Informativo do STF 772 de 19/12/2014
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Condenação criminal: reparação de dano e contraditório - 1
O Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em revisão criminal para afastar da condenação imposta ao requerente a fixação do valor mínimo de reparação dos danos, nos termos do art. 387, IV, do CPP (“Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: ... IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido”), sem prejuízo da persecução correspondente em procedimento autônomo, mantidas íntegras as demais cominações condenatórias. No caso, ele fora condenado à pena de 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado, além de 66 dias-multa, pela prática de formação de quadrilha e peculato. Além disso, o valor da a reparação do dano fora fixado em R$ 1.647.500,00, a ser atualizado na fase de execução pelos índices de correção monetária. O Colegiado, de início, frisou que a revisão criminal seria excepcional, presente ilegalidade ou contrariedade à evidência dos autos, de modo que não se admitiria mera reiteração de teses já vencidas pelo acórdão revisando, seja quanto a matéria de direito, seja quanto a matéria de fato. Quanto à suposta nulidade decorrente do oferecimento de denúncia alicerçada em elementos informativos obtidos em investigação de caráter eminentemente civil, o conhecimento do pedido não encontraria amparo. Essa arguição estaria rechaçada nos fundamentos da decisão condenatória. Portanto, nesse ponto, a condenação deveria ser mantida, pois não contrariara texto expresso de lei ou a evidência dos autos. Além disso, a questão de incompetência do STF para julgar congressista que renuncia ao mandato antes da sessão de julgamento teria sido exaustivamente debatida anteriormente. Tampouco essa pretensão mereceria acolhimento, diante da evidente intenção do requerente de conferir outra solução à questão discutida pela Corte não só no julgamento objeto da revisão, mas em outros casos, o que não teria espaço nessa via processual. No que se refere à alegação de insuficiência probatória para o decreto condenatório, o Tribunal afirmou que o acórdão pautara-se em abundante acervo produzido sob o crivo do contraditório, de maneira a não existirem motivos para desqualificá-lo como apto à condenação. A respeito da dosimetria da pena, ela teria sido devidamente individualizada, sem afrontar o princípio da isonomia, porquanto decorrera de análise concreta das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. Relativamente à continuidade delitiva, o Colegiado afastou a tese defensiva. A respeito, seria necessário para a caracterização do instituto: a) a pluralidade de condutas; b) a pluralidade de crimes da mesma espécie; c) a prática dos crimes nas mesmas condições de tempo, lugar, modo de execução e outras semelhantes; e d) o fato de os crimes subsequentes serem continuação do primeiro. No tocante à tese ligada ao crime de quadrilha, tendo em conta suposta configuração de peculato continuado em concurso de agentes, a decisão revisanda também enfrentara o tema e demonstrara o caráter de durabilidade e permanência da associação, elementos indispensáveis à caracterização do delito. O requerimento, nesse ponto, não mereceria conhecimento, ainda que sustentado por alegação de mudança de entendimento jurisprudencial. Todavia, no que diz respeito à fixação do valor mínimo destinado à reparação de danos, nos termos do art. 387, IV, do CPP, o Colegiado lembrou que essa previsão normativa fora inserida pela Lei 11.719/2008, que não somente seria posterior aos fatos, ocorridos entre 1995 e 1998, como também ao oferecimento da denúncia, em 1999. Assim, sobretudo porque não ocorrido o contraditório a respeito, incidiria reserva intransponível à incidência da norma, do ponto de vista material e processual. RvC 5437/RO, rel. Min. Teori Zavascki, 17.12.2014. (RvC-5437)
Condenação criminal: reparação de dano e contraditório - 2
Vencidos os Ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Celso de Mello, que julgavam o pedido integralmente improcedente. Apontavam que a necessidade de reparação do dano causado teria respaldo no art. 91, I, do CP, já em vigor à época dos fatos. A inovação trazida pela Lei 11.719/2008 diria respeito apenas à delegação para que o juiz fixasse o valor mínimo. Tratar-se-ia, portanto, de mera mudança na regra de procedimento, aplicável ao caso. O Ministro Celso de Mello acrescia que a referida lei também alterara o parágrafo único do art. 67 do CPP. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do ‘caput’ do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido, a indicar que o valor a ser ressarcido não seria imutável, e o dano efetivamente sofrido seria apurado em liquidação. Vencido, ademais, o Ministro Marco Aurélio, que julgava o pleito procedente para assentar a incompetência do STF para julgar o requerente, em face da renúncia ocorrida antes do julgamento, bem assim anulava a dosimetria da pena, segundo a qual o exercício do então réu de seu direito à renúncia fora considerado circunstância judicial desfavorável. Além disso, também afastava o ressarcimento do dano nos termos do art. 387, IV, do CPP. RvC 5437/RO, rel. Min. Teori Zavascki, 17.12.2014. (RvC-5437)
Progressão de regime e reparação do dano em crime contra a administração pública - 1
