Informativo do STF 778 de 20/03/2015
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Reclamação e sala de Estado-Maior - 4
Em conclusão, o Plenário, em julgamento conjunto e por maioria, julgou improcedentes pedidos formulados em reclamações ajuizadas por advogados em que se alegava afronta à autoridade da decisão proferida nos autos da ADI 1.127/DF (DJe de 11.6.2010), em que reputado constitucional o art. 7º, V, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - EOAB, na parte em que determina o recolhimento dos advogados, antes de sentença transitada em julgado, em sala de Estado-Maior e, na sua falta, em prisão domiciliar — v. Informativo 596. Em preliminar, a Corte rejeitou proposta de conversão do julgamento em diligência para verificar se os reclamantes ainda estariam presos provisoriamente. Segundo o proponente, se houvesse título condenatório transitado em julgado, não se poderia questionar a prisão provisória. Nesse ponto, o Colegiado destacou que, a despeito de a provocação ocorrer dentro de uma situação específica — tutela de direito subjetivo —, ao decidir o caso concreto a Corte também daria solução ao tema. Ressaltou, ainda, que a reclamação não seria instrumento processual a permitir instrução mais ampla. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia, que convertiam o julgamento em diligência. O Ministro Marco Aurélio, ademais, concedia “habeas corpus” de ofício. No mérito, a Corte explicou que, embora “sala de Estado-Maior”, em seu sentido estrito, apenas existisse dentro de instalações militares, seria inegável que sua destinação única e a existência de apenas uma dessas salas em cada unidade de comando ou superior tornaria inexequível sua utilização para o encarceramento de integrante da classe dos advogados, sob pena de inviabilizar o funcionamento regular das Forças Armadas. Nos termos do art. 102, I, l, da CF; art. 156 do RISTF; e art. 13 da Lei 8.038/1990, a reclamação seria instrumento destinado: a) à preservação da esfera de competência do STF; b) à garantia da autoridade de suas decisões; e c) a infirmar decisões que desrespeitassem enunciado de Súmula Vinculante editado pela Corte. Nesse contexto, os casos sob julgamento seriam distintos, porquanto as decisões reclamadas não estariam assentadas em fundamento constitucional. O debate se circunscreveria às condições prisionais e se o local de cumprimento da prisão provisória se enquadraria no conceito de sala de Estado-Maior. Concluiu que em nenhum momento as decisões reclamadas teriam se amparado na inconstitucionalidade do art. 7º, V, do EOAB, hipótese em que se poderia cogitar do descumprimento do que fora decidido no julgamento da ADI 1.127/DF (DJe de 11.6.2010). Vencidos os Ministros Cármen Lúcia (relatora), que julgava procedente o pedido, e o Ministro Ayres Britto. Para a relatora, deveria ser assegurado o cumprimento da norma prevista no art. 7º, V, da Lei 8.906/1994, na forma como interpretada pelo Supremo, e os reclamantes deveriam ser transferidos para uma sala de Estado-Maior ou, na ausência dela, para a prisão domiciliar, até o trânsito em julgado da ação penal.
Rcl 5826/PR rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 18.3.2015. (Rcl-5826) Rcl 8853/GO, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 18.3.2015. (Rcl-8853)
Interpretação do Art. 62, § 6º, da CF e limitação do sobrestamento - 2
O Plenário retomou julgamento de mandado de segurança impetrado contra decisão do Presidente da Câmara dos Deputados que, em questão de ordem, formalizara, perante o Plenário dessa Casa Legislativa, seu entendimento no sentido de que o sobrestamento das deliberações legislativas, previsto no § 6º do art. 62 da CF (“§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando”), só se aplicaria, supostamente, aos projetos de lei ordinária — v. Informativo 572. Em voto-vista, a Ministra Cármen Lúcia acompanhou o relator e denegou a segurança. Destacou que seria não apenas da competência do Presidente da Câmara valer-se da interpretação conforme, como também seria compatível com princípios e regras da Constituição. Nesse ponto, a interpretação conforme seria instrumento que poderia ser exercido tanto pelo Poder Judiciário quanto pelo Poder Legislativo no exercício da interpretação constitucional. Assim, na decisão questionada, ficara consignado que o regime de urgência, previsto no § 6º do art. 62 da CF, a impor o sobrestamento das deliberações legislativas das Casas do Congresso seria referente somente às matérias que se mostrassem passíveis de regramento por medida provisória. Estariam excluídos do âmbito de incidência das medidas provisórias, como dispõe o art. 62, § 1º, da CF, em consequência, as propostas de emenda à Constituição, os projetos de lei complementar, os projetos de decreto legislativo, os projetos de resolução e, até mesmo, tratando-se de projetos de lei ordinária, aqueles que veiculassem temas pré-excluídos, por determinação constitucional. Em seguida, pediu vista o Ministro Roberto Barroso.
