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Informativo do STF 771 de 12/12/2014

Publicado por Supremo Tribunal Federal


PLENÁRIO

Prescrição penal retroativa e constitucionalidade - 1

É constitucional o art. 110, § 1º, do CP (“§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”), na redação dada pela Lei 12.234/2010. Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, denegou “habeas corpus” em que se pleiteava o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva em favor do paciente, na modalidade retroativa, entre a data do fato e o recebimento da denúncia, diante da pena em concreto aplicada, por decisão transitada em julgado para a acusação. No caso, ele fora condenado à pena de um ano de reclusão, como incurso nas sanções do art. 240 do CPM (furto). Alegava-se que a citada inovação legislativa teria praticamente eliminado as possibilidades de se reconhecer a prescrição retroativa, e que o direito à prescrição seria qualificado, implicitamente, como um dos direitos fundamentais dos cidadãos pela Constituição. O Colegiado realizou retrospectiva histórica a respeito da prescrição retroativa na legislação pátria, a culminar na alteração promovida pela Lei 12.234/2010. O dispositivo do art. 110 do CP, antes do advento da mencionada lei, tratava da prescrição calculada pela pena concretamente fixada na sentença condenatória, desde que houvesse trânsito em julgado para a acusação ou desde que improvido seu recurso.

HC 122694/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 10.12.2014. (HC-122694)

Prescrição penal retroativa e constitucionalidade - 2

A Corte consignou que a diferença entre a prescrição retroativa e a intercorrente residiria no fato de esta ocorrer entre a publicação da sentença condenatória e o trânsito em julgado para a defesa; e aquela seria contada da publicação da decisão condenatória para trás. A prescrição seria novamente computada, pois, antes, tivera seu prazo calculado em função da maior pena possível e, depois, seria verificada de acordo com a pena aplicada na sentença. Por essa razão, se o julgador constatasse não ocorrida a prescrição com base na pena concreta entre a publicação da sentença condenatória e o acórdão, passaria imediatamente a conferir se o novo prazo prescricional, calculado de acordo com a pena concreta, teria ocorrido entre: a) a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa; b) o recebimento da denúncia ou queixa e a pronúncia; c) a pronúncia e sua confirmação por acórdão; d) a pronúncia ou o seu acórdão confirmatório e a sentença condenatória; e e) o recebimento da denúncia ou queixa e a publicação da sentença condenatória, no caso de crimes não dolosos contra a vida. Essa modalidade de prescrição seria denominada “retroativa” porque contada para trás, da condenação até a pronúncia ou recebimento da denúncia ou queixa, conforme a espécie de crime. Com a promulgação da nova lei, a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, seria regulada pela pena aplicada, e não poderia ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. Desse modo, fora vedada a prescrição retroativa incidente entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa. Nesse contexto, não se operaria a prescrição retroativa durante a fase do inquérito policial ou da investigação criminal, período em que ocorrida a apuração do fato, mas poderia incidir a prescrição da pretensão punitiva pela pena máxima em abstrato. Ademais, a norma não retroagiria, para não prejudicar autores de crimes cometidos antes de sua entrada em vigor.

HC 122694/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 10.12.2014. (HC-122694)

Prescrição penal retroativa e constitucionalidade - 3

O Tribunal mencionou a existência de corrente doutrinária defensora da inconstitucionalidade dessa alteração legislativa, por supostamente violar a proporcionalidade e os princípios da dignidade humana, da humanidade da pena, da culpabilidade, da individualização da pena, da isonomia e da razoável duração do processo. Outra corrente afirmaria a extinção da prescrição na modalidade retroativa pela Lei 12.234/2010. A Corte aduziu, entretanto, que essa inovação estaria inserta na liberdade de conformação do legislador, que teria legitimidade democrática para, ao restringir direitos, escolher os meios que reputasse adequados para a consecução de determinados objetivos, desde que não lhe fosse vedado pela Constituição e nem violasse a proporcionalidade, a fim de realizar uma tarefa de concordância prática justificada pela defesa de outros bens ou direitos constitucionalmente protegidos. O Plenário ponderou, ainda, que os fluxos do sistema de justiça criminal no Brasil seriam pouco eficientes, e que a taxa de esclarecimento de crimes seria demasiado baixa, a indicar a impossibilidade de se investigar, com eficiência, todos os crimes praticados. Isso demonstraria a vinculação da nova lei com a realidade. Nesse sentido, dada a impossibilidade financeira de o Estado atender, em sua plenitude, a todas as outras demandas sociais, seria irreal pretender que os órgãos da persecução devessem ser providos de toda a estrutura material e humana para investigar, com eficiência e celeridade, todo e qualquer crime praticado. A avassaladora massa de delitos a apurar seria uma das causas da impunidade, dada a demora ou impossibilidade no seu esclarecimento, na verificação da responsabilidade penal e na punição do culpado, assim reconhecido definitivamente. Dessa maneira, o legislador optara por não mais prestigiar um sistema de prescrição da pretensão punitiva retroativa que culminava por esvaziar a efetividade da tutela jurisdicional penal. Demais disso, essa modalidade de prescrição, calculada a partir da pena aplicada na sentença, constituiria peculiaridade da lei brasileira, que não encontraria similar no direito comparado. Nas legislações alienígenas, a prescrição da pretensão punitiva seria regulada pela pena máxima em abstrato, e nunca pela pena aplicada, a qual regularia apenas a prescrição da pretensão executória. Isso demonstraria que, embora a pena justa para o crime fosse a imposta na sentença, seria questão de política criminal, a cargo do legislador, estabelecer se a prescrição, enquanto não ocorrido o trânsito em julgado, deveria ser regulada pela pena abstrata ou concreta, bem como, nesta hipótese, definir a expansão dos efeitos “ex tunc”. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que concedia a ordem e assentava a inconstitucionalidade do art. 110, § 1º, do CP. Assinalava que não se poderia chancelar a possibilidade de o Ministério Público ou o titular de ação penal privada não ter prazo para atuar, ainda que houvesse dados suficientes para a propositura de ação penal, independentemente de investigação.