E constitucional o § 4º do art. 33 do CP, que condiciona a progressão de regime de cumprimento da pena de condenado por crime contra a administração pública à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, facultado o parcelamento da dívida. Com base nessa orientação, o Plenário , por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto em face de decisão que indeferira pedido de progressão de regime a condenado nos autos da AP 470/MG (DJe de 22.4.2013) pela prática dos crimes de peculato e corrupção passiva. O Colegiado, inicialmente, rejeitou assertiva segundo a qual seria ilíquido o valor devido pelo sentenciado a título de reparação do dano causado em decorrência do crime de peculato, dado que, em sucessivos pronunciamentos do Plenário, teria sido demonstrado que o valor devido, para fins do art. 33, § 4º, do CP, seria de R$ 536.440,55. Quanto à alegada inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, a Corte destacou que, em matéria de crimes contra a administração pública — como também nos crimes de colarinho branco em geral —, a parte verdadeiramente severa da pena, a ser executada com rigor, haveria de ser a de natureza pecuniária. Esta, sim, teria o poder de funcionar como real fator de prevenção, capaz de inibir a prática de crimes que envolvessem apropriação de recursos públicos. Por outro lado, a imposição da devolução do produto do crime não constituiria sanção adicional, mas, apenas a devolução daquilo que fora indevidamente apropriado ou desviado. Ademais, não seria o direito fundamental à liberdade do condenado que estaria em questão, mas, tão somente, se a pena privativa de liberdade a ser cumprida deveria se dar em regime mais favorável ou não, o que afastaria a alegação quanto à suposta ocorrência, no caso, de prisão por dívida. Outrossim, a norma em comento não seria a única, prevista na legislação penal, a ter na reparação do dano uma importante medida de política criminal. Ao contrário, bastaria uma rápida leitura dos principais diplomas penais brasileiros para constatar que a falta de reparação do dano: a) pode ser causa de revogação obrigatória do “sursis”; b) impede a extinção da punibilidade ou mesmo a redução da pena, em determinadas hipóteses; c) pode acarretar o indeferimento do livramento condicional e do indulto; d) afasta a atenuante genérica do art. 65, III, b, do CP, entre outros. EP 22 ProgReg-AgR/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 17.12.2014. (EP-22)
Progressão de regime e reparação do dano em crime contra a administração pública - 2
O Colegiado destacou que, na espécie, o sentenciado fora condenado, individualizadamente, ao pagamento de R$ 536.440,55. Apesar da existência de corréus — devedores solidários —, o valor integral da dívida poderia ser exigido de cada um, nada a impedir que, eventualmente, rateassem entre eles o pagamento devido. Embora se devesse lamentar a não instauração da execução pela Fazenda, ocorre que, sendo do sentenciado o interesse de quitar a dívida para o fim de progressão de regime, caberia a ele, espontaneamente, tomar as providências nesse sentido. A este propósito, e como regra, decisões judiciais deveriam ser cumpridas voluntariamente, sem necessidade de se aguardar a execução coercitiva. Não haveria impedimento, contudo, a que o agravante firmasse com a União acordo de parcelamento, nos moldes adotados para outros devedores, aplicando-se, por analogia, o art. 50 do CP. A celebração do acordo e o pagamento regular das parcelas ajustadas importariam em satisfação da exigência de reparação do dano. Eventual descumprimento de ajuste sujeitaria o sentenciado à regressão ao regime anterior. O Ministro Dias Toffoli, ao assentar a constitucionalidade do art. 33, § 4°, do CP, ressalvou seu entendimento quanto à admissão da possibilidade de progressão de regime, desde que aquele que pleiteasse o benefício viesse efetivamente a comprovar a total impossibilidade de reparação do dano, numa leitura conjugada do dispositivo em análise com o inciso IV do art. 83 do CP. No ponto, foi acompanhado pelos Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski (Presidente). Vencido o Ministro Marco Aurélio, que assentava a inconstitucionalidade do art. 33, § 4°, do CP. Ressaltava não ser possível condicionar a progressão no regime de cumprimento da pena à questão alusiva à reparação do dano, isso porque seria impróprio mesclar a pena — que envolveria a liberdade de ir e vir —, com a reparação do dado — que envolveria o patrimônio. EP 22 ProgReg-AgR/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 17.12.2014. (EP-22)
Mandado de injunção: contagem diferenciada de tempo de serviço
O Plenário iniciou julgamento conjunto de agravos regimentais nos quais se discute se a aposentadoria especial em virtude do exercício de atividades em condições insalubres assegurada ao servidor público alcançaria a contagem diferenciada de tempo de serviço em decorrência de atividades exercidas em trabalho especial, com aplicação do regime da Lei 8.213/1991, para fins da aposentadoria de que cogita o § 4º do art. 40 da CF. O Ministro Marco Aurélio (relator) desproveu o agravo regimental. Esclareceu que, em face da lacuna normativa da matéria, o Tribunal teria concluído pela aplicação da Lei 8.213/1991. Destacou que a omissão do Congresso Nacional fora reconhecida e, ainda, admitida a impetração do mandado de injunção. A somatória desses elementos desencadearia a necessidade de se disciplinar a matéria, com aplicação da íntegra do art. 57 da Lei 8.213/1991, sem exclusão da parte que prevê, quando o trabalhador deixa o ambiente nocivo sem completar o tempo para a aposentadoria especial, a conversão proporcional do período em que teria trabalhado — com prejuízo à saúde — no tempo geral. Em divergência, o Ministro Teori Zavascki deu provimento ao regimental. Asseverou que a questão da contagem diferenciada de tempo de serviço deveria ser apreciada em ação própria e não na via do mandado de injunção. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Roberto Barroso. MI 4367 AgR/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 18.12.2014. (MI-4367) MI 6286 AgR/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 18.12.2014. (MI-6286) MI 2901 AgR/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 18.12.2014. (MI-2901)
