Informativo do STF 770 de 05/12/2014
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Verba indenizatória e publicidade - 1
O Plenário iniciou julgamento de mandado de segurança impetrado contra ato do Senado Federal, que indeferira pedido de acesso aos comprovantes apresentados pelos senadores para recebimento de verba indenizatória, no período de setembro a dezembro de 2008. O Ministro Roberto Barroso (relator) concedeu a ordem para que o Senado forneça à impetrante cópia reprográfica dos documentos comprobatórios do uso da verba indenizatória solicitados, no que foi acompanhado pelos Ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Marco Aurélio. De início, reconheceu a legitimidade ativa da impetrante, por considerar que os veículos de imprensa teriam direito líquido e certo à obtenção desses elementos, com base no princípio da publicidade (CF, art. 37, “caput”) e em outras disposições constitucionais correlatas, notadamente a liberdade de informação jornalística (CF, art. 220, § 1º). Ressaltou que as referidas verbas destinar-se-iam a indenizar despesas diretas e exclusivamente relacionadas ao exercício da função parlamentar. Sua natureza pública estaria presente tanto na fonte pagadora — o Senado Federal — quanto na finalidade, vinculada ao exercício da representação popular. Nesse contexto, a regra geral seria a publicidade e decorreria de um conjunto de normas constitucionais, como o direito de acesso à informação por parte dos órgãos públicos (CF, art. 5º, XXXIII) — especialmente no tocante à documentação governamental (CF, art. 216, § 2º) —, o princípio da publicidade (CF, art. 37, “caput” e § 3º, II) e o princípio republicano (CF, art. 1º), do qual se originariam os deveres de transparência e prestação de contas, bem como a possibilidade de responsabilização ampla por eventuais irregularidades. Recordou que o art. 1º, parágrafo único, da CF enuncia que “todo o poder emana do povo”. Assim, os órgãos estatais teriam o dever de esclarecer ao seu mandante, titular do poder político, como seriam usadas as verbas arrecadadas da sociedade para o exercício de suas atividades. Observou que a Constituição ressalvaria a regra da publicidade apenas em relação às informações cujo sigilo fosse imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (CF, art. 5º, XXXIII, parte final) e às que fossem protegidas pela inviolabilidade conferida à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (CF, art. 5º, X, c/c art. 37, § 3º, II). Por se tratar de situações excepcionais, o ônus argumentativo de demonstrar a caracterização de uma dessas circunstâncias incumbiria a quem pretendesse afastar a regra geral da publicidade.
MS 28178/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 3.12.2014. (MS-28178)
Verba indenizatória e publicidade - 2
O relator consignou que a autoridade impetrada teria justificado sua recusa nas duas exceções acima citadas. Refutou a assertiva de que a concessão da ordem poderia gerar um perigoso precedente, uma vez que permitiria igualmente o acesso a informações sobre verbas indenizatórias pagas no âmbito de outros órgãos estratégicos, como a ABIN, o Centro de Inteligência do Exército e da Marinha, a Comissão Nacional de Energia Nuclear do Ministério da Ciência e da Tecnologia, a Presidência da República e mesmo os tribunais superiores. Sublinhou que o caráter estratégico das atividades desenvolvidas por determinado órgão não tornaria automaticamente secretas todas as informações a ele referentes. No caso do Senado Federal, as atividades ordinárias de seus membros estariam muito longe de exigir um caráter predominantemente sigiloso. Em se tratando de órgão de representação popular por excelência, presumir-se-ia justamente o contrário. Nesse domínio, eventual necessidade de sigilo não poderia ser invocada de forma genérica, devendo ser concretamente justificada. Quanto à segunda exceção que justificaria a restrição à publicidade — informações relacionadas à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas —, entendeu não ser pertinente que se invocasse a intimidade, de forma genérica, para restringir a transparência acerca do emprego de verbas públicas exclusivamente relacionadas ao exercício da função parlamentar. Salientou que a hipótese nada teria a ver com uma devassa genérica na vida privada dos agentes políticos. Não se cuidaria da divulgação, pelo Poder Público, da forma como os senadores gastariam o subsídio recebido a título de remuneração ou mesmo sobre o emprego de outras rendas privadas auferidas a título diverso. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Ricardo Lewandowski (Presidente).
