Informativo do STF 787 de 29/05/2015
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
PSV: honorários advocatícios e natureza alimentar (Enunciado 47 da Súmula Vinculante)
O Tribunal acolheu proposta de edição de enunciado de súmula vinculante com o seguinte teor: “Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza”. PSV 85/DF, 27.5.2015. (PSV-85)
PSV: cobrança de ICMS e desembaraço aduaneiro (Enunciado 48 da Súmula Vinculante)
O Tribunal acolheu proposta de edição de enunciado de súmula vinculante com o seguinte teor: “Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro”. Assim, tornou vinculante o conteúdo do Verbete 661 da Súmula do STF. PSV 94/DF, 27.5.2015. (PSV-94)
Fies e alteração de regras de forma retroativa - 2
O art. 19 da Portaria Normativa MEC 10/2010, com a redação dada pela Portaria Normativa MEC 21/2014, que dispõe sobre procedimentos para inscrição e contratação de financiamento estudantil a ser concedido pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - Fies não se aplica a todos os estudantes. Com base nessa orientação, o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, referendou concessão parcial de medida cautelar em arguição de descumprimento de preceito fundamental para determinar a não aplicação do referido art. 19 aos estudantes que: a) postularam a renovação de seus contratos; e b) requereram sua inscrição no Fies até 29.3.2015. Na espécie, atos normativos teriam alterado retroativamente a forma de ingresso e a renovação de contratos de financiamento de cursos de nível superior celebrados com o Fies. Basicamente, o novo regramento passara a exigir que o postulante tivesse média mínima no Exame Nacional do Ensino Médio - Enem de 450 pontos e que não obtivesse nota zero na prova de redação, a alcançar, inclusive, quem já estivesse inscrito no programa — v. Informativo 785. O Tribunal deliberou que os dois grupos de estudantes mencionados teriam assegurado o direito a que seus pedidos fossem apreciados com base nas normas anteriores à Portaria Normativa MEC 21/2014, portanto, sem a exigência de desempenho mínimo no Enem. Os demais estudantes, que requereram sua inscrição após 29.3.2015, se submeteriam às exigências de desempenho mínimo contidas na Portaria Normativa MEC 21/2014. A Corte asseverou ser legítimo o novo critério objetivo adotado pela portaria, visto o escasso número de vagas e o grande contingente de postulantes. Considerou, entretanto, não ser válida a aplicação retroativa de regras que afetassem estudantes que já teriam sido beneficiários do financiamento, sob pena de muitos universitários serem obrigados a interromper seus cursos. Assim, aqueles que não tivessem requerido sua inscrição no mencionado programa de financiamento não poderiam alegar expectativas de direito, porque a adesão ao modelo ou a pretensão de ser regido por determinadas regras apenas se caracterizaria no momento da inscrição. Lembrou que milhares de pessoas participaram do Enem e muitas não cogitaram requerer financiamento, do que resultaria não haver expectativa de direito antes da mencionada inscrição.
ADPF 341 MC-Referendo/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 27.5.2015. (ADPF-341)
Fies e alteração de regras de forma retroativa - 3
A Corte apontou que regras do Fies seriam explícitas no sentido de que, uma vez concluída a inscrição, o órgão gestor iria verificar a disponibilidade de recursos para deferir ou não o ingresso daquele indivíduo. Desse modo, não estaria caracterizado direito adquirido ou violação de segurança jurídica a quem não tivesse se inscrito. Esclareceu que aqueles que conseguissem comprovar que tentaram entrar no sistema na data aprazada e não tivessem conseguido se inscrever, por falhas no sistema eletrônico, teriam assegurado o direito à inscrição no Fies. Frisou que o direito de se inscrever não significaria o direito de ter deferido o pedido. Vencidos, em parte, os Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Teori Zavascki, que concediam a medida cautelar em maior extensão. Abrangiam, também, o grupo de estudantes que teriam se submetido ao Enem antes das alterações introduzidas pela nova portaria e que teriam preenchido o requisito exigido anteriormente, consistente na mera realização do exame nacional, e que agora não poderiam aderir ao Fies por não preencherem os novos requisitos. A concessão se aplicaria dentro do período de inscrição do Fies 2015, sem distinção quanto à data em que os candidatos teriam tentado se inscrever no programa. Apontavam que a jurisprudência da Corte no sentido de não existir direito adquirido a regime jurídico não se ajustaria ao caso dos autos. Enfatizavam que o financiamento estudantil, instituído pela Lei 10.260/2001, se enquadraria na seara das políticas públicas destinadas à promoção e à ampliação do acesso à educação superior. Aduziam que a relação estabelecida entre Estado e particular seria de natureza prestacional. Concluíam que os requisitos instituídos pela nova regra deveriam ser exigidos somente dos estudantes que viessem a prestar o Enem a partir de 2015, os quais, no momento da realização das provas, teriam a devida ciência do novo regramento em vigor.
