Informativo do STF 804 de 23/10/2015
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
EC: vício de iniciativa e autonomia da Defensoria Pública - 4
O Plenário retomou o julgamento de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade na qual se pretende a suspensão da eficácia do § 3º do art. 134 da CF, introduzido pela EC 74/2013, segundo o qual se aplica às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal o disposto no § 2º do mesmo artigo, este introduzido pela EC 45/2004, a assegurar às Defensorias Públicas estaduais autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º, da CF — v. Informativo 802. Em voto-vista, o Ministro Edson Fachin, no que seguido pelos Ministros Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux e Cármen Lúcia, acompanhou o voto da Ministra Rosa Weber (relatora), para indeferir a cautelar. O Ministro Edson Fachin frisou que a autonomia funcional garante a atuação com plena liberdade no exercício de incumbências essenciais à Defensoria Pública, à luz dos limites impostos pelo ordenamento jurídico, ao passo que a autonomia administrativa atribui liberdade gerencial em relação à própria organicidade da instituição. O Ministro Roberto Barroso considerou legítimo reconhecer-se autonomia funcional e administrativa à Defensoria Pública. Muito embora a ideia de autonomia fosse relacionada, primordialmente, aos Poderes do Estado, a CF/1988 estendera esse predicado ao Ministério Público, que seria equiparado a um Poder, nos moldes da prática institucional do país e do perfil constitucional traçado. Da mesma forma, a Defensoria Pública não seria um Poder, mas seria razoável conceder-lhe tratamento análogo ao que fora dado, constitucionalmente, ao Ministério Público, por três razões: a) a Defensoria Pública e o Ministério Público seriam partes antagônicas no processo penal, de modo que deveriam ser equiparadas para que houvesse paridade de armas no tratamento dos hipossuficientes; b) no caso da Defensoria Pública da União, seu principal adversário seria a União Federal, detentora dos recursos buscados pelas partes, de maneira que seria necessário proteger a instituição no seu mister de defender interesses públicos primários; e c) a assistência jurídica aos hipossuficientes seria direito fundamental (CF, art. 5º, LXXIV). Enfatizou, entretanto, que esse entendimento não necessariamente se estenderia a qualquer outra instituição. O Ministro Teori Zavascki, no que se refere à questão do vício de iniciativa, reputou que seria preciso adotar um critério em relação a projetos de emenda constitucional. Assim, se se tratasse de tentativa de constitucionalizar matéria típica de lei ordinária, superando a questão da reserva legal, isso poderia comprometer a higidez do Poder a quem a Constituição atribui reserva de iniciativa. Enfatizou que a concessão de autonomia à Defensoria Pública não poderia ser feita por lei ordinária. A Ministra Cármen Lúcia destacou que as Defensorias Públicas, após seu surgimento, careceriam de diversos recursos essenciais para o desempenho pleno de sua função primordial. Assim, a busca por autonomia estaria relacionada com essa necessidade. Ponderou que conferir autonomia à Defensoria Pública poderia contribuir para que a instituição atuasse de forma mais efetiva.
ADI 5296 MC/DF, rel. Min. Rosa Weber, 22.10.2015. (ADI-5296)
EC: vício de iniciativa e autonomia da Defensoria Pública - 5
Em divergência, os Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio deferiram a medida acauteladora. O Ministro Gilmar Mendes sublinhou que a autonomia institucional não seria, necessariamente, relacionada ao melhor funcionamento de determinado órgão. Lembrou, no ponto, outros serviços igualmente essenciais, como segurança e saúde, que não seriam dotados de autonomia. Além disso, seria necessário rever o modelo da equiparação de carreiras e de aumento de gastos, tendo em conta a escassez de recursos estatais. Ressaltou, ainda, a ofensa à separação de Poderes. O Ministro Marco Aurélio consignou a existência de vício formal. Verificou que a iniciativa, para a disciplina da Defensoria Pública da União, seria do Executivo (CF, art. 61). Acresceu que a ideia de autonomia seria ínsita a Poder. O fato de o Ministério Público possuir a prerrogativa decorreria de iniciativa do constituinte originário, e não derivado. Este não poderia estender a outros segmentos da Administração a mesma qualidade. Em seguida, pediu vista o Ministro Dias Toffoli.