HC 122694/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 10.12.2014. (HC-122694)

Princípio da insignificância: reincidência e crime qualificado - 1

O Plenário iniciou julgamento conjunto de três “habeas corpus” impetrados contra julgados que mantiveram condenação dos pacientes por crime de furto e afastaram a aplicação do princípio da insignificância. No HC 123.108/MG, o paciente fora condenado à pena de um ano de reclusão e dez dias-multa pelo crime de furto simples de chinelo avaliado em R$ 16,00. Embora o bem tenha sido restituído à vítima, o tribunal local não substituíra a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em razão da reincidência. No HC 123.533/SP, a paciente fora condenada pela prática de furto qualificado de dois sabonetes líquidos íntimos avaliados em R$ 40,00. O tribunal de origem não aplicara o princípio da insignificância em razão do concurso de agentes e a condenara a um ano e dois meses de reclusão, em regime semiaberto e cinco dias-multa. Por fim, no HC 123.734/MG, o paciente fora sentenciado pelo furto de 15 bombons caseiros, avaliados em R$ 30,00. Condenado à pena de detenção em regime inicial aberto, a pena fora substituída por prestação de serviços à comunidade e, embora reconhecida a primariedade do réu e a ausência de prejuízo à vítima, o princípio da insignificância não fora aplicado porque o furto fora qualificado pela escalada e pelo rompimento de obstáculo. O Ministro Roberto Barroso (relator) concedeu a ordem em todos os “habeas corpus”, por entender cabível o princípio da insignificância e, por conseguinte, reconheceu a atipicidade material das condutas dos pacientes e anulou os efeitos penais dos processos em exame. Pontuou que, segundo estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional, 49% das pessoas estariam presas por crimes contra o patrimônio e, dentre esse número, 14% da população carcerária brasileira estaria presa por furto simples ou qualificado. Lembrou que a comissão que elaborara o anteprojeto do Código Penal — ainda em deliberação no Congresso Nacional — teria proposto significativa descarcerização do furto em geral, com previsão expressa do princípio da insignificância. Nos termos desse anteprojeto, também não haveria fato criminoso quando, cumulativamente, se verificassem as seguintes condições: “a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e c) inexpressividade da lesão jurídica provocada”.

HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123108) HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123533) HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123734)

Princípio da insignificância: reincidência e crime qualificado - 2

O relator frisou que os “habeas corpus” ora sob julgamento seriam emblemáticos: envolveriam furto de bens de valor inferior a R$ 50,00. Em dois deles, os pacientes teriam sido condenados à pena de prisão em regime semiaberto e estariam presos se a liminar não tivesse sido deferida. Não obstante, em matéria de descaminho, se a sonegação de impostos somasse R$ 20.000,00, não haveria incriminação porque a fazenda pública não executaria dívidas de valor inferior ao mencionado. Ademais, o entendimento do STF seria no sentido de não haver crime, em face do princípio da insignificância. O desconforto que a existência dessa dualidade causaria aos cidadãos, acrescido à realidade carcerária, não poderia passar despercebido à Corte. Asseverou que a ausência de critérios claros quanto ao princípio da insignificância geraria o risco de casuísmos, além de prejudicar a uniformização da jurisprudência e agravar a precária situação do sistema carcerário. Observou que precedentes do STF admitiriam o princípio da insignificância em caso de furto desde que o agente não fosse reincidente e que não tivesse sido hipótese de furto qualificado. Apontou que toda a teoria do princípio da insignificância deveria ser reconduzida aos princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade. Assim, o referido postulado incidiria quando, embora a conduta fosse formalmente típica, o desvalor da ação ou do resultado se mostrasse irrelevante. A circunstância de se tratar de réu reincidente ou presente alguma qualificadora não deveria, automaticamente, afastar a aplicação do princípio da insignificância. Seria necessária motivação específica à luz das circunstâncias do caso concreto, como o alto número de reincidências e a especial reprovabilidade decorrente de qualificadoras. De todo modo, a caracterização da reincidência múltipla, para fins de rejeição do princípio da insignificância, exigiria a ocorrência de trânsito em julgado de decisões condenatórias anteriores, que deveriam ser referentes a crimes da mesma espécie. Mesmo quando afastado o princípio da insignificância por força da reincidência ou da qualificação do furto, o encarceramento do agente, como regra, constituiria sanção desproporcional, inadequada, excessiva e geradora de malefícios superiores aos benefícios.

HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123108) HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123533) HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123734)

Princípio da insignificância: reincidência e crime qualificado - 3

O relator assinalou que, no caso do HC 123.108/MG, a reincidência do paciente — antes, ele furtara roupas em um varal e, agora, um chinelo — não deveria ser tratada como impedimento a que fosse aplicado o princípio da insignificância. Caso se entendesse que o furto de coisa de valor ínfimo pudesse ser punido em caso de reincidência do agente, seria necessário admitir que a insignificância passaria do domínio da tipicidade para o da culpabilidade. Não seria possível afirmar, à luz da Constituição, que uma mesma conduta fosse típica para uns e não fosse para outros — os reincidentes — sob pena de se ter configurado inaceitável direito penal do autor e não do fato. Ademais, para que a reincidência excluísse a incidência do princípio da insignificância, não bastaria mera existência de inquéritos ou processos em andamento, mas condenação transitada em julgado e por crimes da mesma espécie. Necessário, ainda, que a sanção guardasse proporcionalidade com a lesão causada. O encarceramento em massa de condenados por pequenos furtos teria efeitos desastrosos, não apenas para a integridade física e psíquica dessas pessoas, como também para o sistema penitenciário como um todo e, reflexamente, para a segurança pública. Propôs que eventual sanção privativa de liberdade aplicável ao furto de coisa de valor insignificante fosse fixada em regime inicial aberto domiciliar, afastando-se, para os reincidentes, a aplicação do art. 33, § 2º, do CP. Embora a prisão domiciliar somente fosse prevista na LEP em hipóteses restritas, a realidade do sistema prisional obrigaria juízes e tribunais de todo o País a recorrer a essa alternativa, a fim de que o condenado não se submetesse a regime mais gravoso do que aquele a que tivesse direito por falta de vagas. Ponderou que a pena privativa de liberdade em regime aberto domiciliar deveria ser, como regra, substituída por pena restritiva de direitos, a afastar as condicionantes previstas no art. 44, II, III e § 3º, do CP, que deveriam ser interpretadas à luz da Constituição, sob pena de violação ao princípio da proporcionalidade. Assentou que as sanções restritivas de direito teriam caráter ressocializador muito mais evidente em comparação com as penas privativas de liberdade, notadamente em casos alcançados pelo princípio da insignificância. Somente em caso de descumprimento da pena restritiva deveria haver a reconversão para sanção privativa de liberdade em regime aberto domiciliar. No HC 123.108/MG, à época dos fatos em questão, o paciente teria duas condenações transitadas em julgado por crime de furto simples e esse fato não afastaria a aplicação do princípio da insignificância, ante o desvalor do resultado, traduzido pelo ínfimo valor do bem subtraído. Em seguida, o julgamento foi suspenso.

HC 123108/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123108) HC 123533/SP, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123533) HC 123734/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 10.12.2014. (HC-123734)

ADI: vício de iniciativa e forma de provimento de cargo público

O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face da LC 259/2002 do Estado do Espírito Santo. A norma impugnada, de iniciativa parlamentar, autoriza o Poder Executivo a instituir o Sistema Estadual de Auditoria da Saúde - SEAS e institui normas para sua estrutura e funcionamento, o que, conforme alegado, ofenderia os artigos 37, II; 61, § 1º, II, a e c; 63, I e 84, III, todos da CF, porquanto seria de competência privativa do Poder Executivo a iniciativa de leis concernentes à criação de cargos e estruturação de órgãos da Administração direta e autárquica, além de ser vedada a criação de forma derivada de provimento de cargo público. O Colegiado afirmou que, além da inconstitucionalidade formal evidenciada, o art. 13 da mencionada lei também padeceria de vício material, porque, ao ter possibilitado o provimento derivado — de servidores investidos em cargos de outras carreiras — no cargo de auditor de saúde, teria violado o disposto no art. 37, II, da CF, que exige a prévia aprovação em concurso para a investidura em cargo público, ressalvadas as exceções previstas na Constituição. O STF teria, inclusive, entendimento consolidado sobre o tema, revelado no Enunciado 685 de sua Súmula (“É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”).