MS 27931/DF, rel. Min. Celso de Mello, 18.3.2015. (MS-27931)
MS: pagamento de quintos e autoridade competente
Em conclusão, o Plenário julgou prejudicado mandado de segurança preventivo em que servidores públicos do TCU discutiam o limite temporal, em razão de sucessivas edições de medidas provisórias e leis, para a incorporação de quintos/décimos. A Corte deliberou que o STF seria competente para processar e julgar atos do Presidente do TCU. Na espécie, houvera ato prévio à impetração, praticado pelo Secretário-Geral da Administração do TCU, que determinara o pagamento das parcelas de quintos/décimos referente ao período de 9.4.1998 a 4.9.2004. Dessa forma, o “writ” teria sido impetrado em relação a ato que não fora e não seria praticado por Presidente do TCU.
MS 25845/DF, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 18 e 19.3.2015. (MS-25845)
MS e reconhecimento de legalidade de incorporação de quintos e décimos pelo TCU - 2
Em conclusão, o Plenário, por maioria, conheceu de mandado de segurança e concedeu a ordem para assentar a ilegalidade da incorporação de quintos/décimos aos vencimentos de servidores federais, no período compreendido entre 9.4.1998 e 4.9.2001, com base no artigo 3º da MP 2.225/2001 — v. Informativo 590. A Corte asseverou que não se trataria de norma em tese e, por isso, não incidiria o Enunciado 266 da Súmula do STF (“Não cabe mandado de segurança contra lei em tese”). Apontou que seriam aplicados os mesmos fundamentos da decisão proferida no RE 638.115/CE (v. em Repercussão Geral). Vencidos os Ministros Eros Grau (relator), Cármen Lúcia e Rosa Weber, que não conheciam do “writ”. Entendiam que a ausência de efeitos concretos no ato impugnado denunciaria a falta de interesse de agir da impetrante.
MS 25763/DF, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 18 e 19.3.2015. (MS-25763)
Modulação: precatório e EC 62/2009 - 9
O Plenário retomou exame de questão de ordem na qual proposta a modulação dos efeitos, no tempo, do quanto decidido no julgamento conjunto de ações diretas de inconstitucionalidade em que declarados parcialmente inconstitucionais dispositivos da EC 62/2009, que instituíra regime especial de pagamento de precatórios pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Na ocasião, o Tribunal, por maioria, rejeitara a arguição de inconstitucionalidade formal consistente na inobservância do interstício dos turnos de votação. No mérito, por maioria, declarara inconstitucional: a) a expressão “na data de expedição do precatório”, contida no § 2º do art. 100 da CF, na redação da EC 62/2009. A Corte explicara que a regra configuraria critério de aplicação de preferência no pagamento de idosos, contudo, esse balizamento temporal discriminaria, sem fundamento, aqueles que viessem a alcançar 60 anos em data posterior à expedição do precatório, enquanto pendente e ainda não ocorrido o pagamento; b) os §§ 9º e 10 do art. 100 da CF, incluídos pela EC 62/2009, e o art. 97, II, do ADCT, que fixam regime unilateral de compensação dos débitos da Fazenda Pública inscritos em precatório. O Colegiado considerara que esse critério beneficiaria exclusivamente o devedor público, em ofensa ao princípio da isonomia. Além disso, os dispositivos instituiriam nítido privilégio em favor do Estado e em detrimento do cidadão, cujos débitos em face do Poder Público sequer poderiam ser compensados com as dívidas fazendárias; c) a expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”, constante do § 12 do art. 100 da CF, incluído pela EC 62/2009, para que aos precatórios de natureza tributária se aplicassem os mesmos juros de mora incidentes sobre o crédito tributário; d) por arrastamento, a mesma expressão contida no art. 1º-F da Lei 9.494/1997, na redação dada pela Lei 11.960/2009, porquanto reproduziria a literalidade do comando contido no § 12 do art. 100 da CF; e) a expressão “independentemente de sua natureza”, sem redução de texto, contida no § 12 do art. 100 da CF, incluído pela EC 62/2009, para afastar a incidência dos juros moratórios calculados segundo índice da caderneta de poupança quanto aos créditos devidos pela Fazenda Pública em razão de relações jurídico-tributárias; f) por arrastamento, a expressão “índice oficial de remuneração da caderneta de poupança”, contida no art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009; e g) o § 15 do art. 100 da CF e todo o art. 97 do ADCT. A Corte entendera que, ao criarem regime especial para pagamento de precatórios para Estados, Distrito Federal e Municípios, veiculariam nova moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Pública e imporiam contingenciamento de recurso para esse fim, a violar a cláusula constitucional do Estado de Direito, o princípio da separação de Poderes, o postulado da isonomia, a garantia do acesso à justiça, a efetividade da tutela judicial, o direito adquirido e a coisa julgada — v. Informativos 631, 643, 697 e 698.