MS 28178/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 3.12.2014. (MS-28178)
REPERCUSSÃO GERAL
RE com repercussão geral reconhecida e ausência de preliminar formal
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade do art. 10 da Lei 10.666/2003 e do art. 202-A do Decreto 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto 6.957/2009. Os dispositivos questionados preveem a possibilidade de redução da alíquota referente ao Seguro de Acidente do Trabalho - SAT e dos Riscos Ambientais do Trabalho - RAT para empresas com menores índices de acidente de trabalho e permitem, por outro lado, a majoração para aquelas que não investirem na segurança do trabalhador. As mencionadas alíquotas seriam aferidas pelo desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, com a aplicação do Fator Acidentário de Prevenção - FAP, que leva em consideração os índices de frequência, gravidade e custos dos acidentes de trabalho. Entende o recorrente que os dispositivos impugnados permitiriam a instituição de alíquota baseada em metodologia aprovada somente pelo Conselho Nacional de Previdência Social por meio de resolução, o que feriria o princípio da legalidade, além de afrontar os princípios da anterioridade e da reserva de lei complementar. O Ministro Marco Aurélio suscitou questão de ordem no sentido de não conhecer do recurso, por ausência de preliminar sobre a existência de repercussão geral do tema, no que foi acompanhado pelos Ministros Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Constatara que as razões recursais teriam sido silentes quanto a esse requisito, que sequer fora abordado. Ponderou que, embora o Plenário tivesse assentado a repercussão geral, esse defeito formal implicaria o não conhecimento do recurso extraordinário. Os Ministros Luiz Fux (relator), Ricardo Lewandowski (Presidente), Roberto Barroso e Gilmar Mendes, em divergência, conheceram do recurso. Para o relator, as modernas legislações seriam no sentido de que, se o mérito do recurso contribuísse para a evolução do Direito, qualquer defeito formal deveria ser afastado para que esse processo tivesse um cunho objetivo e que se pudesse julgar a tese. Assim, a despeito da ausência do capítulo específico da repercussão geral, teria sido possível extrair o tema em debate. Ademais, a matéria fora chancelada pelo Plenário virtual. Em seguida, o relator indicou adiamento.
RE 684261/PR, rel. Min. Luiz Fux, 3.12.2014. (RE-684261)
Responsabilidade civil do Estado: superpopulação carcerária e dever de indenizar - 1
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que discutida a responsabilidade do Estado e o consequente dever de indenizar, por danos morais, o cidadão preso e submetido a tratamento desumano e degradante pela excessiva população carcerária. No caso, o tribunal de origem entendera caracterizado o dano moral porque, após realizado laudo de vigilância sanitária no presídio e decorrido lapso temporal, não teriam sido sanados problemas de superlotação e de falta de condições mínimas de saúde e de higiene do estabelecimento penal. Considerara, ainda, que não assegurado o mínimo existencial, não se poderia aplicar a teoria da reserva do possível. O Ministro Teori Zavascki (relator) deu provimento ao recurso, por reputar presente a responsabilidade civil do Estado, no que foi acompanhado pelo Ministro Gilmar Mendes. O relator registrou, de início, não haver qualquer controvérsia a respeito dos fatos da causa. Pontuou que o próprio acórdão recorrido reconhecera a precariedade do sistema penitenciário estadual, que teria lesado direitos fundamentais do recorrente, quanto à dignidade, intimidade, higidez física e integridade psíquica. Assim, situada a matéria jurídica no âmbito da responsabilidade civil do Estado, cabe a ele responder pelos danos causados por ação ou omissão de seus agentes, em face da autoaplicabilidade do art. 37, § 6º, da CF, que não se sujeitaria a intermediação legislativa ou a providência administrativa de qualquer espécie. Ocorrido o dano e estabelecido o seu nexo causal com a atuação da Administração ou dos seus agentes, nasceria a responsabilidade civil do Estado. Logo, reconhecido o dever estatal, imposto pelo sistema normativo, de manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, seria também responsabilidade do Poder Público ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento.