Mandado de segurança: concurso público e litisconsórcio necessário - 1
O Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação rescisória mediante a qual se pretendia desconstituir decisão proferida em mandado de segurança. Na decisão rescindenda assentara-se que os impetrantes, candidatos habilitados na primeira fase de concurso público para fiscal do trabalho anteriormente aberto, ainda que não classificados dentro do número de vagas inicialmente oferecidas, teriam preferência sobre os candidatos habilitados na primeira fase de novo concurso para o mesmo cargo. Na rescisória, alegava-se que a decisão não teria observado a obrigatória citação dos litisconsortes necessários, porquanto seus efeitos incidiriam sobre o direito subjetivo dos demais candidatos participantes do certame. Ademais, sustentava-se que o acórdão rescindendo, ao assegurar a participação dos impetrantes não classificados na segunda fase do concurso, ofenderia o princípio da isonomia, bem assim que a matéria teria sido decidida com suporte em erro fático, dado o caráter regionalizado do concurso. Preliminarmente, o Colegiado reputou presente o interesse de agir da União, pois a autoridade apontada como coatora no mandado de segurança seria Ministro de Estado. Afastou, ainda, a tese relativa ao litisconsórcio necessário. O caso veicularia situações jurídicas individualizadas, embora fosse possível que outros candidatos estivessem em situação idêntica à dos impetrantes. Lembrou que o Plenário, em outra oportunidade, já assentara a inocorrência de litisconsórcio necessário na espécie, dado que presente, no mandado de segurança, cumulação subjetiva de natureza facultativa. Assim, por se tratar de interesses divisíveis, eventual configuração do litisconsórcio necessário implicaria a transformação do acesso à justiça em obrigação da parte, a tolher sua liberdade. Imaginar-se, a essa altura, a obrigatoriedade de candidatos, ainda que aprovados em concursos ulteriores, integrarem a relação processual alusiva ao mandado de segurança significaria subversão da ordem processual.
AR 1699/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 18.12.2014. (AR-1699)
Mandado de segurança: concurso público e litisconsórcio necessário - 2
No mérito, o Plenário afirmou que a decisão rescindenda estaria devidamente fundamentada, no sentido de determinar a convocação dos impetrantes para a realização da segunda etapa do certame, tendo em conta a existência de novo concurso. Em momento algum, colocara-se em jogo a situação de outros candidatos, muito menos dos aprovados em concursos diversos. Naquela oportunidade, explicitara-se o direito de os concursados serem convocados para o estágio seguinte da disputa sem o risco de serem prejudicados pela feitura de outro concurso. Ressaltou, ademais, que o caso seria idêntico à AR 1.685/DF (DJe de 10.12.2014), a tratar de outro candidato envolvido no mesmo certame. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski (Presidente e revisor) e Roberto Barroso, que julgavam o pedido procedente. Quanto ao alegado erro de fato sobre o caráter regional do concurso, afirmavam que o acórdão rescindendo não tomara esse aspecto como razão de decidir, e não seria razoável que, independentemente do prazo de validade do certame, fosse determinada a convocação de todos os candidatos habilitados na primeira fase para o novo concurso, uma vez que não haveria vagas na localidade pretendida pelos impetrantes. Assim, não haveria de se falar em prejuízo ou preterição dos interessados.
AR 1699/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 18.12.2014. (AR-1699)
“Amicus curiae”: recorribilidade e legitimidade
O Plenário negou provimento a agravo regimental em que discutida a admissibilidade da intervenção, na qualidade de “amicus curiae”, de instituição financeira em ação direta de inconstitucionalidade. Preliminarmente, o Colegiado conheceu do recurso. No ponto, a jurisprudência da Corte reconheceria legitimidade recursal àquele que desejasse ingressar na relação processual como “amicus curiae” e tivesse sua pretensão recusada. Por outro lado, não se conheceria de recursos interpostos por “amicus curiae” já admitido, nos quais se intentasse impugnar acórdão proferido em sede de controle concentrado de constitucionalidade. No mérito, o Plenário entendeu que não se justificaria a intervenção de instituição financeira para discutir situações concretas e individuais, no caso, a situação particular que desaguara na decretação de liquidação extrajudicial da instituição. Sob esse aspecto, a tutela jurisdicional de situações individuais deveria ser obtida pela via do controle difuso, por qualquer pessoa com interesse e legitimidade. O propósito do “amicus curiae” seria o de pluralizar o debate constitucional e conferir maior legitimidade ao julgamento do STF, tendo em conta a colaboração emprestada pelo terceiro interveniente. Este deveria possuir interesse de índole institucional, bem assim a legítima representação de um grupo de pessoas, sem qualquer interesse particular. Na espécie, a instituição agravante careceria de legitimidade, uma vez não possuir representatividade adequada.
