Informativo do STF 828 de 03/06/2016
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Tráfico privilegiado e crime hediondo - 3
O Plenário retomou o julgamento de “habeas corpus” em que se discute a possibilidade de afastamento da incidência da Lei 8.072/1990 em caso de tráfico de drogas privilegiado (Lei 11.343/2006, art. 33, § 4º), a fim de que seja permitido o livramento condicional e a progressão de regime nos moldes da Lei 7.210/1984 (LEP). No caso, os pacientes foram condenados pela prática de tráfico privilegiado, e a sentença de 1º grau afastara a natureza hedionda do delito. Posteriormente, o STJ entendera caracterizada a hediondez — v. Informativo 791. Em voto-vista, o Ministro Gilmar Mendes concedeu a ordem, para assentar que aos incursos no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 não se aplicam os regimes mais severos previstos no art. 5º, XLIII, da CF (equiparação a crime hediondo), no art. 44, parágrafo único, da Lei 11.343/2006 (livramento condicional) e no art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/1990 (progressão de regime). Asseverou que condutas com menor lesividade envolvendo drogas não devem ser, sempre e necessariamente, submetidas ao tratamento constitucional dos crimes hediondos. Nesse sentido, a Constituição dá ao legislador espaço para retirar do âmbito da hediondez algumas condutas de transação ilícita de drogas. No art. 44 da Lei 11.343/2006, faz-se referência aos tipos penais inafiançáveis e insuscetíveis de “sursis”, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, cujas penas não podem ser convertidas em restritivas de direitos. Excluíra-se o art. 33, §§ 3º e 4º. Portanto, pode-se dizer que o legislador afastara o tráfico privilegiado do tratamento dado aos crimes hediondos. Além disso, o envolvimento dos praticantes de tráfico privilegiado com o crime em geral é episódico. Não se trata de pequenos traficantes, mas de sujeitos que tomam parte no delito por uma ocasião ou oportunidade. O caso em análise, embora cuide do transporte de quase uma tonelada de entorpecente, envolve agente com profissão lícita, sem antecedentes criminais, recrutado “ad hoc” por membros ativos de associação criminosa. Ademais, há previsões legais que dão ao condenado por tráfico sanções mais severas. Para o tráfico privilegiado, tampouco, são aplicáveis. No que se refere ao livramento condicional, o parágrafo único do art. 44 é expresso ao estabelecer que o regime mais severo é aplicável aos crimes mencionados no “caput”. No que tange à progressão de regime, a Lei 8.072/1990 estabelece um regramento mais rigoroso, aplicável ao tráfico de drogas. Entretanto, essa conduta deve se amoldar ao art. 5º, XLIII, da CF, o que não é a situação concreta. Por sua vez, os Ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio denegaram a ordem. O Ministro Dias Toffoli corroborou o fato de que as circunstâncias do crime revelam a existência de organização criminosa. Além disso, ao se afastar a hediondez do tráfico privilegiado, estimula-se essas organizações a recrutarem mais pessoas com esse mesmo perfil, que podem adentrar, então, na criminalidade. O Ministro Marco Aurélio consignou a impossibilidade de se estabelecer, na Lei 8.072/1990, excepcionalidade não contemplada pelo legislador, cuja opção fora pela causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. Isso já é suficiente para abarcar as situações dos pequenos traficantes ou dos traficantes eventuais, como na espécie. Em qualquer hipótese de tráfico, portanto, existem as consequências previstas na Lei dos Crimes Hediondos. O paciente, pessoa de confiança de organização criminosa, fora surpreendido com elevada quantidade de droga, parâmetros que não podem afastar a hediondez do delito. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Edson Fachin.
