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Informativo do STF 846 de 11/11/2016

Publicado por Supremo Tribunal Federal


PLENÁRIO

Réu em processo-crime e substituição presidencial

O Plenário iniciou julgamento de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) em que se discute a possibilidade de parlamentar réu em ação penal ocupar a presidência da Câmara dos Deputados. O Colegiado, preliminarmente e por maioria, conheceu da ação constitucional, cujo pedido revela o fato de estar, à época, presidindo a Câmara dos Deputados parlamentar com denúncia recebida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), portanto réu em processo-crime. Segundo a inicial, esse seria um ato do poder público contrário à Constituição. O deslinde acerca da discussão principal depende de interpretação do texto constitucional, tarefa do STF. Portanto, não cabe ao legislador positivo interpretar se é cabível réu em processo-crime na Suprema Corte ser presidente de uma das Casas do Congresso Nacional ou do STF, figurando na linha de substituição da presidência da República. O ministro Celso de Mello salientou que a mera possibilidade de haver lesão a preceito fundamental basta para legitimar a utilização da ADPF por quem dispõe de legitimidade ativa para ajuizá-la. Ademais, no caso em tela, está presente o requisito da subsidiariedade. O tema tem relevo suficiente a permitir a instauração do processo objetivo. Vencido, quanto à preliminar, o ministro Dias Toffoli, que julgava o pedido prejudicado. Para ele, não havia mais situação concreta, pois o parlamentar já teria sido afastado da presidência da Câmara, e a Corte não poderia funcionar como órgão consultivo. No mérito, o ministro Marco Aurélio (relator), acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello, julgou o pedido procedente. Entendeu que os réus em processo-crime no STF não podem ocupar cargo cujas atribuições constitucionais incluam a substituição da presidência da República. Para o relator, quando uma pessoa que reúne essas condições assume a presidência da República, gera-se um estado de grave perplexidade, a implicar desvio ético-jurídico. A teor do disposto no art. 86 da Constituição, admitida acusação contra o presidente da República, por 2/3 da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o STF, nas infrações comuns. Recebida a denúncia, é automática a suspensão das funções exercidas. A impossibilidade de réu em processo-crime ocupar o aludido cargo é uma decorrência do sistema constitucional. Portanto, a linha de substituição do presidente e do vice-presidente da República deve ser composta de pessoas que não estejam na condição de réu. Embora envolva cidadãos, a linha de substitutos do presidente da República diz respeito ao Legislativo e ao Judiciário, enfatizando a importância das Casas Legislativas e do STF. O preceito constitucional é cogente e não contempla a substituição do titular de qualquer das presidências nem a possibilidade de, impedido o primeiro da ordem de substituição, vir a ser chamado o subsequente. Assim, está excluída a substituição do presidente da Câmara, do Senado, do STF, bem como passar-se ao segundo da cadeia de substitutos ante o fato de o primeiro, na ordem preferencial, ser réu. Em seguida, o ministro Dias Toffoli pediu vista dos autos.

ADPF 402/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 3.11.2016. (ADPF-402)