ADI 5022 AgR/RO, rel. Min. Celso de Mello, 18.12.2014. (ADI-5022)
Usucapião de imóvel urbano e norma municipal de parcelamento do solo - 1
O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário, afetado pela 1ª Turma, em que se discute a possibilidade de usucapião de imóvel urbano em município que estabelece lote mínimo de 360 m² para o parcelamento do solo. No caso, os recorrentes exercem, desde 1991, a posse mansa e pacífica de imóvel urbano onde edificaram casa, na qual residem. Contudo, o pedido declaratório, com fundamento no art. 183 da CF (“Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”), para que lhes fosse reconhecido o domínio, fora rejeitado pelo tribunal de origem. A corte local entendera que o aludido imóvel teria área inferior ao módulo mínimo definido pelo Plano Diretor do respectivo município para os lotes urbanos. Consignara não obstante, admitido os recorrentes, de fato, preencheriam os requisitos legais impostos pela norma constitucional instituidora da denominada “usucapião especial urbana”. Preliminarmente, o Colegiado, por maioria, rejeitou questão de ordem, suscitada pelo Ministro Marco Aurélio, sobre a falta de quórum para o julgamento do feito ante a presença de apenas seis Ministros em sessão para apreciar conflito entre norma municipal e a Constituição Federal. Vencidos os Ministros suscitante e Luiz Fux. No mérito, o Ministro Dias Toffoli (relator) proveu o recurso extraordinário para reconhecer aos autores o domínio sobre o imóvel, dada a implementação da usucapião urbana prevista no art. 183 da CF, no que foi acompanhado pelos Ministros Teori Zavascki e Rosa Weber. Afirmou que, para o acolhimento da pretensão, bastaria o preenchimento dos requisitos exigidos pelo texto constitucional, de modo que não se poderia erigir obstáculo, de índole infraconstitucional, para impedir que se aperfeiçoasse, em favor de parte interessada, o modo originário de aquisição de propriedade. Consignou que os recorrentes efetivamente preencheriam os requisitos constitucionais formais. Desse modo, não seria possível rejeitar, pela interpretação de normas hierarquicamente inferiores à Constituição, a pretensão deduzida com base em norma constitucional.
RE 422349/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 19.12.2014. (RE-422349)
Usucapião de imóvel urbano e norma municipal de parcelamento do solo - 2
O Min. Dias Toffoli ressaltou, ademais, que o imóvel estaria perfeitamente localizado dentro da área urbana do município. Além disso, o poder público cobraria sobre a propriedade os tributos competentes. Ademais, não se poderia descurar da circunstância de que a presente modalidade de aquisição da propriedade imobiliária fora incluída pela Constituição como forma de permitir o acesso dos mais humildes a melhores condições de moradia, bem como para fazer valer o respeito à dignidade da pessoa humana, elevado a um dos fundamentos da República (CF, art. 1º, III), fato que, inegavelmente, conduziria ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, além de garantir o bem-estar de seus habitantes (CF, art. 182, “caput”). Assim, a eventual irregularidade do loteamento em que localizado o imóvel objeto da usucapião ou a desconformidade de sua metragem com normas e posturas municipais que disciplinariam os módulos urbanos em sua respectiva área territorial não poderiam obstar a implementação de direito constitucionalmente assegurado a quem preenchesse os requisitos exigidos pela Constituição, especialmente por se tratar de modo originário de aquisição da propriedade. O relator afastou a necessidade de se declarar a inconstitucionalidade da norma municipal e, diante da relevância da questão do ponto de vista social e jurídico, propôs o reconhecimento da repercussão geral do tema, com a aprovação da seguinte tese: “preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado por norma municipal que estabeleça módulos urbanos na respectiva área nem pela existência de irregularidades no loteamento em que situado o imóvel”. Em seguida, pediu vista o Ministro Luiz Fux.
RE 422349/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 19.12.2014. (RE-422349)
REPERCUSSÃO GERAL
Inquéritos e ações penais em andamento e maus antecedentes - 4
Inquéritos policiais ou ações penais sem trânsito em julgado não podem ser considerados como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena. Esse o entendimento do Plenário que, em conclusão de julgamento e por maioria, desproveu recurso extraordinário — v. Informativo 749. O Colegiado explicou que a jurisprudência da Corte sobre o tema estaria em evolução, e a tendência atual seria no sentido de que a cláusula constitucional da não culpabilidade (CF, art. 5º, LVII) não poderia ser afastada. Haveria semelhante movimento por parte da doutrina, a concluir que, sob o império da nova ordem constitucional, somente poderiam ser valoradas como maus antecedentes as decisões condenatórias irrecorríveis. Assim, não poderiam ser considerados para esse fim quaisquer outras investigações ou processos criminais em andamento, mesmo em fase recursal. Esse ponto de vista estaria em consonância com a moderna jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Ademais, haveria recomendação por parte do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, no sentido de que o Poder Público deveria abster-se de prejulgar o acusado. Colacionou, também, o Enunciado 444 da Súmula do STJ (“É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”). O lançamento, no mundo jurídico, de enfoque ainda não definitivo e, portanto, sujeito a condição resolutiva, potencializaria a atuação da polícia judiciária, bem como a precariedade de certos pronunciamentos judiciais. Nesse sentido, uma vez admitido pelo sistema penal brasileiro o conhecimento do conteúdo da folha penal como fator a se ter em conta na fixação da pena, a presunção deveria militar em favor do acusado. O arcabouço normativo não poderia ser interpretado a ponto de gerar perplexidade.
RE 591054/SC, rel. Min. Marco Aurélio, 17.12.2014. (RE-591054)
Inquéritos e ações penais em andamento e maus antecedentes - 5
O Plenário asseverou que o transcurso do quinquênio previsto no art. 64, I, do CP não seria óbice ao acionamento do art. 59 do mesmo diploma. Por outro lado, conflitaria com a ordem jurídica considerar, para a majoração da pena-base, processos que tivessem resultado na aceitação de proposta de transação penal (Lei 9.099/1995, art. 76, § 6º); na concessão de remissão em procedimento judicial para apuração de ato infracional previsto no ECA, com aplicação de medida de caráter reeducacional; na extinção da punibilidade, entre outros, excetuados os resultantes em indulto individual, coletivo ou comutação de pena. Por fim, as condenações por fatos posteriores ao apurado, com trânsito em julgado, não seriam aptas a desabonar, na primeira fase da dosimetria, os antecedentes para efeito de exacerbação da pena-base. No ponto, a incidência penal só serviria para agravar a medida da pena quando ocorrida antes do cometimento do delito, independentemente de a decisão alusiva à prática haver transitado em julgado em momento prévio. Deveria ser considerado o quadro existente na data da prática delituosa. O Ministro Teori Zavascki, ao aditar seu voto, ressalvou que as ações penais que já contivessem sentença condenatória, ainda que não definitiva, não deveriam receber o mesmo tratamento dos inquéritos ou das ações penais pendentes de sentença para fins de maus antecedentes. Assim, processos em andamento não poderiam ser considerados como maus antecedentes, a não ser que se cuidasse de ação penal em que houvesse sentença condenatória proferida. Entretanto, no caso concreto, em nenhum dos processos envolvidos já existiria sentença, de modo que manteve a conclusão proferida anteriormente. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski (Presidente), Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que proviam o recurso.