RE 580252/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 3.12.2014. (RE-580252)
Responsabilidade civil do Estado: superpopulação carcerária e dever de indenizar - 2
O relator asseverou que as violações a direitos fundamentais causadoras de danos pessoais a detentos em estabelecimentos carcerários não poderiam ser relevadas ao argumento de que a indenização não teria o alcance para eliminar o grave problema prisional globalmente considerado, dependente da definição e da implantação de políticas públicas específicas, providências de atribuição legislativa e administrativa, não de provimentos judiciais. Aduziu que, admitida essa assertiva, significaria justificar a perpetuação da desumana situação constatada em presídios como aquele em que cumpre pena o recorrente. A criação de subterfúgios teóricos — como a separação dos Poderes, a reserva do possível e a natureza coletiva dos danos sofridos — para afastar a responsabilidade estatal pelas calamitosas condições da carceragem afrontaria não apenas o sentido do art. 37, § 6º, da CF, como determinaria o esvaziamento das inúmeras cláusulas constitucionais e convencionais [Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas; Convenção Americana de Direitos Humanos; Princípios e Boas Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas contida na Resolução 1/2008, aprovada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Convenção da ONU contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros (adotadas no 1º Congresso das Nações Unidas para a Prevenção ao Crime e Tratamento de Delinqüentes)]. O descumprimento reiterado dessas cláusulas se transformaria em mero e inconsequente ato de fatalidade, o que não poderia ser tolerado. Enfatizou que a invocação seletiva de razões de Estado para negar, especificamente a determinada categoria de sujeitos, o direito à integridade física e moral, não seria compatível com o sentido e o alcance do princípio da jurisdição. Acolher essas razões seria o mesmo que recusar aos detentos os mecanismos de reparação judicial dos danos sofridos, a descoberto de qualquer proteção estatal, em condição de vulnerabilidade juridicamente desastrosa. Seria dupla negativa: do direito e da jurisdição. A garantia mínima de segurança pessoal, física e psíquica dos detentos constituiria inescusável dever estatal. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Roberto Barroso.
RE 580252/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 3.12.2014. (RE-580252)
Aposentadoria especial e uso de equipamento de proteção - 3
O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à concessão de aposentadoria especial. Ademais — no que se refere a EPI destinado a proteção contra ruído —, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria. Esse o entendimento do Plenário que, em conclusão de julgamento, desproveu recurso extraordinário com agravo em que discutida eventual descaracterização do tempo de serviço especial, para fins de aposentadoria, em decorrência do uso de EPI — informado no PPP ou documento equivalente — capaz de eliminar a insalubridade. Questionava-se, ainda, a fonte de custeio para essa aposentadoria especial — v. Informativo 757. O Colegiado afirmou que o denominado PPP poderia ser conceituado como documento histórico-laboral do trabalhador, que reuniria, dentre outras informações, dados administrativos, registros ambientais e resultados de monitoração biológica durante todo o período em que ele exercera suas atividades, referências sobre as condições e medidas de controle da saúde ocupacional de todos os trabalhadores, além da comprovação da efetiva exposição dos empregados a agentes nocivos, e eventual neutralização pela utilização de EPI. Seria necessário indicar a atividade exercida pelo trabalhador, o agente nocivo ao qual estaria ele exposto, a intensidade e a concentração do agente, além de exames médicos clínicos. Não obstante, aos trabalhadores seria assegurado o exercício de suas funções em ambiente saudável e seguro (CF, artigos 193 e 225). A respeito, o anexo IV do Decreto 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social) traz a classificação dos agentes nocivos e, por sua vez, a Lei 9.528/1997, ao modificar a Lei de Benefícios da Previdência Social, fixa a obrigatoriedade de as empresas manterem laudo técnico atualizado, sob pena de multa, bem como de elaborarem e manterem PPP, a abranger as atividades desenvolvidas pelo trabalhador. A referida Lei 9.528/1997 seria norma de aplicabilidade contida, ante a exigência de regulamentação administrativa, que ocorrera por meio da Instrução Normativa 95/2003, cujo marco temporal de eficácia fora fixado para 1º.1.2004. Ademais, a Instrução Normativa 971/2009, da Receita Federal, ao dispor sobre normas gerais de tributação previdenciária e de arrecadação das contribuições sociais destinadas à previdência social e às outras entidades ou fundos, assenta que referida contribuição não é devida se houver a efetiva utilização, comprovada pela empresa, de equipamentos de proteção individual que neutralizem ou reduzam o grau de exposição a níveis legais de tolerância.
