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    Informativo do STF 791 de 26/06/2015

    Publicado por Supremo Tribunal Federal


    PLENÁRIO

    Tráfico privilegiado e crime hediondo - 1

    O Plenário iniciou o julgamento de “habeas corpus” em que se discute a possibilidade de afastamento da incidência da Lei 8.072/1990 em caso de tráfico de drogas privilegiado (Lei 11.343/2006, art. 33, § 4º), a fim de que seja permitido o livramento condicional e a progressão de regime nos moldes da Lei 7.210/1984 (LEP). No caso, os pacientes foram condenados pela prática de tráfico privilegiado, e a sentença de 1º grau afastara a natureza hedionda do delito. Posteriormente, o STJ entendera caracterizada a hediondez. A Ministra Cármen Lúcia (relatora), acompanhada do Ministro Roberto Barroso, concedeu a ordem. Anotou que a jurisprudência predominante do STF firmara-se no sentido da hediondez do tráfico privilegiado. Entretanto, a partir da leitura dos preceitos legais pertinentes, apenas as modalidades de tráfico de entorpecentes definidas no art. 33, “caput” e § 1º, da Lei 11.343/2006 seriam equiparadas a crimes hediondos. Entendeu que, para alguns delitos e seus autores, ainda que se tratasse de tipos mais gravemente apenados, deveriam ser reservadas algumas alternativas aos critérios gerais de punição. A legislação alusiva ao tráfico de drogas, por exemplo, prevê a possibilidade de redução da pena, desde que o agente seja primário e de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas e nem integre organização criminosa. Essa previsão legal permitiria maior flexibilidade na gestão da política de drogas, pois autorizaria o juiz a avançar sobre a realidade pessoal de cada autor. Além disso, teria inegável importância do ponto de vista das decisões de política criminal. No caso do tráfico privilegiado, a decisão do legislador fora no sentido de que o agente, nessa hipótese, deveria receber tratamento distinto daqueles sobre os quais recairia o alto juízo de censura e de punição pelo tráfico de drogas. As circunstâncias legais do privilégio demonstrariam o menor juízo de reprovação e, em consequência, de punição dessas pessoas. Não se poderia, portanto, chancelar-se a essas condutas a hediondez, por exemplo. Assim, a imposição de pena não deveria estar sempre tão atrelada ao grau de censura constante da cominação abstrata dos tipos penais. O juiz deveria ter a possibilidade de exame quanto à adequação da sanção imposta e o respectivo regime de cumprimento, a partir do exame das características específicas na execução de determinados fatos, cujo contexto em que praticados apresentasse variantes socialmente relevantes em relação ao juízo abstrato de censura cominada na regra geral. De outro lado, o art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 mereceria crítica na medida em que proíbe a substituição da pena privativa por restritiva de direito. Assentou, ainda, que a etiologia do crime privilegiado seria incompatível com a natureza hedionda. Além disso, os Decretos 6.706/2008 e 7.049/2009 beneficiaram os condenados pelo tráfico de entorpecentes privilegiado com indulto, a demonstrar inclinação no sentido de que esse delito não seria hediondo. O Ministro Roberto Barroso salientou alguns problemas decorrentes do atual combate às drogas, como o encarceramento excessivo, o que seria agravado se o tráfico privilegiado recebesse a pecha de hediondez. Além disso, a tendência jurisprudencial, ao considerar ilegítimos a exigência de regime inicial fechado, a proibição de aplicação de pena restritiva de direito e o impedimento à liberdade condicional nesses casos viria ao encontro desse entendimento. Ademais, o tratamento legal da conduta, que poderia implicar penas próximas a um ano, não seria compatível com a reprovabilidade de crime hediondo.

    HC 118533/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 24.6.2015. (HC-118533)

    Tráfico privilegiado e crime hediondo - 2

    Em divergência, os Ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber e Luiz Fux denegaram a ordem. O Ministro Edson Fachin reputou que a causa de diminuição em debate não seria incompatível com o caráter hediondo do crime. Nesse sentido, a regra do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 não teria sido estabelecida pelo fato de o legislador considerá-la menos grave, mas por motivos de política criminal. O Ministro Teori Zavascki salientou o tratamento constitucional dado ao tráfico de entorpecentes, no sentido de ser inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Portanto, a hediondez do crime não estaria associada à situação pessoal do agente, mas ao tipo penal. A Ministra Rosa Weber destacou que, no caso concreto, embora o juiz de 1º grau tivesse reconhecido a existência de crime privilegiado, fora apreendida quase uma tonelada de substância entorpecente. O Ministro Luiz Fux asseverou que o tráfico seria conduta grave, tendo em conta seus efeitos deletérios no meio social, e o tratamento constitucional do tema seria compatível com essa premissa. Ademais, eventual afastamento do caráter hediondo constituiria incentivo para que o traficante eventual continuasse a delinquir. Em seguida, pediu vista o Ministro Gilmar Mendes.

