Informativo do STF 823 de 29/04/2016
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Dívidas dos Estados-Membros e cálculo de juros - 1
O Plenário iniciou julgamento de mandados de segurança impetrados em face de ato da Presidente da República, consubstanciado no Decreto 8.616/2015, que regulamenta o disposto na LC 148/2014 e no art. 2º da Lei 9.496/1997. Sustentam os impetrantes que o referido decreto, a pretexto de regulamentar os diplomas legais, teria desbordado da atividade regulamentar e adotado critério não previsto em lei. Aduzem que o decreto, ao explicitar a fórmula de cálculo do desconto sobre saldos devedores dos contratos, não poderia utilizar a Selic capitalizada para apurar o desconto devido, porquanto a legislação em comento não teria autorizado que a taxa fosse calculada de forma capitalizada. O Ministro Edson Fachin (relator), ao denegar a segurança, afirmou que o fenômeno financeiro em litígio teria repercussões jurídicas, políticas e econômicas, sob os ângulos constitucionais e democráticos Isso porque estariam colocadas em questão as condições do planejamento e do controle da atividade financeira do Estado brasileiro, tal qual constitucionalizadas pela soberania popular em pacto constituinte. Assim, as categorias jurídicas de planejamento e de controle seriam pressupostos basilares do Estado fiscal. O conceito de planejamento seria imprescindível para a alocação eficiente de recursos e a previsibilidade dos eventos futuros. Já o conceito de controle seria visto como fundamento do Estado Democrático de Direito. A literatura econômica daria conta de grandes movimentos conjunturais e estruturantes no relacionamento entre finanças estaduais e federação no período republicano brasileiro. Nesse contexto, a renegociação da dívida estadual ora analisada, na qualidade de processo inacabado, teria seu marco inicial em 1994, época em que se visara à redefinição da arquitetura do controle do endividamento do setor público, por meio de um conjunto de programas, cujo impacto fora o refinanciamento praticamente integral das dívidas estaduais. Por outro lado, a crise federativa se manifestaria no crédito público, mormente em decorrência do tratamento conflitivo dado ao colapso das finanças estaduais. Certa que teria sido a renegociação da dívida pública no momento em que se dera, ante o risco de inadimplência generalizada, a negociação dos termos dos acordos da dívida teria provocado tensão no pacto federativo, justamente no que tange à reforma patrimonial e à limitação da liberdade de ação financeira estadual, a partir do comprometimento da receita corrente líquida como cláusulas dos acordos da dívida pública estadual. Nesses termos, emergiria a participação ativa do STF, após provocação processual, no debate republicano acerca da responsabilidade fiscal. Isso se daria na medida em que, com atenção a essa permanente tensão, constatar-se-ia a legitimidade democrática da Corte, na qualidade de tribunal constitucional da Federação, para responder às questões normativas acerca do federalismo fiscal brasileiro. No caso particular, a responsabilidade institucional do STF seria mais premente, pois o Brasil adotaria o método de limitação do endividamento público por meio de normas jurídicas, demandando resposta jurisdicional.
MS 34110/DF, rel. Min. Edson Fachin, 27.4.2016. (MS-34110) MS 34122/DF, rel. Min. Edson Fachin, 27.4.2016. (MS-34122) MS 34023/DF, rel. Min. Edson Fachin, 27.4.2016. (MS-34023)
Dívidas dos Estados-Membros e cálculo de juros - 2
O relator asseverou que a interpretação do art. 3º da LC 148/2014, com a redação dada pela LC 151/2015, dependeria do reconhecimento da validade da alteração legislativa — de iniciativa parlamentar — do regime de pagamento das dívidas mobiliárias dos Estados-Membros que foram assumidas pela União no âmbito do Programa de Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal dos Estados. Nessa senda, o art. 1º da LC 151/2015, que alterara a LC 148/2014, ofenderia o art. 165, III, da CF, pois seriam de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo as leis que, ao concederem remissão de dívida, interferissem na lei orçamentária anual. Contudo, ainda que superado o vício de inconstitucionalidade formal, seria preciso reconhecer que a LC 151/2015, ao afetar diretamente o Programa de Apoio à Reestruturação e ao Ajuste Fiscal dos Estados, instituído pela Lei 9.496/1997, deveria se submeter às limitações ordinariamente atribuídas ao administrador público, sob pena de ofensa ao art. 167 da CF, notadamente aos incisos I e II. As normas contidas nesse artigo consubstanciariam obrigações constitucionais a materializar os princípios do planejamento e da organização orçamentária. A LC 151/2015 representaria intervenção concreta e direta na execução de programas de governo, mas, ao contrário do que se exigiria do administrador, teria deixado de observar as regras constitucionalmente estabelecidas para o início de programas e para a realização de despesas. Em seguida, o Tribunal acolheu proposta do Ministro Roberto Barroso no sentido de se sobrestar o processo por sessenta dias, para que as partes se compusessem, mantida a eficácia da liminar concedida. Ficaram vencidos, no ponto, o relator e os Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que revogavam a liminar. Por fim, a Corte deliberou que o relator procedesse à intimação das partes e do Ministério Público para que se pronunciassem, no prazo de trinta dias, sobre a questão relativa à inconstitucionalidade suscitada em seu voto.
