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Informativo do STF 805 de 29/10/2015

Publicado por Supremo Tribunal Federal


PLENÁRIO

Norma penal militar e discriminação sexual

As expressões “pederastia ou outro” — mencionada na rubrica enunciativa referente ao art. 235 do CPM — e “homossexual ou não” — contida no aludido dispositivo — não foram recepcionadas pela Constituição (“Pederastia ou outro ato de libidinagem - Art. 235. Praticar, ou permitir o militar que com êle se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar: Pena - detenção, de seis meses a um ano”). Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta contra a referida norma penal. De início, o Tribunal conheceu do pedido. No ponto, considerou que os preceitos tidos como violados possuiriam caráter inequivocamente fundamental (CF, artigos 1º, III e V; 3º, I e IV; e 5º, “caput”, I, III, X e XLI). Além disso, o diploma penal militar seria anterior à Constituição, de modo que não caberia ação direta de inconstitucionalidade para questionar norma nele contida. Assim, não haveria outro meio apto a sanar a suposta lesão aos preceitos fundamentais. No mérito, o Colegiado apontou que haveria um paralelo entre as condutas do art. 233 do CP (ato obsceno) e 235 do CPM. Na norma penal comum, o bem jurídico protegido seria o poder público. Na norma penal militar, por outro lado, o bem seria a administração militar, tendo em conta a disciplina e a hierarquia, princípios estes com embasamento constitucional (CF, artigos 42 e 142). Haveria diferenças não discriminatórias entre a vida civil e a vida da caserna, marcada por valores que não seriam usualmente exigidos, de modo cogente e imperativo, aos civis. Por essa razão, a tutela penal do bem jurídico protegido pelo art. 235 do CPM deveria se manter. Acresceu, entretanto, que o aludido dispositivo, embora pudesse ser aplicado a heterossexuais e a homossexuais, homens e mulheres, teria o viés de promover discriminação em desfavor dos homossexuais, o que seria inconstitucional, haja vista a violação dos princípios da dignidade humana e da igualdade, bem assim a vedação à discriminação odiosa. Desse modo, a lei não poderia se utilizar de expressões pejorativas e discriminatórias, considerado o reconhecimento do direito à liberdade de orientação sexual como liberdade essencial do indivíduo. Vencidos os Ministros Rosa Weber e Celso de Mello, que acolhiam integralmente o pedido para declarar não recepcionado pela Constituição o art. 235 do CPM em sua integralidade.

ADPF 291/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 28.10.2015. (ADPF-291)

REPERCUSSÃO GERAL

Pedofilia e competência

Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (ECA, artigos 241, 241-A e 241-B), quando praticados por meio da rede mundial de computadores. Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a competência processual para julgamento de tais crimes. O Tribunal entendeu que a competência da Justiça Federal decorreria da incidência do art. 109, V, da CF (“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: ... V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”). Ressaltou que, no tocante à matéria objeto do recurso extraordinário, o ECA seria produto de convenção internacional, subscrita pelo Brasil, para proteger as crianças da prática nefasta e abominável de exploração de imagem na internet. O art. 241-A do ECA, com a redação dada pela Lei 11.829/2008, prevê como tipo penal oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente. Esse tipo penal decorreria do art. 3º da Convenção sobre o Direito das Crianças da Assembleia Geral da ONU, texto que teria sido promulgado no Brasil pelo Decreto 5.007/2004. O art. 3º previra que os Estados-Partes assegurariam que atos e atividades fossem integramente cobertos por suas legislações criminal ou penal. Assim, ao considerar a amplitude do acesso ao sítio virtual, no qual as imagens ilícitas teriam sido divulgadas, estaria caracterizada a internacionalidade do dano produzido ou potencial. Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator) e Dias Toffoli, que davam provimento ao recurso e fixavam a competência da Justiça Estadual. Assentavam que o art. 109, V, da CF deveria ser interpretado de forma estrita, ante o risco de se empolgar indevidamente a competência federal. Pontuavam que não existiria tratado, endossado pelo Brasil, que previsse a conduta como criminosa. Realçavam que a citada Convenção gerara o comprometimento do Estado brasileiro de proteger as crianças contra todas as formas de exploração e abuso sexual, mas não tipificara a conduta. Além disso, aduziam que o delito teria sido praticado no Brasil, porquanto o material veio a ser inserido em computador localizado no País, não tendo sido evidenciado o envio ao exterior. A partir dessa publicação se procedera, possivelmente, a vários acessos. Ponderavam não ser possível partir para a capacidade intuitiva, de modo a extrair conclusões em descompasso com a realidade.

