamente a servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. O regime especial de previdência dos servidores públicos observará no que couber os requisitos e critérios fixados para o regime geral da previdência social (CF/1988, art. 40, § 12). A ministra ainda assentou que a solução da controvérsia está posta no § 3º do art. 40 da Constituição, norma especial, segundo a qual, para a definição do valor da aposentadoria, deve ser considerada a remuneração do servidor, entendida como o conjunto de parcelas que se incorporam aos proventos. A norma especial contida no § 3º do art. 40 da Constituição afasta a incidência da regra disposta no art. 201, § 11, da CF/1988 — prevista para o RGPS e aplicável subsidiariamente ao RPPS. Destacou, ademais, que a não incidência da contribuição previdenciária sobre as parcelas não incorporáveis à aposentadoria do servidor público decorre de comando expresso do texto constitucional (art. 40, § 3º). A partir da Emenda Constitucional 20/1998, deveria haver vinculação expressa entre proventos de aposentadoria e remuneração recebida pelo servidor, de modo que as parcelas, sem reflexo nos proventos, estão livres da incidência da contribuição previdenciária. Ponderou também que a vinculação entre a aposentadoria e a contribuição prestada pelo servidor tornou-se mais expressiva com a Emenda Constitucional 41/2003. Assim, prevalece o entendimento de que a contribuição previdenciária do servidor público não pode incidir sobre parcelas não computadas para o cálculo dos benefícios de aposentadoria. Rememorou que, desde 18.12.2002, o Supremo Tribunal Federal (STF), ainda sob a égide da Emenda Constitucional 20/1998, decidiu, em sessão administrativa, pela não incidência da contribuição previdenciária sobre as parcelas não computadas para o cálculo dos benefícios de aposentadoria. Essa decisão, inclusive, teria influenciado a jurisprudência da Corte e o entendimento de órgãos administrativos e jurisdicionais. Consignou, por fim, que, apesar de a Constituição ter conferido ao legislador ordinário a tarefa de estabelecer o critério definidor das parcelas que compõem a remuneração do servidor para fins previdenciários, não é possível subverter o comando constitucional de modo a incluir, na base de cálculo da contribuição previdenciária, parcelas sem repercussão nos proventos de aposentadoria, sob pena de desrespeito ao parágrafo 3º do art. 40 da Constituição Federal. Desse modo, conforme decidido pelo STF, desde o julgamento dos processos administrativos em 2002, o rol das parcelas isentas de contribuição previdenciária previsto pela Lei 9.783/1999 — e posteriormente pela Lei 10.887/2004 — não é taxativo, mas meramente exemplificativo. Para a ministra, a situação dos servidores inativos, contemplados com proventos de aposentadoria, é distinta da dos servidores em atividade. Os aposentados são impelidos a participar do custeio do regime previdenciário de sua categoria em menor proporção, com vistas a impedir eventual insolubilidade do sistema, por imposição do princípio da solidariedade. Além disso, a contribuição dos inativos tem base de cálculo diversa da dos servidores da ativa, pois a contribuição previdenciária incide apenas sobre as parcelas dos proventos que excedem o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS. O ministro Edson Fachin também acompanhou o relator. Entendeu que cabe ao legislador ordinário, no exercício da competência conferida pela Constituição Federal e na ponderação dos princípios que regem a seguridade e a previdência social, dispor sobre as formas de proteção do trabalhador dos riscos sociais aos quais está exposto durante sua atividade laborativa. Além disso, não há na CF/1988 dispositivo que vincule estritamente a contribuição previdenciária ao benefício recebido, devendo a correspondência ser observada na medida do possível, não havendo, contudo, uma exigência normativa estrita nesse sentido. Ressaltou, em conformidade com o voto proferido pelo ministro Dias Toffoli, que, no caso de contribuições direcionadas à seguridade