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    Informativo do STF 794 de 14/08/2015

    Publicado por Supremo Tribunal Federal


    PLENÁRIO

    ECA e competências da Justiça do Trabalho - 1

    O Plenário iniciou julgamento de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face do inciso II da Recomendação Conjunta 1/2014 das Corregedorias dos Tribunais de Justiça e do Trabalho, e dos Ministérios Públicos estadual e do Trabalho, todos do Estado de São Paulo; do art. 1º, II, da Recomendação Conjunta 1/2014 dos Ministérios Públicos estadual e do Trabalho, e das Corregedorias do Tribunal de Justiça e do Trabalho, todos do Estado de Mato Grosso; do Ato do Gabinete da Presidência (GP) 19/2013 do TRT da 2ª Região; e, finalmente, do Provimento do Gabinete da Presidência (GP) 7/2014, também do referido TRT, formalizado em conjunto com a respectiva Corregedoria. As normas impugnadas, em suma, atribuem competência à Justiça do Trabalho para processar e apreciar pedidos de autorização visando a participação de crianças e adolescentes em eventos de natureza artística. O Ministro Marco Aurélio (relator) concedeu a cautelar pleiteada, no que foi acompanhado pelo Ministro Edson Fachin, para suspender a eficácia da expressão “inclusive artístico”, constante do inciso II da Recomendação Conjunta 1/14 e do art. 1º, II, da Recomendação Conjunta 1/14, bem como para afastar a atribuição, definida no Ato GP 19/2013 e no Provimento GP/CR 07/2014, quanto à apreciação de pedidos de alvará visando a participação de crianças e adolescentes em representações artísticas e a criação do juizado especial na Justiça do Trabalho, ficando suspensos, por consequência, esses últimos preceitos, assentada a competência da justiça comum para analisar os referidos pedidos. Preliminarmente, o relator julgou cabível a ação direta em comento. Afirmou que, não obstante o título de “recomendação”, mediante os dois primeiros atos, de caráter geral e abstrato, teria sido definida a atribuição de juízes trabalhistas acerca das aludidas autorizações. Visto que oriundas de corregedorias, os juízes haveriam de observá-las. Delimitara-se, portanto, com inegável caráter cogente e vinculativo, a competência da Justiça do Trabalho no tocante à matéria, que vinha sendo apreciada pela justiça estadual, particularmente, pelos Juízos da Infância e da Juventude. Esses atos, assim como aqueles por meio dos quais fora criado e disciplinado o Juízo da Infância e da Juventude no âmbito da Justiça especializada, teriam inovado no ordenamento jurídico, definindo-se atribuição judiciária com fundamento direto nos incisos I e IX do artigo 114 da CF. Cumpriram papel próprio de lei ordinária em sentido material, revelado, assim, o caráter primário e autônomo dos dispositivos atacados, sendo viável a ação direta. No mérito, reputar-se-ia presente a inconstitucionalidade formal e material das normas em questão. No que diz respeito à inconstitucionalidade formal, reputou tratar-se de normas a versar distribuição de competência jurisdicional e criação de juízo auxiliar da infância e da juventude no âmbito da Justiça do Trabalho, que não foram veiculados mediante lei ordinária. Do disposto nos artigos 22, I, 113 e 114, IX, da CF, depreender-se-ia estarem tais medidas sujeitas, inequivocamente, ao princípio da legalidade estrita. Uma vez editados os aludidos atos infralegais para fixar competência jurisdicional e criar órgão judicial, padeceriam de inconstitucionalidade formal.