RE 628624/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, 28 e 29.10.2015. (RE-628624)

RPV e juros moratórios

O Plenário iniciou o julgamento de recurso extraordinário em que se discute o cabimento de juros de mora no período compreendido entre a data da conta de liquidação e a da expedição de requisição de pequeno valor-RPV. O Ministro Marco Aurélio (relator) negou provimento ao recurso, para assentar a incidência de juros da mora no período compreendido entre a data da realização dos cálculos e a da requisição relativa ao pagamento de débito de pequeno valor. Ressaltou que o regime previsto no art. 100 da CF consubstancia sistema de liquidação de débito que não se confundiria com moratória. A requisição não operaria como se fosse pagamento, fazendo desaparecer a responsabilidade do devedor. Enquanto persistisse o quadro de inadimplemento do Estado, deveriam incidir os juros da mora. Assim, desde a citação — termo inicial firmado no título executivo — até a efetiva liquidação da RPV, os juros moratórios deveriam ser computados, a compreender o período entre a data da elaboração dos cálculos e a da requisição. Consignou que o Enunciado 17 da Súmula Vinculante não se aplicaria ao caso, porquanto não se cuidaria do período de 18 meses referido no art. 100, § 5º, da CF. Tratar-se-ia do lapso temporal compreendido entre a elaboração dos cálculos e a RPV. Além disso, o entendimento pela não incidência dos juros da mora durante o aludido prazo teria sido superado pela EC 62/2009, que incluíra o § 12 ao art. 100 da CF. Enfatizou que o sistema de precatório, a abranger as RPVs, não poderia ser confundido com moratória, razão pela qual os juros da mora deveriam incidir até o pagamento do débito. Assentada a mora da Fazenda até o efetivo pagamento do requisitório, não haveria fundamento para afastar a incidência dos juros moratórios durante o lapso temporal anterior à expedição da RPV. No plano infraconstitucional, antes da edição da aludida emenda constitucional, entrara em vigor a Lei 11.960/2009, que modificara o art. 1º-F da Lei 9.494/1997. A norma passara a prever a incidência dos juros para compensar a mora nas condenações impostas à Fazenda até o efetivo pagamento. Não haveria, portanto, fundamento constitucional ou legal a justificar o afastamento dos juros da mora enquanto persistisse a inadimplência do Estado. Ademais, não procederia alegação no sentido de que o ato voltado a complementar os juros da mora seria vedado pela regra do art. 100, § 4º, da CF, na redação da EC 37/2002. Haveria precedentes do STF a consignar a dispensa da expedição de requisitório complementar — mesmo nos casos de precatório — quando se cuidasse de erro material, inexatidão dos cálculos do precatório ou substituição, por força de lei, do índice empregado. Também seria insubsistente o argumento de que o requisitório deveria ser corrigido apenas monetariamente, ante a parte final da regra do art. 100, § 1º, da CF, na redação conferida pela EC 30/2000. O fato de o constituinte haver previsto somente a atualização monetária no momento do pagamento não teria o condão de afastar a incidência dos juros da mora. Sucede que a EC 62/2009 versaria a previsão dos juros moratórios, mantendo a redação anterior do aludido § 1º no tocante à atualização. Após os votos dos Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Luiz Fux, que acompanharam o relator, pediu vista o Ministro Dias Toffoli.

RE 579431/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 29.10.2015. (RE-579431)

Ocupação e parcelamento do solo urbano: loteamentos fechados e plano diretor –- 4

Os Municípios com mais de 20 mil habitantes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor. Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a constitucionalidade — em face dos artigos 182, §§ 1º e 2º, da CF — da LC 710/2005 do Distrito Federal, que dispõe sobre a disciplina de projetos urbanísticos em lotes integrados por unidades autônomas e áreas comuns condominiais — v. Informativos 755 e 783. O Tribunal reputou legítima a LC 710/2005, tanto sob o aspecto formal e quanto material. Destacou que a norma impugnada estabeleceria uma forma diferenciada de ocupação e parcelamento do solo urbano em loteamentos fechados, a tratar da disciplina interna desses espaços e dos requisitos urbanísticos mínimos a serem neles observados. Mencionou que a Constituição prevê competência concorrente aos entes federativos para fixar normas gerais de urbanismo (art. 24, I e § 1º, e 30, II) e que, a par dessa competência, aos Municípios fora atribuída posição de preponderância a respeito de matérias urbanísticas. Sublinhou que a atuação municipal no planejamento da política de desenvolvimento e expansão urbana deveria ser conduzida com a aprovação, pela Câmara Municipal, de um plano diretor — obrigatório para as cidades com mais de 20.000 habitantes —, cujo conteúdo deveria sistematizar a existência física, econômica e social da cidade, de modo a servir de parâmetro para a verificação do cumprimento da função social das propriedades inseridas em perímetro urbano. Destacou que a lei geral de urbanismo vigente seria o Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001), que também positivara normas gerais a serem observadas na elaboração de planos diretores. No tocante à lei impugnada, aduziu que ela se diferenciaria da Lei 6.766/1979, notadamente, pela: a) possibilidade de fechamento físico e da limitação de acesso da área a ser loteada; e b) transferência, aos condôminos, dos encargos decorrentes da instalação da infraestrutura básica do projeto e dos gastos envolvidos na administração do loteamento, a exemplo do consumo de água, energia elétrica, limpeza e conservação. Consignou que a lei distrital disporia sobre padrão normativo mínimo a ser aplicado a projetos de futuros loteamentos fechados, com o objetivo de evitar situações de ocupação irregular do solo, à margem de controle pela Administração. Asseverou, ainda, que nem toda matéria urbanística relativa às formas de parcelamento, ao uso ou à ocupação do solo deveria estar inteiramente regrada no plano diretor. Enfatizou que determinados modos de aproveitamento do solo urbano, pelas suas singularidades, poderiam receber disciplina jurídica autônoma, desde que compatível com o plano diretor. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Edson Fachin e Ricardo Lewandowski (presidente), que davam provimento ao recurso e declaravam a inconstitucionalidade da mencionada lei distrital. Pontuavam que essa lei esparsa, ao disciplinar a figura do condomínio fechado por meio de um regulamento genérico e de diretrizes gerais, teria ofendido o plano diretor.