ARE 664335/SC, rel. Min. Luiz Fux, 4.12.2014. (ARE-664335)
Aposentadoria especial e uso de equipamento de proteção - 4
O Colegiado reconheceu que os tribunais estariam a adotar a teoria da proteção extrema, no sentido de que, ainda que o EPI fosse efetivamente utilizado e hábil a eliminar a insalubridade, não estaria descaracterizado o tempo de serviço especial prestado (Enunciado 9 da Súmula da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais). Destacou, entretanto, que o uso de EPI com o intuito de evitar danos sonoros — como no caso — não seria capaz de inibir os efeitos do ruído. Salientou que a controvérsia interpretativa a respeito da concessão de aposentadoria especial encerraria situações diversas: a) para o INSS, se o EPI fosse comprovadamente utilizado e eficaz na neutralização da insalubridade, a aposentadoria especial não deveria ser concedida; b) para a justiça de 1ª instância, o benefício seria devido; e c) para a Receita Federal, a contribuição não seria devida e a concessão do benefício, sem fonte de custeio, afrontaria a Constituição (art. 195, § 5º). Realçou que a melhor interpretação constitucional a ser dada ao instituto seria aquela que privilegiasse, de um lado, o trabalhador e, de outro, o preceito do art. 201 da CF. Ponderou que, apesar de constar expressamente na Constituição (art. 201, § 1º) a necessidade de lei complementar para regulamentar a aposentadoria especial, a EC 20/1998 fixa, expressamente, em seu art. 15, como norma de transição, que “até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, seja publicada, permanece em vigor o disposto nos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, na redação vigente à data da publicação desta Emenda”. A concessão de aposentadoria especial dependeria, em todos os casos, de comprovação, pelo segurado, perante o INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, exercido em condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo de 15, 20 ou 25 anos, a depender do agente nocivo. Não se poderia exigir dos trabalhadores expostos a agentes prejudiciais à saúde e com maior desgaste, o cumprimento do mesmo tempo de contribuição daqueles empregados que não estivessem expostos a qualquer agente nocivo. Outrossim, não seria possível considerar que todos os agentes químicos, físicos e biológicos seriam capazes de prejudicar os trabalhadores de igual forma e grau, do que resultaria a necessidade de se determinar diferentes tempos de serviço mínimo para aposentadoria, de acordo com cada espécie de agente nocivo. A verificação da nocividade laboral para caracterizar o direito à aposentadoria especial conferiria maior eficácia ao instituto à luz da Constituição. O Plenário discordou do entendimento segundo o qual o benefício previdenciário seria devido em qualquer hipótese, desde que o ambiente fosse insalubre (risco potencial do dano). A autoridade competente poderia, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa e constantes no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, sem prejuízo do controle judicial. As atividades laborais nocivas e sua respectiva eliminação deveriam ser meta da sociedade, do Estado, do empresariado e dos trabalhadores como princípios basilares da Constituição. O Ministro Marco Aurélio, ao acompanhar o dispositivo da decisão colegiada, limitou-se a desprover o recurso, sem acompanhar as teses fixadas. O Ministro Teori Zavascki, por sua vez, endossou apenas a primeira tese, tendo em vista reputar que a segunda — alusiva a ruído acima dos limites de tolerância — não teria conteúdo constitucional. O Ministro Luiz Fux (relator) reajustou seu voto relativamente ao EPI destinado à proteção contra ruído.