ADPF 341 MC-Referendo/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 27.5.2015. (ADPF-341)
Sistema majoritário e fidelidade partidária - 1
A perda do mandato em razão de mudança de partido não se aplica aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário, sob pena de violação da soberania popular e das escolhas feitas pelo eleitor. Essa a conclusão do Plenário, que julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar inconstitucional o termo “ou vice”, constante do art. 10, e a expressão “e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema majoritário”, constante do art. 13, ambos da Resolução 22.610/2007 do TSE [“Art. 10. Julgando procedente o pedido, o tribunal decretará a perda do cargo, comunicando a decisão ao presidente do órgão legislativo competente para que emposse, conforme o caso, o suplente ou o vice, no prazo de 10 (dez) dias. ... Art. 13. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se apenas às desfiliações consumadas após 27 (vinte e sete) de março deste ano, quanto a mandatários eleitos pelo sistema proporcional, e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema majoritário”]. Ademais, conferiu interpretação conforme à Constituição ao termo “suplente”, constante do citado art. 10, com a finalidade de excluir do seu alcance os cargos do sistema majoritário. Preliminarmente, o Colegiado assentou o cabimento da ação direta. No ponto, assinalou que, embora a Resolução 22.610/2007 do TSE, já tivesse sido objeto de controle concentrado perante o STF [ADI 3.999/DF (DJe de 17.4.2009) e ADI 4.086/DF (DJe de 17.4.2009)], a Corte apenas se pronunciara sobre a constitucionalidade formal da norma. Além disso, a questão da legitimidade constitucional da perda de mandato nas hipóteses de cargos eletivos do sistema majoritário não teria sido suscitada anteriormente, e não houvera decisão a respeito, muito embora a causa de pedir, na hipótese, fosse aberta. No mérito, o Plenário comparou os sistemas eleitorais praticados no Brasil: majoritário e proporcional. O majoritário, utilizado para eleição de prefeito, governador, senador e do presidente da República, contemplaria o candidato que obtivesse o maior número de votos, e os dos demais candidatos seriam desconsiderados. O proporcional, por sua vez, adotado para eleição de vereador, deputado estadual e deputado federal, contemplaria os partidos políticos. O número de cadeiras que cada um deles teria na Casa Legislativa estaria relacionado à votação obtida na circunscrição. No sistema aqui adotado, de lista aberta, o eleitor escolheria um candidato da lista apresentada pelo partido, sem ordem predeterminada. A ordem de obtenção das cadeiras seria ditada pela votação que os candidatos, individualmente, obtivessem. Porém, o sucesso individual dependeria impreterivelmente da quantidade de votos recebida pelo partido ao qual filiados (quociente partidário). Esse sistema apresentaria várias disfunções: o custo elevado de campanha, o fato de cerca de 7% dos candidatos, apenas, serem eleitos com votação própria, e a criação de disputa direta e personalista entre candidatos de um mesmo partido.
ADI 5081/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 27.5.2015. (ADI-5081)
Sistema majoritário e fidelidade partidária - 2
O Colegiado analisou que a Constituição atual optara por desenho institucional que fortalecesse os partidos políticos, inclusive mediante a criação do fundo partidário e da garantia do acesso gratuito ao rádio e à televisão (CF, art. 17, § 3º). Esse cenário, somado com a possibilidade de criação de coligações nas eleições proporcionais, permitiria que partidos sem densidade mínima para atingir o quociente eleitoral conseguissem representatividade. Assim, haveria multiplicidade de partidos, a destacar as chamadas “legendas de aluguel”, existentes somente para obter dinheiro do fundo partidário e acesso aos meios de comunicação. A política ficaria afastada do interesse público e se tornaria negócio privado. Nesse cenário, surgiria a tradição de infidelidade partidária, a culminar em posicionamento do STF sobre o tema [MS 26.602/DF (DJe de 17.10.2008), MS 26.603/DF (DJe de 19.12.2008) e MS 26.604/DF (DJe de 3.10.2008)]. A Corte, à época, chancelara entendimento no sentido do dever constitucional de observância da regra de fidelidade partidária, possuindo como pano de fundo o sistema proporcional. Posteriormente, o TSE editara a resolução ora em debate, para aduzir que a mesma linha de entendimento seria aplicável quanto ao sistema majoritário, aos fundamentos de centralidade dos partidos políticos no regime democrático e de os candidatos do sistema majoritário também se beneficiarem da estrutura partidária para se elegerem. O Plenário reputou, entretanto, que haveria fundamento constitucional consistente apenas para vincular a regra da fidelidade partidária ao sistema proporcional. Sucede que, no sistema majoritário, como a regra seria da maioria de votos e não do quociente eleitoral, o candidato eleito seria o mais bem votado. Portanto, não seria necessário impor a fidelidade partidária como medida para preservar a vontade do eleitor. Não se trataria de corolário natural do princípio da soberania popular (CF, artigos 1º, parágrafo único; e 14). Ao contrário, no sistema majoritário, a imposição da perda do mandato por infidelidade partidária seria antagônica à soberania popular. Nos pleitos dessa natureza, os eleitores votariam em candidatos e não em partidos (CF, art. 77, § 2º). Embora fosse relevante o papel dos partidos, não se poderia invocar seu fortalecimento como fundamento para violar a soberania popular, ao retirar mandatos de candidatos escolhidos legitimamente por votação majoritária. Em suma, a Resolução 22.610/2007 do TSE, ao igualar os sistemas proporcional e majoritário para fins de fidelidade partidária, violaria as características essenciais dos sistemas eleitorais, extrapolaria a jurisprudência da Corte sobre o tema e, sobretudo, violaria a soberania popular.