Crimes contra a humanidade e prescrição - 2

O Plenário, em conclusão e julgamento e por maioria, indeferiu pedido de extradição formulado pelo Governo da Argentina em desfavor de um nacional, ao qual imputada a suposta prática de delitos de lesa-humanidade. Ele é investigado por crimes correspondentes, no Código Penal brasileiro, aos de homicídio qualificado, sequestro e associação criminosa. Os delitos teriam sido cometidos quando o extraditando integrava o grupo terrorista “Triple A”, em atividade entre os anos 1973 e 1975, cujo objetivo era o sequestro e o assassinato de cidadãos argentinos contrários ao governo então vigente naquele país — v. Informativos 842 e 844. O Colegiado considerou estar extinta a punibilidade dos crimes imputados ao extraditando, nos termos da legislação brasileira, e de não ter sido atendido, portanto, o requisito da dupla punibilidade. Destacou a jurisprudência nesse sentido, e relembrou o art. 77, VI, do Estatuto do Estrangeiro e o art. III, “c”, do tratado de extradição entre Brasil e Argentina quanto à vedação do pleito extradicional quando extinta a punibilidade pela prescrição. Apresentou também o posicionamento da Corte em casos semelhantes, nos quais o pedido de extradição teria sido deferido apenas quanto aos crimes reputados de natureza permanente e considerados não prescritos, em virtude da não cessação da permanência, situação diversa da ora analisada. Relativamente à qualificação dos delitos imputados ao extraditando como de lesa-humanidade, entendeu que essa circunstância não afasta a aplicação da citada jurisprudência. A Corte se referiu a fundamentos expostos na ADPF 153/DF, no sentido da não aplicação, no Brasil, da imprescritibilidade dos crimes dessa natureza, haja vista o País não ter subscrito a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, nem ter a ela aderido, e, ainda, em razão de somente lei interna poder dispor sobre prescritibilidade ou imprescritibilidade da pretensão estatal de punir. Ponderou que, mesmo se houvesse norma de direito internacional de caráter cogente a estabelecer a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade, ela não seria aplicável no Brasil, por não ter sido ainda reproduzida no direito interno. Portanto, o Estatuto de Roma, considerado norma de estatura supralegal ou constitucional, não elidiria a força normativa do art. 5º, XV, da Constituição da República, que veda a retroatividade da lei penal, salvo para beneficiar o réu. Em seguida, o Plenário afastou a ofensa ao art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Não ocorre, no caso, invocação de limitações de direito interno para justificar o inadimplemento do tratado de extradição entre Brasil e Argentina, mas simples incidência de limitação prevista nesse tratado. Concluiu que, estando prescritos os crimes, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, eventual acolhimento do pedido extradicional ofenderia o próprio tratado de extradição, que demanda a observância do requisito da dupla punibilidade. Vencidos os ministros Edson Fachin (relator), Roberto Barroso, Rosa Weber, que reajustou o voto, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia (presidente), todos pelo indeferimento do pedido. Em seguida, o Tribunal determinou a expedição de alvará de soltura em favor do extraditando. Ext 1362/DF, rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Teori Zavascki, julgamento em 9.11.2016. (Ext-1362) Parte 1: Parte 2:

