Informativo do STF 775 de 27/02/2015
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Competência concorrente para legislar sobre educação
Lei editada por Estado-membro, que disponha sobre número máximo de alunos em sala de aula na educação infantil, fundamental e média, não usurpa a competência da União para legislar sobre normas gerais de educação (CF, art. 24, IX, e § 3º). Com base nessa orientação, o Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face das alíneas a, b e c do inciso VII do art. 82 da LC 170/1998 do Estado de Santa Catarina. A Corte destacou a necessidade de rever sua postura “prima facie” em casos de litígios constitucionais em matéria de competência legislativa, de forma a prestigiar as iniciativas regionais e locais, a menos que ofendam norma expressa e inequívoca da Constituição. Pontuou que essa diretriz se ajustaria à noção de federalismo como sistema que visaria a promover o pluralismo nas formas de organização política. Asseverou que, em matéria de educação, a competência da União e dos Estados-membros seria concorrente. Aduziu que, com relação às normas gerais, os Estados-membros e o Distrito Federal possuiriam competência suplementar (CF, art. 24, § 2º) e a eles caberia suprir lacunas. Frisou a necessidade de não se ampliar a compreensão das denominadas normas gerais, sob pena de se afastar a autoridade normativa dos entes regionais e locais para tratar do tema. Enfatizou que o limite máximo de alunos em sala de aula seria questão específica relativa à educação e ao ensino e, sem dúvida, matéria de interesse de todos os entes da federação, por envolver circunstâncias peculiares de cada região. Ademais, a sistemática normativa estadual também seria compatível com a disciplina federal sobre o assunto, hoje fixada pela Lei 9.394/1996, que estabelece “as diretrizes e bases da educação nacional”. Em seu art. 25, a lei federal deixaria nítido espaço para atuação estadual e distrital na determinação da proporção professor e aluno dos sistemas de ensino. Possibilitaria, assim, que o sistema estadual detalhasse de que maneira a proporção entre alunos e professores se verificaria no âmbito local. Sob o prisma formal, portanto, a Lei 9.394/1996 habilitaria a edição de comandos estaduais como os previstos nas alíneas a, b, e c do inciso VII do art. 82 da LC 170/1998 do Estado de Santa Catarina. Sob o ângulo material, a lei catarinense ainda apresentaria evidente diretriz de prudência ao criar uma proporção aluno-professor que se elevaria à medida que aumentasse a idade dos alunos.
ADI 4060/SC, rel. Min. Luiz Fux, 25.2.2015. (ADI-4060)
Poder Executivo e quinto constitucional
A exigência de submissão do nome escolhido pelo governador à Casa Legislativa, para preenchimento de vaga destinada ao quinto constitucional, invade a atuação do Poder Executivo. Com base nessa orientação, o Plenário acolheu preliminar de conhecimento parcial da ação e julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face da EC estadual 25/2008, que dera “nova redação ao artigo 63 da Constituição do Estado de São Paulo – Capítulo IV – Do Poder Judiciário” (medida cautelar noticiada no Informativo 523). O Tribunal assentou a declaração de inconstitucionalidade da expressão “depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta da Assembléia Legislativa”, incluída no parágrafo único do art. 63 da Constituição do Estado de São Paulo. Esclareceu que, embora o autor tivesse buscado a declaração de inconstitucionalidade da integralidade da EC paulista 25/2008, restringira-se a discorrer sobre os motivos para a invalidade da expressão acrescentada à parte final do parágrafo único do artigo 63 da Constituição estadual. A Corte asseverou que o art. 94 da CF regula de maneira exaustiva o procedimento destinado à escolha dos membros dos tribunais de justiça oriundos do quinto constitucional. Precedente citado:
