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Informativo do STF 842 de 07/10/2016

Publicado por Supremo Tribunal Federal


PLENÁRIO

Execução provisória da pena e trânsito em julgado - 2

Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, indeferiu medida cautelar em ações declaratórias de constitucionalidade e conferiu interpretação conforme à Constituição ao art. 283 do Código de Processo Penal (CPP) (“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”). Dessa forma, permitiu a execução provisória da pena após a decisão condenatória de segundo grau e antes do trânsito em julgado — v. Informativo 837. O Tribunal assentou que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, LVII, da Constituição Federal (CF). Esse entendimento não contrasta com o texto do art. 283 do CPP. A Corte ressaltou que, de acordo com os arts. 995 e 1.029, § 5º, do Código de Processo Civil (CPC), é excepcional a possibilidade de atribuir efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário na seara criminal. A regra geral continua a ser o recebimento desses recursos excepcionais com efeito meramente devolutivo. Entretanto, é possível atribuir-se efeito suspensivo diante de teratologia ou abuso de poder. Dessa forma, as decisões jurisdicionais não impugnáveis por recursos dotados de efeito suspensivo têm eficácia imediata. Assim, após esgotadas as instâncias ordinárias, a condenação criminal poderá provisoriamente surtir efeito imediato do encarceramento, uma vez que o acesso às instâncias extraordinárias se dá por meio de recursos que são ordinariamente dotados de efeito meramente devolutivo. Não se pode afirmar que, à exceção das prisões em flagrante, temporária, preventiva e decorrente de sentença condenatória transitada em julgado, todas as demais formas de prisão foram revogadas pelo art. 283 do CPP, com a redação dada pela Lei 12.403/2011, haja vista o critério temporal de solução de antinomias previsto no art. 2º, § 1º, da Lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Se assim o fosse, a conclusão seria pela prevalência da regra que dispõe ser meramente devolutivo o efeito dos recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), visto que os arts. 995 e 1.029, § 5º, do CPC têm vigência posterior à regra do art. 283 do CPP. Portanto, não há antinomia entre o que dispõe o art. 283 do CPP e a regra que confere eficácia imediata aos acórdãos proferidos por tribunais de apelação. Ademais, a quantidade de magistrados com assento no STF e no STJ repele qualquer interpretação que queira fazer desses tribunais cortes revisoras universais. Isso afasta a pretensão sucessiva de firmar o STJ como local de início da execução da pena. A finalidade que a Constituição persegue não é outorgar uma terceira ou quarta chance para a revisão de um pronunciamento jurisdicional com o qual o sucumbente não se conforma e considera injusto. O acesso individual às instâncias extraordinárias visa a propiciar ao STF e ao STJ o exercício de seus papéis de estabilizadores, uniformizadores e pacificadores da interpretação das normas constitucionais e do direito