ADI 4357 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 19.3.2015. (ADI-4357) ADI 4425 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 19.3.2015. (ADI-4425)
Modulação: precatório e EC 62/2009 - 10
Em voto-vista, o Ministro Dias Toffoli acompanhou, em linhas gerais, as propostas de modulação anteriormente apresentadas pelos Ministros Luiz Fux (relator) e Roberto Barroso — v. Informativos 725 e 739. Atribuiu eficácia imediata — “ex nunc” —, a partir da data de conclusão do julgamento da questão de ordem, à declaração de inconstitucionalidade: a) da expressão “na data de expedição do precatório” (CF, art. 100, § 2º, com a redação dada pela EC 62/2009), para que todo credor que tivesse mais de 60 anos na data de conclusão do julgamento da questão de ordem tivesse o direito de ingressar na fila de preferência. Isso se daria porque, com a eliminação do marco temporal para aferição da idade, a mera circunstância de ser maior de 60 anos habilitaria o credor à preferência, independentemente do momento em que implementado o requisito etário, a conferir certa organicidade em relação à questão; b) da expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança” constante do § 12 do art. 100 da CF e dos §§ 1º, II, e 16 do art. 97 do ADCT, bem como da mesma expressão contida no art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, ressalvando-se os requisitórios expedidos pela União, com base nos artigos 27 das Leis de Diretrizes Orçamentárias da União de 2014 e 2015 (Lei 12.919/2013 e Lei 13.080/2015), que fixam o IPCA-E como índice de correção monetária. No ponto, observou que eventual decisão com efeito retroativo teria como consequência o direito à percepção, pelos antigos credores, das diferenças resultantes da incidência do novo índice de correção a ser definido pelo respectivo ente federado, com a necessidade de reabertura de precatórios já extintos, o que causaria evidente tumulto. Nesse tópico, o relator reajustou seu voto; e c) da expressão “independentemente de sua natureza”, contida no § 12 do art. 100 da CF e no art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009. Destacou, quanto a esse tema, que a consequência prática de uma decisão com eficácia retroativa seria muito semelhante à aventada no caso da correção monetária. Igualmente surgiria, para os antigos credores, o direito à percepção das diferenças resultantes da incidência de novos juros de mora, com a necessidade de reabertura dos precatórios já extintos, e, em consequência, uma avalanche de questionamentos de processos judiciais quanto aos precatórios já pagos durante o período de aplicação do referido dispositivo constitucional.