ADI 2940/ES, rel. Min. Marco Aurélio, 11.12.2014. (ADI-2940)

ADI: chefia da polícia civil e iniciativa legislativa

O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para dar interpretação conforme ao § 1º do art. 106 da Constituição do Estado de Santa Catarina, no sentido de que se mostra inconstitucional nomear, para a chefia da polícia civil, delegado que não integre a respectiva carreira, ou seja, que nela não tenha ingressado por meio de concurso público. A norma impugnada, na redação conferida pela EC estadual 18/1999 — esta última de iniciativa parlamentar —, dispõe que o chefe da polícia civil, nomeado pelo governador, será escolhido entre os delegados de polícia. Na sua redação originária — norma também impugnada — o dispositivo determinava que a escolha recaísse sobre delegados de final de carreira. O Colegiado asseverou que, no caso, estaria viabilizada a disciplina da matéria em comento mediante emenda constitucional, considerado o parâmetro da Constituição Federal, portanto, a simetria. Não procederia, assim, a alegação de vício formal decorrente do vício de iniciativa privativa do Poder Executivo. No tocante ao vício material, ressaltou que, consoante disposto no art. 144, § 4º, da CF (“Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”), as polícias civis seriam dirigidas por delegados de carreira. Não caberia, portanto, a inobservância da citada qualificação, nem a exigência de que se encontrassem no último nível da organização policial.

ADI 3038/SC, rel. Min. Marco Aurélio, 11.12.2014. (ADI-3038)

ADI: norma administrativa e vício de iniciativa

O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 10.877/2001, do Estado de São Paulo, de iniciativa parlamentar [“Fica a Secretaria da Segurança Pública obrigada a enviar por correio, com 30 (trinta) dias de antecedência, aviso de vencimento da validade da Carteira Nacional de Habilitação, aos portadores cadastrados nos terminais da Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo – PRODESP”]. A Corte entendeu que, por ser tipicamente administrativa, a matéria deveria ser regulada pelo Poder Executivo e não pelo Poder Legislativo. Salientou que a norma criara ônus administrativo e financeiro ao obrigar a Secretaria de Segurança a destacar pessoal, equipamentos, tempo e energia para advertir o cidadão de que o prazo de validade da sua carteira estaria a expirar. Vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator) e Luiz Fux, que julgavam improcedente o pedido. Pontuavam não haver inconstitucionalidade na lei em questão, que apenas buscaria valorizar a relação entre Estado e cidadão.

ADI 3169/SP, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 11.12.2014. (ADI-3169)

ADPF: fungibilidade e erro grosseiro

O Plenário desproveu agravo regimental em arguição de descumprimento de preceito fundamental, na qual se discutia a inconstitucionalidade por omissão relativa à Lei 12.865/2013. O Tribunal, de início, reconheceu a possibilidade de conversão da arguição de descumprimento de preceito fundamental em ação direta quando imprópria a primeira, e vice-versa, se satisfeitos os requisitos para a formalização do instrumento substituto. Afirmou que dúvida razoável sobre o caráter autônomo de atos infralegais impugnados, como decretos, resoluções e portarias, e alteração superveniente da norma constitucional dita violada legitimariam a Corte a adotar a fungibilidade em uma direção ou em outra, a depender do quadro normativo envolvido. Ressaltou, porém, que essa excepcionalidade não estaria presente na espécie. O recorrente incorrera naquilo que a doutrina processual denominaria de erro grosseiro ao escolher o instrumento formalizado, ante a falta de elementos, considerados os preceitos legais impugnados, que pudessem viabilizar a arguição. No caso, ainda que a arguição de descumprimento de preceito fundamental tivesse sido objeto de dissenso no STF quanto à extensão da cláusula da subsidiariedade, nunca houvera dúvida no tocante à inadequação da medida quando o ato pudesse ser atacado mediante ação direta de inconstitucionalidade. Por se tratar de impugnação de lei ordinária federal pós-constitucional, propor a arguição em vez de ação direta, longe de envolver dúvida objetiva, encerraria incontestável erro grosseiro, por configurar atuação contrária ao disposto no § 1º do art. 4º da Lei 9.882/1999. Os Ministros Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia negaram provimento ao agravo por outro fundamento. Consideraram que o requerente, Sindicato Nacional das Empresas de Medicina de Grupo, por não ser uma confederação sindical, não preencheria o requisito da legitimação ativa “ad causam”.

ADPF 314 AgR/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11.12.2014. (ADPF-314)

Liminar em ação cautelar: recurso extraordinário não admitido e desapropriação - 4

Em conclusão de julgamento, o Plenário, ao resolver questão de ordem suscitada pela Ministra Cármen Lúcia, declarou a extinção de ação cautelar por perda de objeto e julgou prejudicado agravo regimental interposto de decisão que deferira pedido de medida liminar na referida ação cautelar para suspender os efeitos de acórdãos de tribunal de justiça local, bem assim a imissão do ora agravante na posse de imóvel rural. O Estado-membro agravante alegava que o tema central seria a ocorrência de preclusão, matéria processual infraconstitucional, não passível de análise no âmbito de recurso extraordinário. Na espécie, encontrava-se pendente de exame, no STF, agravo de instrumento interposto de decisão que negara seguimento a recurso extraordinário dos proprietários do imóvel, ora agravados — v. Informativos 645 e 656. O Colegiado registrou que o recurso extraordinário tivera, por fim, seguimento negado, com base nos Enunciados 279, 282, 284 e 356 da Súmula do STF, além de suscitar ofensa indireta à Constituição. Assim, tendo em vista o prejuízo do recurso extraordinário, a ação cautelar perdera seu objeto.