infraconstitucional. Por isso, o art. 102, § 3º, da Constituição Federal exige demonstração de repercussão geral das questões constitucionais debatidas no recurso extraordinário. Portanto, ao recorrente cabe demonstrar que, no julgamento de seu caso concreto, malferiu-se um preceito constitucional e que há, necessariamente, a transcendência e relevância da tese jurídica a ser afirmada pela Suprema Corte. É a Constituição que alça o STF primordialmente a serviço da ordem jurídica constitucional e igualmente eleva o STJ a serviço da ordem jurídica. Isso está claro no art. 105, III, da CF, quando se observam as hipóteses de cabimento do recurso especial, todas direta ou indiretamente vinculadas à tutela da ordem jurídica infraconstitucional. Nem mesmo o excessivo apego à literalidade da regra do art. 5º, LVII, da CF, a qual, nessa concepção, imporia sempre o “trânsito em julgado”, seria capaz de conduzir à solução diversa. O ministro Roberto Barroso acrescentou que, por não se discutir fatos e provas nas instâncias extraordinárias, há certeza quanto à autoria e materialidade. Dessa forma, impõe-se, por exigência constitucional em nome da ordem pública, o início do cumprimento da pena, sob o risco de descrédito e desmoralização do sistema de justiça. Além disso, enfatizou que a presunção de inocência é princípio — não regra — e, como tal, pode ser ponderado com outros princípios e valores constitucionais que tenham a mesma estatura. Portanto, o peso da presunção da inocência ou não culpabilidade, após a condenação em segundo grau de jurisdição, fica muito mais leve, muito menos relevante, em contraste com o peso do interesse estatal de que os culpados cumpram pena em tempo razoável. Desse modo, o estado de inocência vai-se esvaindo à medida que a condenação se vai confirmando. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que deferiam a medida cautelar para reconhecer a constitucionalidade do art. 283 do CPP e determinar a suspensão de execução provisória de pena cuja decisão ainda não houvesse transitado em julgado. Afirmavam que a execução provisória da pena, por tratar o imputado como culpado, configuraria punição antecipada e violaria a presunção de inocência, bem como a disposição expressa do art. 283 do CPP. Também pontuavam que a presunção de inocência exige que o réu seja tratado como inocente não apenas até o exaurimento dos recursos ordinários, mas até o trânsito em julgado da condenação. Vencido, parcialmente, o ministro Dias Toffoli, que acolhia o pedido sucessivo para determinar a suspensão de execução provisória de réu cuja culpa estivesse sendo questionada no STJ. Segundo o ministro, esse Tribunal desempenha o relevante papel de uniformizar a aplicação da lei federal nacionalmente. Todavia, no âmbito do STF, o recurso extraordinário não teria mais o caráter subjetivo. Afinal, a questão nele debatida deverá ter repercussão geral e ultrapassar os limites subjetivos do caso concreto, o que, geralmente não existe em matéria criminal. Ademais, a jurisprudência é no sentido de que a questão do contraditório e da ampla defesa é matéria infraconstitucional.