ADI 5081/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 27.5.2015. (ADI-5081)
ADI e reajuste de vencimentos - 3
O Plenário retomou julgamento conjunto de ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas em face da Lei 12.301/2005 do Estado do Rio Grande do Sul, que reajusta os vencimentos dos servidores da Assembleia Legislativa do referido Estado-Membro, e da Lei 12.299/2005, também do Estado do Rio Grande do Sul, que reajusta os vencimentos dos servidores do Poder Judiciário daquela unidade federativa — v. Informativo 472. Em voto-vista, a Ministra Cármen Lúcia julgou procedentes os pedidos formulados nas ações para declarar a inconstitucionalidade das leis impugnadas, em razão da contrariedade aos artigos 37, X, e 61, § 1º, II, a, da CF. Isso se daria porque, diferentemente dos reajustes setoriais de iniciativa do chefe de cada um dos Poderes, a revisão — que diria respeito à reposição do valor da moeda cuja desvalorização em determinado período tivesse sido comprovada — haveria de ser geral, de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo. Nos casos em análise, nas justificativas dos Poderes Judiciário e Legislativo gaúcho, — constantes dos projetos que deram origem às leis impugnadas — ter-se-ia expressamente que os seus objetivos teriam sido recuperar a perda do poder aquisitivo da moeda. Nessa senda, o STF teria assentado a natureza de revisão geral anual da recomposição de vencimentos por meio de índice que visasse à recuperação da perda do poder aquisitivo decorrente das perdas inflacionárias. Assim, seria da competência privativa do chefe do Poder Executivo apresentar projeto de lei a dispor sobre revisão geral anual. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Roberto Barroso.
ADI 3543/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 28.5.2015. (ADI-3543) ADI 3538/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 28.5.2015. (ADI-3538)
Norma estadual e princípio da simetria
Por reputar inexistir ofensa ao princípio da simetria, o Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta contra a expressão “e ao Vice-Governador”, constante do art. 65 da Constituição do Estado do Mato Grosso (“Aplicam-se ao Governador e ao Vice-Governador, no que couber, as proibições e impedimentos estabelecidos para os Deputados Estaduais”). A Corte assentou que a determinação de observância aos princípios constitucionais não significaria caber ao constituinte estadual apenas copiar as normas federais. A inexistência da vedação no plano federal não obstaculizaria o constituinte de o fazer com relação ao vice-governador. Asseverou que o estabelecimento de restrições a certas atividades ao vice-governador, visando a preservar a sua incolumidade política, seria matéria que o Estado-Membro poderia desenvolver no exercício da sua autonomia constitucional. Precedentes citados:
ADI 4.298 MC/TO (DJe de 27.11.2009) e ADI 331/PB (DJe de 2.5.2014). ADI 253/MT, rel. Min. Gilmar Mendes, 28.5.2015. (ADI-253)
REPERCUSSÃO GERAL
Servidor público: contribuição previdenciária sobre parcelas não incorporáveis aos proventos - 4
O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que discutido se haveria incidência de contribuição previdenciária sobre terço de férias e adicionais por serviços extraordinários e por insalubridade. Na espécie, servidora pública federal pretendera impedir a União de efetuar descontos previdenciários sobre aquelas verbas, bem como quaisquer outras de caráter transitório que viesse a receber, haja vista a impossibilidade de incorporá-las aos proventos de aposentadoria — v. Informativo 776. Em voto-vista, o Ministro Luiz Fux acompanhou o Ministro Roberto Barroso (relator), para prover parcialmente o recurso. Destacou a convergência, no âmbito constitucional, entre o Regime Geral de Previdência Social - RGPS e o Regime Próprio de Previdência Social - RPPS. Anotou que, antes das alterações constitucionais em debate, a jurisprudência do STF seria no sentido de que a contribuição previdenciária de servidor público não poderia incidir sobre parcelas não computadas para o cálculo dos benefícios de aposentadoria, tendo em conta que: a) a natureza indenizatória dessas parcelas não se amoldaria ao conceito de remuneração; e b) essas parcelas não seriam incorporáveis aos proventos dos servidores, o que levaria à desconsideração da dimensão contributiva do RPPS. Uma vez existirem controvérsias quanto à natureza das parcelas, remanesceria o segundo argumento. No ponto, o RPPS teria migrado, da redação originária do texto constitucional, de natureza solidária e distributiva, para um regime de natureza também contributiva (EC 3/1993). Posteriormente, com a entrada em vigor da EC 20/1998, o aspecto contributivo fora reforçado, colocando em aparente conflito os princípios da contributividade e da solidariedade. A EC 41/2003, por sua vez, reforçara o caráter solidário do sistema, mas não derrogara o seu caráter contributivo. Afirmou que a aplicação do princípio da solidariedade afastaria relação sinalagmática e simétrica entre contribuição e benefício. Contudo, o princípio contributivo impediria a cobrança de contribuição previdenciária sem que se conferisse ao segurado qualquer contraprestação, efetiva ou potencial, em termos de serviços ou benefícios. Além disso, com o advento da EC 41/2003, o fortalecimento de algumas regras de capitalização coletiva não poderia desvirtuar a intenção do constituinte de fazer incidir contribuição apenas sobre parcelas cujo proveito ao beneficiário fosse possível em alguma medida. Se o Estado buscasse fortalecimento atuarial, poderia agravar alíquota