REPERCUSSÃO GERAL

Protesto de CDA e sanção política

O protesto das Certidões de Dívida Ativa (CDA) constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado em ação direta ajuizada contra o parágrafo único do art. 1º da Lei 9.492/1997, incluído pela Lei 12.767/2012 (“Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as Certidões de Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas”). O Tribunal afastou a alegação de inconstitucionalidade formal do dispositivo atacado. A requerente aduzia ter havido afronta ao devido processo legislativo e à separação de poderes, em virtude de ter sido inserido por emenda na Medida Provisória 577/2012, que versava sobre questões totalmente diversas, relativas ao serviço público de energia elétrica. Observou que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 5.127 (DJE de 27.9.2016), entendeu que a prática de introduzir emendas sobre matérias estranhas às medidas provisórias, consolidada no Congresso Nacional, constitui costume contrário à Constituição. Entretanto, diante dos consideráveis efeitos adversos que adviriam da declaração de inconstitucionalidade de todas as medidas provisórias já aprovadas, ou ainda em tramitação, com vício semelhante, e do fato de estar-se a afirmar um novo entendimento sobre a matéria, a Corte atribuiu eficácia “ex nunc” à decisão. Ficaram, assim, preservadas, até a data daquele julgamento, todas as leis oriundas de projetos de conversão de medidas provisórias com semelhante vício, já aprovadas ou em tramitação no Congresso Nacional, incluindo o dispositivo impugnado na presente ação direta. No que se refere às impugnações materiais, a tese central defendida é a de que o protesto da Certidão de Dívida Ativa pelo fisco constitui “sanção política” – pois seria uma medida extrajudicial que restringe de forma desproporcional os direitos fundamentais dos contribuintes ao devido processo legal, à livre iniciativa e ao livre exercício profissional – imposta, de forma indireta, para pressioná-los a quitar seus débitos tributários. Ponderou que, de acordo com a jurisprudência desta Corte sobre o tema, é possível concluir não bastar que uma medida coercitiva do recolhimento do crédito tributário restrinja direitos dos contribuintes devedores para que ela seja considerada uma sanção política. Exige-se, além disso, que tais restrições sejam reprovadas no exame de proporcionalidade e razoabilidade. Afirmou que a utilização do instituto pela Fazenda Pública não viola o princípio do devido processo legal. Rememorou que, no regime jurídico atual, a execução fiscal constitui o mecanismo próprio de cobrança judicial da Dívida Ativa (Lei 6.830/1980, art. 38). No entanto, embora a Lei 6.830/1980 eleja o executivo fiscal como instrumento típico para a cobrança da Dívida Ativa em sede judicial, ela não exclui a possibilidade de instituição e manejo de mecanismos extrajudiciais de cobrança. Por sua vez, o protesto é justamente um instrumento extrajudicial que pode ser empregado para a cobrança de certidões de dívida, com expressa previsão legal, nos termos do parágrafo único do art. 1º da Lei 9.492/1997. Segundo assentou, não há, assim, qualquer incompatibilidade entre ambos os instrumentos. Eles são até mesmo complementares. Frustrada a cobrança pela via do protesto, o executivo fiscal poderá ser normalmente ajuizado pelo fisco. E mais: em relação à cobrança de créditos de pequeno valor, o protesto será, muitas vezes, a única via possível. Diversas Fazendas optaram por autorizar o não ajuizamento de execuções fiscais nos casos em que o custo da cobrança judicial seja superior ao próprio valor do crédito. Mesmo na ausência de lei sobre o tema, alguns juízes e tribunais locais passaram a extinguir execuções fiscais por falta de interesse processual na hipótese. Além disso, o protesto não impede o devedor de acessar o Poder Judiciário para discutir a validade do crédito tributário ou para sustar o protesto. Tampouco exclui a possibilidade de o protestado pleitear judicialmente uma indenização, caso o protesto seja indevido. Inexiste, assim, qualquer mácula à inafastabilidade do controle judicial. Por esses motivos, não se vislumbra fundamento constitucional ou legal que impeça o Poder Público de estabelecer, por via de lei, o protesto como modalidade extrajudicial e alternativa de cobrança de créditos tributários. Portanto, o protesto de Certidões da Dívida Ativa não importa em qualquer restrição ao devido processo legal. Ademais, o protesto de Certidões de Dívida Ativa não representa um efetivo embaraço ao regular exercício das atividades empresariais e ao cumprimento dos objetos sociais dos administrados. Sua principal finalidade é dar ao mercado conhecimento a respeito da existência de débitos fiscais e permitir a sua cobrança extrajudicial. Desse modo, a medida não impacta diretamente a vida da empresa. Diversamente dos casos julgados por esta Corte em que se concluiu pela violação à livre iniciativa, o protesto não compromete a organização e a condução das atividades societárias – tal como ocorre nas hipóteses de interdição de estabelecimento, apreensão de mercadorias, restrições à expedição de notas fiscais e limitações