HC 118533/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 1º.6.2016. (HC-118533)
ADI e “vaquejada” - 4
O Plenário retomou o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face da Lei 15.299/2013 do Estado do Ceará, que regulamenta a atividade de “vaquejada” — v. Informativo 794. Em voto-vista, o Ministro Roberto Barroso, acompanhado pelos Ministros Rosa Weber e Celso de Mello, julgou o pedido procedente. Consignou que não se pode negar à atividade a característica de manifestação cultural. Entretanto, isso não a torna imune ao contraste com outros valores constitucionais, como a proteção dos animais contra práticas cruéis. Quanto a esse aspecto, a tutela dos animais deve ser considerada norma autônoma, de modo que não se justifica unicamente do ponto de vista ecológico ou preservacionista. Possui valor eminentemente moral, ou seja, o sofrimento animal importa por si só, independentemente do equilíbrio ambiental. No caso, delimitou que a “vaquejada” envolve o uso de animais para fins de entretenimento, apenas. Assim, pode haver outras questões a respeito de direitos dos animais, mais complexas (uso deles para alimentação, religião, entre outros), mas que não estão em debate. A “vaquejada”, especificamente, apresenta diversas formas de crueldade contra os animais e, todavia, não é passível de regulamentação capaz de evitar esse sofrimento intencionalmente infligido e inerente à sua prática. Concluiu que manifestações culturais, com características de entretenimento, que submetem animais a crueldade, são incompatíveis com a Constituição, quando for impossível sua regulamentação de modo suficiente para evitar práticas cruéis sem que a própria atividade seja descaracterizada. A Ministra Rosa Weber frisou que, muito embora o Estado garanta e incentive manifestações culturais, ele também não tolera crueldade contra animais. Assim, são vedadas manifestações culturais em que haja práticas cruéis contra animais. Entendeu que a violência contra o animal é ínsita à vaquejada, de modo que a prática não é protegida pela Constituição. O Ministro Celso de Mello sublinhou que o respeito pela fauna em geral atua como condição inafastável de preservação do meio ambiente. Além disso, tem igual relevância a subsistência do gênero humano em um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Assim, a prática de comportamentos predatórios e lesivos à fauna tem impacto altamente negativo para a incolumidade do patrimônio ambiental dos seres humanos. Enfatizou que a “vaquejada” é dotada de crueldade inerente à sua prática. Não se pode qualificá-la como atividade desportiva, prática cultural ou expressão folclórica, pois é crime (Lei 9.605/1998, art. 32).
ADI 4983/CE, rel. Min. Marco Aurélio, 2.6.2016. (ADI-4983)
1ª Parte :
2ª Parte : 3ª Parte : 4ª Parte : 5ª Parte :
ADI e “vaquejada” - 5
Em divergência, os Ministros Teori Zavascki e Luiz Fux julgaram o pedido improcedente. O Ministro Teori Zavascki invocou o princípio da legalidade (CF, art. 5º, II) para deduzir que a discussão nos autos não diz respeito à prática da “vaquejada”, mas à lei que a regulamenta no Estado do Ceará. Nesse sentido, a “vaquejada” poderia ser um ato cruel, ou não, ao animal, a depender da forma como é praticada. Assim, se essa manifestação cultural não for cruel, não pode ser proibida. Reputou que a lei em comento, desnaturando, ou não, a “vaquejada”, procurara evitar as formas cruéis de sua realização. Assim, se não houvesse norma regulamentadora, essa tradição recairia inexoravelmente em crueldade contra os animais. O Ministro Luiz Fux ponderou as regras constitucionais que garantem a todos o exercício dos direitos culturais, de um lado; e, de outro, as que protegem a fauna e a flora. Entendeu que o legislador, no caso, também fizera essa ponderação e estabelecera alguns cuidados necessários para a prática correta da “vaquejada”, de modo que cabe ao Judiciário ser deferente ao Legislativo. Lembrou, ainda que a carne vermelha, no Brasil, é produzida de forma cruel e que a Constituição, não obstante, garante o direito à alimentação, um direito social. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Dias Toffoli.