incidente sobre os participantes ou até aumentar sua participação no custeio, mas não poderia haver tributação sobre base não imponível, em arrepio ao postulado da solidariedade. Nesse sentido, a referibilidade entre remuneração e contribuição seria confirmada pela interpretação sistemática dos §§ 2º e 3º do art. 40, c/c o art. 201, todos da CF. Nesse aspecto, seria também expressa a nova redação do art. 4º, § 1º, da Lei 10.887/2004, dada pela Lei 12.688/2012, a inserir os incisos X a XIX, para afastar da base de cálculo da contribuição previdenciária dos servidores públicos o adicional de férias, de serviço extraordinário e de serviço noturno, típicas parcelas não incorporáveis aos proventos de aposentadoria. Por essa razão, a jurisprudência da Corte estaria estruturada na natureza das verbas, e não na existência de previsão legal para a sua exclusão, com o fim de fixar a não-incidência das contribuições. Assim, as exclusões não seriam taxativas. Portanto, o princípio estrutural da solidariedade, em substituição à solidariedade de grupo, deslocaria o fundamento das contribuições sociais do princípio do custo-benefício para o da capacidade contributiva. Nesse diapasão, ainda que o princípio da solidariedade fosse pedra angular do sistema dos servidores, não poderia esvaziar o conteúdo do princípio contributivo, informado pelo princípio do custo-benefício, tendo em conta a necessidade de um sinalagma mínimo, ainda que não importasse em perfeita simetria entre o que se paga e o que se recebe.
RE 593068/SC, rel. Min. Roberto Barroso, 27.5.2015. (RE-593068)
Servidor público: contribuição previdenciária sobre parcelas não incorporáveis aos proventos - 5
Por sua vez, o Ministro Dias Toffoli acompanhou a divergência, para desprover o recurso. Aduziu que o rol exemplificativo do art. 4º das Leis 9.783/1999 e 10.884/2004 deveria ser interpretado no sentido da possibilidade de se incluírem na base de cálculo das contribuições previdenciárias, independentemente da repercussão direta e imediata do valor do benefício, parcelas remuneratórias recebidas pelos servidores a título de ganhos habituais, excluindo-se, portanto, os ganhos não habituais e aqueles que, mesmo recebidos com habitualidade, tivessem caráter indenizatório. A questão atinente à natureza da verba, inclusive seu caráter indenizatório ou não, para fins de incidência da contribuição previdenciária, seria matéria a implicar juízo de legalidade e de fatos e provas, inviável em sede de recurso extraordinário. Afirmou que deveria haver proporcionalidade entre as contribuições exigidas e o benefício concedido. Desse modo, o servidor deveria ser protegido de alterações abruptas do regime, mas não teria direito subjetivo a uma estrita vinculação do valor do benefício com as contribuições vertidas ao sistema da seguridade social. Ademais, a base econômica da contribuição previdenciária do servidor público não constaria do art. 40, § 3º, da CF, mas de seu art. 195, II, o qual dispõe sobre o financiamento da seguridade social para toda a sociedade. Assim, a base de cálculo das contribuições seria a folha de salários, o total dos rendimentos, a qualquer título. Entretanto, o art. 201, § 11, da CF estabelece que todos os ganhos habituais do trabalhador deveriam compor a base de cálculo das contribuições, a delimitar, para fins de incidência, o que seria considerado “total dos rendimentos”. Dessa perspectiva, no custeio da seguridade social, os princípios da solidariedade e da universalidade, conquanto não criassem poderes restritivos, já regulados por outras normas, teriam a função de delimitar os contornos do exercício dos poderes previstos nas regras constitucionais de competência. Em seguida, pediu vista dos autos a Ministra Cármen Lúcia.
RE 593068/SC, rel. Min. Roberto Barroso, 27.5.2015. (RE-593068)
Efeitos da declaração de inconstitucionalidade e ação rescisória
A decisão do Supremo Tribunal Federal que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das decisões anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que haja essa reforma ou rescisão, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495). Com base nessa orientação, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário em que discutida a eficácia temporal de decisão transitada em julgado fundada em norma superveniente declarada inconstitucional pelo STF. À época do trânsito em julgado da sentença havia preceito normativo segundo o qual, nos casos relativos a eventuais diferenças nos saldos do FGTS, não caberiam honorários advocatícios. Dois anos mais tarde, o STF declarara a inconstitucionalidade da verba que vedava honorários. Por isso, o autor da ação voltara a requerer a fixação dos honorários. Examinava-se, assim, se a declaração de inconstitucionalidade posterior teria reflexos automáticos sobre a sentença anterior transitada em julgado. A Corte asseverou que não se poderia confundir a eficácia normativa de uma sentença que declara a inconstitucionalidade — que retira do plano jurídico a norma com efeito “ex tunc” — com a eficácia executiva, ou seja, o efeito vinculante dessa decisão. O efeito vinculante não nasceria da inconstitucionalidade, mas do julgado que assim a declarasse. Desse modo, o efeito vinculante seria “pro futuro”, isto é, da decisão do Supremo para frente, não atingindo os atos passados, sobretudo a coisa julgada. Apontou que, quanto ao passado, seria indispensável a ação rescisória. Destacou que, em algumas hipóteses, ao declarar a inconstitucionalidade de norma, o STF modularia os efeitos para não atingir os processos julgados, em nome da segurança jurídica.