ADI 4357 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 19.3.2015. (ADI-4357) ADI 4425 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 19.3.2015. (ADI-4425)
Modulação: precatório e EC 62/2009 - 11
O Ministro Dias Toffoli decidiu manter pelo período de cinco anos, também a contar da conclusão do julgamento da questão de ordem, a vigência das normas que possibilitassem a compensação (CF, art. 100, §§ 9º e 10; e ADCT, art. 97, § 9º, II, introduzidos pela EC 62/2009), bem como das demais regras do regime especial de pagamento de precatórios — inclusive as modalidades alternativas de pagamento previstas no art. 97, §§ 6º, 7º e 8º do ADCT —, com destaque ainda para o art. 97, §§ 1º e 2º, do ADCT, o qual estabelece percentuais mínimos da receita corrente líquida — vinculados ao pagamento do precatório —, e o art. 97, § 10, do ADCT, que estabelece sanções para o caso de não liberação tempestiva dos recursos destinados ao pagamento de precatórios. Na hipótese, ao justificar a divergência em relação aos votos já proferidos — quanto ao termo inicial do prazo da modulação e quanto às normas que permaneceriam em vigor no período —, assentou que, apesar das impropriedades reconhecidas pelo STF em relação ao regime instituído pela EC 62/2009, esse sistema teria sido capaz de movimentar a fila de precatórios como jamais teria ocorrido nos regimes constitucionais anteriores. As mudanças trazidas pela referida emenda teriam propiciado incremento real no pagamento de precatórios pelos Estados-membros e pelos Municípios, conforme dados colhidos pelo CNJ. O aumento no volume de adimplência dos entes seria devido, em grande parte, ao estabelecimento de percentuais mínimos da receita corrente líquida, aos citados mecanismos alternativos de pagamento, bem como à possibilidade de compensação dos débitos. Tendo isso em vista, dever-se-ia reconhecer que, considerado o enorme volume da dívida de precatórios de alguns Estados-membros e Municípios, seria quase certo que esses entes não conseguiriam honrar seus compromissos no prazo de cinco anos sem os mencionados mecanismos. Ademais, ressaltou que, se fosse necessário, após a declaração de inconstitucionalidade do regime especial criado pela EC 62/2009, adotar algum sistema normativo de transição para o regime geral de pagamento de precatórios, com alguma perspectiva de quitação do passivo dos entes federados pelos próximos anos, seria melhor que essa transição ocorresse tendo por base as próprias regras instituídas pelo Poder Constituinte Derivado. Em seguida, o julgamento foi suspenso.
ADI 4357 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 19.3.2015. (ADI-4357) ADI 4425 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 19.3.2015. (ADI-4425)
REPERCUSSÃO GERAL
Incorporação de quintos e princípio da legalidade - 1
Ofende o princípio da legalidade a decisão que concede a incorporação de quintos pelo exercício de função comissionada no período entre 8.4.1998 — edição da Lei 9.624/1998 — até 4.9.2001 — edição da Medida Provisória 2.225-45/2001 —, ante a carência de fundamento legal. Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário em que discutida possibilidade da incorporação de quintos decorrente do exercício de funções comissionadas e/ou gratificadas no período. Preliminarmente, o Colegiado, por decisão majoritária, conheceu do recurso. Assentou que haveria jurisprudência da Corte no sentido de ser inadmissível o recurso extraordinário interposto contra decisão do STJ que, em recurso especial, se fundamentasse em matéria constitucional já apreciada e decidida na instância inferior e não impugnada diretamente no STF mediante recurso extraordinário. Assim, não interposto o recurso extraordinário contra a decisão de segunda instância dotada de duplo fundamento — legal e constitucional — ficaria preclusa a oportunidade processual de se questionar a matéria constitucional. Novo recurso extraordinário somente seria admissível para suscitar a questão constitucional surgida originariamente no recurso especial pelo STJ. Porém, o caso seria peculiar. O tema, por suscitar a interpretação da legislação aplicável à matéria, costumaria ser tratado como de índole estritamente infraconstitucional. No entanto, essa forma de abordar a questão representaria apenas um dos enfoques possíveis quanto à legalidade. Nada impediria que a controvérsia debatida nas instâncias inferiores, inclusive no STJ, fosse abordada por outra perspectiva no STF, porque a causa de pedir em recurso extraordinário seria aberta. A mesma questão debatida, devidamente prequestionada, poderia ser apreciada no Supremo, o qual poderia enfrentar o tema sob o enfoque constitucional. Nessa hipótese, seria cabível o recurso extraordinário, tendo em vista que, apreciada a questão novamente pelo STJ, apenas restaria a via recursal extraordinária para que o STF analisasse a controvérsia. No caso, a questão seria visivelmente constitucional. Não se cuidaria de mera discussão sobre ilegalidade, por ofensa ao direito ordinário. Constituiria, em verdade, afronta ao postulado fundamental da legalidade. O Tribunal aduziu que se, de um lado, a transferência para o STJ da atribuição