à obtenção de registros ou à prática de atos necessários ao seu funcionamento – nem restringe, efetivamente, a livre iniciativa e a liberdade de exercício profissional. Quando muito, ele pode promover uma pequena restrição a tais direitos pela restrição creditícia, que, justamente por ser eventual e indireta, não atinge seus núcleos essenciais. A última alegação da requerente é a de que o protesto de CDAs violaria o princípio da proporcionalidade, pois tal instrumento constituiria meio inadequado para alcançar as finalidades do instituto, e desnecessário, uma vez que o fisco teria meios especiais e menos gravosos para a satisfação do crédito tributário. Em relação à adequação da medida, cabe verificar se o protesto de Certidões de Dívida Ativa é idôneo para atingir os fins pretendidos, isto é, se as restrições impostas aos direitos fundamentais dos devedores são aptas a promover os interesses contrapostos. Com a edição da Lei 9.492/1997, registrou-se sensível ampliação do rol de títulos sujeitos a protesto, que passou a incluir, além dos cambiais, “títulos e outros documentos de dívida”. Hoje, portanto, podem ser protestados quaisquer títulos executivos, judiciais ou extrajudiciais, desde que dotados de liquidez, certeza e exigibilidade, nos termos do art. 783 do Código de Processo Civil de 2015. A partir dessa alteração legislativa, o protesto passou também a desempenhar outras funções além da meramente probatória. De um lado, ele representa instrumento para constituir o devedor em mora e comprovar o descumprimento da obrigação. De outro, confere ampla publicidade ao inadimplemento e consiste em meio alternativo e extrajudicial para a cobrança da dívida. Portanto, a remessa da Certidão da Dívida Ativa a protesto é medida plenamente adequada às novas finalidades do instituto. Ela confere maior publicidade ao descumprimento das obrigações tributárias e serve como importante mecanismo extrajudicial de cobrança, contribuindo para estimular a adimplência, incrementar a arrecadação e promover a justiça fiscal, impedindo que devedores contumazes possam extrair vantagens competitivas indevidas da sonegação de tributos. Por evidente, a origem cambiária do instituto não pode representar um óbice à evolução e à utilização do instituto em sua feição jurídica atual. O protesto é, em regra, mecanismo que causa menor sacrifício ao contribuinte, se comparado aos demais instrumentos de cobrança disponíveis, em especial a Execução Fiscal. Por meio dele, exclui-se o risco de penhora de bens, rendas e faturamentos e de expropriação do patrimônio do devedor, assim como se dispensa o pagamento de diversos valores, como custas, honorários sucumbenciais, registro da distribuição da execução fiscal e se possibilita a redução do encargo legal. Assim, o protesto de Certidões de Dívida Ativa proporciona ganhos que compensam largamente as leves e eventuais restrições aos direitos fundamentais dos devedores. Daí por que, além de adequada e necessária, a medida é também proporcional em sentido estrito. Ademais, não configura uma “sanção política”, já que não constitui medida coercitiva indireta que restrinja, de modo irrazoável ou desproporcional, direitos fundamentais dos contribuintes, com o objetivo de forçá-los a quitar seus débitos tributários. Tal instrumento de cobrança é, portanto, constitucional. Por fim, em atenção aos princípios da impessoalidade e da isonomia, é recomendável a edição de regulamentação, por ato infralegal que explicite os parâmetros utilizados para a distinção a ser feita entre os administrados e as diversas situações de fato existentes. A declaração de constitucionalidade do protesto de Certidões de Dívida Ativa pela Administração Tributária traz como contrapartida o dever de utilizá-lo de forma responsável e consentânea com os ditames constitucionais. Assim, nas hipóteses de má utilização do instrumento, permanecem os juízes de primeiro grau e os demais tribunais do País com a prerrogativa de promoverem a revisão de eventuais atos de protesto que, à luz do caso concreto, estejam em desacordo com a Constituição e com a legislação tributária, sem prejuízo do arbitramento de uma indenização compatível com o dano sofrido pelo administrado. Vencidos os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que julgavam procedente o pedido. Pontuavam tratar-se de sanção política a afrontar a atividade econômica lícita, o devido processo legal e o direito de ampla defesa do contribuinte. Ressaltavam que o protesto seria um ato unilateral da administração, sem qualquer participação do contribuinte e teria como único objetivo constranger o devedor. Frisavam haver outros meios menos onerosos para a cobrança dos débitos. Ademais, no momento que a CDA fosse submetida a um protesto, o contribuinte sofreria cerceamento de crédito, o que restringiria suas atividades do dia a dia. O ministro Marco Aurélio, além do aspecto material, reconhecia a inconstitucionalidade formal da norma em razão de ofensa ao devido processo legislativo, pois a emenda que resultou no dispositivo atacado não tinha pertinência com a matéria tratada na medida provisória. Além disso, não participou da fixação da tese.