    ADI 5326 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 12.8.2015. (ADI-5326)

    ECA e competências da Justiça do Trabalho - 2

    Relativamente à inconstitucionalidade material, o relator ressaltou que, concretizando o comando do artigo 227 da CF, o legislador ordinário, ao estabelecer o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), teria previsto a chamada “Justiça da Infância e da Juventude”. Teria estabelecido que o Juiz da Infância e da Juventude seria a autoridade judiciária responsável pelos processos de tutela integral dos menores, o qual, apesar da especialização, pertenceria à justiça comum. Tratar-se-ia de competência fixada em razão da matéria, de caráter absoluto, e estabelecida em proveito da especial tutela requerida pelo grupo de destinatários: crianças e adolescentes. Entre as atribuições definidas, destacar-se-ia a de autorizar a participação de menores em eventos artísticos, cuja possibilidade não fora excluída no ECA. Ao contrário, seria observada como importante aspecto do desenvolvimento dos menores, apenas condicionada, nos termos do art. 149, II, do Estatuto, à autorização judicial a ser implementada pelo Juízo da Infância e da Juventude, mediante a expedição de alvará específico. Os parâmetros a serem observados quando da autorização, na forma do § 1º do referido dispositivo, evidenciariam a inequívoca natureza cível da cognição desempenhada pelo juiz, ausente relação de trabalho a ser julgada. A análise seria acerca das condições da representação artística. O juiz deveria investigar se essas condições atenderiam à exigência de proteção do melhor interesse do menor, contida no art. 227 da CF. O Juízo da Infância e da Juventude seria a autoridade que reuniria os predicados e as capacidades institucionais necessárias para a realização de exame de tamanha relevância e responsabilidade. Assim, o art. 114, I e IX, da CF, na redação dada pela EC 45/2004, que estabelece a competência da Justiça do Trabalho, não alcançaria os casos de pedido de autorização para participação de crianças e adolescentes em eventos artísticos, ante a ausência de conflito atinente a relação de trabalho. Em seguida, pediu vista a Ministra Rosa Weber.

    ADI 5326/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 12.8.2015. (ADI-5326)

    ADI e “vaquejada” - 1

    O Plenário iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face da Lei 15.299/2013 do Estado do Ceará, que regulamenta a atividade de “vaquejada”. O Ministro Marco Aurélio (relator) julgou procedente o pedido formulado na inicial. Explicou que a lei estadual citada regulamentara a prática da “vaquejada”, na qual dupla de vaqueiros, montados em cavalos distintos, buscaria derrubar um touro, puxando-o pelo rabo dentro de uma área demarcada. Observou que o requerente teria sustentado a exposição dos animais a maus-tratos e crueldade, enquanto o governador do Estado-Membro teria defendido a constitucionalidade da norma, por versar patrimônio cultural do povo nordestino. Afirmou, portanto, que haveria conflito de normas constitucionais sobre direitos fundamentais — de um lado, o art. 225, § 1º, VII, e, de outro, o art. o 215. Asseverou que o art. 225 consagraria a proteção da fauna e da flora como modo de assegurar o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. Cuidar-se-ia, portanto, de direito fundamental de terceira geração, fundado no valor solidariedade, de caráter coletivo ou difuso, dotado de altíssimo teor de humanismo e universalidade. A manutenção do ecossistema beneficiaria as gerações do presente e do futuro. O indivíduo seria considerado titular do direito e, ao mesmo tempo, destinatário dos deveres de proteção, daí por que encerraria verdadeiro “direito-dever” fundamental. Consignou que o STF, ao constatar o conflito entre normas de direitos fundamentais, ainda que presente a manifestação cultural, conferiria interpretação de forma mais favorável à proteção ao meio ambiente, especialmente quando verificada situação a implicar inequívoca crueldade contra animais. Tudo isso a demonstrar preocupação maior com a manutenção, em prol dos cidadãos de hoje e de amanhã, das condições ecologicamente equilibradas para uma vida mais saudável e segura.