MS 34110/DF, rel. Min. Edson Fachin, 27.4.2016. (MS-34110) MS 34122/DF, rel. Min. Edson Fachin, 27.4.2016. (MS-34122) MS 34023/DF, rel. Min. Edson Fachin, 27.4.2016. (MS-34023)
ADI e arrecadação de direitos autorais -1
O Plenário iniciou julgamento conjunto de ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas em face da Lei 12.853/2013, que alterou ou introduziu dispositivos na Lei 9.610/1998, ao reconfigurar a gestão coletiva de direitos autorais. Na espécie, questiona-se a constitucionalidade da norma ante os princípios e as regras constitucionais concernentes ao exercício de direitos privados, bem como à liberdade de associação. Convocada audiência pública, debateu-se se a norma teria afrontado os princípios da separação de Poderes, da livre iniciativa, da isonomia, além dos direitos de propriedade, de liberdade de associação, de intimidade, de propriedade material e dos segredos de negócio. Ainda, se haveria vício de inconstitucionalidade formal por ofensa ao art. 59 da CF, ao argumento de que não se teria verificado afinidade objetiva entre a proposição legislativa original e o texto substitutivo final. O Ministro Luiz Fux (relator) conheceu integralmente de ambas as ações, rejeitadas as preliminares de não conhecimento. No mérito, julgou improcedentes os pedidos formulados. O relator assentou que a Constituição garante o direito exclusivo do autor à utilização, à publicação ou à reprodução de suas obras (CF, art. 5º, XXVII). A proteção da propriedade intelectual, em particular dos direitos autorais, teria suas delicadezas. Em primeiro lugar, a titularidade sobre determinada obra seria, em geral, compartilhada por diversos indivíduos que participariam da sua criação. Em segundo lugar, a ausência de suporte físico que delimitasse o domínio intelectual criaria dificuldades de monitoramento da utilização da obra, sobretudo na execução pública. Ambas as características tornariam o mercado de obras intelectuais refém de elevados custos de transação. Em linhas gerais, compreende-se por gestão coletiva de direitos autorais o exercício e a defesa das prerrogativas legais inerentes à criação intelectual por intermédio de associações formadas por titulares desses direitos. Esse modelo de gestão reduziria as dificuldades operacionais geradas tanto pela cotitularidade das obras quanto pelos custos de monitoramento de sua execução. A gestão coletiva de direitos autorais envolveria um “trade-off” socialmente relevante. Tal conflito de escolha diria respeito, por um lado, a viabilizar a própria existência do mercado ao reduzir os custos de transação decorrentes da cotitularidade e da imaterialidade da propriedade intelectual. Por outro, a conferir poder de mercado aos titulares de direito, em especial às entidades de gestão coletiva, ao induzir a precificação conjunta das obras intelectuais. O escopo da norma ora questionada teria sido: a) transparência, ao criar obrigações claras para a gestão coletiva; b) eficiência econômica e técnica, ao permitir que artistas tenham o direito a serem informados sobre seus direitos e créditos; c) modernização, ao reorganizar a gestão coletiva e racionalizar a estrutura das associações que a compõem; d) regulação, ao manter a existência de um único escritório central subordinado ao Ministério da Justiça; e e) fiscalização, ao responsabilizar ao Ministério da Justiça a fiscalização da gestão coletiva. Anotou que a maior transparência da gestão coletiva de direitos autorais, na forma proposta pela norma impugnada consubstanciaria finalidade legítima segundo a ordem constitucional, na medida em que buscaria eliminar o viés rentista do sistema anterior e, com isso, promover, de forma imediata, os interesses tanto de titulares de direitos autorais quanto de usuários e, de forma mediata, bens jurídicos socialmente relevantes ligados à propriedade intelectual como a educação e o entretenimento, o acesso à cultura e à informação.