    HC 118533/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 24.6.2015. (HC-118533)

    Embargos infringentes e requisito de admissibilidade previsto em regimento interno

    O Plenário concedeu a ordem em “habeas corpus” para que o STM dê regular processamento aos embargos infringentes interpostos em favor do paciente. Além disso, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 119, § 1º, do Regimento Interno do STM (RISTM), na redação dada pela Emenda Regimental 24/2014. Esse dispositivo prevê a exigência de no mínimo quatro votos minoritários divergentes para o cabimento de embargos infringentes e de nulidade interpostos contra decisão não unânime daquela Corte em recurso em sentido estrito e em apelação. Na espécie, a auditoria militar condenara o paciente à pena de três anos de detenção em regime aberto. Em seguida, o STM, ao julgar as apelações interpostas pelo Ministério Público e pela defesa, por maioria, reduzira a pena final a dois anos, sete meses e quinze dias de detenção em regime aberto. Houvera, entretanto, dois votos vencidos que teriam reduzido a pena para dois anos de detenção, com o benefício do “sursis” penal. Ocorre que os embargos infringentes interpostos não foram admitidos pelo relator ao fundamento de que o art. 119, § 1º, do RISTF, exige no mínimo quatro votos vencidos para o seu cabimento. O Colegiado do STF recordou que em 2014 fora aprovada a Emenda Regimental 24, que alterara o RISTM para estabelecer o mínimo de quatro votos para cabimento dos embargos infringentes. No entanto, bastaria um único voto divergente para serem cabíveis os embargos infringentes de acordo com o art. 539 do CPM. Observou que o legislador não poderia se imiscuir em matéria reservada ao regimento interno dos tribunais. Da mesma forma, aos tribunais seria vedado desbordar de seus poderes normativos para dispor sobre matéria de competência privativa da União (CF, art. 22, I), sob pena de inconstitucionalidade formal. Ademais, a atribuição de poderes aos tribunais para instituir recursos internos e disciplinar procedimento de recursos de sua alçada não lhes outorgaria competência para criar requisito de admissibilidade recursal não previsto em lei (CF, art. 96, I, a,).

    HC 125768/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 24.6.2015. (HC-125768)

    Lei processual e retroação

    O Plenário denegou a ordem de “habeas corpus” em que se discutia suposta nulidade processual, em razão de não se ter garantido aos pacientes o interrogatório ao final da instrução criminal com base na Lei 11.719/2008. No caso, em 14.5.2007, os pacientes teriam sido denunciados pela prática de crime de concussão (CPM, art. 305). Em 26.9.2007, o juízo realizara o interrogatório, nos termos do art. 302 do CPPM, que estabelece o interrogatório “após o recebimento da denúncia” e “antes de ouvidas as testemunhas”. O Tribunal consignou que independentemente de a Lei 11.719/2008, publicada em 23.6.2008, ter alterado, para o final da instrução criminal, o momento em que o réu devesse ser interrogado, incabível, na espécie, a alegação de nulidade, pois a nova legislação não poderia ser aplicada aos atos processuais praticados antes de sua entrada em vigor (20.8.2008), em observância ao princípio “tempus regit actum” (CPP, art. 2º). Assim, não seria possível cogitar qualquer constrangimento ou ilegalidade em relação aos pacientes, pela singela circunstância de o interrogatório ter sido realizado quase um ano antes da vigência da Lei 11.719/2008.

    HC 123228/AM, rel. Min. Cármen Lúcia, 24.6.2015. (HC-123228)

    Princípio da não-culpabilidade: processos em curso e maus antecedentes - 2

    O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, concedeu, em parte, a ordem em dois “habeas corpus” para determinar ao juízo das execuções penais que proceda ao novo cálculo da pena imposta aos pacientes, devendo considerar como circunstâncias negativas, na primeira fase da dosimetria, somente a culpabilidade e as consequências do crime. Em ambos os casos, discutia-se a possibilidade de inquéritos policiais e ações penais sem trânsito em julgado poderem ser considerados como elementos caracterizadores de maus antecedentes — v. Informativo 538. Prevaleceu o voto do Ministro Teori Zavascki. Salientou recente posicionamento do STF a respeito do tema, firmado no julgamento do RE 591.054/SC (DJe de 25.2.2015), com repercussão geral, no sentido da impossibilidade de se considerar esses elementos como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena. Salientou, ainda, que no HC 94.620/MS, também haveria outra discussão, a respeito da admissibilidade de alegações genéricas — de que o agente possuiria conduta inadaptada ao convívio social e personalidade voltada para o crime, e de que as circunstâncias e motivos seriam deploráveis — embasarem a reprimenda do paciente. Reputou que essa fundamentação genérica também não poderia ser considerada para esse fim. Os Ministros Ricardo Lewandowski (Presidente e relator) — que reajustou seu voto —, Teori Zavascki, Edson Fachin e Rosa Weber, embora ressalvassem seu entendimento pessoal, acompanharam a orientação firmada no recurso com repercussão geral, em respeito ao princípio da colegialidade. Vencidos a Ministra Cármen Lúcia e o Ministro Luiz Fux, que denegavam a ordem em ambos os casos. Por fim, o Tribunal, tendo em conta as manifestações proferidas e o fato de se tratar de “habeas corpus”, pronunciou-se no sentido da possibilidade de rever a tese firmada no precedente em repercussão geral, em recurso extraordinário a ser oportunamente submetido à apreciação da Corte.