para conhecer das questões relativas à observância do direito federal reduzira a competência do STF às controvérsias de índole constitucional, por outro, essa alteração dera ensejo ao Supremo para redimensionar o conceito de questão constitucional. Nesse sentido, o significado do princípio da legalidade, positivado no art. 5º, II, da CF, deveria ser efetivamente explicitado, para que dele se extraíssem relevantes consequências jurídicas. Esse postulado, entendido como o princípio da supremacia ou da preeminência da lei, ou como o princípio da reserva legal, conteria limites para os três Poderes constituídos. Dever-se-ia indagar, no ponto, se o tema versaria simples questão legal, insuscetível de apreciação na via extraordinária, ou se teria contornos constitucionais e mereceria ser examinado no STF. Ademais, dever-se-ia questionar se a decisão judicial adversada por suposta falta de fundamento legal poderia ser considerada contrária à Constituição, a suscitar questão constitucional. Nessa linha, seria necessário perquirir se a aplicação errônea do direito ordinário poderia dar ensejo a uma questão constitucional. Reputou que o princípio da reserva legal explicitaria as matérias que deveriam ser disciplinadas diretamente pela lei. Esse postulado afirmaria a inadmissibilidade de utilização de qualquer outra fonte de direito distinta da lei. Por outro lado, admitiria que apenas a lei pudesse estabelecer eventuais limitações ou restrições. Por seu turno, o princípio da supremacia ou da preeminência da lei submeteria a Administração e os tribunais ao regime da lei, a impor a exigência de aplicação da lei e a proibição de desrespeito ou de violação da lei.
RE 638115/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 18 e 19.3.2015. (RE-638115)
Incorporação de quintos e princípio da legalidade - 2
O Colegiado ponderou que uma decisão judicial que, sem fundamento legal, afetasse situação individual, revelar-se-ia contrária à ordem constitucional, pelo menos ao direito subsidiário da liberdade de ação. Se admitido, como expressamente estabelecido na Constituição, que os direitos fundamentais vinculariam todos os Poderes e que a decisão judicial deveria observar a Constituição e a lei, então a decisão judicial que se revelasse desprovida de base legal afrontaria ao menos o princípio da legalidade. Essa orientação poderia converter a Corte em autêntico tribunal de revisão, se fosse admitido que toda decisão contrária ao direito ordinário seria inconstitucional. Por isso, deveria ser formulado um critério a limitar a impugnação das decisões judiciais mediante recurso constitucional. A admissibilidade dependeria da demonstração de que, na interpretação e aplicação do direito, o juiz tivesse desconsiderado por completo ou essencialmente a influência dos direitos fundamentais, que a decisão fosse manifestamente arbitrária na aplicação do direito ordinário ou, ainda, que tivessem sido ultrapassados os limites da construção jurisprudencial. Assim, uma decisão que, por exemplo, ampliasse o sentido de um texto penal para abranger determinada conduta seria inconstitucional, por afronta ao princípio da legalidade. Seria, portanto, admitida uma aferição de constitucionalidade tanto mais intensa quanto maior fosse o grau de intervenção no âmbito de proteção dos direitos fundamentais. Em suma, seria possível aferir uma questão constitucional na violação da lei pela decisão ou ato dos Poderes constituídos. A decisão ou ato sem fundamento legal ou contrário ao direito ordinário violaria, portanto, o princípio da legalidade. O Ministro Teori Zavascki também conheceu do recurso, mas por outro fundamento. Afirmou que, em razão de o mesmo tema também chegar ao STF por meio de mandados de segurança, a Corte não fugiria do exame do mérito da questão. Não faria sentido distinguir uma decisão com repercussão geral de outra, sem essa qualidade, a conferir eficácias diferentes para decisões do Supremo. Todas elas, por sua própria natureza, teriam eficácia expansiva necessária e peso institucional semelhante. O Ministro Marco Aurélio acresceu que não se deveria exigir, para ter-se configurado o prequestionamento, a referência no acórdão recorrido a dispositivo da Constituição. Seria suficiente a adoção de entendimento sobre a norma constitucional. No caso, a decisão recorrida trataria claramente da existência de direito adquirido por parte dos servidores. Além disso, citou precedentes da Corte em recursos extraordinários nos quais discutida transgressão ao devido processo legal ou ao princípio da legalidade. Frisou que se estaria diante de situação concreta a reclamar manifestação do STF, para pacificar-se o tema. O Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente) sublinhou que, na repercussão geral, o STF teria a discricionariedade de admitir certos casos, se eles se enquadrassem nos conceitos abertos de relevância política, econômica, social ou jurídica. Vencidos, quanto ao conhecimento, os Ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello. Entendiam que o tema cuidaria de ofensa meramente reflexa à Constituição. Além disso, o acórdão recorrido seria calcado em matéria infraconstitucional.