AC 2910 AgR-MC/RS, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Rosa Weber, 11.12.2014. (AC-2910)

Conflito federativo e imóvel afetado ao MPDFT - 3

Em conclusão de julgamento, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação cível originária na qual discutida a ocupação, pela Associação dos Magistrados de Roraima, de imóvel pertencente à União. No caso, este ente federativo ajuizara ação de reintegração de posse contra o Estado de Roraima e requerera a inclusão da aludida associação na lide, na condição de litisconsorte passivo — v. Informativo 634. O Colegiado esclareceu que a União cedera o imóvel ao Ministério da Justiça que, por sua vez, o cedera para uso do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios - MPDFT, quando Roraima ainda era Território. Asseverou que seria inconteste a entrega do imóvel para esse fim e que, com a criação do novo Estado-membro, este deixara de integrar o MPDFT. Assim, fora implementada a condição aposta em termo de entrega, segundo a qual haveria reversão do imóvel em favor do Serviço do Patrimônio Público da União, caso não fosse utilizado na finalidade prevista. A propriedade do imóvel sempre fora da União, e ato normativo editado pela recém criada unidade federativa (LC estadual 2/1993, art. 256, III, c) — no sentido de que todos os imóveis por ela ocupados passariam ao seu domínio — não poderia dispor sobre propriedade pertencente à União. Tendo isso em conta, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade da alínea c do inciso III do art. 256 da LC estadual 2/1993 e determinou a reintegração da União na posse do imóvel, o qual poderia ser desocupado, voluntariamente, no prazo de 90 dias, a contar do trânsito em julgado.

ACO 685/RR, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 11.12.2014. (ACO-685)

Lei municipal e vício de iniciativa

Por vício de iniciativa, o Plenário deu provimento a recurso extraordinário para declarar, de forma incidental, a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 10.905/1990, do Município de São Paulo, que autoriza oficial de justiça a estacionar seu veículo de trabalho em vias públicas secundárias e em zonas azuis, sem pagamento das tarifas próprias. Na espécie, a norma questionada decorrera de iniciativa de vereador e, mesmo vetada pelo chefe do Poder Executivo local, fora aprovada pelo Poder Legislativo municipal. Dessa forma, ao aprovar a Lei 10.905/1990, a Câmara Municipal de São Paulo, por seus vereadores, teria criado regras para a prática de atos típicos da Administração pública municipal. Ademais, ao eximir os oficiais de justiça do pagamento da denominada “zona azul”, a lei acarretara redução de receita legalmente estimada, cuja atribuição seria do Poder Executivo, a evidenciar afronta aos princípio da harmonia e independência dos Poderes (“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário).

RE 239458/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.12.2014. (RE-239458)

Art. 132 da CF e criação de cargos comissionados

O Plenário referendou medida liminar concedida monocraticamente com o fim de suspender os efeitos da alínea a do inciso I do art. 3º; dos artigos 16 e 19; e do Anexo IV, todos da Lei 8.186/2007, do Estado da Paraíba. Os dispositivos criam cargos em comissão, no âmbito do Estado-membro, de “Consultor Jurídico do Governo”; “Coordenador da Assessoria Jurídica”; e “Assistente Jurídico”. O Colegiado reputou violado o art. 132 da CF, que confere aos Procuradores de Estado a representação exclusiva do Estado-membro em matéria de atuação judicial e de assessoramento jurídico, sempre mediante investidura fundada em prévia aprovação em concurso público. O aludido dispositivo constitucional teria por escopo conferir às procuradorias não apenas a representação judicial, como também o exame da legalidade interna dos atos estaduais, a consultoria e a assistência jurídica. O órgão deveria possuir ocupantes detentores das garantias constitucionais conducentes à independência funcional, para o bom exercício de seu mister, em ordem a que os atos não fossem praticados somente de acordo com a vontade do administrador, mas também conforme a lei. Assim, essa função não poderia ser exercida por servidores não efetivos, como no caso. Por fim, julgou prejudicados embargos declaratórios opostos pelo Governador.