    HC 94620/MS rel. Min. Ricardo Lewandowski, 24.6.2015. (HC-94620) HC 94680/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 24.6.2015. (HC-94680)

    Lei 12.485/2011 e TV por assinatura - 1

    O Plenário iniciou julgamento de ações diretas ajuizadas em face de diversos dispositivos da Lei 12.485/2011, que dispõe sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado. O Ministro Luiz Fux (relator) julgou procedente em parte o pedido formulado na ADI 4.679/DF para declarar a inconstitucionalidade apenas do art. 25 da Lei 12.485/2011, e improcedentes os pedidos formulados nas demais ações diretas. O relator asseverou que a norma adversada, ao instituir o novo marco regulatório da TV por assinatura no Brasil, teria almejado unificar a disciplina normativa aplicável ao setor, até então fragmentada em diplomas diferentes, a depender da tecnologia usada para a transmissão do sinal ao consumidor. Em linhas gerais, a lei em referência promoveria a uniformização regulatória do setor de TV por assinatura frente ao processo de convergência tecnológica; reduziria as barreiras à entrada no mercado; restringiria a verticalização da cadeia produtiva; proibiria a propriedade cruzada entre setores de telecomunicação e radiodifusão; e, por fim, instituiria cotas para produtoras e programadoras brasileiras. Na espécie, o desafio que se colocaria perante o STF seria o de conciliar os valores democrático-republicanos, especificamente a existência de efetivo controle judicial dos atos estatais e os riscos associados à intervenção judiciária sobre os marcos regulatórios desenhados pelo legislador. Relativamente à alegada inconstitucionalidade formal dos artigos 9º, parágrafo único, 10, 12, 13, 15, 19, §3º, 21, 22, 25, § 1º e 42, todos da Lei 12.485/2011, em razão de suposta violação à iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo, destacou que a iniciativa normativa verificada quando da edição da lei em questão estaria amparada, em primeiro lugar, na competência da União para legislar sobre telecomunicações (CF, art. 22, IV), e, em segundo lugar, na autoridade do Congresso Nacional para dar concretude a diversos dispositivos do Capítulo V (“Comunicação Social”) do Título VIII (“Da Ordem Social”) da Constituição, no que teriam destaque, em especial, os princípios constitucionais incidentes sobre a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão (CF, art. 221). Esse entendimento não implicaria ab-rogação hermenêutica da sistemática constitucional aplicável ao processo legislativo, notadamente no que respeitasse às matérias sujeitas a iniciativa reservada. A Constituição conteria diversas regras sobre o tema, sendo todas de observância compulsória e passíveis de exigibilidade judicial sempre que descumpridas. Contudo, não se poderia interpretar o art. 61, §1º, da CF sem maiores considerações sobre a dinâmica da separação de Poderes, sob pena de, em vez de harmônicos entre eles (CF, art. 2º), ter-se Poderes rivais uns dos outros. Por outro lado, os referidos dispositivos da lei impugnada não criariam novas atribuições para a Ancine. Na realidade, apenas promoveriam a adaptação das regras que estabelecem a competência da referida agência para regular e fiscalizar as atividades de comunicação audiovisual, contidas no art. 7° da Medida Provisória 2.228-1/2001, às hipóteses em que a prestação dessas atividades ocorresse por meio do serviço de acesso condicionado. Com efeito, a citada medida provisória, ao criar a Ancine, lhe teria atribuído, dentre outras missões, a de “fiscalizar o cumprimento da legislação referente à atividade cinematográfica e videofonográfica nacional e estrangeira nos diversos segmentos de mercados”. Portanto, o que se estaria a promover seria exatamente o cumprimento das atribuições da Ancine, sem a criação de nenhum órgão ou ministério (CF, art. 61), que conduzisse à inconstitucionalidade formal dos dispositivos.

    ADI 4747/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4747) ADI 4756/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4756) ADI 4923/DF rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4923) ADI 4679/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4679)