RE 591054/SC, rel. Min. Marco Aurélio, 17.12.2014. (RE-591054)
EC 41/2003: pensão por óbito posterior à norma e direito à equiparação
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que discutido se a pensão por morte de ex-servidor, aposentado antes do advento da EC 41/2003, mas falecido após a sua promulgação, deve ou não corresponder à integralidade dos proventos de aposentadoria. No caso, o acórdão adversado reconhecera que os pensionistas de servidor aposentado — recorridos — teriam direito à pensão nos mesmos valores dos proventos do servidor falecido, se vivo fosse. O Ministro Ricardo Lewandowski (relator e Presidente), negou provimento ao recurso. Lembrou que a EC 41/2003 teria posto fim à denominada “paridade”, ou seja, à garantia constitucional que reajustava os proventos de aposentadoria e as pensões sempre que se corrigissem os vencimentos dos servidores da ativa. A regra estava prevista no art. 40, § 8º, da CF, incluído pela EC 20/1998. A nova redação dada pela EC 41/2003 preveria apenas “o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real”. Dessa forma, se o falecimento do servidor ocorrera após a vigência da EC 41/2003, não teriam os pensionistas direito à paridade. Isso porque, assim como a aposentadoria se rege pela legislação vigente à época em que o servidor implementara as condições para sua obtenção, a pensão igualmente regula-se pela lei vigente por ocasião do falecimento do segurado instituidor, em observância ao princípio “tempus regit actum”. Destacou que a EC 47/2001 trouxera uma exceção a essa regra, aplicável à espécie. Garantira a paridade às pensões derivadas de óbito de servidores aposentados pelo art. 3º da EC 47/2005, ou seja, preservara o direito à paridade para aqueles que tivessem ingressado no serviço público até 16.12.1998 e que preenchessem os requisitos nela consignados. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Roberto Barroso.
RE 603580/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 18.12.2014. (RE-603580)
PRIMEIRA TURMA
Quebra de sigilo bancário e unilateralidade em inquérito policial - 2
Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma resolveu questão de ordem, suscitada pelo Ministro Marco Aurélio (relator), e determinou o arquivamento de inquérito policial, bem assim julgou prejudicado agravo regimental em que discutida a legalidade de pedido de quebra de sigilo bancário para fins de investigação criminal. No caso, o “Parquet” requerera, além da quebra de sigilo, o encaminhamento direto dos dados colhidos ao Ministério Público, bem como a autorização para que o órgão atuasse diretamente junto às instituições bancárias, sem necessidade de intervenção judicial, com o intuito de obter documentos de suporte das transações financeiras realizadas no período — v. Informativo 764. Tratava-se de investigação instaurada para apurar o envolvimento de parlamentar com o desvio de verbas públicas, com a suposta participação de agentes públicos e empresários. O Colegiado registrou que a investigação estaria assentada nos elementos colhidos na denominada “Operação Solidária” (Inq 3.305/RS, DJe de 2.10.2014), os quais teriam sido declarados imprestáveis pelo STF para serem utilizados contra o investigado, tendo em conta violação das regras de prerrogativa de foro. Assim, se os dados seriam ilícitos, não poderiam servir de base para nenhuma persecução, independentemente dos fatos que se pretendesse apurar. Inq 3552 QO/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 16.12.2014. (Inq-3552)
Irregularidades em prestação de contas e configuração típica - 1
A 1ª Turma, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação penal para absolver os réus, com fulcro no art. 386, III, do CPP. No caso, eles foram denunciados pela suposta prática do crime do art. 3º da Lei 7.134/1983 [“Art. 1º - Todo crédito ou financiamento concedido por órgãos da administração pública, direta ou indireta, ou recurso proveniente de incentivo fiscal terá que ser aplicado exclusivamente no projeto para o qual foi liberado. Art. 2º - Os infratores ficam sujeitos às seguintes penalidades: I - não se beneficiarão de nenhum outro empréstimo de organismo oficial de crédito e nem poderão utilizar recursos de incentivos fiscais, por um período de 10 (dez) anos; II - terão que saldar todos os débitos, vencidos e vincendos, relativos ao crédito ou financiamento cuja aplicação foi desviada, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da constatação da irregularidade. Parágrafo único - As penalidades constantes deste artigo somente serão aplicadas mediante processo regular, assegurada ao acusado ampla defesa. Art. 3º - Além das sanções previstas no artigo anterior, os responsáveis pela infração dos dispositivos desta Lei ficam sujeitos às penas previstas no art. 171 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal Brasileiro.”], combinado com o art. 171, § 3º, do CP, em razão da existência de irregularidades em prestação de contas por parte de fundação de direito privado municipal, tendo em conta a disponibilização de recursos a essa entidade pelo governo federal. Um dos denunciados, deputado federal, era prefeito da municipalidade à época dos fatos. Preliminarmente, a Turma, por decisão majoritária, assentou a competência do STF para julgar a ação. No ponto, afirmou que, embora apenas um dos denunciados ostentasse foro por prerrogativa de função — o que, em regra, exigiria o desmembramento do feito em relação aos demais —, a depender das peculiaridades do caso, a Corte seria competente para enfrentar a demanda em relação aos corréus não detentores de prerrogativa de foro, inclusive, presentes a continência e a conexão. O Ministro Roberto Barroso apontou que não se deveria desmembrar o feito, no particular, tendo em conta o princípio da economia processual. Vencido, quanto à preliminar, o Ministro Marco Aurélio. Entendia que a competência, no tocante aos réus não detentores de prerrogativa de foro perante o STF, deveria ser declinada para o juízo de 1º grau.