RE 638115/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 18 e 19.3.2015. (RE-638115)
Incorporação de quintos e princípio da legalidade - 3
No mérito, o Plenário pontuou que a decisão judicial a determinar incorporação dos quintos careceria de fundamento legal e, assim, violaria o princípio da legalidade. A decisão recorrida baseara-se no entendimento segundo o qual a Medida Provisória 2.225-45/2001, em seu art. 3º, permitiria a incorporação dos quintos no período compreendido entre a edição da Lei 9.624/1998 e a edição da aludida medida provisória. O referido art. 3º transformara em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada - VPNI a incorporação das parcelas a que se referem os artigos 3º e 10 da Lei 8.911/1994 e o art. 3º da Lei 9.624/1998. Não se poderia considerar que houvera o restabelecimento ou a reinstituição da possibilidade de incorporação das parcelas de quintos ou décimos. A incorporação de parcelas remuneratórias remontaria à Lei 8.112/1990. Seu art. 62, § 2º, na redação original, concedera aos servidores públicos o direito à incorporação da gratificação por exercício de cargo de direção, chefia ou assessoramento à razão de um quinto por ano, até o limite de cinco quintos. A Lei 8.911/1994 disciplinara a referida incorporação. Por sua vez, a Medida Provisória 1.195/1995 alterara a redação dessas leis para instituir a mesma incorporação na proporção de um décimo, até o limite de dez décimos. A Medida Provisória 1.595-14/1997, convertida na Lei 9.527/1997, extinguira a incorporação de qualquer parcela remuneratória, com base na Lei 8.911/1994, e proibira futuras incorporações. As respectivas parcelas foram transformadas em VPNI. A Lei 9.527/1997 não teria sido revogada pela Lei 9.624/1998, pois esta seria apenas a conversão de uma cadeia distinta de medidas provisórias — reeditadas validamente — iniciada anteriormente à própria Lei 9.527/1997. Desde a edição da Medida Provisória 1.595-14/1997, portanto, seria indevida qualquer concessão de parcelas remuneratórias referentes a quintos ou décimos. Em suma, a concessão de quintos somente seria possível até 28.2.1995, nos termos do art. 3º, I, da Lei 9.624/1998, enquanto que, de 1º.3.1995 a 11.11.1997 — edição da Medida Provisória 1.595-14/1997 — a incorporação devida seria de décimos, nos termos do art. 3º, II e parágrafo único, da Lei 9.624/1998, sendo indevida qualquer concessão após 11.11.1997. Nesse quadro, a Medida Provisória 2.225/2001 não viera para extinguir definitivamente o direito à incorporação que teria sido revogado pela Lei 9.624/1998, mas somente para transformar em VPNI a incorporação das parcelas referidas nas Leis 8.911/1994 e 9.624/1998. Assim, o direito à incorporação de qualquer parcela remuneratória, fosse quintos ou décimos, já estaria extinto. O restabelecimento de dispositivos normativos anteriormente revogados, a permitir a incorporação de quintos ou décimos, somente seria possível por determinação expressa em lei. Em outros termos, a repristinação de normas dependeria de expressa determinação legal. Assim, se a Medida Provisória 2.225/2001 não repristinara expressamente as normas que previam a incorporação de quintos, não se poderia considerar como devida uma vantagem remuneratória pessoal não prevista no ordenamento. Em conclusão, não existiria norma a permitir o ressurgimento dos quintos ou décimos levada a efeito pela decisão recorrida. Vencidos os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello, que desproviam o recurso. Assentavam que a incorporação de gratificação relativa ao exercício de função comissionada no período de 8.4.1998 a 5.9.2001, transformando as referidas parcelas em VPNI, teria sido autorizada pela Medida Provisória 2.225-45/2001, em razão de ter promovido a revogação dos artigos 3º e 10 da Lei 8.911/1994. Por fim, o Plenário, por decisão majoritária, modulou os efeitos da decisão para desobrigar a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelos servidores até a data do julgamento, cessada a ultra-atividade das incorporações concedidas indevidamente. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que não modulava os efeitos da decisão.