ADI 202/BA (DJU de 7.3.1997). ADI 4150/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 25.2.2015. (ADI-4150)
Professores de rede estadual e regime de subsídio
O Plenário conheceu em parte de ação direta ajuizada em face dos artigos 1º a 7º da LC 428/2007 do Estado do Espírito Santo e, na parte conhecida, julgou o pedido improcedente. Os dispositivos impugnados tratam da instituição do regime de subsídio para o pagamento dos professores da rede estadual de ensino. Além disso, estabelecem que os profissionais já integrantes do quadro possam optar pelo novo regime ou pelo anterior, de vencimentos e vantagens pessoais. Preliminarmente, o Colegiado, por maioria, reconheceu a legitimidade ativa da requerente, Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE. No ponto, ressaltou haver precedente do STF a admitir a mesma entidade como legitimada em ação de controle concentrado, tendo em vista se tratar de confederação sindical, de âmbito nacional, conforme atestado pelo Ministério do Trabalho (ADI 1.969/DF, DJe de 31.8.2007). A CNTE contaria com expressiva representatividade e, além disso, haveria tendência histórica da Corte no sentido de flexibilizar os requisitos quanto à admissão de legitimados ativos. Outrossim, a entidade cumpriria o que exigido pelo art. 103, IX, da CF. Vencido, quanto à preliminar, o Ministro Teori Zavascki, que não reconhecia a legitimidade ativa da requerente. Entendia não bastar que a entidade sindical fosse denominada “Confederação”, mas que seria necessário que atendesse aos requisitos do art. 535 da CLT [“As Confederações organizar-se-ão com o mínimo de 3 (três) federações e terão sede na Capital da República”]. Na espécie, a CNTE contaria com apenas uma federação. No mérito, o Plenário destacou que estariam cumulados dois pedidos: de declaração de inconstitucionalidade por ação e por omissão, esta no que se refere ao art. 3º da norma impugnada. Esse dispositivo trata dos valores dos subsídios e, segundo a requerente, deveria ser aplicado a todos os servidores da categoria ou, subsidiariamente, ser retirado do mundo jurídico. No ponto, o Colegiado afirmou haver precedente no sentido de reconhecer a relativa fungibilidade entre as ações diretas de inconstitucionalidade por ação e por omissão (ADI 875/DF, DJe de 30.4.2010). Além disso, o pedido, na espécie, seria alternativo, por isso juridicamente viável. Ademais, o Plenário considerou não haver violação a direito adquirido, porque os professores já em atividade teriam a opção quanto ao regime de pagamento. Tampouco haveria violação à irredutibilidade de vencimentos, porque essa opção poderia ser realizada a qualquer tempo, então o profissional poderia permanecer no regime antigo até o momento em que não mais fosse vantajoso. Além disso, não estaria violada a isonomia, pois a convivência dos dois regimes seria favorável aos professores, permitiria que escolhessem a situação que mais lhes aprouvesse. Não existiria discriminação ilegítima. Por outro lado, não seria possível cumular os dois regimes jurídicos, para somar o subsídio, de maior valor, às vantagens pessoais adquiridas anteriormente. Por fim, o Colegiado afastou a impugnação quanto ao art. 2º da norma adversada, uma vez não haver fundamentos, na inicial, quanto a esse dispositivo. O pedido, no ponto, seria genérico, razão pela qual a ação não deveria ser conhecida nesse aspecto.