AP 347/CE, rel. Min. Rosa Weber, 16.12.2014. (AP-347)
Irregularidades em prestação de contas e configuração típica - 2
No mérito, o Colegiado registrou que a denúncia não imputara aos acusados a apropriação privada dos recursos públicos disponibilizados, o que configuraria peculato ou apropriação indébita. A peça acusatória simplesmente reproduzira conclusões de relatório de diligência policial, por meio do qual foram identificadas irregularidades em prestação de contas apresentadas pela fundação quanto ao emprego da subvenção social recebida do então Ministério da Ação Social. Apesar das irregularidades, a denúncia não concluíra pela apropriação privada das verbas, mas apenas que não teriam sido aplicadas exclusivamente no projeto para o qual liberadas. Assim, de acordo com a tipificação realizada pelo acusador, o crime em questão configuraria espécie anômala de estelionato. Entretanto, essa equiparação seria problemática, considerada a diversidade das condutas em questão. Além disso, a “subvenção social” recebida no caso não se qualificaria como “crédito ou financiamento” ou “recurso proveniente de incentivo fiscal”. Desse modo, não haveria como enquadrar o fato na Lei 7.134/1983, sequer no art. 20 da Lei 7.492/1986 ou no art. 2º, IV, da Lei 8.137/1990, que revogaram parcialmente a Lei 7.134/1983. Não estaria configurado, de igual modo, o estelionato, que exige o locupletamento pessoal ou em favor de outrem. Todavia, o melhor enquadramento da conduta narrada na denúncia seria, talvez, o art. 315 do CP. Tratar-se-ia, entretanto, de crime próprio de funcionário público, e a acusação não demonstrara a eventual possibilidade de amoldar os dirigentes da entidade de assistência social no aludido dispositivo. De todo modo, ainda que fosse possível essa tipificação, o crime estaria prescrito. A Turma destacou que poderia, eventualmente, haver crimes de falsidade, uma vez que a prestação de contas feita pela fundação conteria documentos falsos. Entretanto, essas condutas não constituiriam objeto da imputação. Assim, o fato narrado seria atípico. Poderia haver configuração típica, mas seria preciso demonstrar que houvera apropriação indevida e privada dos recursos, por meio de rastreamento dos valores, ou mesmo o esclarecimento do projeto para o qual liberados recursos para a fundação. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que julgava o pedido procedente haja vista a configuração do crime de estelionato.
AP 347/CE, rel. Min. Rosa Weber, 16.12.2014. (AP-347)
SEGUNDA TURMA
CPM: circunstâncias judiciais e dosimetria da pena
A utilização das expressões “culpabilidade do agente” e “consequências do crime” — constantes do art. 59 do CP — não gera nulidade em dosimetria de pena imposta no âmbito de processo penal militar. Com base nesse entendimento, a 2ª Turma denegou a ordem em “habeas corpus” no qual se postulava a reforma de acórdão que mantivera condenação do paciente em razão da suposta prática do crime de roubo qualificado. A Turma destacou, inicialmente, que, apesar de o termo “culpabilidade” não constar entre os vetores descritos no art. 69 do CPM (“Para fixação da pena privativa de liberdade, o juiz aprecia a gravidade do crime praticado e a personalidade do réu, devendo ter em conta a intensidade do dolo ou grau da culpa, a maior ou menor extensão do dano ou perigo de dano, os meios empregados, o modo de execução, os motivos determinantes, as circunstâncias de tempo e lugar, os antecedentes do réu e sua atitude de insensibilidade, indiferença ou arrependimento após o crime”), isso não significaria que a utilização dessa nomenclatura pudesse gerar a nulidade da dosimetria. Seria assente na dogmática penal que a culpabilidade, como juízo que fundamentaria a reprimenda, corresponderia à censurabilidade pessoal da conduta. Sob esse aspecto, a redação originária do art. 42 do CP determinaria que o magistrado, ao individualizar a pena-base, considerasse a “intensidade do dolo”, como o faria o referido art. 69 do CPM. Contudo, com a reforma penal de 1984, a culpabilidade substituíra essa expressão, visto que graduável seria a censura, cujo índice, maior ou menor, incidiria na quantidade da pena. Do mesmo modo, a menção às “consequências do crime” não implicaria qualquer nulidade, já que essa expressão seria mero vetor da maior ou menor extensão do dano, também previsto no art. 69 do CPM. Ademais, quanto à alegada ocorrência de “reformatio in pejus” no acórdão impugnado, o que se daria em razão da imposição de agravantes não aplicadas anteriormente pela sentença condenatória, o Colegiado asseverou que o efeito devolutivo inerente ao recurso de apelação — ainda que exclusivo da defesa — permitiria que, observados os limites horizontais da matéria questionada, o tribunal a apreciasse em exaustivo nível de profundidade. Isso significaria que, mantida a essência da causa de pedir, e sem piorar a situação do recorrente, seria legítima a consideração de circunstâncias — no caso, agravantes — antes não consideradas para agravar a pena-base, mas mencionadas na sentença condenatória. Outrossim, não deveria incidir, no caso, a pleiteada atenuante de reparação do dano, isso porque somente parte do produto do crime fora recuperado e, ainda assim, em circunstâncias que não se admitiria a incidência da referida atenuante: ausência do requisito da espontaneidade exigido pela lei, a qual se distinguiria da mera voluntariedade, incapaz de gerar a atenuação da pena.