ARE 664335/SC, rel. Min. Luiz Fux, 4.12.2014. (ARE-664335)
PRIMEIRA TURMA
Prescrição não tributária e Enunciado 8 da Súmula Vinculante - 2
A 1ª Turma retomou julgamento de agravo regimental em recurso extraordinário em que discutida a aplicabilidade do Enunciado 8 da Súmula Vinculante do STF (“São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”) aos casos de prescrição de créditos não tributários. Na espécie, o acórdão recorrido entendera que a pretensão da União de executar crédito inscrito em dívida ativa, decorrente de multa administrativa imposta em razão de descumprimento da legislação trabalhista, por possuir natureza administrativa, sujeitar-se-ia à prescrição quinquenal de que trata o art. 1º do Decreto 20.910/1932, aplicável ao caso analogicamente. A União invocara em seu favor o parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei 1.569/1977 (“Sem prejuízo da incidência da atualização monetária e dos juros de mora, bem como da exigência da prova de quitação para com a Fazenda Nacional, o Ministro da Fazenda poderá determinar a não inscrição como Dívida Ativa da União ou a sustação da cobrança judicial dos débitos de comprovada inexequibilidade e de reduzido valor”). O argumento, porém, fora afastado pelo tribunal “a quo”, tendo em conta o referido enunciado sumular — v. informativo 767. O Ministro Luiz Fux, em voto-vista, acompanhou a divergência iniciada pelo Ministro Dias Toffoli para dar provimento ao agravo regimental e afastar o vício de inconstitucionalidade apontado, de modo a encaminhar os autos à origem, para que o julgamento em relação às demais alegações infraconstitucionais tenha sequência. Reputou que o crédito em questão não teria natureza tributária e afastou a prescrição. Em seguida, pediu vista o Ministro Roberto Barroso.
RE 816084 AgR/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 2.12.2014. (RE-816084)
SEGUNDA TURMA
Medida cautelar de afastamento de cargo público e cabimento de “habeas corpus” - 1
A 2ª Turma iniciou julgamento de “habeas corpus” impetrado em face de decisão do STJ que determinara o afastamento do ora paciente de suas funções de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Amapá, além do impedimento de sua entrada nas dependências da referida corte de contas, a proibição de utilização de veículos e de recebimento de vantagens decorrentes do efetivo exercício no cargo, como passagem aérea, diárias, ajuda de custo, telefone e quaisquer outros bens do tribunal, até a apreciação de denúncia oferecida em seu desfavor. O impetrante sustenta que: a) a decisão seria nula, visto que o afastamento por prazo indeterminado não teria sido requerido pelo Ministério Público; b) o afastamento do cargo se daria por prazo desproporcional, e, portanto, seria verdadeira antecipação de pena; c) a medida não seria necessária, tendo em conta a conclusão das investigações; e d) o ato coator seria baseado exclusivamente na gravidade do delito. O Ministro Gilmar Mendes (relator) concedeu a ordem para desconstituir a decisão do STJ no ponto em que fora determinado o afastamento do paciente do cargo, além de impostas outras medidas cautelares. Primeiramente, rejeitou questão preliminar relativa à suposta inadequação da via eleita em razão de não haver, no caso, ameaça à liberdade de locomoção do paciente. Afirmou que inexistiria divergência teórica quanto ao fato de o “habeas corpus” se destinar a proteger o indivíduo contra qualquer medida restritiva à liberdade de ir, vir e permanecer (CF, art. 5º, LXVIII). Ademais, a jurisprudência do STF seria prevalecente no sentido de que o aludido remédio constitucional teria como escopo a proteção da liberdade de locomoção. Seu cabimento teria parâmetros constitucionalmente estabelecidos, justificando-se a impetração sempre que alguém sofresse, ou se achasse ameaçado de sofrer, violência ou coação em sua liberdade de ir e vir, por ilegalidade ou abuso de poder. Porém, a despeito da força que essa interpretação teria assumido na sua jurisprudência, o STF, quando do julgamento do HC 90.617/PE (DJe de 7.3.2008), decidira reintegrar magistrado afastado do cargo por período além do razoável por força de decisão em processo criminal. Dada a configuração fática daquele caso — constrangimento ilegal decorrente de mora na prestação jurisdicional no âmbito processual penal; persistência do afastamento cautelar em razão do recebimento da denúncia pelo STJ; e afastamento do paciente por lapso temporal excessivo —, a ação de “habeas corpus” seria a via processual adequada para o pleito. Portanto, apesar das decisões em sentido contrário, se o afastamento imposto decorresse de decisão em processo penal ou investigação criminal, e houvesse dúvida quanto à justeza do tempo, seria cabível o “habeas corpus”, porquanto se trataria, na hipótese, de um tipo de restrição associada a processo criminal ou investigação criminal. Não se trataria, portanto, de usar o referido “writ” constitucional para outro objeto diferente daquilo que a Constituição preconizaria.