ADI 4983/CE, rel. Min. Marco Aurélio, 2.6.2016. (ADI-4983)
REPERCUSSÃO GERAL
Efeitos de decisão transitada em julgado: instituição do RJU e competência - 8
O Tribunal retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a justiça competente para, após a instituição do regime jurídico único (RJU) dos servidores públicos federais (Lei 8.112/1990), julgar os efeitos de decisão anteriormente proferida pela Justiça do Trabalho acobertada pelo trânsito em julgado — v. Informativo 580. Alega a recorrente ofensa aos artigos 105, I, “d”, e 114, da CF, em razão da incompetência da Justiça do Trabalho em relação aos efeitos da execução depois da instituição da Lei 8.112/1990, bem como aos artigos 2º, 5º, II, XXIV, XXXVI, LIV e LV, e 22, I, todos da CF, tendo em vista que a Justiça trabalhista teria deixado de reconhecer a invalidade de coisa julgada inconstitucional, relativa à sentença que considerara devido, aos servidores da Justiça Eleitoral do Ceará, o reajuste de 84,32% referente ao Plano Collor (março/1990). Sustenta, ainda, que o título judicial seria inexigível, na forma prevista no § 5º do art. 884 da CLT (“Considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.”), porque o Supremo, no julgamento do MS 21.216/DF (DJU de 28.6.1991), teria concluído pela inexistência de direito adquirido ao citado reajuste. Em voto-vista, o Ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto proferido pela Ministra Ellen Gracie (relatora) no sentido de dar provimento ao recurso extraordinário para anular a sentença em relação às parcelas vencidas posteriormente ao RJU e, em relação às anteriores, afastar a condenação da União no pagamento do percentual de 84,32%. Relativamente à constitucionalidade do art. 884, § 5º, da CLT, reiterou o entendimento firmado quando da apreciação da ADI 2.418/DF (acórdão pendente de publicação, v. Informativo 824), no qual o STF assentara a constitucionalidade do parágrafo único do art. 741 e do §1º do art. 475-L, ambos do CPC/1973, bem como dos dispositivos correspondentes do CPC/2015 (art. 535, III, c/c §§ 5º a 8º), todos com redação similar, ou mesmo idêntica, à norma celetista em comento. Com relação à competência da Justiça do Trabalho, reafirmou a jurisprudência do STF segundo a qual, ainda que se tratasse de servidor estatutário, a competência corresponderia ao interregno temporal da verba pretendida, tendo em conta a causa de pedir e o pedido da demanda. Assim, caso fosse discutido direito com marco jurígeno ocorrido durante a relação celetista — antes, portanto, do RJU disciplinado pela Lei 8.112/1990 —, a Justiça do Trabalho seria competente para processar e julgar a demanda; de outro lado, caso ocorresse sua gênese após a instituição do RJU, a competência seria da Justiça Comum. O Ministro Edson Fachin perfilhou a mesma orientação, também para dar provimento ao recurso. Já o Ministro Celso de Mello acompanhou a divergência iniciada pelo Ministro Eros Grau para negar provimento ao recurso extraordinário e declarar a inconstitucionalidade do § 5º do art. 884 da CLT. Confirmou, desse modo, fundamentação expendida no RE 592.912 AgR/RS (DJe de 22.11.2012) e no RE 554.111/RS (DJe de 22.11.2012). Em seguida, o julgamento foi suspenso ante o empate na votação.
RE 590880/CE, rel. Min. Ellen Gracie, 1º.6.2016. (RE-590880)
Parágrafo único do art. 741 do CPC/1973 e FGTS
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade do parágrafo único do art. 741 do CPC/1973, cuja redação original fora modificada pela Lei 11.232/2005 (“Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre: ... II - inexigibilidade do título ... Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do ‘caput’ deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal”). O Ministro Teori Zavascki (relator) negou provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelos Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Afirmou que são constitucionais as disposições normativas do parágrafo único do art. 741 do CPC e do § 1º do art. 475-L, ambos do CPC/1973, bem como os correspondentes preceitos do CPC/2015 (art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14 e o art. 535, § 5º). Essas normas teriam buscado harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição. Ademais, vieram agregar ao sistema processual brasileiro um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças revestidas de vício de inconstitucionalidade qualificado, assim caracterizado nas seguintes hipóteses: (a) nos casos em que a sentença exequenda estiver fundada em norma reconhecidamente inconstitucional; ou (b) quando a sentença exequenda tiver deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e (c) desde que, em qualquer dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tiver decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda. Explicitou que, na situação dos autos, ainda que o acórdão tivesse declarado a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 741 do CPC, a hipótese seria de negar provimento ao recurso. Isto porque não se comportariam no âmbito normativo do referido diploma as sentenças que, contrariando precedente do STF a respeito, tivessem reconhecido o direito a diferenças de correção monetária das contas do FGTS. Realçou que, para afirmar devida a incidência da correção monetária pelos índices aplicados pela gestora do Fundo (a Caixa Econômica Federal), o STF não declarara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de qualquer norma, nem mesmo mediante as técnicas de interpretação conforme a Constituição ou sem redução de texto. Resolvera questão de direito intertemporal, qual seja, saber qual das normas infraconstitucionais — a antiga ou a nova — deveria ser aplicada para calcular a correção monetária das contas do FGTS. Além disso, a deliberação tomada se fizera com base na aplicação direta de normas constitucionais, nomeadamente a que trata da irretroatividade da lei, em garantia do direito adquirido (CF, art. 5º, XXXVI). Os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello também acompanharam o relator no desprovimento do recurso, mas por outro fundamento. Pontuaram que a coisa julgada só poderia ser mitigada pela Constituição. Em seguida, pediu vista o Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente).