social, a vinculação entre arrecadação e sua destinação deve ser de grau médio, devendo haver proporcionalidade entre as contribuições exigidas e o benefício concedido. Não há, nesses termos, direito a uma estrita vinculação entre a contribuição exigida pelo servidor e o valor do benefício que será pago na aposentadoria. Apontou a necessidade de se estabelecer aplicação simétrica do binômio formado entre os princípios da contributividade e da solidariedade, de modo a prestigiá-los e conjugá-los em um produto final equilibrado. Para o ministro, é possível, conforme autorização decorrente da interpretação do princípio da solidariedade, que a contribuição previdenciária incida sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público. Há que se atentar, contudo, para a proporcionalidade — não identidade — entre a exigência contributiva e a prestação vindoura, para que se evite a incidência de tributo com eventual caráter confiscatório. Pontuou, no entanto, que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal, não se admite a incidência de contribuições previdenciárias sobre parcelas remuneratórias que não compõem os proventos da aposentadoria. O fundamento adotado pela Corte consiste no desenho constitucional do caráter contributivo da previdência social até o advento da Emenda Constitucional 41/2003. Ou seja, de acordo com o princípio contributivo, somente se poderia admitir a incidência da contribuição previdenciária sobre parcelas remuneratórias que comporiam os proventos de aposentadoria. Dessa forma, o STF entendeu que o rol trazido pela Lei 9.783/1999 não seria exaustivo e que qualquer outra verba não incorporável aos proventos da aposentadoria estaria isenta da incidência da contribuição tributária. Ressaltou, ademais, que a Lei 10.887/2004 — a qual trata expressamente do cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargos efetivos —, em seu art. 4º, VII, X, XI e XII, excluiu as verbas que não serão incorporadas à aposentadoria do cálculo da contribuição previdenciária. Ponderou, ainda, que o legislador optou por excluir expressamente as verbas indicadas pelo recorrente do conceito de remuneração para fins de incidência da contribuição previdenciária. Desse modo, se, até a entrada em vigor da Emenda Constitucional 41/2003 a incidência não era admitida por falta de previsão constitucional acerca da aplicação do princípio da solidariedade de grupo ao regime próprio, após a vigência da referida emenda e após a consagração da solidariedade como baliza do regime próprio, o legislador optou por proteger da incidência da contribuição as verbas discutidas no recurso extraordinário, com a consequente exclusão de tais parcelas da base de cálculo da contribuição previdenciária. O ministro Ricardo Lewandowski, no mesmo sentido do voto do relator, deu parcial provimento ao recurso. Segundo ele, o disposto nos §§ 3º e 12 do art. 40 da Constituição, combinado com o § 11 do art. 201 da CF/1988, deixa evidente que somente podem figurar como base de cálculo da contribuição previdenciária os ganhos habituais com repercussão nos benefícios, excluindo, assim, as verbas que não se incorporam à aposentadoria. A dimensão contributiva do sistema mostra-se incompatível com a cobrança de qualquer verba previdenciária sem que se confira ao segurado algum benefício efetivo ou potencial. O princípio da solidariedade não é suficiente para elidir esse aspecto, impondo ao contribuinte uma contribuição que não trará qualquer retorno. O ministro Marco Aurélio, por sua vez, acompanhou a divergência. De acordo com sua análise, não existe correlação exata entre a contribuição paga pelo servidor e o benefício previdenciário, assim como não há como afastar a incidência da contribuição previdenciária sobre parcelas remuneratórias satisfeitas com regularidade. Assentou que concluir de forma contrária apenas aprofundaria as diferenças de tratamento existentes entre os trabalhadores vinculados ao regime geral e os servidores públicos. Em seguida, o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos.