HC 121089/AP, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.12.2014. (HC-121089)
Medida cautelar de afastamento de cargo público e cabimento de “habeas corpus” - 2
No mérito, o relator asseverou que o afastamento do paciente do cargo perduraria por mais de quatro anos, tendo-se iniciado em 10.9.2010, interrompido este período por apenas 31 dias. A acusação fora formalizada em 13.4.2012, sem que sua admissão tivesse sido analisada. Apesar da complexidade da investigação e da posterior acusação que levara ao afastamento, este último já perduraria além do aceitável. No referido precedente — HC 90.617/PE —, consignara-se que o prazo de dois anos, para além do qual o STF teria dado por configurado “excesso de prazo gritante” para prisões, poderia ser transportado para as medidas cautelares de afastamento de cargo ou de função pública. No caso em análise, mesmo que descontada a fase de investigação, o referido prazo estaria ultrapassado. Há mais de dois anos teria sido superada a fase de acusação e resposta na ação penal, a pender a análise da admissibilidade da acusação, e nada indicaria demora imputável à defesa. Além disso, não haveria sequer sinalização de data para julgamento pelo STJ. Ou seja, existiria justo receio de que a medida tendesse a se tornar perene. Em seguida, pediu vista dos autos a Ministra Cármen Lúcia.
HC 121089/AP, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.12.2014. (HC-121089)
Art. 383 do CP: “emendatio libelli” e “reformatio in pejus”
Há “reformatio in pejus” no acórdão que, em julgamento de recurso exclusivo da defesa, reforma sentença condenatória para dar nova definição jurídica ao fato delituoso — “emendatio libelli” —, mantida a pena imposta, porém desclassificado o crime de furto qualificado (CP, 155, § 4º, II) para o crime de peculato (CP, art. 312, § 1º). Com base nesse entendimento, a 2ª Turma denegou “habeas corpus”, mas, por maioria, concedeu a ordem de ofício apenas para reenquadrar a condenação no art. 155, § 4º, II, do CP, conforme constara na sentença condenatória. O Colegiado, em preliminar, afastou alegação relativa à suposta prescrição da pretensão punitiva. No mérito, afirmou que, de acordo com a jurisprudência do STF, seria possível a realização da “emendatio libelli” (CP: “Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave”) em 2º grau de jurisdição, mesmo nas hipóteses de recurso exclusivo da defesa, desde que respeitados os limites estabelecidos pelo art. 617 do CPP (“O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença”). No caso, o tribunal de 2º grau, ao readequar a capitulação legal à narrativa apresentada — o fato descrito na acusação teria sido praticado por funcionário público equiparado (CP, art. 327, § 1º) —, mantivera a pena privativa de liberdade anteriormente aplicada, na tentativa de não gerar prejuízo ao sentenciado. Porém, ao se ponderar atentamente os efeitos da condenação e as circunstâncias referentes à “emendatio libelli” efetivada, seria inevitável concluir pela superveniência de vedada “reformatio in pejus”. Com efeito, não se poderia olvidar não ser a pena fixada o único efeito ou única circunstância a permear uma condenação. Haveria regra específica para os condenados pela prática de crime contra a Administração Pública, como o peculato: a progressão de regime do cumprimento da pena respectiva seria condicionada à reparação do dano causado ou à devolução do produto do ilícito praticado (CP, art. 33, § 4º). Na espécie, apesar de ter sido aplicado o regime inicial aberto ao paciente, não se poderia descartar que, durante a execução da reprimenda, este sofresse regressão de regime e fosse prejudicado pela “emendatio libelli”, aparentemente inofensiva. Vencida a Ministra Cármen Lúcia, que não concedia a ordem por entender não ter havido, na situação dos autos, a “reformatio in pejus”.
HC 123251/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.12.2014. (HC-123251)