ADI 5296 MC/DF, rel. Min. Rosa Weber, 22.10.2015. (ADI-5296)
REPERCURSÃO GERAL
Alienação fiduciária de veículos e registro em cartório - 1 É desnecessário o registro do contrato de alienação fiduciária de veículos em cartório. Com base nesse entendimento, o Plenário, em julgamento conjunto, proveu recurso extraordinário e julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ADI 4.333/DF, para assentar que os §§ 1º e 2º do art. 6º da Lei 11.882/2008 (“Art. 6º. Em operação de arrendamento mercantil ou qualquer outra modalidade de crédito ou financiamento a anotação da alienação fiduciária de veículo automotor no certificado de registro a que se refere a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, produz plenos efeitos probatórios contra terceiros, dispensado qualquer outro registro público. § 1º Consideram-se nulos quaisquer convênios celebrados entre entidades de títulos e registros públicos e as repartições de trânsito competentes para o licenciamento de veículos, bem como portarias e outros atos normativos por elas editados, que disponham de modo contrário ao disposto no caput deste artigo. § 2º O descumprimento do disposto neste artigo sujeita as entidades e as pessoas de que tratam, respectivamente, as Leis nos 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e 8.935, de 18 de novembro de 1994, ao disposto no art. 56 e seguintes da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e às penalidades previstas no art. 32 da Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994”) não se aplicam aos convênios celebrados antes da publicação dessa norma. Além disso, declarou a constitucionalidade do art. 1.361, § 1º, segunda parte, do CC (“Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor. § 1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro”), bem como a constitucionalidade do art. 14, § 7º, da Lei 11.795/2008 [“Art. 14. No contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, devem estar previstas, de forma clara, as garantias que serão exigidas do consorciado para utilizar o crédito. (...) § 7º A anotação da alienação fiduciária de veículo automotor ofertado em garantia ao grupo de consórcio no certificado de registro a que se refere o Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, produz efeitos probatórios contra terceiros, dispensado qualquer outro registro público”]. Discutia-se a obrigatoriedade do registro, no cartório de títulos e documentos, do contrato de alienação fiduciária de veículos automotores, mesmo com a anotação no órgão de licenciamento. Ainda na mesma assentada, o Tribunal não conheceu do pleito formulado da ADI 4.227/DF, em razão de o autor não ter impugnado todo o bloco normativo pertinente à controvérsia.
RE 611639/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 21.10.2015. (RE-611639) ADI 4333/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 21.10.2015. (ADI-4333) ADI 4227/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 21.10.2015. (ADI-4227)
Alienação fiduciária de veículos e registro em cartório - 2
A Corte afirmou que o Congresso Nacional editara quatro atos normativos (CTB, CC, Lei 11.795/2008 e Lei 11.882/2008) destinados a afastar a exigência de registro, em cartório, do contrato de alienação fiduciária em garantia de automóveis. Salientou que a exigência de registro do contrato de alienação fiduciária nas serventias extrajudiciais teria sido criada na década de 1960 pelo Decreto-Lei 911/1969. Portanto, nada impediria que o legislador, ante o implemento de política pública diferente, extinguisse a obrigatoriedade. Ademais, por mais analítica que fosse a Constituição, descaberia extrair dela a compulsoriedade de registro de um contrato específico em uma instituição determinada. Pontuou que os requisitos atinentes à formação, validade e eficácia de contratos privados consubstanciariam matéria evidentemente ligada à legislação federal e não ao texto constitucional. Ressaltou que, embora o exercício em caráter privado da atividade notarial e de registro estivesse previsto no art. 236 da CF, não haveria conceito constitucional fixo e estático de registro público. Ao reverso, no § 1º do mesmo dispositivo, estaria estabelecida a competência da lei ordinária para a regulação das atividades registrais. Consignou que, como no pacto a tradição seria ficta e a posse do bem continuaria com o devedor, uma política pública adequada recomendaria a criação de meios conducentes a alertar eventuais compradores sobre o real proprietário do bem, de modo a evitar fraudes, de um lado, e assegurar o direito de oposição da garantia contra todos, de outro. De acordo com o legislador, contudo, a exigência de registro em serventia extrajudicial acarretaria ônus e custos desnecessários ao consumidor, além de não conferir ao ato a publicidade adequada. Para o leigo, seria mais fácil, intuitivo e célere verificar a existência de gravame no próprio certificado de propriedade do veículo, em vez de peregrinar por diferentes cartórios de títulos e documentos ou ir ao cartório de distribuição, nos Estados-Membros que contassem com serviço integrado, em busca de informações.