ADI 4079/ES, rel. Min. Roberto Barroso, 25 e 26.2.2015. (ADI-4079)
1ª parte :
2ª parte :
ADI e normas para a venda de títulos de capitalização - 3
O Plenário retomou julgamento de ação direta ajuizada contra os artigos 1º a 5º da Lei 14.507/2002 do Estado de Minas Gerais, que estabelece normas para a venda de títulos de capitalização e similares na referida unidade federada (“Art. 1º - É vedada a vinculação a outro produto de título de capitalização ou similar, por meio de procedimento, técnica ou método utilizado, ainda que indiretamente, para fomentar ou garantir sua circulação ou venda. Art. 2º - A informação ou publicidade referente a título de capitalização conterá dados comparativos entre a correção monetária e os juros incidentes sobre o valor capitalizado e a valorização obtida na caderneta de poupança por investimento de igual valor, no mesmo período. Art. 3º - A inobservância do disposto nesta lei sujeitará o infrator às seguintes penalidades: I - multa; II - suspensão do fornecimento do produto ou serviço; III - imposição de contrapropaganda; IV - suspensão temporária da atividade. Parágrafo único - As penalidades previstas neste artigo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, sem prejuízo das de natureza cível, penal e de outras cabíveis. Art. 4º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 5º - Revogam-se as disposições em contrário.”) — v. Informativo 576. A Ministra Cármen Lúcia, em voto-vista, divergiu do Ministro Eros Grau (relator) e julgou parcialmente procedente o pedido formulado para apenas declarar a inconstitucionalidade da expressão “ou publicidade”, constante do art. 2º, bem como do inciso III do art. 3º da mencionada lei, no que foi acompanhada pelos Ministros Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello.
ADI 2905/MG, rel. Min. Eros Grau, 26.2.2015. (ADI-2905)
ADI e normas para a venda de títulos de capitalização - 4
A Ministra Cármen Lúcia ressaltou que o sistema da repartição de competência concorrente formatado pela Constituição teria conferido à União a competência para legislar sobre normas gerais (CF, art. 24 § 1º), ou seja, a Constituição teria destinado a esse ente a prescrição das regras nacionalmente uniformes, vinculantes a todos os entes federados. Aos Estados-membros caberia a singularização dessas diretrizes, a implicar a regência próxima e direta sobre determinados atos jurídicos, com o estabelecimento de especificações, a concretização de procedimentos, a fixação de minúcias e requisitos necessários à aplicação das normas gerais editadas pela União, sempre para realização da orientação normativa nacionalmente firmada. Consignou que a atividade complementar, fundada no § 2º do art. 24 da CF, poderia ser exercida independentemente da comprovação de situações peculiares ao Estado-membro. Na atuação legislativa complementar, os Estados-membros e o Distrito Federal estariam livres para buscar soluções normativas que lhes parecessem mais eficazes na efetivação das diretrizes estabelecidas pela União, o que enriqueceria a experiência legislativa nacional. A atividade legislativa supletiva, a dizer, a atuação dos Estados-membros no caso de inexistência da legislação nacional, estaria fundada no § 3º do art. 24 da CF (“Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades”). Conferira-se, assim, a esses entes e ao Distrito Federal a possibilidade de legislarem sobre normas gerais em substituição à União, desde que caracterizada a omissão do Poder Legislativo nacional no estabelecimento das diretrizes sobre a matéria e com o objetivo de atendimento das peculiaridades dessas unidades federativas. A legislação nascida dessa atividade supletiva não produziria efeitos senão no espaço territorial do Estado-membro que a tivesse editado e até que sobreviesse a lei nacional disciplinando a matéria em sentido contrário, conforme estatuído no § 4º do art. 24 da CF (“A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário”). Embora o estabelecimento das diretrizes sobre as matérias mencionadas no art. 24 da CF tivesse ficado a cargo da União, perceber-se-ia que o constituinte buscara solução que valorizasse a atuação legislativa dos entes federados mais próximos dos destinatários da norma. Um dos aspectos interessantes da modesta descentralização legislativa posta na Constituição estaria na consequência lógica da regra que daria prevalência à lei estadual editada supletivamente em relação à lei nacional superveniente, quando convergentes (CF, art. 24, § 4º). Se a lei nacional superveniente não revoga ou derroga a lei estadual supletiva no que lhe for contrário, não se poderia atribuir, “a fortiori”, essa consequência em relação às normas gerais posteriormente confirmadas pela legislação nacional superveniente. O condicionamento do exercício legislativo ao atendimento de peculiaridades locais surgiria apenas para a atividade legislativa plena dos Estados-membros, ou seja, quando verificada a omissão da União na elaboração das normas gerais, conforme expresso na parte final do § 3º do art. 24 da CF, que cuidaria especificamente da atividade legislativa supletiva.