    Lei 12.485/2011 e TV por assinatura - 2

    O relator destacou que, em relação à impugnação aos artigos art. 5º, “caput” e §1º, e 6º, I e II, da Lei 12.485/2011 — dispositivos que estabelecem restrições à propriedade cruzada entre os setores de telecomunicações e de radiodifusão, bem como segmentam a cadeia de valor do audiovisual, separando as atividades de produção de conteúdo e de transmissão do produto ao consumidor final —, não haveria que se falar em inconstitucionalidade. As diretrizes constitucionais antitruste (CF, artigos 173, § 4º, e 220, § 5º), voltadas a coibir o abuso do poder econômico, e a evitar concentração excessiva dos mercados, permitiriam combater a ineficiência econômica e a injustiça comutativa tendentes a florescer em regimes de monopólio e oligopólio. No setor audiovisual prestar-se-ia também a promover a diversificação do conteúdo produzido, impedindo que o mercado se fechasse e asfixiasse a produção de novas manifestações. Nessa senda, as normas impugnadas pretenderiam, de forma imediata, concretizar os comandos constitucionais inscritos nos referidos dispositivos constitucionais, com o objetivo de realizarem de forma mediata a dimensão objetiva do direito fundamental à liberdade de expressão e de informação, no que teria destaque o papel promocional do Estado no combate à concentração do poder comunicativo. Relativamente à alegada inconstitucionalidade dos artigos 9º, parágrafo único, 21 e 22 da Lei 12.485/2011, que teriam estendido os poderes normativos conferidos à Ancine, ressaltou serem legítimos os dispositivos. A moderna concepção do princípio da legalidade, em sua acepção principiológica, ou formal-axiológica, chancelaria a atribuição de poderes normativos ao Poder Executivo, desde que pautada por princípios inteligíveis, capazes de permitir o controle legislativo e judicial sobre os atos da Administração. Na espécie, as normas impugnadas, apesar de conferirem autoridade normativa à Ancine, estariam acompanhadas por parâmetros aptos a conformar a conduta de todas as autoridades do Estado envolvidas na disciplina do setor audiovisual, o que impediria que qualquer delas se transformasse em órgão titular de um pretenso poder regulatório absoluto. No que toca à restrição à participação de estrangeiros nas atividades de programação e empacotamento de conteúdo audiovisual de acesso condicionado verificada no art. 10, “caput” e §1º, asseverou que a CF/1988 não teria estabelecido qualquer regra jurídica que interditasse a distinção entre brasileiro e estrangeiro, ao contrário do que aconteceria com a situação do brasileiro nato e do naturalizado. Para esses, haveria explícita reserva constitucional acerca das hipóteses de tratamento diferenciado, na forma do art. 12, § 2º, da CF. Mas seria juridicamente possível ao legislador ordinário fixar regimes distintos — respeitado o princípio geral da igualdade — revelando fundamento constitucional suficiente para a diferenciação, bem como demonstrando a pertinência entre o tratamento diferenciado e a causa jurídica distintiva. No caso em comento, o art. 10º, “caput” e § 1º, da lei referida, ao restringir a gestão, a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e de direção — inerentes à programação e ao empacotamento —, a brasileiros natos e naturalizados há mais de dez anos, teria representado típica intervenção legislativa evolutiva do comando constitucional encartado no art. 222, § 2º, da CF. Isso seria condizente com os vetores axiológicos que informariam, em âmbito constitucional, a atividade de comunicação de massa, entre os quais a preservação da soberania e identidades nacionais, o pluralismo informativo e a igualdade entre os prestadores de serviço, a despeito da tecnologia utilizada na atividade.

    ADI 4747/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4747) ADI 4756/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4756) ADI 4923/DF rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4923) ADI 4679/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4679)

    Lei 12.485/2011 e TV por assinatura - 3

    O Ministro Luiz Fux asseverou que descaberia falar, ademais, em inconstitucionalidade dos artigos 12, 13, 31, “caput”, §§ 1º e 2º, da lei sob análise, que estabelecem: a) a exigência de prévio credenciamento junto à Ancine para exercício das atividades de programação e empacotamento, b) o dever de prestação de informações solicitadas pela agência para fins de fiscalização do cumprimento das obrigações de programação, empacotamento e publicidade; e c) a vedação à distribuição de conteúdo empacotado por empresa não credenciada pela Ancine. Em realidade, tratar-se-ia de exercício típico do poder de polícia preventivo do Estado, ou mesmo do chamado direito administrativo ordenador. O poder de polícia administrativa manifestar-se-ia tanto preventiva quanto repressivamente, traduzindo-se ora no consentimento prévio para o exercício regular de certas liberdades, ora na sanção aplicada ao particular em razão do descumprimento de regras materiais aplicáveis à atividade regulada. Em qualquer caso, a ingerência estatal, fiscalizatória e punitiva, seria garantia da efetividade da disciplina jurídica aplicável. No caso sob exame, os artigos 12 e 13 da Lei 12.485/2011 simplesmente fixariam deveres instrumentais de colaboração das empresas para fins de permitir a atividade fiscalizatória da Ancine quanto ao cumprimento das novas obrigações materiais a que estariam sujeitos todos os agentes do mercado audiovisual. Já o art. 31, “caput”, §§ 1º e 2º, da mesma lei, consubstanciaria engenhosa estratégia do legislador para conduzir as empacotadoras ao credenciamento exigido pela nova disciplina normativa, bem como induzir o cumprimento das respectivas cotas de conteúdo nacional. No que diz com a fixação de cotas de conteúdo nacional, nos moldes em que estabelecida nos artigos 16, 17, 18, 19, 20 e 23 — dispositivos também impugnados nas ações diretas em apreciação —, a questão perante o STF seria saber se o legislador teria agido com excesso, impondo restrições arbitrárias ou desproporcionais aos direitos do cidadão. Nesse passo, constatar-se-ia que a legitimidade constitucional de toda intervenção do Estado sobre a esfera jurídica do particular estaria condicionada à existência de uma finalidade lícita que a motivasse, bem como ao respeito ao postulado da proporcionalidade. As referidas normas, ao fixarem cotas de conteúdo nacional para canais e pacotes de TV por assinatura, promoveria a cultura brasileira e estimularia a produção independente, dando concretude ao art. 221 da CF e ao art. 6º da Convenção Internacional sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. Outrossim, também não haveria que se falar em inconstitucionalidade em relação ao art. 24 da Lei 12.485/2011, dispositivo que fixa limites máximos para a publicidade comercial na TV por assinatura. A citada norma encontrar-se-ia em harmonia com o dever constitucional de proteção do consumidor (CF, art. 170, V), haja vista o histórico quadro registrado pela Anatel de reclamação de assinantes quanto ao volume de publicidade na grade de programação dos canais pagos.