    ADI 4983/CE, rel. Min. Marco Aurélio, 12.8.2015. (ADI-4983)

    ADI e “vaquejada” - 2

    O relator aduziu que o autor teria juntado laudos técnicos que demonstrariam as consequências nocivas à saúde dos bovinos decorrentes da tração forçada no rabo, seguida da derrubada, como fraturas nas patas, ruptura de ligamentos e de vasos sanguíneos, traumatismos e deslocamento da articulação do rabo ou até o arrancamento deste, resultando no comprometimento da medula espinhal e dos nervos espinhais, dores físicas e sofrimento mental. Ante os dados empíricos evidenciados pelas pesquisas, seria indiscutível o tratamento cruel dispensado às espécies animais envolvidas, a implicar descompasso com o que preconizado no art. 225, § 1º, VII, da CF. A par de questões morais relacionadas ao entretenimento à custa do sofrimento dos animais, a crueldade intrínseca à “vaquejada” não permitiria a prevalência do valor cultural como resultado desejado pelo sistema de direitos fundamentais da Constituição. O sentido da expressão “crueldade” constante da parte final do inciso VII do § 1º do art. 225 da CF alcançaria, sem sombra de dúvida, a tortura e os maus-tratos infligidos aos bovinos durante a prática impugnada, de modo a tornar intolerável a conduta humana autorizada pela norma estadual atacada.

    ADI 4983/CE, rel. Min. Marco Aurélio, 12.8.2015. (ADI-4983)

    ADI e “vaquejada” - 3

    O Ministro Edson Fachin divergiu do relator e julgou improcedente o pedido, no que foi acompanhado pelo Ministro Gilmar Mendes. Ressaltou que a situação dos autos precisa ser analisada sob olhar que alcançasse a realidade advinda da população rural. Seria preciso despir-se de eventual visão unilateral de uma sociedade eminentemente urbana. Ademais, a “vaquejada” seria manifestação cultural, como aliás reconhecida na própria petição inicial, e encontraria proteção constitucional expressa no “caput” do art. 215, e no § 1º, da CF. Não haveria, portanto, razão para se proibir o evento e a competição, que reproduziriam e avaliariam tecnicamente a atividade de captura própria de trabalho de vaqueiros e peões, desenvolvida na zona rural do País. Além disso, não haveria na petição inicial demonstração cabal que a eventual crueldade pudesse ser comparada com as constatadas no caso da “farra do boi” ou da “rinha de galos”, precedentes citados pelo relator. O Ministro Gilmar Mendes aludiu que a consequência de uma declaração de inconstitucionalidade, na espécie, seria levar a prática cultural à clandestinidade. Entendeu que a legislação careceria de alguma censura, de modo que sua execução necessitaria de um eventual aperfeiçoamento e medidas que pudessem reduzir as possibilidades de lesão aos animais. Registrou que, embora não se pudesse garantir que não haveria lesão ao animal, diferentemente do que ocorre na “farra do boi” em que se saberia, de início, que o objetivo seria matar o animal, o propósito, nesse caso, seria desportivo em sentido amplo. Em seguida, pediu vista o Ministro Roberto Barroso.

    ADI 4983/CE, rel. Min. Marco Aurélio, 12.8.2015. (ADI-4983)