ADC 43 MC/DF, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 5-10-2016. ADC 44 MC/DF, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 5-10-2016.

1ª Parte :

2ª Parte : 3ª Parte : 4ª Parte : 5ª Parte : 6ª Parte :

Crimes contra a humanidade e prescrição

O Plenário iniciou julgamento de pedido de extradição formulado pelo Governo da Argentina em desfavor de um nacional, a quem se imputa a suposta prática de delitos de lesa-humanidade. O extraditando é investigado por crimes correspondentes, no Código Penal brasileiro, aos de homicídio qualificado, sequestro e associação criminosa. Os delitos teriam sido cometidos quando o extraditando integrava o grupo terrorista “Triple A”, em atividade entre os anos 1973 e 1975, cujo objetivo era o sequestro e o assassinato de cidadãos argentinos contrários ao governo então vigente naquele país. O ministro Edson Fachin (relator) reputou atendidos os pressupostos para o deferimento do pleito. Quanto à prescrição, entendeu que o Estado brasileiro não deve invocar limitações do seu direito interno, haja vista que a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade decorre de norma imperativa do Direito Internacional. Considerou que a qualificação de crime de lesa-humanidade atribuída pela legislação argentina é coerente com o Direito Internacional naquilo em que, para efeito de extradição, também vincula o Estado brasileiro. Nesse caso, é necessário adotar uma interpretação adequada ao Tratado de Extradição e ao Estatuto do Estrangeiro, de modo a excepcionar o requisito da prescrição quanto aos crimes contra a humanidade. Para o relator, nos termos dos arts. 141 e 142, inciso 5º, do Código Penal argentino, os fatos atribuídos ao extraditando possuem natureza de delitos de lesa-humanidade. Assim, por constituírem grave violação dos direitos humanos, revestem-se do caráter de imprescritibilidade, o que atrairia a incidência do regime internacional da imprescritibilidade, previsto pela Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, adotada pela Resolução 2.391/1968, da Assembleia Geral das Nações Unidas, cujo artigo 3º obriga os Estados Membros a adotarem todas as medidas internas necessárias para permitir a extradição. Consoante ressaltou, apesar de o Estado brasileiro não ter ratificado essa Convenção, vários países do continente americano o fizeram. Por isso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos assentou que a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade obriga os Estados integrantes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos a punir os suspeitos da prática de tais crimes. Quanto à exigência contida no art. III, “c”, do Tratado de Extradição entre Brasil e Argentina, asseverou que o método de interpretação “segundo o sentido comum atribuível aos termos” do art. 31 da Convenção de Viena deve ceder lugar a outro, conforme dispõe o art. 32 dessa mesma norma, pois a interpretação literal conduz a um resultado manifestamente absurdo ou desarrazoado. Por isso, a manutenção do entendimento de que a prescrição deve ser verificada apenas de acordo com o previsto na lei brasileira tem como consequência a transformação do país em um abrigo de imunidade para os autores das piores violações contra os direitos humanos. Isso ofende a jurisprudência da Corte Interamericana e esvazia o sentido do princípio contido no art. 4º, II, da CF. O relator evidenciou a inexistência de um direito constitucional à prescrição, tendo em conta o disposto nos incisos XLII e XLIV do art. 5º da CF, e na EC 45/2004, que, ao acrescentar o § 4º ao art. 5º, reconhece a submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Por sua vez, o art. 29 do Estatuto de Roma prevê a imprescritibilidade dos crimes internacionais. Para o ministro, a regra da imprescritibilidade pertence ao direito penal internacional, em cujas fontes deve-se buscar uma interpretação do Tratado de Extradição consentânea com o atual quadro normativo do Direito Internacional. Aduziu, ainda, que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja jurisdição é vinculante para o Estado brasileiro, nos termos do art. 62 do Pacto de São José da Costa Rica, entende serem inadmissíveis as disposições de prescrição que tenham por finalidade impedir a investigação e a punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, sendo tal proibição decorrente de normas costumeiras de Direito Internacional. Consignou que do caráter cogente das normas que tipificam os crimes contra a humanidade decorre o afastamento do disposto no art. III, “c”, do Tratado de Extradição entre Brasil e Argentina, por força da previsão contida no art. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que reputa nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Por fim, o relator, tendo em conta o disposto no art. 5º, § 2º, da CF, e a hierarquia supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos, concluiu que a exigência constante do art. 77, VI, do Estatuto do Estrangeiro deve, no caso, acolher a regra de imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade. Seja porque incompatível com o ordenamento constitucional quando o extraditando responde por crime contra a humanidade, seja porque, com base no art. 27 da Convenção de Viena, o Estado não pode invocar limitações do direito interno para deixar de adimplir com obrigações internacionais. Após o voto do ministro Roberto Barroso, que acompanhou o relator, o ministro Teori Zavascki pediu vista dos autos. Ext 1362/DF, rel. min. Edson Fachin, julgamento em 6-10-2016.