    ADI 4747/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4747) ADI 4756/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4756) ADI 4923/DF rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4923) ADI 4679/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. ( ADI-4679)

    Lei 12.485/2011 e TV por assinatura - 4

    O relator afirmou, contudo, que, relativamente ao art. 25 da Lei 12.485/2011, o argumento de inconstitucionalidade mereceria acolhida, em virtude da violação ao princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, “caput”), núcleo elementar de qualquer regime republicano e democrático. Esse princípio, enquanto regra de ônus argumentativo, exigiria que o tratamento diferenciado entre os indivíduos fosse acompanhado de causas jurídicas suficientes para amparar a discriminação, cujo exame de consistência, embora preservasse um pequeno espaço de discricionariedade legislativa, seria sempre passível de aferição judicial por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição. O art. 25 da lei proíbe a oferta de canais que veiculem publicidade comercial direcionada ao público brasileiro contratada no exterior por agência de publicidade estrangeira, estabelecendo uma completa exclusividade em proveito das empresas brasileiras e não apenas preferência percentual, sem prazo para ter fim e despida de qualquer justificação que indicasse a vulnerabilidade das empresas brasileiras de publicidade, sendo, portanto, inconstitucional. Relativamente à impugnação ao art. 29 da Lei 12.485/2011, que estabelece a possibilidade de outorga do serviço de distribuição de acesso condicionado por autorização administrativa, sem necessidade de prévia licitação, não se verificaria qualquer inconstitucionalidade. O dever constitucional de licitar, previsto no art. 37, XXI, da CF, somente incidiria nas hipóteses em que o acesso de particulares a alguma situação jurídica de vantagem relacionada ao Poder Público não pudesse ser universalizada. Descaberia cogitar de certame licitatório quando a contratação pública não caracterizasse escolha da Administração e todo cidadão pudesse ter acesso ao bem pretendido. Ademais, no campo das telecomunicações, seria certo que Constituição admitiria a outorga de serviço mediante simples autorização, como previsto no art. 21, XI, da CF. O art. 29, ora em análise, viabilizaria que a atividade de distribuição de serviço de acesso condicionado fosse outorgado mediante autorização administrativa, sem necessidade de prévio procedimento licitatório. Isso se justificaria diante da nova e abrangente definição desse serviço de acesso condicionado previsto no art. 2º da lei sob debate, apta a abarcar todas as possíveis plataformas tecnológicas existentes, e não apenas cabos físicos e ondas de radiofrequência, bem como diante da qualificação privada recebida pela atividade no novo marco regulatório da comunicação audiovisual. Quanto à suposta inconstitucionalidade do artigo 32, §§ 2º, 13 e 14, da Lei 12.485/2011, ressaltou que impor a disponibilidade gratuita dos canais de TV aberta pelas distribuidoras e geradoras de programação de TV por assinatura não ofenderia a liberdade de iniciativa nem os direitos de propriedade intelectual, porquanto o serviço de radiodifusão seria hoje inteiramente disponibilizado aos usuários de forma gratuita. A lei do serviço de acesso condicionado apenas teria replicado, no âmbito desse serviço, a lógica vigente na televisão aberta.

    ADI 4747/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4747) ADI 4756/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4756) ADI 4923/DF rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4923) ADI 4679/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. ( ADI-4679)

    Lei 12.485/2011 e TV por assinatura - 5

    O Ministro Luiz Fux ressaltou que, no tocante ao art. 36 da Lei 12.485/2011, que permite o cancelamento do registro de agente econômico perante a Ancine, por descumprimento de obrigações legais, do mesmo modo não haveria que se falar em inconstitucionalidade. De fato, a referida norma representaria a garantia de eficácia das normas jurídicas aplicáveis ao setor, sendo certo que haveria evidente contradição ao se impedir o início da atividade sem o registro, por não preenchimento originário das exigências legais, e, ao mesmo tempo, permitir a continuidade da sua exploração quando configurada a perda superveniente de regularidade. Desse modo, a possibilidade de cancelamento do registro seria análoga à possibilidade do indeferimento do credenciamento. Por fim, destacou que seria constitucionalmente válido o regime jurídico de transição, fixado no art. 37, §§ 1º, 5º, 6º, 7º e 11, da Lei 12.485/2011, que fixa regras sobre a renovação das outorgas após o fim do respectivo prazo original de vigência de normas pertinentes a alterações subjetivas sobre a figura do prestador de serviço. Não haveria direito definitivo à renovação automática da outorga, sendo, ademais, possível a margem de conformação do legislador para induzir os antigos prestadores a migrarem para o novo regime. Outrossim, o art. 37, §§ 1º e 5º, ao vedar o pagamento de indenização aos antigos prestadores dos serviços, em virtude das novas obrigações não previstas no ato de outorga original, não violaria qualquer previsão constitucional. Isso porque, em um cenário regulatório e contratual marcado pela liberdade de preços, descaberia cogitar de qualquer indenização pela criação de novas obrigações legais, desde que constitucionalmente válidas. É que eventuais aumentos de custos que pudessem surgir em razão dessa transição obrigatória deveriam ser administrados exclusivamente pelas próprias empresas, que poderiam, inclusive, repassá-los aos consumidores, bem como retê-los em definitivo. Seria, assim, impertinente a invocação, no âmbito privado, do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, regra essa que se aplicaria aos contratos administrativos. Em seguida, o julgamento foi suspenso.