ADI 5135/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 3 e 9.11.2016. (ADI-5135)

Parte 1:

Parte 2: Parte 3:

Petrobras e imunidade

O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute se a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal pode ser estendida a sociedade de economia mista arrendatária de terreno localizado em área portuária pertencente à União. No caso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concluiu ser a Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRAS) parte legítima para figurar como devedora do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) incidente sobre imóvel localizado no Porto de Santos. O ministro Marco Aurélio (relator) conheceu do recurso, mas a ele negou provimento. Para ele, a imunidade tributária recíproca de natureza subjetiva, que envolve pessoas jurídicas de direito público, não se estende para além das situações do art. 150, § 2º, da Constituição Federal. O relator declarou que tanto as sociedades de economia mista quanto as empresas públicas sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, por força do art. 173, § 2º, do Diploma Maior. Ressaltou que o fato de o imóvel pertencente à União ser utilizado para a persecução de interesse público não atrai a imunidade quanto ao IPTU, haja vista que a recorrente é sociedade de economia mista com capital social negociado na bolsa de valores, ou seja, é pessoa jurídica de direito privado com claro objetivo de auferir lucro. O ministro frisou, tendo em conta a limitação imposta pelo § 3º do art. 150 da Constituição, que, se as pessoas jurídicas de direito público que exploram atividade econômica não gozam da imunidade, as de direito privado também não poderiam fazê-lo. Ademais, o reconhecimento da imunidade recíproca, no caso, implica violação ao princípio da livre concorrência estampado no art. 170 da Carta Magna, por conferir vantagem indevida a pessoa jurídica de direito privado, não existente para os concorrentes. Por fim, à luz dos arts. 32 e 34 do Código Tributário Nacional (CTN), no sentido de que a hipótese de incidência do IPTU abrange não só a propriedade, mas também o domínio útil e a posse do imóvel, e de que o contribuinte do IPTU é tanto o proprietário do imóvel como o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título, o ministro Marco Aurélio concluiu não se poder falar em ausência de legitimidade da recorrente para figurar no polo passivo da relação jurídica tributária. Em divergência, o ministro Edson Fachin deu provimento ao recurso, na linha da jurisprudência da Corte. Explicou, inicialmente, que o IPTU é um imposto de natureza real e que, portanto, a natureza jurídica do bem público cedido onerosamente, ou seja, submetido, ou não, ao regime de arrendamento, não se altera. Dessa forma, aquele que o recebe como possuidor direto não é possuidor com “animus domini”. O ministro Edson Fachin observou ser fato incontroverso nos autos que a União é proprietária do terreno localizado na área portuária do município de Santos e que isso atrai a incidência da imunidade recíproca com base no art. 150, VI, “a”, da CF. Ao citar os arts. 1º, 2º e 4º da Lei 12.815/2013, que dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários, afirmou que o contrato de arrendamento de área aeroportuária firmado entre a Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP) e a sociedade de economia mista exploradora de atividade econômica não torna o cessionário sujeito passivo de obrigação tributária referente ao IPTU ou converte o domínio patrimonial da estatalidade em regime atinente aos direitos reais de propriedade, pelo menos para fins tributários. No que tange ao art. 34 do CTN, considerou a interpretação da jurisprudência e da doutrina pátrias no sentido de que a liberdade de conformação legislativa do ente tributante está adstrita à posse que, por si só, possa conduzir à propriedade, haja vista ser incompatível com a Constituição Federal a eleição de meros detentores de terras públicas como contribuintes de IPTU. Por fim, sustentou inexistir concessão de benefício fiscal a pessoa jurídica de direito privado da Administração Pública Indireta não estendida às demais sociedades empresariais do setor privado. Esse raciocínio não se coaduna com o procedimento licitatório prévio e com os regimes diferenciados de exploração dos portos e do petróleo. Em seguida, o ministro Roberto Barroso pediu vista dos autos.

RE 594015/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 10.11.2016. (RE-594015)

Imunidades tributárias e empresas optantes pelo SIMPLES

O Plenário iniciou o julgamento de recurso extraordinário em que se discute o reconhecimento a contribuinte optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (SIMPLES) das imunidades tributárias previstas nos artigos 149, § 2º, I e 153, § 3º, III, da Constituição Federal (CF). O acórdão impugnado assentou a impropriedade de se conjugarem dois benefícios fiscais em tese incompatíveis, criando-se um sistema híbrido de tributação. Consignou, ainda, ser inviável individualizar a parcela referente a cada tributo no regime unificado de recolhimento. O recorrente alega que as imunidades constituiriam vedações absolutas ao poder de tributar, não devendo ser limitadas pelo legislador infraconstitucional nem pelas autoridades tributárias. Sustenta que, a partir da vigência da Emenda Constitucional 33/2001, as receitas decorrentes de exportação teriam deixado de integrar a base de cálculo das contribuições sociais. Defende, ainda, ser incabível, nas imunidades objetivas, o estabelecimento de condicionantes fáticas para o implemento do benefício. Argumenta, por fim, que a tese adotada pelo Tribunal de origem restringiria a imunidade às empresas de médio e grande porte. O ministro Marco Aurélio (relator) deu provimento ao recurso. Para ele, a imunidade tributária é garantia constitucional que afasta a incidência do tributo, ao passo que a isenção decorre de lei e torna o tributo inexigível, embora os elementos da obrigação tributária estejam configurados: a definição de espécie, o fato gerador, a base de cálculo e a definição de contribuinte. Entendeu que o Tribunal de origem, ao reconhecer que a opção pelo SIMPLES impede a concessão de imunidades tributárias, introduziu exceção não prevista no texto constitucional (relativa à qualificação do contribuinte), colocando em segundo plano os objetivos previstos nos arts. 170, IX, e 179 da Constituição. Asseverou que o tratamento mais favorável conferido às empresas optantes pelo SIMPLES pressupõe a existência de obrigação tributária. Inexistente a obrigação de pagar o tributo, em razão da imunidade, não se verifica o elemento básico para a observância da disciplina do SIMPLES. Ademais, afirmou que, ao estabelecer as alíquotas devidas para os segmentos econômicos que optarem pelo regime diferenciado, a Lei 9.317/1996 especifica o percentual correspondente a cada tributo. Isso possibilita a verificação do alcance da imunidade tributária. Sustentou que a opção pelo SIMPLES não afasta as imunidades previstas nos arts. 149, § 2º, I, e 153, § 3º, III, da Constituição, e que os institutos da imunidade e do sistema integrado de pagamentos de tributos são diversos, não se mesclam nem são passíveis de compensação. O ministro Edson Fachin acompanhou em parte o relator. Pontuou que a não incidência estabelecida constitucionalmente não pode ser excepcionada por legislação infraconstitucional. No entanto, ressaltou que, conforme precedentes da Corte, a imunidade relativa a receitas de exportação não alcança as contribuições sobre o lucro e a folha de salários. Em seguida, o ministro Luiz Fux pediu vista dos autos.