ADI 4843 MC-Referendo/PB, rel. Min. Celso de Mello, 11.12.2014. (ADI-4843)

REPERCUSSÃO GERAL

Vedação ao nepotismo e iniciativa legislativa - 1

Leis que tratam dos casos de vedação a nepotismo não são de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo. Esse o entendimento do Plenário, que, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário para reconhecer a constitucionalidade da Lei 2.040/1990, do Município de Garibaldi/RS, que proíbe a contratação, por parte do Executivo, de parentes de 1º e 2º graus do prefeito e vice-prefeito, para qualquer cargo do quadro de servidores, ou função pública. Discutia-se eventual ocorrência de vício de iniciativa. Na espécie, o acórdão recorrido, proferido em sede de ação direta de inconstitucionalidade, declarara a inconstitucionalidade formal do referido diploma normativo sob o fundamento de que, por se tratar de matéria respeitante ao regime jurídico dos servidores municipais, a iniciativa do processo legislativo competiria ao Chefe do Poder Executivo. O Colegiado, de início, rejeitou preliminares suscitadas acerca das supostas intempestividade do recurso e ilegitimidade do Procurador-Geral do Estado para a interposição de recurso extraordinário contra acórdão proferido em ação direta de inconstitucionalidade estadual. No tocante à legitimidade do Procurador-Geral do Estado para o recurso, a Corte destacou o que disposto no § 4º do art. 95 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul (“Quando o Tribunal de Justiça apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou de ato normativo, citará previamente o Procurador-Geral do Estado, que defenderá o ato ou texto impugnado”), que repetiria, por simetria, o disposto no § 3º do art. 103 da CF (“Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado”). Pela teoria dos poderes implícitos, se a Constituição atribuísse competência a determinada instituição jurídica, a ela também deveria ser reconhecida a possibilidade de se utilizar dos instrumentos jurídicos adequados e necessários para o regular exercício da competência atribuída. No caso, a Constituição Estadual conferira ao Procurador-Geral do Estado — em simetria com o Advogado-Geral da União — o papel de defesa da norma estadual ou municipal atacada via ação direta, o que o tornaria, portanto, legitimado para a interposição de recurso extraordinário contra acórdão que tivesse declarado a inconstitucionalidade da norma defendida, sob pena de se negar a efetiva defesa desta última.

RE 570392/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.12.2014. (RE-570392)

Vedação ao nepotismo e iniciativa legislativa - 2

No mérito, o Colegiado reafirmou o quanto decidido na ADI 1.521/RS (DJe de 13.8.2013), no sentido de que a vedação a que cônjuges ou companheiros e parentes consanguíneos, afins ou por adoção, até o segundo grau, de titulares de cargo público ocupassem cargos em comissão visaria a assegurar, sobretudo, o cumprimento ao princípio constitucional da isonomia, bem assim fazer valer os princípios da impessoalidade e moralidade na Administração Pública. Ademais, seria importante destacar a decisão proferida no RE 579.951 (DJe de 24.10.2008) — principal paradigma do Enunciado 13 da Súmula Vinculante do STF —, a afirmar que a vedação do nepotismo não exigiria a edição de lei formal para coibi-lo, proibição que decorreria diretamente dos princípios contidos no art. 37, “caput”, da CF. Portanto, se os princípios do citado dispositivo constitucional sequer precisariam de lei para que fossem obrigatoriamente observados, não haveria vício de iniciativa legislativa em norma editada com o objetivo de dar evidência à força normativa daqueles princípios e estabelecer casos nos quais, inquestionavelmente, se configurassem comportamentos administrativamente imorais ou não-isonômicos. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que negava provimento ao recurso. Reconhecia a existência de reserva de iniciativa, haja vista que a lei municipal em comento teria disposto sobre relação jurídica mantida pelo Executivo com o prestador de serviços desse mesmo Poder.

RE 570392/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.12.2014. (RE-570392)

GDATFA: gratificações de desempenho e retroação de efeitos financeiros - 1

O termo inicial do pagamento diferenciado das gratificações de desempenho entre servidores ativos e inativos é o da data da homologação do resultado das avaliações, após a conclusão do primeiro ciclo de avaliações, não podendo a Administração retroagir os efeitos financeiros a data anterior. Com base nessa orientação, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário no qual se discutia, à luz do art. 40, § 8º, da CF, a obrigatoriedade de extensão, aos servidores inativos e pensionistas, do pagamento da Gratificação de Desempenho de Atividade Técnica de Fiscalização Agropecuária - GDATFA, instituída pela Lei 10.484/2002, no mesmo percentual pago àqueles em atividade. O Tribunal, inicialmente, destacou que a questão em debate seria análoga àquela decidida no julgamento do RE 476.279/DF (DJe de 15.6.2007) e do RE 476.390/DF (DJe de 29.6.2007), nos quais fora apreciada a extensão de outra gratificação — Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa – GDATA — aos inativos, e cujo entendimento estaria sedimentado no Enunciado 20 da Súmula Vinculante [“A Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-administrativa - GDATA, instituída pela Lei nº 10.404/2002, deve ser deferida aos inativos nos valores correspondentes a 37,5 (trinta e sete vírgula cinco) pontos no período de fevereiro a maio de 2002 e, nos termos do artigo 5º, parágrafo único, da Lei nº 10.404/2002, no período de junho de 2002 até a conclusão dos efeitos do último ciclo de avaliação a que se refere o artigo 1º da Medida Provisória nº 198/2004, a partir da qual passa a ser de 60 (sessenta) pontos”]. A GDATFA e a GDATA seriam gratificações com as mesmas natureza e características. Originalmente, ambas teriam sido concedidas a todos os servidores de forma geral e irrestrita, apesar de criadas com o propósito de serem pagas de modo diferenciado, segundo a produção ou o desempenho profissional, individual ou institucional. A redação originária do art. 2º da Lei 10.404/2002 teria previsto que o pagamento da GDATA poderia variar entre 10 e 100 pontos, sendo que a pontuação mínima fora posteriormente ampliada para 30 pontos pela Lei 12.702/2012. Já a GDATFA teria limites similares: o art. 2º da Lei 10.484/2002 traria a variação de 10 a 100 pontos, posteriormente modificada para 30 a 100 pontos pela Lei 11.907/2009. Ambas, portanto, tratariam de forma diferenciada os servidores públicos, a variar de acordo com a atuação individual e o desempenho coletivo da instituição.