HC 109545/RJ, rel. Min. Teori Zavascki, 16.12.2014. (HC-109545)
Porte de drogas para consumo próprio e medida socioeducativa de internação - 1
É incabível a imposição da medida socioeducativa de internação ao adolescente que pratique ato infracional equiparado ao porte de drogas para consumo próprio, tipificado no art. 28 da Lei 11.343/2006. Com base nessa orientação, a 2ª Turma não conheceu de pedido formulado em “habeas corpus”, mas concedeu, de ofício, a ordem para invalidar a imposição da medida socioeducativa de internação aplicada ao ora paciente, sem prejuízo da aplicação de qualquer outra das medidas previstas no artigo 112 do ECA, contanto que não resultasse, em qualquer dessas outras hipóteses, privação, ainda que parcial, de sua liberdade de locomoção física. O Colegiado destacou, inicialmente, que a criança e o adolescente receberiam especial amparo, que lhes seria dispensado pela própria Constituição, cujo texto consagraria, como diretriz fundamental e vetor condicionante da atuação da família, da sociedade e do Estado, o princípio da proteção integral (CF, art. 227). Nesse contexto, as medidas socioeducativas orientar-se-iam, nos casos de atos infracionais cometidos por adolescente, no sentido de neutralizar a situação de perigo ou de risco em que esse se encontrasse, quando, por ação ou omissão, se colocasse em estado de conflito com o ordenamento positivo. Buscar-se-ia, sempre, não obstante o caráter excepcional daquelas medidas, a adoção de providências que, respeitado o estágio de desenvolvimento e a capacidade de compreensão do menor inimputável, viabilizassem sua reintegração ao convívio social e, notadamente, à vida familiar. O sistema de direito positivo, ao dispor sobre o menor adolescente em situação de conflito com a lei, objetivaria implementar programas e planos de atendimento socioeducativo mediante ações articuladas nas áreas de educação, saúde, assistência social, capacitação para o trabalho, cultura e esporte, isso no sentido de conferir efetividade e dar concreção aos fins a que se destinariam as medidas socioeducativas, cuja função estaria definida no art. 1º, § 2º, da Lei 12.594/2012. Outrossim, o alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se revestiria o direito à proteção da criança e do adolescente — ainda mais se considerado em face do dever que incumbiria, ao Poder Público, de torná-lo real, mediante concreta efetivação da garantia de assistência integral à criança e ao adolescente — não poderiam ser menosprezados pelo Estado, sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que teria, no aparelho estatal, um de seus precípuos destinatários.
HC 124682/SP, rel. Min. Celso de Mello, 16.12.2014. (HC-124682)
Porte de drogas para consumo próprio e medida socioeducativa de internação - 2
A Turma ressaltou, por outro lado, que o art. 28 da Lei 11.343/2006 — que pune a posse de drogas para consumo próprio — não autorizaria sequer a privação da liberdade do autor desse ilícito penal, ainda que cometido por pessoa plenamente imputável. O citado dispositivo da Lei de Drogas somente cominaria, para esse delito, penas meramente restritivas de direitos. Portanto, revelar-se-ia contrário ao sistema jurídico, por subverter o princípio da proteção integral do menor inimputável, impor ao adolescente — que eventualmente praticasse ato infracional consistente em possuir drogas para consumo próprio — a medida extraordinária de internação, pois, como verificado, nem mesmo a pessoa maior de 18 anos de idade, imputável, poderia sofrer a privação da liberdade por efeito de transgressão ao referido art. 28 da Lei 11.343/2006.