RE 730462/SP, rel. Min. Teori Zavascki, 28.5.2015. (RE-730462)
Transação penal e efeitos próprios de sentença penal condenatória - 4
As consequências jurídicas extrapenais, previstas no art. 91 do CP, são decorrentes de sentença penal condenatória. Isso não ocorre, portanto, quando há transação penal, cuja sentença tem natureza meramente homologatória, sem qualquer juízo sobre a responsabilidade criminal do aceitante. As consequências geradas pela transação penal são essencialmente aquelas estipuladas por modo consensual no respectivo instrumento de acordo. Com base nesse entendimento, o Plenário proveu recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de imposição de efeitos extrapenais acessórios de sentença penal condenatória à transação penal prevista na Lei 9.099/1995. No caso, procedimento penal fora instaurado em desfavor do ora recorrente para apurar a prática de contravenção tipificada no art. 58 do Decreto-Lei 3.668/1941 (“Explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua realização ou exploração”). Por ocasião da lavratura do termo circunstanciado, a motocicleta de propriedade do investigado fora apreendida em virtude de suposto uso na execução do ilícito. Ocorre que o Ministério Público ofertara transação penal que, aceita pelo recorrente e integralmente cumprida, culminara em sentença extintiva da punibilidade, a qual, no entanto, impusera a perda do veículo anteriormente apreendido. O recorrente sustentava que somente a sentença condenatória seria capaz de produzir o confisco de bens como efeito automático. Além disso, alegava: a) ofensa ao direito de propriedade, porquanto não observado o devido processo legal; e b) afronta ao princípio da presunção de inocência, uma vez que teriam sido aplicados à transação os efeitos equivalentes ao ato de confissão — v. Informativo 748. O Tribunal afirmou que a Lei 9.099/1995 introduzira no sistema penal brasileiro o instituto da transação penal, que permitiria a dispensa da persecução penal pelo magistrado em crimes de menor potencial ofensivo, desde que o suspeito da prática do delito concordasse em se submeter, sem qualquer resistência, ao cumprimento de pena restritiva de direito ou multa que lhe tivesse sido oferecida pelo representante do Ministério Público em audiência (art. 76). Assim, a lei teria relativizado, de um lado, o princípio da obrigatoriedade da instauração da persecução penal em crimes de ação penal pública de menor ofensividade e, de outro, teria autorizado ao investigado dispor das garantias processuais penais que o ordenamento lhe conferisse. Por sua vez, as consequências geradas pela transação penal seriam apenas as definidas no instrumento do acordo. Além delas, o único efeito acessório gerado pela homologação do ato estaria previsto no § 4º do art. 76 da Lei 9.099/1995 (“... registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos”). Os demais efeitos penais e civis decorrentes das condenações penais não seriam constituídos (art. 76, § 6º). Outrossim, a sanção imposta com o acolhimento da transação não decorreria de qualquer juízo estatal a respeito da culpabilidade do investigado, tratando-se de ato judicial homologatório. Além disso, o juiz, em caso de descumprimento dos termos do acordo, não poderia substituir a medida restritiva de direito consensualmente fixada por pena privativa de liberdade compulsoriamente aplicada.
RE 795567/PR, rel. Min. Teori Zavascki, 28.5.2015. (RE-795567)
Transação penal e efeitos próprios de sentença penal condenatória - 5
A Corte asseverou que as consequências jurídicas extrapenais previstas no art. 91 do CP, dentre as quais a do confisco de instrumentos do crime (art. 91, II, a) e de seu produto ou de bens adquiridos com o seu proveito (art. 91, II, b), só poderiam ocorrer como efeito acessório, reflexo ou indireto de uma condenação penal. Apesar de não possuírem natureza penal propriamente dita, não haveria dúvidas de que esses efeitos constituiriam drástica intervenção estatal no patrimônio dos acusados, razão pela qual sua imposição só poderia ser viabilizada mediante a observância do devido processo, que garantisse ao acusado a possibilidade de exercer seu direito de resistência por todos os meios colocados à sua disposição. Ou seja, as medidas acessórias previstas no art. 91 do CP, embora incidissem “ex lege”, exigiriam juízo prévio a respeito da culpa do investigado, sob pena de transgressão ao devido processo legal. Assim, a aplicação da medida confiscatória sem processo revelar-se-ia antagônica não apenas à acepção formal da garantia do art. 5º, LIV, da CF, como também ao seu significado material, destinado a vedar as iniciativas estatais que incorressem, seja pelo excesso ou pela insuficiência, em resultado arbitrário. No caso, o excesso do decreto de confisco residiria no fato de que a aceitação da transação revertera em prejuízo daquele a quem deveria beneficiar (o investigado), pois produzira contra ele um efeito acessório — a perda da propriedade de uma motocicleta — que se revelara muito mais gravoso do que a própria prestação principal originalmente avençada (pagamento de cinco cestas de alimentos). Logo, o recorrente fora privado da titularidade de um bem sem que lhe tivesse sido oportunizado o exercício dos meios de defesa legalmente estabelecidos. O Ministro Luiz Fux também deu provimento ao recurso, determinando a devolução do bem apreendido, em razão da impossibilidade do confisco de bem pertencente a condenado cuja posse não fosse ilícita, sob pena de violação ao direito constitucional à propriedade (CF, art. 5º, “caput”, XXII e LIV). Entendia, porém, ser constitucional a aplicação dos efeitos da condenação estabelecidos no art. 91, II, do CP, às sentenças homologatórias de transação penal, tendo em vista sua natureza condenatória.