RE 611639/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 21.10.2015. (RE-611639) ADI 4333/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 21.10.2015. (ADI-4333) ADI 4227/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 21.10.2015. (ADI-4227)
Alienação fiduciária de veículos e registro em cartório - 3
O Plenário realçou que o parlamento não agira de maneira inconstitucional quando extinguira procedimento registral desprovido de utilidade maior. Além disso, o alcance que o requerente pretendera atribuir à expressão constitucional “registro público”, retirando do legislador ordinário qualquer liberdade para delimitação da atividade, colocaria todos os cadastros de informações em banco de dados com acesso geral sujeitos à disciplina do art. 236 da CF, o que atingiria até mesmo a atividade realizada por outros entes privados, como os serviços de proteção ao crédito. Sublinhou que não haveria ofensa ao princípio da separação de Poderes, pois a atividade fiscalizatória desempenhada pelo Judiciário seria restrita aos serviços prestados pelos cartórios extrajudiciais, conforme versado em lei. Asseverou que a Lei 11.882/2008, ao simplificar o procedimento ligado à alienação fiduciária de veículo automotor, não causara ingerência da União nos órgãos de trânsito estaduais ou ofensa ao pacto federativo. Os dispositivos impugnados nessa norma visariam evitar a burla. A nulidade de eventuais convênios seria mera consequência lógica. Quanto à alegação de ofensa a ato jurídico perfeito e à segurança jurídica, em razão dos convênios celebrados entre os órgãos de trânsito estaduais e os titulares das serventias extrajudiciais, o Colegiado conferiu interpretação conforme à Constituição aos dispositivos em exame, de modo a permitir que os convênios já pactuados por ocasião da edição da lei tivessem vigência até o término do prazo estabelecido, vedada qualquer prorrogação.
RE 611639/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 21.10.2015. (RE-611639) ADI 4333/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 21.10.2015. (ADI-4333) ADI 4227/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 21.10.2015. (ADI-4227)
PRIMEIRA TURMA
Convalidação de atos e nulidade
Se determinada decisão do STF declara a nulidade processual a partir de certo “decisium” a repercutir, inclusive, nos atos subsequentes, o órgão reclamado não pode os declarar convalidados. Com base nessa orientação, a Primeira Turma julgou procedente pedido formulado em reclamação e determinou fosse afastada a custódia que decorrera da prática dos atos implementados de forma automática. No caso, ao apreciar “habeas corpus” do reclamante, a Primeira Turma anulara o que decidido por tribunal regional federal, uma vez demonstrada a impossibilidade de comparecimento do representante processual à sessão de apreciação de recurso em sentido estrito, com formal pedido de adiamento. Além disso, em embargos declaratórios, a Turma esclarecera que a nulidade alcançara todos os atos posteriores ao exame do referido recurso, inclusive os alusivos à custódia e ao julgamento popular. Ocorre que, ao reapreciá-lo, a turma especializada do mencionado tribunal restabelecera atos no processo-crime que teriam sido afastados pela Primeira Turma do STF no campo da automaticidade, a caracterizar ofensa ao que decidido no “habeas corpus” paradigma (HC 89.387/RJ, DJe de 8.6.2007).