ADI 2905/MG, rel. Min. Eros Grau, 26.2.2015. (ADI-2905)
ADI e normas para a venda de títulos de capitalização - 5
A Ministra Cármen Lúcia salientou que não teria respaldo jurídico a tese da autora no sentido de que o adquirente do título de capitalização seria mero poupador, isso porque essa Corte já teria reconhecido o destinatário de atividade bancária, financeira e de crédito como consumidor (ADI 2591/DF, DJU de 29.9.2006). A consequência inevitável desse entendimento seria a necessária remessa da relação jurídica estabelecida entre as empresas de capitalização e os adquirentes desse produto à disciplina do CDC (Lei 8.078/1990) ou à legislação ordinária que, a respeito, vigorasse. Nesses termos, ao proibir venda casada para fomentar ou garantir a circulação de título de capitalização (art. 1º da lei impugnada), o legislador estadual teria atuado no exercício da competência complementar prevista no § 2º do art. 24 da CF. Potencializara-se, assim, a diretriz nacional que caracterizaria a venda casada como abusiva (CDC, art. 39, I). Daí a cominação, no art. 3º da lei mineira atacada, das mesmas sanções previstas nos incisos I (multa), VI (suspensão do fornecimento do produto ou serviço), VII (suspensão temporária da atividade), XII (imposição de contrapropaganda) do art. 56 da Lei 8.078/1990. Observou que haveria convergência entre a diretriz nacional conferida pelo CDC e a Lei estadual 14.507/2002. A atuação do legislador mineiro justificar-se-ia, ainda, pela pendência de fundada dúvida, na data de edição da lei adversada, quanto à aplicação das normas veiculadas pelo CDC às instituições financeiras. Dissipada a dúvida com a conclusão do julgamento da mencionada ADI, a lei mineira tornara-se prescindível, mas nem por isso inconstitucional. Tampouco a vedação constante do art. 1º da aludida lei mineira poderia ser considerada como matéria de competência exclusiva da União.
ADI 2905/MG, rel. Min. Eros Grau, 26.2.2015. (ADI-2905)
ADI e normas para a venda de títulos de capitalização - 6
A Ministra Cármen Lúcia sublinhou, ademais, que a Assembleia mineira não legislara sobre sistema financeiro, direito civil, comercial, política de crédito, seguros, sistema de poupança ou captação e garantia da poupança popular. Com a vedação da prática da venda casada na aquisição de título de capitalização, o legislador mineiro não alterara as características desse negócio jurídico e a formação de seu capital, tampouco dispusera sobre limites de prestações ou como se daria o sorteio da soma de dinheiro do qual participariam todos os títulos da mesma série, nem tratara de obrigação ou direito relacionados com a atividade intrínseca de capitalização. A norma em exame seria protetiva do consumidor. Quanto aos demais dispositivos da lei impugnada, apenas o art. 2º exigiria maiores considerações, porque o art. 3º repetiria as sanções previstas no CDC e os artigos 4º e 5º limitar-se-iam a cuidar de simples regras de aplicação da lei estadual. Rememorou que o voto originariamente proferido pelo Ministro Eros Grau — nesse mesmo sentido — teria realçado a distinção entre as definições jurídicas de informação e publicidade. Concluíra que a expressão “ou publicidade” constante do art. 2º, bem como a penalidade “imposição de contrapropaganda”, prevista no inciso III do art. 3º, seriam inconstitucionais por manifesta invasão do Estado-membro na seara legislativa reservada à União (CF, art. 22, XXIX). O consumidor teria o direito de ser informado sobre todas as características importantes do produto ou serviço para saber exatamente o que se poderia esperar deles. A exigência posta na lei estadual adversada, portanto, facilitaria a compreensão pelo consumidor dessas circunstâncias no momento da oferta do título de capitalização, de modo a auxiliá-lo na decisão de adquirir esse produto e a evitar, assim, posterior frustração. Após o voto do Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente), que julgou o pedido procedente, o julgamento foi suspenso.