RE 662406/AL, rel. Min. Teori Zavascki, 11.12.2014. (RE-662406)

GDATFA: gratificações de desempenho e retroação de efeitos financeiros - 2

A Corte ressaltou, entretanto, que, ao contrário da GDATA, em relação à GDATFA a Administração teria iniciado e efetivado as avaliações que justificariam o uso do critério diferenciador no pagamento — desempenho individual do servidor e institucional do órgão de lotação —, circunstância imprescindível para legitimar a ausência de paridade entre os servidores ativos e os servidores inativos e pensionistas. Portanto, no caso, a meritocracia pretendida com a criação das gratificações de desempenho teria sido efetivada, o que permitiria a distinção no seu pagamento entre os servidores na ativa — de acordo com a produtividade e o desempenho profissional de cada um —, e entre estes e os aposentados e pensionistas. Outrossim, o Enunciado 20 da Súmula Vinculante tratara de gratificação específica — GDATA — que, em razão da inexistência de critérios de avaliação justificadores do tratamento diferenciado dos servidores ativos e inativos, acabara sendo devida de modo equivalente para ativos e inativos. Todavia, com relação à GDATFA, apesar de criada com características semelhantes, teria sido implementado, durante sua vigência, o requisito necessário à legitimação do pagamento diferenciado. Contudo, mesmo assim, teria ficado pendente o debate sobre o termo final do direito à paridade. O STF, quando do julgamento do RE 631.389/CE (DJe 3.6.2014) — o qual tratara da Gratificação de Desempenho do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo - GDPGPE —, assentara que o marco temporal para o início do pagamento diferenciado das gratificações de desempenho para ativos e inativos seria o dia de conclusão da avaliação do primeiro ciclo, que corresponderia à data igual ou posterior ao final do ciclo, não podendo retroagir ao seu início. Na situação dos autos, o primeiro ciclo de avaliação de desempenho dos servidores públicos que receberiam a GDATFA se iniciara em 25.10.2010, data da publicação da Portaria MAPA 1.031/2010, que retroagira a essa data o início dos efeitos financeiros. Essa retroação, portanto, teria contrariado a jurisprudência do STF. Na prática, deveria ser observado o dia 23.12.2010, data da conclusão do ciclo e da homologação dos resultados das avaliações. Seria, portanto, ilegítima a mencionada Portaria MAPA no ponto em que fizera retroagir os efeitos financeiros da GDATFA ao início do ciclo avaliativo.

RE 662406/AL, rel. Min. Teori Zavascki, 11.12.2014. (RE-662406)

PRIMEIRA TURMA

AP: licitação e concessão de uso de bem público

A 1ª Turma, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação penal e absolveu por atipicidade da conduta (CPP, art. 386, III, do CPP) réu indiciado pela prática do crime de dispensa irregular de licitação (Lei 8.666/1993, art. 89, “caput”). No caso, o acusado, então prefeito, ao firmar termo de concessão de uso de bem público, teria dispensado empresário individual de licitação, a quem teria sido outorgado o direito de utilização, a título gratuito, precário e por prazo indeterminado, de imóvel pertencente ao município. A Turma afirmou que, de acordo com o art. 4º da Portaria 266/2008 do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, editada com base no art. 3º da Lei 6.567/1978, o requerimento para registro de licença para exploração mineral deveria conter licença específica expedida pela autoridade administrativa do município em que situada a área a ser explorada, além do assentimento da pessoa jurídica de direito público quando a ela pertencesse a área. Concluiu que o réu não dispensara licitação fora das hipóteses legais, uma vez que, na espécie, o certame não seria exigido. Salientou que a expressão “termo de concessão de uso de bem público”, contida em instrumento outorgado ao empresário individual, a despeito de sua impropriedade técnica — pois não se cuidaria de concessão de direito real de uso de bem público —, teria a única finalidade de demonstrar a anuência da prefeitura quanto à exploração da área a ela pertencente. Consignou que não seria exigível nenhuma modalidade de licitação para expressar esse assentimento, uma vez que ele teria sido concedido para regularizar a situação de várias famílias que estariam em risco iminente, ao explorar pedreira em outra área. Ressaltou que o empresário individual teria sido constituído para vincular todas essa pessoas. Ademais, não se teria observado o dolo. Vencido o Ministro Marco Aurélio (relator), que julgava procedente o pedido, por considerar configurado o referido crime. Fixava a pena em quatro anos, a ser cumprido em regime inicial fechado, e 100 dias-multa. Consignava que, embora a pena restritiva da liberdade não suplantasse os quatro anos, as circunstâncias da prática criminosa direcionariam à manutenção e, portanto, à ausência de substituição pela restritiva de direitos.