HC 124682/SP, rel. Min. Celso de Mello, 16.12.2014. (HC-124682)
PPE: terrorismo e dupla tipicidade
A 2ª Turma resolveu questão de ordem, suscitada pelo Ministro Celso de Mello (relator), para declarar extinto pedido de prisão preventiva para fins de extradição, em razão da omissão do Estado requerente em produzir a documentação que se lhe exigira com suporte no Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República do Peru. No caso, apesar de instado formalmente a produzir as informações complementares que lhe foram requisitadas, o referido Estado deixara de produzir, não obstante a obrigação imposta em sede convencional, elementos de informação necessários à descrição dos fatos imputados, do tempo e do local de sua suposta ocorrência, do órgão judiciário competente para o processo e julgamento, além da disciplina normativa, naquele ente político, da prescrição penal. A Turma asseverou que os elementos informativos faltantes constituiriam documentos de produção obrigatória, indispensáveis à regular formalização do pleito extradicional, ou do pedido de prisão cautelar, consoante resultaria da determinação constante do Estatuto do Estrangeiro (art. 80, “caput”, “in fine”) e, também, do referido Tratado de Extradição (Artigo 19, n. 1). Seria encargo processual cuja satisfação incumbiria ao Estado que postulasse a prisão cautelar, ou a extradição, sob pena de, em não o cumprindo, expor-se ao indeferimento liminar do pedido. Por outro lado, e a despeito do que consignado, não haveria, igualmente, a possibilidade de prosseguimento do feito, isso em decorrência da impossibilidade, no caso, de observância do princípio da dupla tipicidade, eis que, tratando-se do delito de terrorismo, inexistiria, quanto a ele, no sistema de direito positivo nacional, a pertinente definição típica. Mostrar-se-ia evidente a importância dessa constatação, porquanto a comunidade internacional ainda não teria sido capaz de chegar a uma conclusão acerca da definição jurídica do crime de terrorismo. Inclusive, seria relevante observar a elaboração, no âmbito da ONU, de ao menos 13 instrumentos internacionais sobre a matéria, sem que se chegasse, contudo, a um consenso geral sobre quais elementos essenciais deveriam compor a definição típica do crime de terrorismo ou, então, sobre quais requisitos deveriam considerar-se necessários à configuração dogmática da prática delituosa de atos terroristas. Tornar-se-ia importante assinalar, no entanto, no que se refere aos compromissos assumidos pelo País, que os novos parâmetros consagrados pela Constituição determinariam uma pauta de valores a serem protegidos na esfera doméstica mediante qualificação da prática do terrorismo como delito inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado (CF, art. 5º, XLIII). Essas diretrizes constitucionais — que evidenciariam a posição explícita do Estado brasileiro de frontal repúdio ao terrorismo — desautorizariam qualquer inferência que buscasse atribuir às práticas terroristas tratamento benigno de que resultasse o estabelecimento, em torno do terrorista, de inadmissível círculo de proteção, a torná-lo imune ao poder extradicional do Estado. PPE 730/DF, rel. Min. Celso de Mello, 16.12.2014. (PPE-730)
Busca e apreensão e autorização judicial - 3
Em conclusão de julgamento, a 2ª Turma concedeu a ordem em “habeas corpus” para determinar a imediata devolução de material apreendido em procedimento de busca e apreensão realizado no bojo de persecução penal — v. Informativo 771. Na espécie, em cumprimento a mandado de busca e apreensão que teria como alvo o endereço profissional do paciente, localizado no 28º andar de determinado edifício, teriam sido apreendidos equipamentos de informática no endereço de instituição financeira localizada no 3º andar do mesmo edifício, porém, sem que houvesse mandado judicial para esse endereço. O Colegiado, inicialmente, reconheceu a legitimidade do “habeas corpus” para aferir procedimentos de feição penal ou processual penal, inclusive para o reconhecimento de eventual ilicitude de provas obtidas em inquérito policial. Quanto ao mérito, destacou que a busca e apreensão de documentos e objetos realizados por autoridade pública no domicílio de alguém, sem autorização judicial fundamentada, revelar-se-ia ilegítima, e o material eventualmente apreendido configuraria prova ilicitamente obtida. Assim, não seria procedente o argumento de que o mandado de busca e apreensão não precisaria indicar endereço determinado. A legislação processual determinaria que os mandados judiciais de busca e apreensão — notadamente de busca e apreensão domiciliar — não poderiam revestir-se de conteúdo genérico, nem poderiam mostrar-se omissos quanto à indicação, o mais precisamente possível, do local objeto dessa medida extraordinária, em conformidade com o art. 243 do CPP.
HC 106566/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 16.12.2014. (HC-106566)
Medida cautelar de afastamento de cargo público e cabimento de “habeas corpus” - 3
Em conclusão de julgamento, a 2ª Turma, por maioria, concedeu a ordem em “habeas corpus” para desconstituir decisão proferida pelo STJ, na parte em que determinado o afastamento cautelar do ora paciente de suas funções de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Amapá e impostas outras medidas cautelares até a apreciação da denúncia oferecida em seu desfavor — v. Informativo 770. O Colegiado, primeiramente, rejeitou, por maioria, questão preliminar relativa à suposta inadequação da via eleita em razão de não haver, no caso, ameaça à liberdade de locomoção do paciente. Asseverou que se a eventual imposição de afastamento do cargo decorresse de decisão em processo penal ou investigação criminal, e houvesse dúvida quanto à justeza do tempo, seria cabível o “habeas corpus”, porquanto se trataria, na hipótese, de um tipo de restrição associada a processo criminal ou investigação criminal. Não se trataria, portanto, de usar o referido “writ” constitucional para outro objeto diferente daquilo que a Constituição preconizaria. Vencida, no ponto, a Ministra Cármen Lúcia, que entendia incabível o “writ”, dados os limites constitucionais do “habeas corpus” — proteção à liberdade de locomoção —, o que inviabilizaria o conhecimento de questões relativas ao referido afastamento e de eventual nulidade da medida cautelar imposta. No mérito, a Turma, ao reafirmar o quanto decidido no HC 90.617/PE (DJe de 7.3.2008), destacou que o afastamento do paciente do cargo perduraria por mais de quatro anos, tendo-se iniciado em 10.9.2010, interrompido este período por apenas 31 dias. A acusação fora formalizada em 13.4.2012, sem que sua admissão tivesse sido analisada. Apesar da complexidade da investigação e da posterior acusação que levara ao afastamento, este último já perduraria além do aceitável. Leia o inteiro teor do voto condutor na seção “Transcrições” deste Informativo.
HC 121089/AP, rel. Min. Gilmar Mendes, 16.12.2014. (HC-121089)