ADI 2905/MG, rel. Min. Eros Grau, 26.2.2015. (ADI-2905)
REPERCUSSÃO GERAL
Imunidade parlamentar de vereador e exercício do mandato
Nos limites da circunscrição do Município e havendo pertinência com o exercício do mandato, garante-se a imunidade prevista no art. 29, VIII, da CF aos vereadores (“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: ... VIII - inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município”). Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, proveu recurso extraordinário em que se discutia o alcance da imunidade material de vereador em discurso, supostamente ofensivo à honra, proferido da tribuna da Casa Legislativa municipal. O Colegiado reputou que, embora as manifestações fossem ofensivas, teriam sido proferidas durante a sessão da Câmara dos Vereadores — portanto na circunscrição do Município — e teriam como motivação questão de cunho político, tendo em conta a existência de representação contra o prefeito formulada junto ao Ministério Público — portanto no exercício do mandato. O Ministro Teori Zavascki enfatizou ser necessário presumir que a fala dos parlamentares, em circunstâncias como a do caso, teria relação com a atividade parlamentar. Do contrário, seria difícil preservar a imunidade constitucional. O Ministro Gilmar Mendes sublinhou que, se o vereador tivesse de atuar com bons modos e linguagem escorreita, não haveria necessidade de a Constituição garantir a imunidade parlamentar. O Ministro Celso de Mello destacou que se o vereador, não obstante amparado pela imunidade material, incidisse em abuso, seria passível de censura, mas da própria Casa Legislativa a que pertencesse. Vencido o Ministro Marco Aurélio (relator), que desprovia o recurso. Considerava que a inviolabilidade dos vereadores exigiria a correlação entre as manifestações e o desempenho do mandato, o que não teria havido na espécie.
RE 600063/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 25.2.2015. (RE-600063)
Posse em cargo público por determinação judicial e dever de indenizar - 2
Na hipótese de posse em cargo público determinada por decisão judicial, o servidor não faz jus à indenização, sob fundamento de que deveria ter sido investido em momento anterior, salvo situação de arbitrariedade flagrante. Com base nesse entendimento, o Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, deu provimento a recurso extraordinário em que se discutia eventual direito, de candidatos nomeados e empossados em cargos públicos por força de decisão transitada em julgado, à indenização por danos materiais em decorrência da demora na nomeação determinada judicialmente. No caso, candidatos aprovados, dentro do número de vagas, na primeira fase de concurso público, somente participaram da segunda fase do certame em virtude de decisão judicial transitada em julgado, sendo ao final, aprovados, nomeados e empossados — v. Informativo 764. A Corte de origem assentara o direito de candidatos aprovados em concurso público a receberem indenização relativa ao período compreendido entre a data na qual deveriam ter assumido o cargo correspondente e a data da efetiva posse, considerado o interregno decorrente do trâmite processual. O Supremo destacou que, por se ressentir de disciplina legal mais exaustiva, a aplicação de concursos públicos suscitaria pródigo contencioso judicial. Nesse sentido, saber quando a nomeação de candidato aprovado deixasse de constituir opção administrativa e se transformasse em direito subjetivo seria controvérsia que, em especial, mereceria destaque na crônica jurisprudencial do tema. Para solucionar impasses da espécie, o STF teria produzido respostas a tomar como referência o contraponto mais agudo às expectativas dos concursandos — a preterição —, o que estaria consubstanciado no Enunciado 15 de sua Súmula (“Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”). Esse enunciado, produzido antes de 1988, inclusive teria sido assimilado pela ordem constitucional vigente por meio do art. 37, IV, da CF (“Durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre os novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira”).