Anuidade de conselho profissional e sistema tributário - 4

O Plenário, em conclusão e por maioria, julgou improcedentes pedidos formulados em ações diretas propostas em face de dispositivos da Lei 12.514/2011 que dizem respeito à fixação de anuidades devidas aos conselhos profissionais — v. Informativo 832. Inicialmente, o Colegiado definiu que essas anuidades têm natureza jurídica de contribuições corporativas com caráter tributário. Quanto à alegação de inconstitucionalidade formal, ressaltou a dispensabilidade de lei complementar para a criação de contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais. Acerca da falta de pertinência temática entre a emenda parlamentar incorporada à medida provisória, que culminou na lei em comento, e o tema das contribuições devidas aos conselhos profissionais em geral, a Corte lembrou entendimento fixado no julgamento da ADI 5.127/DF (DJE de 11-5-2016). Naquela ocasião, o Plenário afirmou ser incompatível com a Constituição apresentar emendas sem pertinência temática com a medida provisória submetida à apreciação do parlamento (“contrabando legislativo”). Entretanto, o Colegiado definiu que essa orientação teria eficácia prospectiva. Assim, a medida provisória em questão não padece de vício de inconstitucionalidade formal, haja vista ter sido editada antes do mencionado precedente. A respeito da constitucionalidade material da lei, o Tribunal teceu considerações acerca do princípio da capacidade contributiva. No ponto, afirmou que a progressividade deve incidir sobre todas as espécies tributárias. Além disso, a funcionalização da tributação para realizar a igualdade é satisfeita por meio do pagamento de tributos na medida da capacidade contributiva do contribuinte, o qual se vincula a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas do povo. Em síntese, a progressividade e a capacidade contributiva são os fundamentos normativos do Sistema Tributário Nacional. Por conseguinte, esses princípios incidem sobre as contribuições sociais de interesse profissional. Finalísticas, se prestam a suprir os cofres dos órgãos representativos das categorias profissionais, com o escopo de financiar as atividades públicas por eles desempenhadas. Assim, o fato gerador das anuidades é a existência de inscrição no conselho respectivo, ainda que por tempo limitado, ao longo do exercício. O Poder Legislativo observou, portanto, a capacidade contributiva dos contribuintes ao instituir o tributo. Em relação às pessoas físicas, estabeleceu razoável correlação entre a desigualdade educacional (níveis técnico e superior) e a provável disparidade de renda. No que tange às pessoas jurídicas, há diferenciação dos valores das anuidades baseada no capital social do contribuinte. Essa medida legislativa garante observância à equidade vertical eventualmente aferida entre os contribuintes. Ainda no que se refere à constitucionalidade material da lei, o Plenário discorreu sobre o princípio da legalidade tributária, haja vista a atribuição da fixação do valor exato das anuidades aos conselhos profissionais, desde que respeitadas as balizas quantitativas da norma. Quanto à atualização monetária do tributo, tem-se matéria passível de tratamento normativo por intermédio de ato infralegal. A respeito da imputação de responsabilidade aos conselhos profissionais de fixarem o valor exato da anuidade, a questão tem outras implicações. Devido à expressa previsão constitucional (CF, art. 150, I), o princípio da legalidade tributária incide nas contribuições sociais de interesse profissional. Pode-se afirmar que esse postulado se apresenta sob as seguintes feições: a) legalidade da Administração Pública; b) reserva de lei; c) estrita legalidade; e d) conformidade da tributação com o fato gerador. Há, ainda, a distinção entre reserva de lei – que condiciona as intervenções onerosas na esfera jurídica individual à existência de lei formal, isto é, emanada do Poder Legislativo – e legalidade estrita tributária, que, por sua vez, é a vedação constitucional dirigida à administração federal, estadual e municipal de instituir ou aumentar tributo sem que haja lei que o autorize. Considerada essa diferença, por um lado, não há ofensa ao princípio da reserva legal, pois o diploma impugnado é lei em sentido formal que disciplina a matéria referente à instituição das contribuições sociais de interesse profissional para os conselhos previstos no art. 3º da Lei 12.514/2011. Por outro lado, o princípio da estrita legalidade tributária exige lei em sentido material e formal para as hipóteses de instituição e majoração de tributos, nos termos do art. 150, I, da CF. No tocante à majoração, considera-se satisfeita a finalidade da referida limitação constitucional ao poder de tributar, uma vez que o “quantum debeatur” da obrigação tributária é limitado ao montante previamente estabelecido por lei. Assim, o requisito da autotributação da sociedade foi observado, ou seja, infere-se que a lei procurou acolher a pretensão de resistência do contribuinte à intervenção estatal desproporcional, em consonância com a Constituição. O diploma legal inova legitimamente o ordenamento jurídico ao instituir tributo com a respectiva regra matriz de incidência tributária, haja vista que a anuidade (tributo) é vinculada à existência de inscrição no conselho (fato gerador), tem valor definido (base de cálculo e critério de atualização monetária) e está vinculada a profissionais e pessoas jurídicas com inscrição no conselho (contribuintes). Desse modo, está suficientemente determinado o mandamento tributário, para fins de observância da legalidade tributária, na hipótese das contribuições profissionais previstas no diploma impugnado. Além disso, é adequada e suficiente a determinação do mandamento tributário na lei impugnada, por meio da fixação de tetos aos critérios materiais das hipóteses de incidência das contribuições profissionais. Vencidos a ministra Rosa Weber, que julgava procedentes os pedidos por inconstitucionalidade formal, e o ministro Marco Aurélio, o qual entendia procedentes as ações por inconstitucionalidade formal e material.