RE 611503/SP, rel. Min. Teori Zavascki, 1º.6.2016. (RE-611503)
PRIMEIRA TURMA
PAD: comissão processante, demissão e improbidade administrativa
A ante a ausência de direito líquido e certo, a Primeira Turma, por maioria, negou provimento a recurso ordinário em mandado de segurança no qual auditor-fiscal da Receita Federal sustentava a nulidade do processo administrativo disciplinar (PAD) que culminara na penalidade de demissão a ele aplicada. O Colegiado rejeitou a alegação de vício decorrente da instalação de segunda comissão disciplinar, após a primeira ter concluído pela insuficiência de provas. Assentou a possibilidade de realização de diligências instrutórias com a designação de nova comissão processante, uma vez que, a partir do exame do relatório da primeira comissão, ter-se-ia presente dúvida razoável a amparar a continuidade das diligências investigativas. Além disso, reputou correta a capitulação do fato imputado ao recorrente como improbidade administrativa, nos termos do art. 132, IV, da Lei 8.112/1990. Por fim, aduziu que a jurisprudência da Corte tem afastado a possibilidade de apreciação, na via estreita do “writ”, da proporcionalidade da pena cominada. Precedentes do STF excetuariam tal entendimento nas hipóteses em que a demissão estiver fundada na prática de ato de improbidade de natureza culposa, sem a imputação de locupletamento ilícito do servidor. No entanto, a situação dos autos seria diversa, porquanto se referiria à improbidade administrativa por ato de enriquecimento ilícito. Vencido o Ministro Marco Aurélio, relator, que dava provimento ao recurso. Consignava que a atuação da autoridade administrativa estaria limitada pelo art. 169, cabeça, da Lei 8.112/1990, de modo que a formalização de nova comissão somente seria cabível quando reconhecido vício insanável no processo. Assim, não seria possível a formação de nova comissão por mera discordância com as conclusões do relatório apresentado pela comissão originária.
RMS 33666/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, 31.5.2016. (RMS-33666)
SEGUNDA TURMA
Rcl: reserva de Plenário, isonomia e reajuste de vencimentos -1
A decisão de órgão fracionário do TRF da 1ª Região, que concedeu, com base no princípio da isonomia, a incorporação do percentual de 13,23% aos vencimentos dos servidores da Justiça do Trabalho, após haver afastado a aplicação de texto de lei, declarando-o, por via transversa, inconstitucional afronta os Enunciados 10 e 37 da Súmula Vinculante [Enunciado 10: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte” e Enunciado 37: “Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia”]. Com base nesse entendimento, a Segunda Turma reputou procedente pedido formulado em reclamação ajuizada pela União e cassou a decisão proferida, que fixara aos servidores públicos o direito à referida percepção a título de diferenças salarias, retroativas a 2003. No caso, a Corte de origem assentara que a vantagem pecuniária individual (VPI) de R$ 59,87 concedida por meio da Lei 10.698/2003 a determinada categoria de servidores revestira-se de caráter de revisão geral anual, complementar à Lei 10.697/2003, que dispõe sobre a revisão geral e anual das remunerações e subsídios dos servidores públicos federais. Tal Colegiado asseverara que a norma teria promovido ganho real diferenciado entre os servidores públicos federais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e das autarquias e fundações públicas federais, na medida em que teria instituído uma recomposição maior para os servidores que percebiam menor remuneração. Dessa forma, o valor de R$ 59,87 concedido a determinada categoria corresponderia, à época, ao percentual de 13,23%, aplicado posteriormente aos servidores do órgão reclamado. Preliminarmente, a Turma esclareceu que a presente reclamação fora proposta em data anterior ao trânsito em julgado da decisão reclamada, o que obstaria a incidência do Enunciado 734 da Súmula do STF (“Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”).