RE 724347/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 26.2.2015. (RE-724347)
Posse em cargo público por determinação judicial e dever de indenizar - 3
A Corte asseverou que o tônus normativo da noção constitucional de prioridade, que militaria em favor da contratação dos aprovados em concursos públicos, imporia uma série de deveres sucessivos à Administração, dentre os quais os de: a) convocar os aprovados dentro do número de vagas previsto em edital; b) motivar apropriadamente eventual não convocação; c) não preterir a ordem de classificação estabelecida após a correção das provas, salvo se por imposição de determinação judicial; e d) não empregar expedientes de contratação precários durante o prazo de validade de concursos para a mesma função. Ocorrendo o descumprimento de quaisquer desses deveres implícitos, os aprovados teriam uma pretensão legítima a ser exercida contra a Administração por meio de ação judicial. Ademais, se durante o processamento da demanda não ficassem provados fatos extintivos, impeditivos ou modificativos do direito de prioridade, seguir-se-ia a nomeação como desfecho natural. Contudo, apesar de estar consolidado esse entendimento na jurisprudência, a reversão judicial de eventuais violações ao art. 37, IV, da CF nem sempre se operaria com a celeridade esperada. Assim, como o provimento judicial de nomeação implicaria carga de onerosidade semelhante aos comandos de “liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidor” — cuja execução estaria condicionada ao trânsito em julgado da decisão concessiva, nos termos do art. 2º-B da Lei 9.494/1997 —, também a nomeação em decorrência de decisão judicial ficaria submetida ao princípio de prudência judiciária que, em resguardo ao erário, limitaria a execução provisória das decisões judiciais. Desse modo, as nomeações somente seriam implementadas após o trânsito em julgado das decisões que as tivessem assegurado. Igualmente, o diferimento da eficácia dessas decisões em sede de concurso público provocaria ainda outro efeito secundário, qual seja, o atraso na nomeação dos postulantes, quando verificada a procedência do direito reclamado.
RE 724347/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 26.2.2015. (RE-724347)
Posse em cargo público por determinação judicial e dever de indenizar - 4
O Plenário pontuou que não se poderia deixar de reconhecer, em abstrato, a possibilidade de que determinadas condutas praticadas pelo Estado na aplicação de concursos públicos pudessem vir a ocasionar danos materiais passíveis de indenização. Isso se daria notadamente nos casos em que eventual preterição decorresse de inequívoca e manifesta ilegitimidade do comportamento da Administração, suscetível de identificação sem maiores digressões jurídicas. Dessa feita, o dever de reparação eventualmente surgido na condução de concursos públicos não poderia alcançar todas as hipóteses possíveis de judicialização. Fosse isso verdadeiro, a responsabilidade estatal assumiria elastério desproporcional, a tornar os procedimentos seletivos praticamente inadministráveis, já que a impugnação de qualquer aspecto poderia provocar, em tese, o adiamento do desfecho do certame e, consequentemente, das nomeações. Admitir essa premissa resultaria em considerar possível o nascimento do dever de reparação civil em decorrência de atrasos causados, por exemplo, pela impugnação de cláusulas editalícias de alcance genérico, bem como pelo questionamento de etapas intermediárias da avaliação, como a correção do gabarito de determinada questão de prova objetiva. A rigor, porém, nenhuma dessas situações deveria gerar dever estatal de reparação. Isso porque, embora algumas delas pudessem constituir demora qualificável na nomeação no cargo, em nenhuma delas estaria consolidada a situação de aprovação do candidato, pressuposto indispensável para a configuração da posição jurídica tida como prioritária pelo art. 37, IV, da CF. Não seria, portanto, a anulação judicial de qualquer ato administrativo praticado em concurso público que atrairia a incidência pura e simples do art. 37, § 6º, da CF. No caso, os recorridos não ostentariam condição jurídica e fática de postular o provimento das nomeações, porque, quando da