ADI 4697/DF, rel. min. Edson Fachin, julgamento em 6-10-2016. ADI 4762/DF, rel. min. Edson Fachin, julgamento em 6-10-2016.

ADI e “vaquejada” - 6

O Plenário, em conclusão e por maioria, julgou procedente ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 15.299/2013 do Estado do Ceará, que regulamenta a atividade de “vaquejada”, em que uma dupla de vaqueiros montados em cavalos distintos busca derrubar um touro dentro de uma área demarcada — v. Informativos 794 e 828. Na espécie, o requerente sustentava a ocorrência de exposição dos animais a maus-tratos e crueldade, ao passo que o governador do Estado-membro defendia a constitucionalidade da norma, por versar patrimônio cultural do povo nordestino. Haveria, portanto, conflito de normas constitucionais sobre direitos fundamentais — de um lado, o art. 225, § 1º, VII; de outro, o art. 215. O requerente alegava que o art. 225 da CF consagraria a proteção da fauna e da flora como modo de assegurar o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. Seria, portanto, direito fundamental de terceira geração, fundado na solidariedade, de caráter coletivo ou difuso, dotado de altíssimo teor de humanismo e universalidade. Tal manutenção do ecossistema beneficiaria as gerações do presente e do futuro, visto que o indivíduo é considerado titular do direito e, ao mesmo tempo, destinatário dos deveres de proteção (“direito dever” fundamental). Sustentava que o STF, ao constatar conflito entre normas de direitos fundamentais, ainda que presente a manifestação cultural, conferiria interpretação mais favorável à proteção ao meio ambiente, sobretudo quando verificada situação de inequívoca crueldade contra animais. Tudo isso demonstra preocupação maior com a manutenção, em prol dos cidadãos de hoje e de amanhã, das condições ecologicamente equilibradas para uma vida mais saudável e segura. O Tribunal asseverou ter o autor juntado laudos técnicos comprobatórios das consequências nocivas à saúde dos bovinos, tais como fraturas nas patas, ruptura dos ligamentos e dos vasos sanguíneos, traumatismos e deslocamento da articulação do rabo e até seu arrancamento, das quais resultariam comprometimento da medula espinhal e dos nervos espinhais, dores físicas e sofrimento mental. Ante os dados empíricos evidenciados pelas pesquisas, é indiscutível o tratamento cruel dispensado às espécies animais envolvidas, em descompasso com o preconizado no art. 225, § 1º, VII, da CF. À parte das questões morais relacionadas ao entretenimento à custa do sofrimento dos animais, a crueldade intrínseca à “vaquejada” não permite a prevalência do valor cultural como resultado desejado pelo sistema de direitos fundamentais da Constituição. Portanto, o sentido da expressão “crueldade” constante da parte final do inciso VII do § 1º do art. 225 da CF alcança a tortura e os maus-tratos infligidos aos bovinos durante a prática impugnada, de modo a tornar intolerável a conduta humana autorizada pela norma estadual atacada. Vencidos os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Teori Zavascki, Luiz Fux e Dias Toffoli, que julgavam o pedido improcedente.

ADI 4983/CE, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 6-10-2016.