AP 523/RS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 9.12.2014. (AP-523)

SEGUNDA TURMA

Busca e apreensão e autorização judicial - 1

A 2ª Turma iniciou julgamento de “habeas corpus” em que se alega a nulidade de provas obtidas a partir de mandado judicial inespecífico. No caso, ao cumprir mandado de busca e apreensão que teria como alvo o endereço profissional do paciente, localizado no 28º andar de edifício, foram apreendidos dois equipamentos de informática no endereço de instituição financeira localizada no 3º andar do mesmo edifício, sem que houvesse mandado judicial para esse endereço. O Ministro Gilmar Mendes (relator) concedeu a ordem para determinar a imediata devolução do material apreendido à referida instituição financeira. De início, reconheceu a legitimidade do “habeas corpus” para aferir procedimentos de feição penal ou processual penal. Afirmou que a “casa” seria protegida contra o ingresso não consentido, sem autorização judicial, na forma do art. 5º, XI, da CF (“a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”).

HC 106566/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 9.12.2014. (HC-106566)

Busca e apreensão e autorização judicial - 2

O relator ressaltou que, embora a Constituição empregasse o termo “casa” à proteção contra a busca domiciliar não autorizada, essa proteção iria além do ambiente doméstico. O art. 150, §4º, do CP, ao definir “casa” para fins do crime de violação de domicílio, traria conceito abrangente do termo (“A expressão ‘casa’ compreende: I - qualquer compartimento habitado; II - aposento ocupado de habitação coletiva; III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”). Assim, o conceito de “casa” estender-se-ia aos escritórios profissionais. Reputou que a busca e apreensão de documentos e objetos realizados por autoridade pública no domicílio de alguém, sem autorização judicial fundamentada, revelar-se-ia ilegítima, e o material eventualmente apreendido configuraria prova ilicitamente obtida. Assim, refutou o argumento de que o mandado de busca e apreensão não precisaria indicar endereço determinado. Enfatizou que a legislação processual determinaria que o mandado contivesse, precisamente, o local da diligência (CPP, art. 243). A indicação, no caso concreto, não deixara margem para dúvidas e não teria ocorrido equívoco na localização do endereço da busca. O local não seria de difícil identificação, como comumente ocorreria no meio rural. Concluiu que, desde o início, os policiais teriam identificado o 28º andar como alvo da diligência. Em seguida, pediu vista a Ministra Cármen Lúcia.

HC 106566/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 9.12.2014. (HC-106566)

Renitente esbulho e terra tradicionalmente ocupada por índios

O renitente esbulho se caracteriza pelo efetivo conflito possessório, iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição de 1988, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada. Com base nessa orientação e por reputar não configurado o referido esbulho, a 2ª Turma proveu recurso extraordinário para desconsiderar a natureza indígena de área não ocupada por índios em 5.10.1988, onde localizada determinada fazenda. No caso, o acórdão recorrido teria reconhecido que a última ocupação indígena na área objeto da presente demanda deixara de existir desde o ano de 1953, data em que os últimos índios teriam sido expulsos da região. Entretanto, reputara que, ainda que os índios tivessem perdido a posse por longos anos, teriam indiscutível direito de postular sua restituição, desde que ela decorresse de tradicional, antiga e imemorial ocupação. A Turma afirmou que esse entendimento, todavia, não se mostraria compatível com a pacífica jurisprudência do STF, segundo a qual o conceito de “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” não abrangeria aquelas que fossem ocupadas pelos nativos no passado, mas apenas aquelas ocupadas em 5.10.1988. Nesse sentido seria o Enunciado 650 da Súmula do STF (“Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto”). Salientou que o renitente esbulho não poderia ser confundido com ocupação passada ou com desocupação forçada, ocorrida no passado. Também não poderia servir como comprovação de esbulho renitente a sustentação desenvolvida no acórdão recorrido de que os índios teriam pleiteado junto a órgãos públicos, desde o começo do século XX, a demarcação das terras de determinada região, nas quais se incluiria a referida fazenda. Sublinhou que manifestações esparsas poderiam representar anseio de uma futura demarcação ou de ocupação da área, mas não a existência de uma efetiva situação de esbulho possessório atual.

ARE 803462 AgR/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 9.12.2014. (ARE-803462)