Informativo do STF 769 de 28/11/2014
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Recurso extraordinário e prescrição das pretensões punitiva e executória - 1
O Plenário iniciou julgamento de agravo regimental em agravo de instrumento em que se discute o termo inicial para a contagem da prescrição da pretensão executória do Estado: se a partir do trânsito em julgado para a acusação ou a partir do trânsito em julgado para a acusação e a defesa. Na espécie, a decisão agravada declarara extinta a punibilidade do agravante, em decorrência da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade intercorrente, em face do decurso do prazo de oito anos antes mesmo da chegada do recurso extraordinário ao STF. O réu fora condenado, em 5.3.1999, por três homicídios culposos e três lesões corporais culposas (CP, artigos 121, § 3º e 129, § 6º, c/c art. 70) provocados na condução de veículo automotor, à pena de quatro anos e seis meses de detenção e multa, em regime inicial semiaberto. A apelação fora provida por tribunal local, em 5.10.1999, apenas para excluir o pagamento de honorários advocatícios dos assistentes de acusação. O Ministro Roberto Barroso (relator) deu provimento ao agravo regimental interposto pelo Ministério Público Federal, para negar provimento ao agravo de instrumento, e manteve a inadmissibilidade do recurso extraordinário, além de afastar a ocorrência tanto da prescrição da pretensão punitiva quanto da pretensão executória.
AI 794971 AgR/RJ, rel. Min. Roberto Barroso, 26.11.2014. (AI-794971)
Recurso extraordinário e prescrição das pretensões punitiva e executória - 2
O relator destacou que o recurso extraordinário seria incabível por um conjunto de razões. Primeiramente, porque fora interposto contra fundamentos da sentença e não contra fundamentos do acórdão que substituíra a sentença, além de haver apresentado argumentos novos. Ademais, o recurso extraordinário não questionara a condenação, apenas a dosimetria da pena. Nesse ponto, haveria jurisprudência do STF quanto às limitações para reavaliar dosimetria, sobretudo porque, na espécie, estaria envolvido reexame de matéria de fato e aplicação de direito infraconstitucional. Por conseguinte, o relator confirmou a decisão do tribunal de origem no tocante à inadmissibilidade do recurso extraordinário. Ultrapassada a questão do conhecimento do recurso, apontou que a decisão agravada reconhecera a prescrição da pretensão punitiva. Frisou que a coisa julgada se formaria quando não mais cabível a modificação do título judicial por meio da via recursal. Entretanto, o recurso inadmissível não obstaria a constituição do trânsito em julgado, que se operaria após o esgotamento do prazo para a apresentação do recurso cabível. Aduziu que, interposto recurso que fosse inadmitido por intempestividade, descabimento ou qualquer outra hipótese que gerasse o seu não conhecimento, como no caso, o título judicial se tornaria imutável e não obstaria a coisa julgada. Apontou que a jurisprudência do STF consideraria o trânsito em julgado, para fins de contagem da prescrição da pretensão punitiva, quando do esgotamento do prazo para interposição do recurso cabível. Assim, o prazo prescricional seria regulado pela pena em concreto, porquanto já proferido decreto condenatório. Ademais, a acusação não interpusera recurso. Da pena aplicada (quatro anos e seis meses de detenção) deveria ser deduzido o aumento referente ao concurso de crimes, a teor do art. 119 do CP e do Enunciado 497 da Súmula do STF (“Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação”). O resultado seria de três anos de detenção, o que faria incidir o prazo de oito anos de prescrição (CP, art. 109, IV). Tendo em vista que entre a data do fato (2.12.1995), da sentença condenatória (5.3.1999) e do trânsito em julgado do acórdão que confirmara a condenação (15 dias após 26.10.1999), não houvera o transcurso de oito anos, não se operara a prescrição da pretensão punitiva. Registrou que o agravo de instrumento interposto contra a inadmissão do recurso extraordinário fora remetido a esta Corte pelo tribunal local somente em 24.3.2010, porque contra o acórdão proferido em recurso especial a defesa ingressara com vários recursos. Em síntese, o trânsito em julgado não poderia depender da interposição sucessiva de diversos recursos tidos como protelatórios.