RE 593068/SC, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 16.11.2016. (RE-593068)
Reparação econômica de anistiado político e disponibilidade orçamentária
Reconhecido o direito à anistia política, a falta de cumprimento de requisição ou determinação de providências por parte da União, por intermédio do órgão competente, no prazo previsto nos arts. 12, § 4º, e 18, “caput” e parágrafo único, da Lei 10.599/2002, caracteriza ilegalidade e violação de direito líquido e certo. Havendo rubricas no orçamento destinadas ao pagamento das indenizações devidas aos anistiados políticos e não demonstrada a ausência de disponibilidade de caixa, a União há de promover o pagamento do valor ao anistiado no prazo de 60 dias. Na ausência ou na insuficiência de disponibilidade orçamentária no exercício em curso, cumpre à União promover sua previsão no projeto de lei orçamentária imediatamente seguinte. Com base nessa orientação, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário em que debatido o pagamento imediato de reparação econômica a anistiados políticos, tendo em conta a ausência de previsão orçamentária e o regime de precatórios para pagamento de valores pelos quais o Estado é condenado. De início, o Colegiado lembrou que a declaração de anistiado político é conferida em favor daqueles que, no período de 18.9.1946 a 5.10.1988, sofreram prejuízos em decorrência de motivação exclusivamente política por meio de ato de exceção (ADCT, art. 8º, “caput”). E, para liquidar as reparações econômicas desses anistiados, o orçamento anual da União destina valores expressivos, em prestação única ou em prestação mensal permanente e continuada. Pontuou que, de acordo com o princípio da legalidade da despesa pública, a Administração deve atuar de acordo com parâmetros e valores determinados pela Lei Orçamentária Anual (LOA). O orçamento, por sua vez, deve estar adequado à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e ao Plano Plurianual (PPA), em respeito aos princípios da hierarquia e da integração normativa. Entretanto, a jurisprudência da Corte consolidou a premissa de que a existência de dotação legal é suficiente para que haja o cumprimento integral da portaria que reconhece a condição de anistiado político. Demonstrada, portanto, a existência de dotação orçamentária, decorrente de presumida e legítima programação financeira pela União, não se visualiza afronta ao princípio da legalidade da despesa pública ou às regras constitucionais que impõem limitações às despesas de pessoal e concessões de vantagens e benefícios pessoais. Assim, a recusa de incluir em orçamento o crédito previsto em portaria concessiva de anistia afronta o princípio da dignidade da pessoa humana. Afinal, trata-se de cidadão cujos direitos preteridos por atos de exceção política foram admitidos com anos de atraso pelo Estado, não podendo esse se recusar a cumprir a reparação econômica reconhecida como devida e justa por procedimento administrativo instaurado com essa finalidade. A opção do legislador, ao garantir os direitos a esses anistiados, foi de propiciar restabelecimento mínimo dessa dignidade àqueles que a tiveram destroçada por regime antidemocrático outrora instalado. Havendo o reconhecimento do débito pelo órgão público em favor do anistiado político e a destinação da verba em montante expressivo em lei, não há como acolher a tese de inviabilidade do pagamento pela ausência de previsão orçamentária. O Tribunal salientou, ainda, que admitir a limitação da dotação orçamentária para a satisfação dos efeitos retroativos da concessão de reparação econômica somente aos anistiados que firmaram termo de adesão, nos termos da Lei 11.354/2006, levaria ao reconhecimento da sujeição compulsória do anistiado político ao parcelamento previsto nessa norma. Considerando-se que não houve violação do princípio da prévia dotação orçamentária, não se admite o argumento de que o pagamento dos valores retroativos levará a situação de insolvência. A inexistência de recursos deve ser real e demonstrada de forma esclarecedora. Não basta a mera alegação de que se poderá levar a Administração à exaustão orçamentária. Quanto à aplicação do regime de precatórios para pagamento de valores retroativos, o Colegiado rememorou orientação jurisprudencial no sentido de se determinar o pagamento de reparação econômica retroativa em razão da existência de leis orçamentárias posteriores à edição da respectiva portaria de anistia com previsão de recursos financeiros especificamente para a liquidação de indenizações deferidas a anistiados políticos, a afastar a aplicação do art. 100 da Constituição. A indenização devida ao anistiado político integra grupo específico que merece tratamento diferenciado por disposição constitucional (ADCT, art. 8º). Porém, no caso de anistia, não se condena o Poder Público ao pagamento de determinado valor em decorrência de decisão judicial, como ocorre com precatórios. A punição ocorre em virtude de determinação administrativa, de forma que o pagamento deve ser imediato. O orçamento, embora seja lei em sentido formal, é autorizativo. Não se constitui em reconhecimento da dívida estatal. A obrigação está na portaria, e o Poder Público pode, excepcionalmente, fundamentar a impossibilidade de cumprir a lei e a decisão administrativa vinculante. Nessa hipótese, a União deve, justificada e detalhadamente, motivar a decisão quando da elaboração do orçamento anual, além de indicar por que não cumpre a decisão administrativa vinculante. No caso concreto, como havia rubricas no orçamento destinadas ao pagamento das indenizações devidas e não foi demonstrada a ausência de disponibilidade de caixa, a União há de promover o pagamento imediato do valor ao recorrido, sem cogitar a observância ao regime dos precatórios. Ademais, não se deve determinar a inclusão da dívida reconhecida no orçamento para o próximo ano, pois a mora já se operou e pagamentos foram realizados a terceiros durante os anos em que o anistiado deixou de ter seu crédito atendido. O ministro Edson Fachin ressalvou inexistir incompatibilidade entre o pagamento de reparação decorrente de anistia e o regime de precatórios. A forma de pagamento inicial é a satisfação imediata, no prazo legal, havendo disponibilidade. Do contrário, é dever da União incluir no exercício orçamentário seguinte, não se fechando à hipótese, no caso de não pagamento, do regime de precatórios. O ministro Luiz Fux corroborou ser cabível o mandado de segurança como instrumento para pleitear essa espécie de pagamento em face da Administração. Afinal, não há dúvida sobre a existência do débito — a ensejar ação de cobrança —, mas ato omissivo do Estado. O ministro Ricardo Lewandowski sublinhou que, na hipótese de fraude na concessão de anistia, há de se observar o procedimento do art. 17 da Lei 10.559/2002. Comprovada a falsidade dos motivos que ensejaram a declaração da condição de anistiado político, surge a obrigação de ressarcir os cofres públicos, sem prejuízo de outras sanções.