RE 638115/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 18 e 19.3.2015. (RE-638115)
PRIMEIRA TURMA
Cabimento de “habeas corpus” e prequestionamento
É desnecessária a prévia discussão acerca de matéria objeto de “habeas corpus” impetrado originariamente no STJ, quando a coação ilegal ou o abuso de poder advierem de ato de TRF no exercício de sua competência penal originária. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma deu provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” para determinar o retorno dos autos ao STJ, para que conhecesse de impetração lá ajuizada e analisasse seu mérito. Na espécie, após o recebimento de denúncia em face do ora recorrente — detentor de foro por prerrogativa de função no âmbito de TRF —, a defesa impetrara “habeas corpus” no STJ, no qual se alegava, dentre outras, a nulidade de prova decorrente de interceptação telefônica. O STJ, todavia, não conhecera da impetração, porquanto substitutiva de recurso especial, e, além disso, não examinara a tese relativa à referida nulidade, em razão da ausência de prévio debate no tribunal de origem. A Turma ressaltou que a jurisprudência do STF seria no sentido de que, tratando-se de “habeas corpus” originário, como na hipótese em comento, não se exigiria que a matéria tivesse sido previamente discutida. Ademais, não caberia transportar para o exame do “habeas corpus” requisito próprio à recorribilidade extraordinária, qual seja, o debate e a decisão prévios do tema veiculado na petição inicial do “writ”, que poderia, inclusive, ser subscrito por qualquer pessoa.
RHC 118622/ES, rel. Min. Roberto Barroso, 17.3.2015. (RHC-118622)
Crime praticado por militar e competência
Compete à justiça castrense processar e julgar militar condenado pela prática de crime de furto (CPM, art. 240) perpetrado contra militar em ambiente sujeito à administração militar. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma denegou “habeas corpus” em que sustentada a competência da justiça comum. No caso, o paciente subtraíra de seu colega de farda, em quartel militar, cartão magnético, juntamente com a respectiva senha. Nos dias subsequentes, efetuara empréstimo em nome da vítima, bem como saques de valores. A Turma reputou que incidiria, na espécie, o art. 9º, II, a do CPM (“Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado”). Ressaltou que seria indiferente, para a configuração da competência da justiça militar, o fato de o saque ter sido realizado fora da organização militar.
HC 125326/RS, rel. Min. Rosa Weber, 17.3.2015. (HC-125326)
Concurso público: prova objetiva e resoluções do CNMP e CSMPF - 2
A 1ª Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, julgou prejudicado agravo regimental e denegou mandado de segurança impetrado contra ato da Comissão Examinadora do 26º Concurso para ingresso na carreira de Procurador da República. Na espécie, fora negado provimento a recurso interposto pela impetrante para atacar a formatação conferida a questões da primeira fase do certame, que apontava padecerem de nulidade insanável pela não observância de parâmetros de transparência e objetividade — v. Informativo 759. A Turma destacou que o exame jurisdicional da controvérsia não demonstraria potencial para que se excedesse o controle de legalidade e se avançasse na seara do mérito administrativo. Dessa forma, o debate seria diferente de outros precedentes relativos ao amplo tema dos concursos públicos, em que a ordem fora indeferida diante da inviabilidade de substituição do juízo de mérito administrativo pelo jurisdicional. Asseverou que não existiria deficiência no modo de redação das perguntas sob o aspecto da pronta resposta exigida pelas resoluções que disciplinaram o certame, de modo a traduzir violação às normas reguladoras do concurso, nos moldes em que postas à época, ou ao edital. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que concedia a segurança para declarar a nulidade das questões apontadas pela impetrante e reconhecer a validade de seu ingresso na carreira de Procurador da República. Afirmava que as perguntas questionadas não se revestiriam da objetividade necessária. Aduzia que o padrão adotado nas três questões impugnadas não seria compatível com fase objetiva de concurso público.