    ADI 4747/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4747) ADI 4756/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4756) ADI 4923/DF rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. (ADI-4923) ADI 4679/DF, rel. Min. Luiz Fux, 25.6.2015. ( ADI-4679)

    PRIMEIRA TURMA

    CNJ: concurso público e Resolução 187/2014

    A Resolução 187/2014 do CNJ, que disciplina a contagem de títulos em concursos públicos para outorga de serventias extrajudiciais, não se aplica a concursos já em andamento quando do início de sua vigência. Com base nesse entendimento, a Primeira Turma denegou mandado de segurança impetrado em face de ato do CNJ, que, em procedimento de controle administrativo, anulara edital de concurso público que adequara regras de certame já em curso às regras fixadas pela superveniente Resolução 187/2014. O Colegiado consignou que o CNJ, no exercício de suas atribuições, teria estabelecido normas voltadas a reger os concursos públicos realizados pelos tribunais de justiça para a outorga de delegações de serventias extrajudiciais, vindo a editar, com esse propósito, a Resolução 81/2009. O ato normativo disporia de maneira abrangente acerca dos processos seletivos, trazendo, em anexo, minuta de instrumento convocatório a ser utilizada pelos órgãos que os promovessem. A leitura dos dispositivos constantes na referida norma e das cláusulas presentes na minuta que a acompanha permitiria assentar inexistir vedação expressa à possibilidade de cumulação de certificados de pós-graduação para a obtenção de pontos na etapa de avaliação de títulos do certame. Essa orientação, entretanto, viera a ser revista com o advento da Resolução 187/2014, que alterara o teor da Resolução 81/2009, passando, então, a ser limitada a quantidade de títulos de pós-graduação passível de avaliação nessa fase do certame. Contudo, em atenção ao princípio da segurança jurídica, o CNJ deliberara modular os efeitos da mudança, a qual somente seria aplicável aos concursos públicos em que ainda não realizada alguma das etapas. Na espécie, o Edital 1/2013 do tribunal de justiça local, por meio do qual deflagrado o concurso público em apreço, fora publicado quando ainda vigente a mencionada Resolução 81/2009, na redação originária. O referido ato convocatório não apresentaria ressalvas quanto ao número máximo de certificados de pós-graduação a serem apresentados na fase pertinente. Desse modo, ao tempo em que fixadas as regras atinentes ao concurso público em tela e abertas inscrições aos possíveis interessados, não somente o ato convocatório se mostraria silente no tocante à restrição aos títulos de pós-graduação, como a visão do CNJ seria a de que a restrição do número de certificados apresentados na etapa de avaliação de títulos dependeria de emenda à Resolução 81/2009. A aplicação das modificações promovidas pela Resolução 187/2014 a concurso em andamento — intento do Edital 12/2014 do certame, anulado pelo CNJ — implicaria abalo à confiança depositada no tocante à observância da versão original do instrumento convocatório, ao qual o tribunal de justiça encontrar-se-ia vinculado. O aludido ato normativo, ainda que validamente destinado a afastar a indiscriminada apresentação de títulos pelos aspirantes a vagas em serventias extrajudiciais, não poderia suplantar a estabilidade de certame já iniciado, sob pena de abalar-se o necessário respeito à segurança jurídica.

    MS 33094/ES, rel. Min. Marco Aurélio, 23.6.2015. (MS-33094)

    Administração Pública e princípio da intranscendência

    O princípio da intranscendência subjetiva das sanções, consagrado pelo STF, inibe a aplicação de severas sanções às administrações por ato de gestão anterior à assunção dos deveres públicos. Com base nessa orientação e, com ressalva de fundamentação do Ministro Marco Aurélio, a Primeira Turma, em julgamento conjunto, negou provimento a agravos regimentais em ações cautelares ajuizadas com a finalidade de se determinar a suspensão da condição de inadimplente de Estado-Membro, bem como das limitações dela decorrentes, com relação a convênios com a União. Na espécie, em face de decisões que julgaram procedentes os pedidos a favor dos entes federativos, a fim de suspender as inscrições dos requerentes de todo e qualquer sistema de restrição ao crédito utilizado pela União, foram interpostos os presentes recursos. A Turma consignou que, em casos como os presentes, em que os fatos teriam decorrido de administrações anteriores e os novos gestores estivessem tomando providências para sanar as irregularidades verificadas, aplicar-se-ia o princípio da intranscendência subjetiva. O propósito seria neutralizar a ocorrência de risco que pudesse comprometer, de modo grave ou irreversível, a continuidade da execução de políticas públicas ou a prestação de serviços essenciais à coletividade. Nesse sentido, a tomada de contas especial seria medida de rigor com o ensejo de alcançar-se o reconhecimento definitivo de irregularidades, permitindo-se, só então, a inscrição dos entes nos cadastros de restrição aos créditos organizados e mantidos pela União. O Ministro Marco Aurélio asseverou que, por se tratar de governança, preponderaria o princípio contido no art. 37 da CF, ou seja, o da impessoalidade. Precedentes citados:

    ACO 1.848 AgR/MA (DJe de 21.11.2014) e ACO 1.612 AgR/MS (DJe de 12.12.2014). AC 2614/PE, rel. Min. Luiz Fux, 23.6.2015. (AC-2614) AC 781/PI, rel. Min. Luiz Fux, 23.6.2015. (AC-2614) AC 2946/PI, rel. Min. Luiz Fux, 23.6.2015. (AC-2614)

    Concurso público e limite de idade

    O limite de idade, quando regularmente fixado em lei e no edital de determinado concurso público, há de ser comprovado no momento da inscrição no certame. Com base nessa orientação e, em face da peculiaridade do caso, a Primeira Turma negou provimento a agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. Na espécie, candidato preenchia o requisito etário previsto no edital quando da inscrição para o certame. Ocorre que houvera atrasos no andamento do concurso, fazendo com que o candidato não mais preenchesse esse requisito. A Turma destacou a jurisprudência da Corte no sentido de que a regra quanto ao limite de idade, por ocasião da inscrição, se justificaria ante a impossibilidade de se antever a data em que seria realizada a fase final do concurso, caso fosse fixada como parâmetro para aferição do requisito etário. Os Ministros Marco Aurélio e Rosa Weber entenderam que a idade limite seria aquela da data da posse no cargo, porém, em razão do destaque dado pelo tribunal local quanto à demora e à desídia da Administração Pública para prosseguir no certame, acompanharam o relator.

    ARE 840.592/CE, Min. Roberto Barroso, 23.6.2015. (ARE-840.592)

    SEGUNDA TURMA

    “Habeas corpus” e “reformatio in pejus”

    A proibição da “reformatio in pejus”, princípio imanente ao processo penal, aplica-se ao “habeas corpus”, cujo manejo jamais poderá agravar a situação jurídica daquele a quem busca favorecer. Com base nessa orientação, a Segunda Turma concedeu a ordem em “habeas corpus” para cassar o acórdão do STJ que dera provimento a recurso especial, e julgar extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva (CP, artigos 107, IV; 109, VI e 110, § 1º). Na espécie, a paciente fora denunciada pela suposta tentativa de furto de 26 barras de chocolate, e o juízo da vara criminal, ao aplicar o princípio da insignificância, a absolvera sumariamente (CPP, art. 397, III). Na sequência, o tribunal de justiça mantivera a absolvição por fundamento diverso (crime impossível) e, em recurso especial do Ministério Público, o STJ a condenara nos termos da denúncia e determinara o retorno dos autos ao tribunal local para fixar a dosimetria da pena, estabelecida em quatro meses de detenção. A Turma apontou a impossibilidade de se agravar a situação jurídica da paciente. Ademais, ao se anular a decisão do STJ que a condenara, a pena a ser concretamente fixada na origem não poderia mais ser agravada. Além disso, já ocorrera a prescrição.

    HC 126869/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 23.6.2015. (HC-126869)

    Defensoria Pública e intimação pessoal

    A intimação da Defensoria Pública, a despeito da presença do defensor na audiência de leitura da sentença condenatória, se aperfeiçoa com sua intimação pessoal, mediante a remessa dos autos. Com base nessa orientação, a Segunda Turma concedeu a ordem em “habeas corpus” para determinar que a apelação alusiva ao paciente seja submetida a novo julgamento. Entendeu que a intimação pessoal, para todos os atos do processo e com a remessa dos autos, constitui prerrogativa da Defensoria Pública, conforme estabelecido no art. 370, § 4º, do CPP; art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/1950; e art. 44, I, da LC 80/1994, bem como que sua não observância acarretaria nulidade processual.

    HC 125270/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 23.6.2015. (HC-125270)

    Crime ambiental e dano efetivo ao bem jurídico tutelado

    A Segunda Turma iniciou julgamento de inquérito no qual se imputa a deputado federal a prática do crime previsto no art. 34, “caput”, da Lei 9.605/1998 (“Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente: Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente”). No caso, de acordo com o relatório de fiscalização, a autoridade ambiental abordara o deputado e outras duas pessoas em uma embarcação fundeada em área marítima pertencente à unidade de conservação federal de proteção integral. A Ministra Cármen Lúcia (relatora), de início, afastou a preliminar de inépcia da denúncia. Observou que essa peça processual descreveria de forma detalhada a ação empreendida, com menção ao dia, ao local e às circunstâncias do ato tido por criminoso, a possibilitar o pleno exercício da ampla defesa e do contraditório. Em seguida, rejeitou a denúncia, com fundamento no art. 395, III, do CPP, por falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal. Ressaltou não existir, no caso concreto, o requisito da justa causa a propiciar o prosseguimento da ação penal, especialmente pela mínima ofensividade da conduta do agente, pela ausência de periculosidade social da ação, pelo reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e pela inexpressividade da lesão jurídica provocada. Observou que, apesar de a conduta do denunciado amoldar-se à tipicidade formal e subjetiva, não haveria a tipicidade material, consistente na relevância penal da conduta e no resultado típico, em razão da insignificância da lesão produzida no bem jurídico tutelado. Ressaltou que a jurisprudência seria no sentido da plena aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes ambientais, tanto com relação aos de perigo concreto — em que haveria dano efetivo ao bem jurídico tutelado —, quanto aos de perigo abstrato, como no art. 34, “caput”, da Lei 9.605/1998. No processo em exame, não se produzira prova material de qualquer dano efetivo ao meio ambiente. Ademais, mesmo diante de crime de perigo abstrato, não seria possível dispensar a verificação “in concreto” do perigo real ou mesmo potencial da conduta praticada pelo acusado com relação ao bem jurídico tutelado. Esse perigo real não se verificaria na espécie vertente. Portanto, seria imperioso assentar a atipicidade material da conduta, pela completa ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal. O acusado estaria em pequena embarcação quando teria sido surpreendido em contexto de pesca rústica, com vara de pescar, linha e anzol. Não estaria em barco grande, munido de redes, arrasto nem com instrumentos de maior potencialidade lesiva ao meio ambiente. Em seguida, após os votos dos Ministros Teori Zavascki e Gilmar Mendes, que acompanharam a relatora, pediu vista o Ministro Dias Toffoli. Inq 3788/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 23.6.2015. (Inq-3788)