REPERCUSSÃO GERAL

Princípio da legalidade tributária: taxa e ato infralegal - 6

O Plenário, em conclusão e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário que discutida a validade da exigência de taxa para expedição da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), baseada na Lei 6.994/1982, que estabelece limites máximos para a ART — v. Informativo 832. O Colegiado, de início, traçou retrospecto acerca do tratamento das taxas devidas em decorrência da ART. Demonstrou, em síntese, que diversas leis passaram a autorizar a fixação, por atos infralegais, de variadas taxas a favor de vários conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, sem a prescrição de teto legal ou mesmo homogeneidade de tratamento. A Lei 6.994/1982, por sua vez, delegou ao órgão federal de cada entidade a fixação dos valores das taxas correspondentes aos serviços relativos a atos indispensáveis ao exercício da profissão, observados os respectivos limites máximos. Com essa lei, a temática das taxas cobradas a favor dos conselhos de fiscalização de profissões ganhou nova disciplina. Cabe indagar, portanto, se a fixação de valor máximo em lei formal atende ao art. 150, I, da CF, haja vista a natureza jurídica tributária da taxa cobrada em razão do poder de polícia (fiscalização de profissões). Em outras palavras, cumpre saber qual o tipo e o grau de legalidade que satisfazem essa exigência, especialmente no tocante à espécie tributária taxa. O Tribunal teceu considerações sobre o princípio da legalidade tributária e apontou para o esgotamento do modelo da tipicidade fechada como garantia de segurança jurídica. Dessa forma, o legislador tributário pode valer-se de cláusulas gerais, e as taxas cobradas em razão do exercício do poder de polícia podem ter algum grau de indeterminação, por força da ausência de minuciosa definição legal dos serviços compreendidos. E, diante de taxa ou contribuição parafiscal, é possível haver maior abertura dos tipos tributários. Afinal, nessas situações, sempre há atividade estatal subjacente, o que acaba deixando ao regulamento uma carga maior de cognição da realidade, sobretudo em matéria técnica. Assim, a ortodoxa legalidade tributária, absoluta e exauriente, deve ser afastada, em razão da complexidade da vida moderna e da necessidade de adaptação da legislação tributária à realidade em constante transformação. Nesse sentido, deve-se levar em conta o princípio da praticidade no direito tributário e a eficiência da Administração Pública, o que tem sido a tendência jurisprudencial da Corte. Especificamente no que se refere a taxas, o montante cobrado, ao contrário do que ocorre com impostos, não pode variar senão em função do custo da atividade estatal, com razoável equivalência entre ambos. O grau de arbítrio do valor da taxa, no entanto, tende a ficar mais restrito nos casos em que o aspecto quantitativo da regra matriz de incidência é complementado por ato infralegal. Isso porque a razão autorizadora da delegação dessa atribuição anexa à competência tributária está justamente na maior capacidade de a Administração, por estar estritamente ligada à atividade estatal direcionada ao contribuinte, conhecer a realidade e dela extrair elementos para complementar o aspecto quantitativo da taxa. Assim, encontra, com maior grau de proximidade, a razoável equivalência do valor da exação com os custos que pretende ressarcir. O Plenário ponderou, ainda, se a taxa devida pela ART, na forma da Lei 6.994/1982, insere-se nesse contexto. A princípio, não há delegação de poder de tributar no sentido técnico da expressão. A lei não repassa ao ato infralegal a competência de regulamentar, em toda profundidade e extensão, os elementos da regra matriz de incidência da taxa devida em razão da ART. Os elementos essenciais da exação podem ser encontrados nas leis de regência. Assim, no antecedente da regra matriz de incidência, está o exercício do poder de polícia relacionado à ART a que todo contrato está sujeito. O sujeito passivo é o profissional ou a empresa, ao passo que o sujeito ativo é o respectivo conselho regional. No tocante ao aspecto quantitativo, a lei prescreve o teto sob o qual o regulamento poderá transitar. Esse diálogo realizado com o regulamento é mecanismo que objetiva otimizar a justiça comutativa. As diversas resoluções editadas sob a vigência dessa lei parecem condizer com a assertiva. Afinal, em geral, esses atos normativos, utilizando-se de tributação fixa, determinam um valor fixo de taxa relativa à ART para cada classe do valor de contrato. Esse valor é utilizado como critério para incidência do tributo, como elemento sintomático do maior ou menor exercício do poder de polícia. Ademais, não cabe aos conselhos realizar a atualização monetária do teto legal, ainda que constatem que os custos a serem financiados pela taxa relativa à ART ultrapassam o limite. Entendimento contrário violaria o art. 150, I, da CF. Em suma, a norma em comento estabelece diálogo com o regulamento em termos de a) subordinação, ao prescrever o teto legal da taxa referente à ART; b) desenvolvimento da justiça comutativa; e c) complementariedade, ao deixar valoroso espaço para o regulamento complementar o aspecto quantitativo da regra matriz da taxa cobrada em razão do exercício do poder de polícia. O Legislativo não abdica de sua competência acerca de matéria tributária, portanto. A qualquer momento, poderá deliberar de maneira diversa e firmar novos critérios políticos ou outros paradigmas a serem observados pelo regulamento. Vencidos os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que proviam o recurso, por entenderem inconstitucional a exigência da taxa para expedição de ART nos termos da Lei 6.994/1982, considerada a ofensa ao art. 150, I, da CF. Em seguida, o Colegiado deliberou adiar a fixação da tese.