ADI 5062/DF, rel. Min. Luiz Fux, 28.4.2016. (ADI-5062) ADI 5065/DF, rel. Min. Luiz Fux, 28.4.2016. (ADI-5065)
ADI e arrecadação de direitos autorais -2
O relator apontou que a distinção legal entre titulares originários e titulares derivados de obras intelectuais para fins de participação na gestão coletiva de direitos autorais situar-se-ia na margem de conformação do legislador ordinário para disciplinar a matéria. Ressaltou que as regras impugnadas não impactariam os direitos patrimoniais dos titulares derivados. No entanto, seria justificável a existência de regras voltadas a minimizar a assimetria de poder econômico entre editoras musicais e autores individuais, os verdadeiros criadores intelectuais. Frisou que a exigência de habilitação prévia das associações de gestão coletiva em órgão da Administração Pública federal para a cobrança de direitos autorais configuraria típico exercício do poder de polícia preventivo voltado a aferir o cumprimento das obrigações legais exigíveis, desde o nascedouro da entidade. Quanto às regras para a negociação de preços e formas de licenciamento de direitos autorais, bem como a destinação de créditos e valores não identificados, não teria havido tabelamento de preços. A Lei 12.853/2013 teria se limitado a fixar parâmetros genéricos (razoabilidade, boa fé e usos do local de utilização das obras) para o licenciamento de direitos autorais. Tudo isso no intuito de corrigir as distorções propiciadas pelo poder de mercado das associações gestoras sem, retirar dos próprios autores e titulares a prerrogativa de estabelecer o preço de suas obras. Registou que o licenciamento pelo formato global (“blanket license”) ainda permaneceria válido, desde que não fosse mais o único tipo de contrato disponível. Nesse ponto, destacou que a autoridade antitruste brasileira reconhecera o abuso de poder dominante do Escritório Central de Arrecadação (ECAD) e das associações a ele vinculadas em razão do oferecimento da licença cobertor (“blanket license”) como modalidade única de licenciamento de direitos autorais. Aduziu que a norma questionada buscaria prevenir a prática de fraudes e evitar a ocorrência de ambiguidades quanto à participação individual em obras com títulos similares. Reputou válida a possibilidade de retificação das informações constantes do cadastro pelo Ministério da Cultura, o que evitaria a prematura judicialização de eventuais embates. Além disso, a solução de controvérsias no âmbito administrativo, por órgão especializado, permitiria o enfrentamento das questões a partir de perspectiva técnica, sem ameaçar o acesso de qualquer interessado ao Poder Judiciário. Ainda, a nova sistemática para a fixação da taxa de administração e destinação de recursos para o aproveitamento coletivo dos associados procuraria reconduzir as entidades de gestão coletiva ao seu papel instrumental. Segundo o relator, a possibilidade de se criar novas entidades coletivas imporia pressão competitiva sobre as associações já estabelecidas, que tenderiam a ser mais eficientes e a oferecer serviço de qualidade e com maior retorno financeiro para seus associados. Ressaltou que não haveria um modelo único, perfeito e acabado de atuação estatal neste campo. Concluiu que, em hermenêutica constitucional, seria necessário cuidado para que a interpretação ampliativa de princípios considerados fundamentais não se convolasse em veto judicial absoluto à atuação do legislador, que também é intérprete legítimo da Lei Maior. Garantias gerais como liberdade de iniciativa, propriedade privada e liberdade de associação não seriam, por si, incompatíveis com a presença de regulação estatal.Após os votos dos Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia, que acompanharam o voto do relator, pediu vista dos autos o Ministro Marco Aurélio.
ADI 5062/DF, rel. Min. Luiz Fux, 28.4.2016. (ADI-5062) ADI 5065/DF, rel. Min. Luiz Fux, 28.4.2016. (ADI-5065)
PRIMEIRA TURMA
Homicídio e desnecessidade da oitiva de todas as vítimas
Não há direito absoluto à produção de prova. Em casos complexos, há que confiar no prudente arbítrio do juiz da causa, mais próximo dos fatos, quanto à avaliação da pertinência e relevância das provas requeridas pelas partes. Assim, a obrigatoriedade de oitiva da vítima deve ser compreendida à luz da razoabilidade e da utilidade prática da colheita da referida prova. Com base nesse entendimento, a Primeira Turma não conheceu de “habeas corpus” em que se pretendia a oitiva da totalidade das vítimas sobreviventes de incêndio ocorrido em boate. O Colegiado assentou que o magistrado, em observância ao sistema da persuasão racional, motivara a dispensa da oitiva de todas as vítimas do homicídio tentado. Segundo o juiz de origem, a produção dessa prova, diante da peculiaridade do caso concreto, acarretaria, em síntese, a necessidade de mais de 954 horas de audiência para a tomada de declarações das 638 vítimas, a nova exposição delas ao cenário traumático em que os fatos teriam se desenvolvido e a repetição de relatos que não auxiliariam no esclarecimento dos fatos. Além disso, o paciente deixara de requerer, na resposta à acusação, a oitiva de todas as vítimas. A Turma acrescentou, ainda, que o rito especial do tribunal do júri limita o número de testemunhas a serem inquiridas e, ao contrário do procedimento comum, não exclui dessa contagem as testemunhas que não prestam compromisso legal. Anotou, também, que a inobservância do prazo para o oferecimento da denúncia não contamina o direito de apresentação do rol de testemunhas. A exibição desse rol, tanto pela acusação quanto pela defesa, não se submete a prazo preclusivo, visto que referidas provas devem ser requeridas, por expressa imposição legal, na denúncia e na defesa preliminar. Desse modo, não há vinculação temporal à propositura da prova, mas sim associação a um momento processual. A aludida atuação se sujeita, na realidade, à preclusão consumativa. Logo, por não vislumbrar ilegalidade, não se concedeu a ordem de ofício.