RE 795567/PR, rel. Min. Teori Zavascki, 28.5.2015. (RE-795567)
PRIMEIRA TURMA
Prisão preventiva e HC de ofício - 3
O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado. Ao reafirmar esse entendimento, a Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, indeferiu “habeas corpus”, porém, à unanimidade, implementou a ordem de ofício, para afastar a prisão provisória. Na espécie, a ordem fora impetrada em favor de acusado pela suposta autoria intelectual de homicídio em que pretendida a declaração de nulidade do processo, a partir da denúncia, com o consequente relaxamento da prisão preventiva contra ele decretada — v. Informativo 391. A Turma asseverou que a controvérsia sobre a legitimidade constitucional do poder de investigação do Ministério Público fora pacificada na Corte com o julgamento do RE 593.727/MG — (acórdão pendente de publicação, v. Informativo 785). Vencido o Ministro Marco Aurélio, que concedia a ordem.
HC 85011/RS, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki, 26.5.2015. (HC-85011)
TCU: sigilo bancário e BNDES - 1
A Primeira Turma, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado em face de ato do TCU, que determinara ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e ao BNDES Participações S.A. – BNDESPAR o envio de documentos específicos alusivos a operações realizadas entre as referidas entidades financeiras e determinado grupo empresarial. Os bancos impetrantes sustentavam a impossibilidade de fornecimento das informações solicitadas pelo TCU, sob o fundamento de que isso comprometeria o sigilo bancário e empresarial daqueles que com eles contrataram e que desempenhariam atividades econômicas em regime concorrencial. O Colegiado, inicialmente, afirmou que o TCU ostentaria a condição de órgão independente na estrutura do Estado brasileiro, cujas principais funções se espraiariam pelos diversos incisos do art. 71 da CF. Seus membros possuiriam as mesmas prerrogativas que as asseguradas aos magistrados, tendo suas decisões a natureza jurídica de atos administrativos passíveis de controle jurisdicional. Tratar-se-ia de tribunal de índole técnica e política que deveria fiscalizar o correto emprego de recursos públicos. As Cortes de Contas implementariam autêntico controle de legitimidade, economicidade e de eficiência, porquanto deveriam aferir a compatibilidade dos atos praticados pelos entes controlados com a plenitude do ordenamento jurídico, em especial com a moralidade, eficiência, proporcionalidade. Assim, no atual contexto juspolítico brasileiro, em que teria ocorrido expressiva ampliação de suas atribuições, a Corte de Contas deveria ter competência para aferir se o administrador teria atuado de forma prudente, moralmente aceitável e de acordo com o que a sociedade dele esperasse. Ademais, o TCU, ao deixar de ser órgão do Parlamento para tornar-se da sociedade, representaria um dos principais instrumentos republicanos destinados à concretização da democracia e dos direitos fundamentais, na medida em que o controle do emprego de recursos públicos propiciaria, em larga escala, justiça e igualdade. Por outro lado, o sigilo empresarial seria fundamental para o livre exercício da atividade econômica. Tratar-se-ia de preocupação universal destinada a assegurar credibilidade e estabilidade ao sistema bancário e empresarial. A divulgação irresponsável de dados sigilosos de uma sociedade empresária poderia, por razões naturais, inviabilizar a exploração de uma atividade econômica ou expor, indevidamente, um grupo econômico, na medida em que os competidores passariam a ter acesso a informações privilegiadas que não deteriam numa situação normal. A proteção estatal ao sigilo bancário e empresarial deveria ser, nesse contexto, compreendida como corolário da preservação à intimidade assegurada pelo art. 5º, X, da CF. O que se discutiria, no caso, seria assentar a extensão dessa garantia à luz dos cânones pós-positivistas que regeriam a tutela do patrimônio público. Sem prejuízo da necessidade de tutela da privacidade e dos seus consectários — o sigilo bancário e empresarial —, as exigências do presente momento histórico compeliriam à adoção de uma política de governança corporativa responsável no âmbito dos grupos econômicos, o que impediria uma visão pueril de irresponsável ampliação do alcance da tutela ao sigilo bancário e empresarial.