RE 607940/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 29.10.2015. (RE-607940)

PRIMEIRA TURMA

Ato do CNJ e extensão de gratificação de servidor público

A Primeira Turma iniciou julgamento de mandado de segurança impetrado em face de ato do CNJ, que determinara a alteração da Resolução 10/2010 do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, para que o referido ato normativo contemplasse, no rol de beneficiários da Gratificação por Condições Especiais de Trabalho – CET, determinada categoria de servidores. O Ministro Marco Aurélio (relator), ao deferir o mandado de segurança, afirmou que a alteração da Resolução 10/2010, determinada pelo CNJ, produziria o efeito de uma equiparação remuneratória, sob o fundamento de isonomia, entre atividades que, embora dotadas de algum grau de semelhança, não seriam idênticas. Não competiria àquele órgão de controle interferir em atividade reservada ao tribunal de justiça (CF, art. 99). Assim, o art. 6º da Resolução 10/2010, ao disciplinar o alcance subjetivo da gratificação em comento, teria observado o art. 1º da Lei estadual 11.919/2010. Este diploma conferira legítimo campo de avaliação quanto aos potenciais beneficiados, em atenção às funções desempenhadas e às restrições orçamentárias existentes. Portanto, a decisão impugnada, ao igualar a remuneração de categorias distintas de agentes públicos, revelaria desrespeito às balizas constitucionais relativas à atuação administrativa do CNJ. Ademais, se, conforme o Enunciado 339 da Súmula do STF, aos órgãos do Poder Judiciário seria vedado evocar o princípio da isonomia para implementar equiparação remuneratória, com maior razão não poderia fazê-lo órgão administrativo, porquanto este seria vinculado à lei (CF, artigos 37, “caput”, e 103-B, § 4º, II). O Ministro Edson Fachin, em divergência, denegou a segurança. Destacou que a Lei estadual 11.919/2010, que criara a gratificação, não teria afastado o direito dos demais servidores efetivos — à luz do seu art. 1º, “caput” — à percepção daquele benefício. Essa interpretação seria corroborada pelo fato de que o próprio tribunal de justiça, ao regulamentar a lei, estendera a outros servidores efetivos o direito à citada gratificação. Fundamentada desse modo a possibilidade de extensão da gratificação criada por lei, não haveria como, em sede de mandado de segurança — cuja dilação probatória seria limitada — infirmar essa conclusão. Assim, havendo, em tese, direito à percepção da gratificação, não haveria ilegalidade na decisão do CNJ, que reconhecera a omissão e determinara que o tribunal de justiça regulamentasse as condições pelas quais outros servidores a recebessem. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Roberto Barroso.

MS 31285/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 27.10.2015. (MS-31285)

SEGUNDA TURMA

Procedimento de controle administrativo e notificação pessoal

Reveste-se de nulidade a decisão do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP que, em procedimento de controle administrativo (PCA) notifica o interessado por meio de edital publicado no Diário Oficial da União para restituir valores aos cofres públicos. Com base nessa orientação, a Segunda Turma concedeu a ordem em mandado de segurança impetrado por servidor para determinar a anulação do PCA a partir do momento em que deveria ter sido notificado pessoalmente, sem prejuízo da renovação dos procedimentos voltados à apuração das irregularidades a ele associadas nesse processo administrativo. Na espécie, no PCA considerara-se indevido o pagamento de gratificação de adicional de tempo de serviço sobre férias e licença-prêmio não gozadas, por caracterizar tempo de serviço ficto, além de não existir previsão legal. A Turma aduziu que referida comunicação fora feita com fundamento no art. 105 do Regimento Interno do Ministério Público (“O Relator determinará a oitiva da autoridade que praticou o ato impugnado e, por edital, dos eventuais beneficiários de seus efeitos, no prazo de quinze dias”), de conteúdo semelhante a uma disposição normativa que existia no CNJ e que o STF declarara inconstitucional. Os Ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia ressaltaram que decisões do CNJ contra determinações de caráter normativo geral não implicariam a necessidade de intimação pessoal de todos os atingidos, como no caso dos concursos públicos.

MS 26419/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 27.10.2015. (MS-26419)