MS 31323 AgR/DF, rel. Min. Rosa Weber, 17.3.2015. (MS-31323)
RE e análise dos requisitos de admissibilidade de REsp - 2
A 1ª Turma retomou julgamento de agravo regimental em recurso extraordinário no qual se discute a admissibilidade de recurso extraordinário interposto para questionar o cabimento de recurso especial manejado em face de decisão proferida em sede de suspensão de liminar deferida ao Poder Público com base no art. 4º da Lei 8.437/1992 (“Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”). Na espécie, o STJ não conhecera de recurso especial sob o fundamento de que não poderia ser utilizado para impugnar decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão de segurança. Segundo o STJ, o recurso especial se destinaria a combater argumentos que dissessem respeito a exame de legalidade, ao passo que o pedido de suspensão ostentaria juízo político — v. Informativo 750. Em voto-vista, o Ministro Roberto Barroso, ao acompanhar a Ministra Rosa Weber (relatora), desproveu o agravo regimental. Assentou a incompetência do STF para apreciar requisito de cabimento de recursos da competência de outros tribunais, além do descabimento do recurso extraordinário para discutir matéria infraconstitucional federal, para revisão do contexto fático-probatório ou para exame de inconstitucionalidade reflexa. Ademais, a jurisprudência do STF seria consolidada no sentido do não cabimento do recurso especial para discutir suspensão de segurança de cunho essencialmente político. O recurso só seria cabível quando, excepcionalmente, a decisão apresentasse feição jurídica e não política, o que não teria ocorrido no caso dos autos. Em seguida, o julgamento foi suspenso.
RE 798740 AgR/DF, rel. Min. Rosa Weber, 17.3.2015. (RE-798740)
SEGUNDA TURMA
Maus antecedentes e período depurador
A 2ª Turma iniciou julgamento de “habeas corpus” em que se discute a possibilidade de condenação transitada em julgado alcançada pelo prazo de cinco anos, previsto no art. 64, I, do CP [“Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”], constituir fundamento idôneo para exasperação da pena-base a título de maus antecedentes. O Ministro Gilmar Mendes (relator) concedeu a ordem para restabelecer a decisão do tribunal de justiça que afastara os maus antecedentes, considerada condenação anterior ao período depurador (CP, art. 64, I), para efeito de dosimetria da pena. Afirmou que o período depurador de cinco anos teria a aptidão de nulificar a reincidência, de forma que não poderia mais influenciar no “quantum” de pena do réu e em nenhum de seus desdobramentos. Observou que seria assente que a “ratio legis” consistiria em apagar da vida do indivíduo os erros do passado, já que houvera o devido cumprimento de sua punição, de modo que seria inadmissível atribuir à condenação o “status” de perpetuidade, sob pena de violação aos princípios constitucionais e legais, sobretudo o da ressocialização da pena. A Constituição vedaria expressamente, na alínea b do inciso XLVII do art. 5º, as penas de caráter perpétuo. Esse dispositivo suscitaria questão acerca da proporcionalidade da pena e de seus efeitos para além da reprimenda corporal propriamente dita. Nessa perspectiva, por meio de cotejo das regras basilares de hermenêutica, constatar-se-ia que, se o objetivo primordial fosse o de se afastar a pena perpétua, reintegrando o apenado no seio da sociedade, com maior razão dever-se-ia aplicar esse raciocínio aos maus antecedentes. Ademais, o agravamento da pena-base com fundamento em condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos não encontraria previsão na legislação pátria, tampouco na Constituição, mas se trataria de uma analogia “in malam partem”, método de integração vedado em nosso ordenamento. Dessa forma, decorridos mais de cinco anos desde a extinção da pena da condenação anterior (CP, art. 64, I), não seria possível alargar a interpretação de modo a permitir o reconhecimento dos maus antecedentes. Por fim, determinou ao tribunal de origem que procedesse à nova fixação de regime prisional, sem considerar a gravidade abstrata do delito, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do CP. Em seguida, pediu vista a Ministra Cármen Lúcia.
HC 126315/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.3.2015. (HC-126315)