Rcl 8823/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 20.10.2015. (Rcl-8823)
SEGUNDA TURMA
Acordo de Extradição entre os Estados Partes do Mercosul e pena remanescente
A Segunda Turma indeferiu pedido de extradição formulado em desfavor de nacional argentino, condenado em seu país à pena de seis anos de reclusão pela prática do crime de abuso sexual agravado pela conjunção carnal, nos termos dos artigos 45 e 119, § 3º, do Código Penal Argentino. O Colegiado afirmou que o Acordo de Extradição entre os Estados Partes do Mercosul e as Repúblicas da Bolívia e do Chile, promulgado pelo Decreto 5.867/2006, contemplaria cláusula a impedir a entrega do súdito estrangeiro para execução de sentença quando a pena ainda por cumprir no Estado requerente fosse inferior a seis meses (Artigo 2, item 2: “Se a extradição for requerida para a execução de uma sentença exige-se, ademais, que a parte da pena ainda por cumprir não seja inferior a seis meses”). No caso, seria possível constatar que o extraditando efetivamente permanecera preso, de 16.8.2006 até 30.5.2011, tendo cumprido quatro anos, nove meses e 14 dias da pena imposta. Já no Brasil, fora preso em 23.1.2015, por força de decreto de prisão preventiva para fins de extradição, permanecendo preso desde então. Considerando que o período em que o extraditando ficara detido no território brasileiro deveria ser detraído da pena a ser cumprida (Lei 6.815/1980, artigos 91, II, e Acordo firmado entre os Estados Partes do Mercosul, art. 17), ter-se-ia que a pena remanescente — considerado o trânsito em julgado para a acusação — resultaria, a partir de 9.10.2015, inferior a seis meses, pelo que incidiria a cláusula restritiva disposta no artigo 2, item 2, do já aludido acordo de extradição. Ext 1394/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 20.10.2015. (Ext-1394)
Substituição de pena e lesão corporal praticada em ambiente doméstico
Não é possível a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ao condenado pela prática do crime de lesão corporal praticado em ambiente doméstico (CP, art. 129, § 9º, na redação dada pela Lei 11.340/2006). Esse o entendimento da Segunda Turma, que denegou a ordem em “habeas corpus” impetrado em face de decisão que denegara a substituição de pena a condenado, pela prática do delito em questão, a três meses de detenção em regime aberto. A Turma destacou que a substituição da pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direitos encontrar-se-ia condicionada ao preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos elencados no art. 44 do CP (“Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente”). Assim, a execução do crime mediante o emprego de violência seria circunstância impeditiva do benefício. Com advento da Lei 9.099/1995, acentuada parcela da doutrina passara a sustentar que a vedação abstrata prevista no art. 44 do CP, ao menos em relação aos crimes de menor potencial ofensivo, implicaria violação ao princípio da proporcionalidade, ou seja, não haveria razão para impedir a conversão da reprimenda a autores de delitos que poderiam, em tese, ser agraciados com a transação penal ou suspensão condicional do processo. Essa linha argumentativa, porém, não teria espaço em relação ao crime de lesão corporal praticado em ambiente doméstico, por duas razões: a) a pena máxima prevista para esse delito — três anos —, a impedir a transação penal (Lei 9.099/1995, art. 61); e b) a existência de comando proibitivo previsto no art. 41 da Lei Maria da Penha (“Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”). Portanto, o principal fundamento — aplicação da Lei 9.099/1995 — daqueles que militariam pelo abrandamento do art. 44 do CP deixaria de existir quando o cenário fosse de crime de lesão corporal no seio familiar. Ademais, não seria crível imaginar que a Lei Maria da Penha, que teria vindo justamente tutelar com maior rigor a integridade física das mulheres, tivesse autorizado a substituição da pena corporal, mitigando a regra geral do CP, que a proíbe. Nesse contexto, perderia sustento a alegação de que o art. 17 da Lei 11.340/2006 autorizaria a substituição de pena (Art. 17: “É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa”).
HC 129446/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 20.10.2015. (HC-129446)