MS 33340/DF, rel. Min. Luiz Fux, 26.5.2015. (MS-33340)
TCU: sigilo bancário e BNDES - 2
A Turma destacou que, no âmbito do Direito Público, a Administração, também, estaria pautada por princípios basilares estampados no art. 37 da CF, dentre eles o da publicidade, preceito que recomendaria a atuação transparente do agente público. Por se tratar de princípio, ele, também, comportaria exceções, todas fundadas no texto constitucional: a) o sigilo que fosse imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (CF, art. 5º, XXXIII), e b) o sigilo que dissesse respeito à intimidade ou ao interesse social (CF, art. 5º, LX). Nesse contexto, seria tarefa simples aceitar que a necessidade de preservação do sigilo bancário e empresarial poderia estar contida nas exceções constitucionais, seja porque resultante da reserva de segurança da sociedade, ou por representar um desdobramento da preservação da intimidade ou do interesse social. Em decorrência dessa premissa, o que se vedaria ao TCU seria a quebra do sigilo bancário e fiscal, “tout court”, consoante decisões proferidas no MS 22.801/DF (DJe de 14.3.2008) e no MS 22.934/DF (DJe 9.5.2012) no sentido de que a LC 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, não poderia ser manejada pelo TCU para que fosse determinada a quebra de sigilo bancário e empresarial. O caso em comento, entretanto, seria diferente dos referidos precedentes, porquanto a atuação do TCU teria amparo no art. 71 da CF e se destinaria, precipuamente, a controlar as operações financeiras realizadas pelo BNDES e pelo BNDESPAR. Cuidar-se-ia de regular hipótese de controle legislativo financeiro de entidades federais por iniciativa do Parlamento, que o fizera por meio da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados. Nesse particular, o referido órgão determinara ao TCU que realizasse auditoria nas operações de crédito envolvendo as citadas instituições financeiras, com fundamento no art. 71, IV, da CF. Ademais, não se estaria diante de requisição para a obtenção de informações de terceiros, mas de informações das próprias instituições, que contrataram terceiros com o emprego de recursos de origem pública. A pretensão do TCU seria o mero repasse de informações no seio de um mesmo ente da federação, e isso não ostentaria a conotação de quebra de sigilo bancário. Essa diferença seria relevante para legitimar a atuação da Corte de Contas, sob pena de inviabilizar o pleno desempenho de sua missão constitucionalmente estabelecida. O BNDES atuaria como banco de fomento com características muito próprias, sendo um banco de fomento econômico e social, e não uma instituição financeira privada comum. Por mais que ele detivesse a natureza de pessoa de direito privado da Administração Indireta, também sofreria intensa influência do regime de Direito Público. Nessa senda, ressoaria imperioso destacar que o sigilo de informações necessárias para a preservação da intimidade seria relativizado quando se estivesse diante do interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos.
MS 33340/DF, rel. Min. Luiz Fux, 26.5.2015. (MS-33340)
TCU: sigilo bancário e BNDES - 3
O Colegiado ressaltou que a preservação, na espécie, do sigilo das operações realizadas pelo BNDES e BNDESPAR com terceiros, não apenas impediria a atuação constitucionalmente prevista para o TCU, como também representaria uma acanhada, insuficiente, e, por isso mesmo, desproporcional limitação ao direito fundamental de preservação da intimidade. Partindo-se da premissa de que nem mesmo os direitos fundamentais seriam absolutos, a identificação do seu núcleo duro e intransponível poderia ser feita por meio da teoria germânica da restrição das restrições, ou seja, a limitação a um direito fundamental, como o da preservação da intimidade, do sigilo bancário e empresarial, deveria inserir-se no âmbito do que fosse proporcional. Deveria haver, assim, uma limitação razoável do alcance do preceito que provocasse a restrição ao direito fundamental. Assim, quando um ato estatal limitasse a privacidade do cidadão por meio da publicidade de atos por ele realizados, haveria a necessidade de se verificar se essa contenção, resultante da divulgação do ato, se amoldaria ao que fosse proporcional. Essa ótica da publicidade em face da intimidade não poderia ir tão longe, de forma a esvaziar desproporcionalmente a tutela do dinheiro público. A insuficiente limitação ao direito à privacidade revelar-se-ia, por outro ângulo, lesiva aos interesses da sociedade de exigir do Estado brasileiro uma atuação transparente, incidindo em proteção deficiente. Nesse contexto, a teoria da restrição das restrições legitimaria a exigência do TCU dirigida ao BNDES para o fornecimento de dados sigilosos, na medida em que o sigilo bancário e empresarial comportaria proporcional limitação destinada a permitir o controle financeiro da Administração Publica por órgão constitucionalmente previsto e dotado de capacidade institucional para tanto.