    REPERCURSÃO GERAL

    Obras emergenciais em presídios: reserva do possível e separação de poderes - 1 É lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da CF, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes. Essa a conclusão do Plenário, que proveu recurso extraordinário em que discutida a possibilidade de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo estadual obrigação de fazer consistente na execução de obras em estabelecimentos prisionais, a fim de garantir a observância dos direitos fundamentais dos presos. O Colegiado assentou tratar-se, na espécie, de estabelecimento prisional cujas condições estruturais seriam efetivamente atentatórias à integridade física e moral dos detentos. Pontuou que a pena deveria ter caráter de ressocialização, e que impor ao condenado condições sub-humanas atentaria contra esse objetivo. Entretanto, o panorama nacional indicaria que o sistema carcerário como um todo estaria em quadro de total falência, tendo em vista a grande precariedade das instalações, bem assim episódios recorrentes de sevícias, torturas, execuções sumárias, revoltas, superlotação, condições precárias de higiene, entre outros problemas crônicos. Esse evidente caos institucional comprometeria a efetividade do sistema como instrumento de reabilitação social. Além disso, a questão afetaria também estabelecimentos destinados à internação de menores. O quadro revelaria desrespeito total ao postulado da dignidade da pessoa humana, em que haveria um processo de “coisificação” de presos, a indicar retrocesso relativamente à lógica jurídica atual. A sujeição de presos a penas a ultrapassar mera privação de liberdade prevista na lei e na sentença seria um ato ilegal do Estado, e retiraria da sanção qualquer potencial de ressocialização. A temática envolveria a violação de normas constitucionais, infraconstitucionais e internacionais. Dessa forma, caberia ao Judiciário intervir para que o conteúdo do sistema constitucional fosse assegurado a qualquer jurisdicionado, de acordo com o postulado da inafastabilidade da jurisdição. Os juízes seriam assegurados do poder geral de cautela mediante o qual lhes seria permitido conceder medidas atípicas, sempre que se mostrassem necessárias para assegurar a efetividade do direito buscado. No caso, os direitos fundamentais em discussão não seriam normas meramente programáticas, sequer se trataria de hipótese em que o Judiciário estaria ingressando indevidamente em campo reservado à Administração. Não haveria falar em indevida implementação de políticas públicas na seara carcerária, à luz da separação dos poderes. Ressalvou que não seria dado ao Judiciário intervir, de ofício, em todas as situações em que direitos fundamentais fossem ameaçados. Outrossim, não caberia ao magistrado agir sem que fosse provocado, transmudando-se em administrador público. O juiz só poderia intervir nas situações em que se evidenciasse um “não fazer” comissivo ou omissivo por parte das autoridades estatais que colocasse em risco, de maneira grave e iminente, os direitos dos jurisdicionados.

    RE 592581/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 13.8.2015. (RE-592581)

    Obras emergenciais em presídios: reserva do possível e separação de poderes - 2

    O Ministro Edson Fachin ponderou que a cláusula da reserva do possível somente seria oponível se objetivamente verificado o justo motivo que tivesse sido suscitado pelo poder público para não realizar o mandamento constitucional. Seria preciso ponderar que o magistrado não deveria substituir o gestor público, mas poderia compeli-lo a cumprir o programa constitucional vinculante, mormente quando se tratasse de preservar a dignidade da pessoa humana. O Ministro Roberto Barroso aduziu que a judicialização não substituiria a política, mas haveria exceções, como no caso, em que se trataria de proteger os direitos de uma minoria sem direitos políticos, sem capacidade de vocalizar as próprias pretensões. Além disso, se cuidaria de um problema historicamente crônico de omissão do Executivo, e se o Estado se arrogasse do poder de privar essas pessoas de liberdade, deveria exercer o dever de proteção dessas pessoas. O Ministro Luiz Fux reforçou a ideia de que a intervenção judicial seria legítima se relacionada a obras de caráter emergencial, para proteger a integridade física e psíquica do preso. A Ministra Cármen Lúcia lembrou que determinadas políticas, como de melhoria do sistema penitenciário, seriam impopulares com o eleitorado, mas isso não justificaria o descumprimento reiterado de um mandamento constitucional. Ademais, não caberia falar em falta de recursos, tendo em vista a criação do Fundo Penitenciário, para suprir essa demanda específica. O Ministro Gilmar Mendes salientou que a questão não envolveria apenas direitos humanos, mas segurança pública. Presídios com condições adequadas permitiriam melhor policiamento, melhor monitoramento e dificultariam o crescimento de organizações criminosas nesses locais. Frisou que a lei contemplaria hipótese de o juiz da execução poder interditar estabelecimento penal que funcionasse em condições inadequadas ou ilegais, bem assim que caberia às corregedorias e ao Ministério Público zelar pelo correto funcionamento desses estabelecimentos. O Ministro Celso de Mello afirmou que a hipótese seria de excesso de execução — em que o Estado imporia ao condenado pena mais gravosa do que a prevista em lei —, portanto de comportamento estatal ao arrepio da lei.

    RE 592581/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 13.8.2015. (RE-592581)