RE 553710/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 17.11.2016. (RE-553710)
Parte 1:
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IR e IPI: desoneração e direito ao valor que potencialmente seria arrecadado
É constitucional a concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados por parte da União em relação ao Fundo de Participação de Municípios e respectivas quotas devidas às Municipalidades. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário que discutia se a concessão de benefícios, incentivos e isenções fiscais relativos ao Imposto de Renda (IR) e ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) pode impactar o cálculo do valor devido aos Municípios a título de participação na arrecadação dos referidos tributos. Frisou que os Municípios não têm direito subjetivo constitucional para invalidar o exercício da competência tributária da União. Isso ocorre inclusive em relação aos incentivos e renúncias fiscais, desde que observados os parâmetros de controle constitucionais, legislativos e jurisprudenciais atinentes à desoneração. Sublinhou que a repartição de receitas correntes tributárias no Sistema Tributário Nacional conjuga duas espécies de financiamento dos governos locais: uma pelo critério da fonte (cobrança de tributos de competência própria) e outra pelo produto, o qual se traduz em participação no bolo tributário de competência do governo central. Nessa segunda hipótese, não há direito a participação referente à arrecadação potencial máxima em que se incluiria os incentivos e as renúncias fiscais, sob pena de subversão da decisão do Poder Constituinte. Portanto, não compete ao Supremo Tribunal Federal refazer ou invalidar as opções federativas tomadas pelo Poder Constituinte. Ademais, não há como se incluir na base de cálculo do FPM os benefícios e incentivos fiscais devidamente realizados pela União quanto a tributos federais, à luz do conceito técnico de arrecadação. A desoneração tributária regularmente concedida impossibilita a própria previsão da receita pública. Logo, torna-se incabível interpretar a expressão “produto da arrecadação”, prevista nos arts. 157, 158 e 159 da Constituição Federal, de modo que não se deduzam essas renúncias fiscais. No que se refere, especificamente, ao IPI, observou que esse tributo tem natureza e finalidade extrafiscal. Por isso, está dispensado da limitação do princípio da anterioridade e pode ser cobrado no mesmo exercício em que for instituído ou aumentado. Assim, se a União ficar impedida de administrar o IPI e, portanto, impossibilitada de aumentar ou reduzir alíquotas para determinados setores e para situações específicas, sob o fundamento de que isso representaria uma queda no FPM, o imposto perderá a sua natureza constitucional de tributo com finalidade extrafiscal. Não se desconhece a importância das transferências do FPM para as finanças municipais, refletindo-se na consecução da autonomia financeira desses entes federativos. No entanto, acolher a pretensão do recorrente significaria invalidar o modelo de repartição das receitas tributárias eleito em sede constitucional. Vencidos os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli, que davam provimento ao recurso. Para o ministro Luiz Fux, haveria direito consagrado constitucionalmente aos Municípios ao produto da arrecadação do IPI e do IR, que não poderia ser subtraído sob o pálio de uma competência tributária de desoneração. O ministro Dias Toffoli, por sua vez, ressaltava existir abuso na política de desoneração, portanto seria lícito ao Poder Judiciário sindicar os abusos e os exageros cometidos.
RE 705423/SE, rel. Min. Edson Fachin, 17.11.2016. (RE-705423)
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