MS 33340/DF, rel. Min. Luiz Fux, 26.5.2015. (MS-33340)
TCU: sigilo bancário e BNDES - 4
A Turma asseverou que a exigência de TCU de fornecimento dos documentos pelo BNDES satisfaria integralmente os subprincípios da proporcionalidade: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Do ponto de vista da adequação, identificar-se-ia que os documentos em questão — saldo devedor de operações de crédito, dados sobre situação cadastral no BNDES, dados sobre a situação de adimplência, “rating” de crédito e a estratégia de “hedge”, todos relativos ao grupo empresarial que contratara com a referida instituição financeira — seriam apropriados para viabilizar o controle financeiro do BNDES pelo TCU. Sem eles, tornar-se-ia impossível avaliar se os atos praticados pelo BNDES seriam válidos e aceitáveis para o nosso ordenamento jurídico. Quanto ao subprincípio da necessidade, verificar-se-ia que a medida do TCU seria a que menos geraria prejuízos para os destinatários do controle. Não se vislumbraria qualquer outra determinação estatal capaz de, simultaneamente, permitir o controle financeiro das operações efetuadas pelo BNDES e que pudesse originar menos prejuízos à própria instituição ou à sociedade. Sob o prisma da proporcionalidade em sentido estrito, os benefícios para a sociedade, advindos do fornecimento das informações necessárias para o controle do BNDES, seriam maiores que as desvantagens para aquele que entrevê o sigilo de sua sociedade empresarial passar às mãos de um órgão estatal controlador responsável e dotado de estatura constitucional. Outrossim, sob o ângulo consequencialista, seria preciso evitar um desastroso efeito sistêmico que uma decisão favorável aos impetrantes poderia provocar. A partir de eventual reconhecimento judicial de que os impetrantes não precisassem fornecer dados alusivos às suas operações, toda e qualquer empresa pública ou sociedade de economia mista passaria a se recusar a fornecer informações semelhantes, o que inviabilizaria o eficaz funcionamento da Corte de Contas. Igualmente, sob a perspectiva da livre iniciativa e da concorrência, nada haveria nos autos que comprovasse, de maneira incontroversa, que o fornecimento das informações requisitadas pelo TCU pudesse ensejar uma instabilidade financeira e um impacto desastroso no mercado e na competição entre os que explorassem atividade econômica. Vencido o Ministro Roberto Barroso, que concedia parcialmente a ordem para reconhecer que o BNDES não estaria obrigado a fornecer ao TCU informações pertinentes ao “rating” de crédito do grupo empresarial que fora parte nas operações financeiras em discussão na espécie, isso por considerar que se trataria de informação protegida pelo sigilo bancário. Além disso, a referida instituição financeira não estaria obrigada a fornecer àquele tribunal a estratégia de “hedge” do mesmo grupo, que seria protegida pelo sigilo empresarial. Ambas a informações, no entanto, poderiam ser obtidas por decisão judicial.
MS 33340/DF, rel. Min. Luiz Fux, 26.5.2015. (MS-33340)
SEGUNDA TURMA
ICMS: venda financiada e hipótese de incidência
A Segunda Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário no qual se discute a incidência ou não de ICMS sobre os acréscimos financeiros decorrentes de operações de compra de bens com cartões de crédito emitidos pela própria fornecedora das mercadorias, sem a intermediação de instituição financeira. O Ministro Dias Toffoli, relator, preliminarmente conheceu do recurso extraordinário, por entender que a questão constitucional, concernente à materialidade do ICMS, cuja roupagem consta tanto do art. 155, II, da CF/1988, como do art. 23, II, da CF/1967, teria sido previamente debatida na origem. No mérito, considerou, em essência, que as operações com cartões de crédito emitidos pela própria fornecedora da mercadoria, sem a intermediação de instituição financeira, não configurariam outro tipo de operação que não uma venda a prazo, devendo o ICMS incidir sobre o valor total da operação. O tratamento seria diverso das vendas à vista efetuadas com a utilização de crédito bancário. Para que não houvesse inclusão, seria imprescindível que, ao fim, existissem duas operações distintas: a de compra e venda e a de financiamento. Inexistente intermediação financeira, os encargos devidos a título de ICMS comporiam a base de cálculo sobre a qual o imposto deveria incidir. Em seguida, pediu vista dos autos a Ministra Cármen Lúcia.
RE 514639/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 26.5.2015. (RE-514639)
“Sursis” e requisito temporal para a concessão de indulto
A Segunda Turma retomou julgamento de “habeas corpus” no qual se pretende o cômputo do período de prova cumprido em suspensão condicional da pena para preenchimento do requisito temporal objetivo do indulto natalino, relativo ao cumprimento de um quarto da pena privativa de liberdade, instituído pelo art. 1º, XIII, do Decreto 8.172/2013. A impetrante sustenta, em suma, que o paciente reuniria todos os requisitos necessários para a fruição do benefício, porque já teria cumprido mais de um quarto do período de prova para a suspensão condicional da pena que lhe fora imposta. Na sessão de 16.9.2014, a Ministra Cármen Lúcia (relatora), ao denegar a ordem, no que foi acompanhada pelos Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes, entendeu, em essência, que o paciente não faria jus ao benefício, pois não se poderia confundir o tempo alusivo ao período de prova, exigido para a obtenção da suspensão condicional da pena, com o requisito temporal objetivo previsto no art. 1º, XIII, do Decreto 8.172/2013. Na presente assentada, o Ministro Teori Zavascki, em voto-vista, concedeu a ordem. Considerou não se inferir da norma concessiva de indulto que o efetivo enclausuramento seria requisito para a concessão do benefício. Afirmou que o desiderato do decreto seria, também, conceder indulto a pessoas que cumprissem medidas alternativas à privação de liberdade. Reputou, por fim, que período de prova cumprido em suspensão condicional da pena, por ostentar inegável viés sancionatório, ainda que parcial, deveria ser computado como tempo de cumprimento da pena restritiva de liberdade, o que autorizaria, na espécie, a concessão do indulto natalino ao paciente. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Dias Toffoli.
HC 123698/PE, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.5.2015. (HC-123698)