RE 838284/SC, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 6-10-2016.

PRIMEIRA TURMA

“Habeas corpus” e trancamento de ação penal

A Primeira Turma denegou a ordem em “habeas corpus” em que se pretendia trancar ação penal contra paciente acusado da prática de atividade clandestina de telecomunicação por disponibilizar provedor de internet sem fio. A defesa, ao sustentar a insignificância da conduta, ponderava que a atividade desenvolvida teria sido operada abaixo dos parâmetros objetivos estabelecidos pela Lei 9.612/1998. Acrescentava, ainda, que não teria sido realizado, nos autos da ação penal, qualquer tipo de exame técnico pericial que comprovasse a existência de lesão ao serviço de telecomunicações. Porém, para o Colegiado, houve o desenvolvimento de atividade clandestina de telecomunicações, de modo que a tipicidade da conduta está presente no caso. Ademais, o trancamento da ação penal, por meio de “habeas corpus”, seria algo excepcional.

HC 118400/RO, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 4-10-2016.

SEGUNDA TURMA

Cometimento de falta grave e indulto natalino

A Segunda Turma, por maioria, negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” no qual se pedia a concessão de indulto, desconsiderando-se o cometimento de falta disciplinar de natureza grave. O pedido teve como base a não homologação judicial de falta grave dentro do período de doze meses anteriores à entrada em vigor do Decreto 8.380/2014, visto que a norma condiciona a concessão do benefício ao não cometimento de falta disciplinar de natureza grave nos doze meses anteriores a sua publicação (Art. 5º “A declaração do indulto e da comutação de penas previstos neste Decreto fica condicionada à inexistência de aplicação de sanção, reconhecida pelo juízo competente, em audiência de justificação, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente à data de publicação deste Decreto”). Na espécie, foi negada a concessão do indulto ao paciente em decorrência do cometimento de falta grave nos doze meses antecedentes à publicação do Decreto 8.380/2014, embora a homologação judicial da falta disciplinar tenha ocorrido em momento posterior. Na impetração, sustentava-se que o art. 5º do referido decreto condicionaria a concessão de indulto à inexistência de falta grave devidamente homologada, nos doze meses anteriores à sua publicação. Para a defesa, a interpretação conferida pelas instâncias inferiores estaria, na verdade, a exigir requisito não previsto no Decreto 8.380/2014 e, a um só tempo, contrariaria a regra da legalidade penal (CF/1988, art. 5º, XXXIX), bem como usurparia a competência discricionária e exclusiva do presidente da República para a concessão de indulto (CF/1988, art. 84, XII). No caso em comento, coube à Turma decidir se, para obstar a concessão do indulto, a sanção por falta grave precisaria de fato ser homologada pela via judicial no prazo de doze meses — contados retroativamente à data de publicação do decreto —, ou se bastaria que a falta grave tivesse sido praticada nesse interstício, ainda que a homologação judicial da sanção ocorresse em momento posterior. O Colegiado deliberou que, não só em face do próprio texto legal, como também de sua “ratio”, é exigível apenas que a falta grave tenha sido cometida no prazo em questão, sendo irrelevante a data de sua homologação judicial. Entendeu, ademais, que o art. 5º do Decreto 8.380/2014 se limita a impor a homologação judicial da sanção por falta grave, não se exigindo que ela tenha sido realizada nos doze meses anteriores à sua publicação. Não bastasse isso, uma vez que se exige a realização de audiência de justificação, assegurados o contraditório e a ampla defesa, não faria sentido que a homologação judicial devesse ocorrer dentro daquele prazo, sob pena de nem sequer haver tempo hábil para a apuração de eventual falta grave praticada em data próxima à publicação do decreto. Vencido o ministro Ricardo Lewandowski, que dava provimento ao recurso por entender que o juízo da execução deveria realizar a audiência de justificação — prevista no art. 5º do Decreto 8.380/2014 — dentro do interstício de doze meses, não se admitindo imputar uma falha do Estado ao paciente, de modo a obstar-lhe a concessão do indulto.