HC 131158/RS, rel. Min. Edson Fachin, 26.4.2016. (HC-131158)
SEGUNDA TURMA
HC e substituição de prisão preventiva por medidas cautelares
A Segunda Turma concedeu, em parte, “habeas corpus” para substituir a prisão preventiva do paciente por medidas cautelares específicas. São elas: a) afastamento de cargos de direção e de administração eventualmente ocupados nas empresas envolvidas nas investigações, ficando proibido de ingressar em quaisquer de seus estabelecimentos; b) recolhimento domiciliar integral até que demonstre ocupação lícita, quando fará jus ao recolhimento domiciliar apenas em período noturno e nos dias de folga; c) comparecimento quinzenal em juízo, para informar e justificar atividades, com proibição de mudar de endereço sem autorização; d) obrigação de comparecimento a todos os atos do processo, sempre que intimado; e) proibição de manter contato com os demais investigados, por qualquer meio; f) proibição de deixar o País, devendo entregar passaporte em até 48 horas; g) monitoração por meio da utilização de tornozeleira eletrônica; se por outro motivo não estiver preso, destacando-se que o descumprimento injustificado de quaisquer dessas medidas ensejará decreto de restabelecimento da ordem de prisão (CPP, art. 282, § 4º). Na espécie, os decretos de custódia cautelar expedidos contra o paciente fundamentaram-se no risco concreto de reiteração delitiva, na necessidade de garantia da ordem pública e na conveniência da investigação e da instrução criminal, entre outros. Preliminarmente, conquanto o presente “habeas corpus” tenha sido impetrado contra acórdão do STJ que não conhecera do “writ”, a Turma reconheceu a possibilidade de impetração de “habeas corpus” substitutivo de recurso ordinário. Destacou que, se a Corte viesse a examinar cada um dos decretos prisionais expedidos contra o paciente, o “habeas corpus” sob análise estaria prejudicado, porque depois dele foram expedidos mais dois decretos. Todavia, há precedentes no sentido de que só se consideraria prejudicado o “writ” perante a Corte se houvesse total autonomia de fundamentos em relação aos decretos supervenientes. No caso, não se mostra presente situação excepcional de total autonomia de fundamentação entre os decretos de prisão. Os pressupostos genéricos de autoria e de materialidade estariam demonstrados. O Colegiado apontou que foi utilizada justificativa análoga e em relação aos fundamentos específicos, uma das razões invocadas nos decretos de prisão foi a necessidade de garantir a ordem pública. Nesse ponto, reuniões ocorridas em 2014 — sem que fossem apresentados indícios de que o paciente delas tivesse participado — foram apontadas pela autoridade coatora como fatos concretos aptos a ensejar a segregação. Assim, haveria mera presunção, sem fundamentação idônea, de que o paciente seguiria a cometer crimes, o que não se admite como fundamento para a custódia cautelar. Outras razões invocadas pelo magistrado de primeiro grau foram o risco concreto de reiteração delitiva e a conveniência da investigação e da instrução criminal. Quanto a esses, embora o magistrado tenha noticiado tentativa de destruição de provas em aparelhos eletrônicos do paciente, essa conduta teria partido de outrem. Não haveria, portanto, conduta concreta do paciente para sustentar a existência de riscos à instrução criminal. De igual forma, dispor de recursos financeiros e ter um dos co-investigados se refugiado no exterior, por si sós, não constituem motivos suficientes para a decretação da prisão preventiva. Por fim, a Turma assentou que não teria havido a indicação de atos concretos e específicos atribuídos ao próprio paciente que demonstrassem sua efetiva intenção de furtar-se à aplicação da lei penal.
HC 132233/PR, rel. Min. Teori Zavascki, 26.4.2016. (HC-132233)