Rcl 14872, rel. Min. Gilmar Mendes, 31.5.2016. (Rcl-14872)
Rcl: reserva de Plenário, isonomia e reajuste de vencimentos -2
No mérito, a Turma consignou que o tribunal “a quo”, além de interpretar a legislação infraconstitucional, teria afastado sua aplicação e declarado, por via transversa, sua inconstitucionalidade, o que ofenderia diretamente a Constituição. Significa dizer que ao analisar a Lei 10.698/2003, a pretexto de compreender ter havido a concessão de revisão geral e anual, o órgão fracionário do TRF teria deixado de observar o comando normativo do art. 1º dessa mesma lei [“Art. 1º Fica instituída, a partir de 1º de maio de 2003, vantagem pecuniária individual devida aos servidores públicos federais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais, ocupantes de cargos efetivos ou empregos públicos, no valor de R$ 59,87 (cinquenta e nove reais e oitenta e sete centavos). Parágrafo único. A vantagem de que trata o ‘caput’ será paga cumulativamente com as demais vantagens que compõem a estrutura remuneratória do servidor e não servirá de base de cálculo para qualquer outra vantagem”]. Isso configuraria caso clássico de inconstitucionalidade por omissão parcial. Ou seja, por entender que referido diploma legal teria natureza de revisão geral anual o TRF considerara a incompletude do legislador em conceder aumento para todos os servidores públicos e concluíra que o reajuste deveria ser estendido de forma igualitária a todos. Assim, ainda que o acórdão reclamado houvesse mencionado não se tratar de análise de inconstitucionalidade da legislação, estaria caracterizado claro juízo de controle de constitucionalidade. Ao decidir dessa forma, por via transversa — interpretação conforme —, teria havido o afastamento da aplicação do aludido texto normativo por órgão não designado para tal finalidade, em infringência ao art. 97 da CF, cuja proteção é reforçada pelo Enunciado 10 da Súmula Vinculante. Além disso, tendo em conta que o advento do Verbete 37 da Súmula Vinculante seria posterior ao ato reclamado, lembrou que o Plenário do STF, em razão de peculiaridades do caso concreto entendera pela aplicação de enunciado de súmula vinculante a reclamação ajuizada antes de sua edição (Rcl 4.335/AC, DJe de 22.10.2014). Na situação em apreço, “mutatis mutandis”, também devem ser levadas em consideração as particularidades contidas nos autos para que seja observado o enunciado em questão. Ademais, o teor dele decorre da conversão do Enunciado 339 da Súmula do STF. Ponderou, ainda, que o art. 37, X, da CF exige lei específica para o reajuste da remuneração de servidores públicos. Assim, não é possível ao Poder Judiciário ou à Administração Pública aumentar vencimentos ou estender vantagens a servidores públicos civis e militares regidos pelo regime estatutário, com fundamento no princípio da isonomia. Em outras palavras, o aumento de vencimento de servidores depende de lei e não pode ser efetuado apenas com suporte em tal princípio. Por fim, a Turma determinou que outra decisão fosse proferida com observância dos Enunciados 10 e 37 da Súmula Vinculante. Por consequência, todos os atos administrativos decorrentes de órgãos da Justiça do Trabalho a envolver o pagamento dos 13,23% estariam incluídos, inclusive decisão administrativa do TST (Resolução Administrativa 1.819, de 12.4.2016) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (Resolução Administrativa 168, de 26.4.2016). Ordenou, ainda, a comunicação do teor da decisão ao Presidente do TST, aos Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho e ao CSJT para que suspendam imediatamente o pagamento da rubrica referente aos 13,23%, bem como a ciência de seu inteiro teor aos Presidentes de todos os Tribunais Superiores, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho da Justiça Federal.
Rcl 14872, rel. Min. Gilmar Mendes, 31.5.2016. (Rcl-14872)
“Habeas Corpus”: saída temporária de preso e contagem de prazo
A contagem do prazo do benefício de saída temporária de preso é feita em dias e não em horas. Com base nessa orientação, a Segunda Turma denegou a ordem de “habeas corpus” em que se pretendia a contagem de tal benesse a partir da 00h do primeiro dia. No caso, o paciente aduzia que sua liberação apenas às doze horas do primeiro dia do benefício prejudicaria a fruição do prazo legalmente previsto de sete dias (LEP, art. 124), porque usufruiria apenas seis dias e meio de tal direito. Assim, considerava que a saída temporária não deveria se sujeitar à estrita forma de contagem do prazo prevista no art. 10 do Código Penal (“Art. 10. O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum”). A Turma destacou ser indevida, na ordem penal, a contagem do prazo em horas e, por isso, manteve o cômputo em forma de dias. Ademais, a se entender de forma diversa, estar-se-ia colocando em risco a segurança do estabelecimento penal, bem como a organização do sistema prisional.
HC 130883/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 31.5.2016. (HC-130883)