impetração de mandados de segurança no juízo “a quo”, ainda não estariam definitivamente aprovados no concurso em questão, composto por duas etapas, ambas de caráter eliminatório. Desse modo, se a controvérsia judicial então instaurada apresentara por objeto situação jurídica primitiva à nomeação, ou seja, se ao tempo da propositura das ações os recorridos tinham mera expectativa de investidura em cargo público, o art. 37, § 6º, da CF, não constituiria base normativa suficiente para adjudicar, em favor deles, reparação similar ao que seria pago pelo exercício do cargo. Assim, ainda que se pudesse conjecturar, em tese, sobre um direito secundário de reparação, derivado do descumprimento da positividade irredutível do art. 37, IV, da CF — o que, de resto, não poderia ser tido como manifesto e fora de qualquer dúvida jurídica —, não haveria fundamento concreto, no caso, para afirmar esse direito, porque os postulantes ainda não teriam sido efetivamente aprovados no concurso de que participavam. Por fim, o pagamento de remuneração a servidor público e o reconhecimento de efeitos funcionais pressuporia efetivo exercício do cargo, o que não ocorrera, sob pena de enriquecimento sem causa. Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator) e Luiz Fux, que desproviam o recurso por considerarem devida a indenização, em face da responsabilidade civil objetiva do Estado pelo ato ilegal de seus agentes (CF, art. 37, § 6º), além do que, não se trataria, no caso, de pretensão de receber vencimentos ou subsídios, e sim pagamento de quantia certa, em dinheiro, a título de indenização por danos materiais, a caracterizar típica obrigação do civilmente responsável.
RE 724347/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 26.2.2015. (RE-724347)
PRIMEIRA TURMA
Princípio da consunção: homicídio e posse ilegal de arma
A 1ª Turma, por maioria, julgou extinto “habeas corpus” em que se discutia a aplicabilidade do princípio da consunção em hipótese de prática de homicídio com o uso de arma de fogo de numeração raspada. No caso, o paciente fora absolvido sumariamente em relação ao delito de homicídio, uma vez sua conduta haver caracterizado legítima defesa. Não obstante, remanescia a persecução penal no tocante ao crime de posse e porte de arma de fogo. A Turma reputou que os tipos penais seriam diversos, e que a excludente de ilicitude reconhecida quanto ao homicídio não alcançaria a posse ilegal de arma de fogo com numeração raspada. Vencido o Ministro Luiz Fux (relator), que concedia a ordem de ofício, por entender incidir o princípio da consunção.
HC 120678/PR, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 24.2.2015. (HC-120678)
SEGUNDA TURMA
Fixação de regime inicial de cumprimento de pena e circunstâncias judiciais
A 2ª Turma denegou a ordem em “habeas corpus” no qual se sustentava a existência de ilegalidade em sentença condenatória que teria fixado de forma automática o regime inicial semiaberto para o cumprimento de pena aplicada em patamar inferior a quatro anos, exclusivamente em razão da exasperação da pena-base. No caso, os pacientes foram condenados à pena de dois anos e seis meses de detenção pela suposta prática de crime contra a ordem econômica (Lei 8.176/1991, art. 1º, I), o que, segundo alegado, ensejaria a fixação do regime aberto, nos termos do art. 33, § 2º, c, do CP. O Colegiado destacou que, na espécie, embora a pena final fixada fosse inferior a quatro anos, duas das circunstâncias judiciais contidas no art. 59 do CP seriam desfavoráveis aos pacientes — as circunstâncias e as consequências do crime —, o que, nos termos do § 3º do art. 33 do CP (“A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código”) e do Enunciado 719 da Súmula do STF (“A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”), impediria a aplicação do regime inicial mais brando. Nessa perspectiva, não haveria dúvidas de que, por ocasião da sentença, o magistrado “a quo” cumprira satisfatoriamente a exigência de fundamentação da decisão, tendo em vista que apresentara justificativa plausível, amparada pelo ordenamento jurídico, para determinação do regime inicial semiaberto.
HC 124876/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 24.2.2015. (HC-124876)