    Aumento da pena e continuidade delitiva

    A Segunda Turma indeferiu pedido formulado em “habeas corpus” no qual se pretendia fosse afastada a aplicação da fração de aumento da pena, em decorrência da continuidade delitiva, prevista no art. 71, “caput”, do CP, em seu grau máximo. Alegava o impetrante que o STJ, ao aumentar a fração de 1/6 para 2/3, teria efetuado a reanálise do acervo fático-probatório, o que seria vedado pelo Enunciado 7 da Súmula daquela Corte. Apontava que, no caso, por não se saber com certeza quantas teriam sido as infrações penais cometidas pelo paciente, o aumento da pena, em razão da continuidade delitiva, não poderia ser aplicado em seu grau máximo, de modo que deveria ser restabelecida a fração de aumento de pena fixada pelo tribunal local, em observância ao princípio do “in dubio pro reo”. A Turma entendeu que, como já decidido pelo STF, nova valoração de elementos fático-probatórios não se confundiria com reapreciação de matéria probatória. Asseverou que, na espécie, como toda a matéria fática teria sido bem retratada na sentença e no acórdão do tribunal local, o STJ teria se limitado a lhe emprestar a correta consequência jurídica. Consignou, ademais, que o aumento de 2/3 da pena se harmonizaria com a jurisprudência pacífica da Corte, no sentido de que o “quantum” de exasperação da pena, por força do reconhecimento da continuidade delitiva, deveria ser proporcional ao número de infrações cometidas. Considerou, por fim, que a imprecisão quanto ao número de crimes praticados pelo paciente não obstaria a incidência da causa de aumento da pena em seu patamar máximo, desde que houvesse elementos seguros, como na espécie, que demonstrassem que vários seriam os crimes praticados ao longo de dilatadíssimo lapso temporal.

    HC 127158/MG, rel. Min. Dias Toffoli, 23.6.2015. (HC-127158)

    Lei de drogas e princípio da consunção

    A Segunda Turma conheceu parcialmente e, nessa extensão, concedeu, em parte, a ordem em “habeas corpus”, para restabelecer a sentença imposta ao paciente pelo juízo singular, com o decotamento da confissão espontânea fixado em 2º grau. Na espécie, ele fora condenado pela prática de tráfico de drogas e associação para o tráfico (Lei 11.343/2006, artigos 33 e 35). O tribunal local, ao apreciar as apelações da acusação e da defesa, reduzira a pena referente ao tráfico, mas condenara o réu com relação aos delitos dos artigos 33, § 1º, I; e 34 da Lei 11.343/2006. No “habeas”, sustentava-se a existência de irregularidades quanto às transcrições de escutas telefônicas colhidas em investigação; a ilegalidade quanto à pena-base; a ocorrência do princípio da consunção, considerados os delitos de tráfico e dos artigos 33, § 1º, I; e 34 da Lei 11.343/2006; a inexistência do crime de associação para o tráfico; a ilegalidade quanto à incidência da agravante do art. 62, I, do CP; e a ocorrência de tráfico privilegiado. A Turma assinalou não haver nulidade quanto às transcrições de interceptações telefônicas, que teriam sido devidamente disponibilizadas, sem que a defesa, entretanto, houvesse solicitado a transcrição total ou parcial ao longo da instrução. Ademais, entendeu que, dadas as circunstâncias do caso concreto, seria possível a aplicação do princípio da consunção, que se consubstanciaria pela absorção dos delitos tipificados nos artigos 33, § 1º, I, e 34 da Lei 11.343/2006, pelo delito previsto no art. 33, “caput”, do mesmo diploma legal. Ambos os preceitos buscariam proteger a saúde pública e tipificariam condutas que — no mesmo contexto fático, evidenciassem o intento de traficância do agente e a utilização dos aparelhos e insumos para essa mesma finalidade — poderiam ser consideradas meros atos preparatórios do delito de tráfico previsto no art. 33, “caput”, da Lei 11.343/2006. Quanto às demais alegações, não haveria vícios aptos a redimensionar a pena-base fixada, bem assim estaria demonstrada a existência de associação para o tráfico. Além disso, a suposta ocorrência de tráfico privilegiado não poderia ser analisada, por demandar análise fático-probatória. Por fim, a questão relativa à incidência do art. 62, I, do CP, não teria sido aventada perante o STJ, e sua análise implicaria supressão de instância.

    HC 109708/SP, rel. Min. Teori Zavascki, 23.6.2015. (HC-109708)