RE 598468/SC, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 10.11.2016. (RE-598468)

PRIMEIRA TURMA

Latrocínio: pluralidade de vítimas fatais e concurso formal

A Primeira Turma iniciou julgamento de recurso ordinário em “habeas corpus” em que se pretende a desclassificação do delito de latrocínio para o de roubo, assim como a exclusão do concurso formal impróprio reconhecido quanto aos crimes de latrocínio. No caso, o recorrente foi condenado a 42 anos de reclusão pela prática das condutas previstas nos arts. 148 (sequestro e cárcere privado), 157, § 3º, segunda parte (latrocínio), por duas vezes, e 211 (ocultação de cadáver) do Código Penal (CP/1940). Reconheceu-se, ainda, o concurso formal impróprio com relação aos crimes de latrocínio, considerada a existência de duas vítimas fatais. A defesa pretende a desclassificação do delito de latrocínio para o de roubo, ante a ausência de provas de que o recorrente teria concorrido para a morte das vítimas, bem como em razão da participação de menor importância na prática delituosa. Pede, também, a exclusão do concurso formal de crimes, por entender ter havido apenas um latrocínio, não obstante a pluralidade de mortes. Requer, por fim, o reconhecimento do direito à progressão ao regime semiaberto. O ministro Marco Aurélio (relator) deu parcial provimento ao recurso. Quanto à desclassificação pretendida, consignou que o Juízo sentenciante, em harmonia com o ordenamento jurídico, julgou ter o recorrente contribuído ativamente para a realização do delito, em unidade de desígnios e mediante divisão de tarefas, com pleno domínio do fato. Além disso, o agente teria assumido o risco de produzir resultado mais grave, ciente de que atuava em crime de roubo, no qual as vítimas foram mantidas em cárcere sob a mira de arma de fogo. Segundo o relator, aquele que se associa a comparsa para a prática de roubo, sobrevindo a morte da vítima, responde pelo crime de latrocínio, ainda que não tenha sido o autor do disparo fatal ou que sua participação se revele de menor importância. No tocante ao reconhecimento de crime único, ponderou que latrocínio é delito complexo, cuja unidade não se altera em razão da existência de mais de uma vítima fatal. Acrescentou, por fim, que a pluralidade de vítimas é insuficiente para configurar o concurso de crimes, uma vez que, na espécie, o crime fim arquitetado foi o de roubo (CP/1940, art. 157, § 3º), e não o de duplo latrocínio. O ministro Edson Fachin acompanhou o relator. Os ministros Roberto Barroso e Rosa Weber negaram provimento ao recurso, por entenderem que, diante da ocorrência de duplo homicídio, estaria configurado o concurso formal de crimes. Em seguida, o ministro Luiz Fux pediu vista dos autos.

RHC 133575/PR, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 8.11.2016. (RHC-133575)