RHC 133443/SC, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 4-10-2016.

Fixação de competência e Justiça Militar

Compete à Justiça Castrense processar e julgar ação penal destinada à apuração de delito de apropriação de coisa havida acidentalmente [Código Penal Militar (CPM), art. 249], praticado por militar que não esteja mais na ativa. Esse foi o entendimento da Segunda Turma, que indeferiu a ordem em “habeas corpus”. Na espécie, o paciente foi denunciado perante a Justiça Militar porque, após seu licenciamento, continuou a receber remuneração da Administração Militar por não ter sido excluído do sistema de folha de pagamento de pessoal do Exército. A Turma reafirmou a jurisprudência consolidada sobre a matéria. Dessa forma, compete à Justiça Castrense o julgamento de crimes militares, assim definidos em lei (CPM, art. 9º, III, “a”), praticados contra as instituições militares, o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar, ainda que cometidos por militar da reserva, ou reformado, ou por agente civil (HC 109544/BA, DJE de 31-8-2011).

HC 136539/AM, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-10-2016.

CNMP e vitaliciamento de membros do Ministério Público

A Segunda Turma denegou ordem em mandado de segurança impetrado contra ato do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que decretava o não vitaliciamento de membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Na espécie, o impetrante arguia que, nos termos do art. 128, I, “a”, da CF, o promotor de Justiça vitalício somente perderia o cargo por sentença judicial transitada em julgado, a ser proposta, nos termos do art. 38, § 2º, da Lei 8.625/1993, pelo procurador-geral de Justiça, após autorização do Colégio de Procuradores. Defendia, ainda, que já seria detentor da garantia constitucional da vitaliciedade desde 1º-9-2007, data da decisão do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça do Estado de São Paulo, o que conduziria à incompetência do CNMP para deliberar sobre sua exoneração. Para a Segunda Turma, o ato de vitaliciamento — decisão pela permanência de membro em estágio probatório nos quadros da instituição — tem natureza de ato administrativo. Dessa forma, sujeita-se ao controle de legalidade pelo CNMP, por força do art. 130-A, § 2º, II, da CF, que se harmoniza perfeitamente com o disposto no art. 128, § 5º, I, “a”, do texto constitucional. Ademais, a previsão normativa que permite desfazer ato de vitaliciamento apenas por decisão judicial (CF, art. 128, I, “a”) não afasta a possibilidade de o CMNP, a partir da EC 45/2004, analisar, com específica função de controle, a legalidade desse tipo de questão. Salientou, por fim, que a existência de processo penal em andamento, no qual o ora impetrante alega ter agido em legítima defesa, não é prejudicial à análise do “writ”. Quanto a isso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido da independência entre as instâncias cível, penal e administrativa. Não há falar, por conseguinte, em violação ao princípio da presunção de inocência pela aplicação de sanção administrativa por descumprimento de dever funcional fixada em processo disciplinar legitimamente instaurado antes de finalizado o processo penal em que apurados os mesmos fatos.

MS 27542/DF, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 4-10-2016.