AI 794971 AgR/RJ, rel. Min. Roberto Barroso, 26.11.2014. (AI-794971)
Recurso extraordinário e prescrição das pretensões punitiva e executória - 3
O relator entendeu que, após afastada a prescrição da pretensão punitiva, tampouco haveria prescrição da pretensão executória porque, para efeito da execução da pena, seria necessário apreciar a admissibilidade do recurso extraordinário e julgar o seu mérito, quando superada a etapa do seu conhecimento. A possibilidade da execução da pena, por isso, apenas se iniciaria após a declaração do trânsito em julgado, mesmo que esse ocorresse em momento anterior. Só se admitiria falar em prescrição da pretensão executória após o trânsito em julgado para a acusação porque, a partir desse momento, seria possível a execução provisória da pena. Ocorre que, após o julgamento do HC 84.078/MG (DJe de 26.2.2010), a Corte assentara o não cabimento de execução provisória da pena quando pendentes recursos de natureza extraordinária e, com maior razão, do recurso de apelação. Tendo isso em conta, o princípio da inocência deveria repercutir no marco inicial da contagem da prescrição, originariamente regulado pelo art. 112, I, do CP. Caso contrário, o Estado seria punido pela inação quando não poderia agir, ou seja, a prescrição somente se aplicaria quando não fosse exercida a tempo a pretensão executória. Sublinhou que o que estaria em discussão seria a inteligência do art. 112, I, do CP (“Art. 112 - No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr: I - do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional”). Desse modo, o referido dispositivo estaria sujeito a uma releitura à luz da Constituição, considerada a presunção da inocência ou da não culpabilidade. Se isso não fosse possível, o relator afirmou que a interpretação conferida pelo STF ao aludido postulado paralisaria a incidência do artigo em questão.
AI 794971 AgR/RJ, rel. Min. Roberto Barroso, 26.11.2014. (AI-794971)
Recurso extraordinário e prescrição das pretensões punitiva e executória - 4
O Ministro Marco Aurélio, em divergência, desproveu o agravo regimental. Aduziu que não se poderia entender que se mostrara despicienda a interposição de recurso especial e de recurso extraordinário quanto à prescrição da pretensão punitiva e dizer o contrário quanto à pretensão executória do Estado. Lembrou que o Plenário decidira que não impediria a coisa julgada o recurso inadmissível, no campo penal, caso se tratasse de irregularidade, em termos de pressupostos de irrecorribilidade, que envolvessem aspectos objetivos propriamente ditos. Ou seja, os recursos especial e extraordinário não impediriam o trânsito em julgado para efeito criminal, se esses recursos se mostrassem intempestivos ou se irregular a representação processual. Fora esses casos, reputou que a interposição de recursos especial e extraordinário — ainda que posteriormente declarados incabíveis — obstaculizaria o trânsito em julgado. Em seguida, o julgamento foi suspenso, por indicação do relator, para se aguardar o exame, pelo Plenário virtual, de existência de repercussão geral em processo com tema semelhante.
AI 794971 AgR/RJ, rel. Min. Roberto Barroso, 26.11.2014. (AI-794971)
Cofins e revogação de isenção por lei ordinária - 1
O Tribunal iniciou exame de embargos de divergência opostos em face de acórdão da 1ª Turma, que negara provimento a agravo de instrumento sob o fundamento de que a controvérsia diria respeito ao cabimento de recurso de competência de outro tribunal. Na espécie, a embargante suscitava divergência entre o acórdão recorrido — que mantivera decisão do STJ na qual se entendera que a revogação da isenção da Cofins pela Lei 9.430/1996, por não ter sido veiculada em lei complementar, ofenderia o princípio da hierarquia das leis — e a orientação fixada pelo STF no julgamento do RE 377.457 QO/PR (DJe de 19.12.2008) e do RE 381.964 QO/PR (DJe de 19.12.2008), nos quais se assentara a constitucionalidade da revogação da referida isenção estabelecida pela LC 70/1991, por lei ordinária. O Ministro Gilmar Mendes (relator) acolheu os embargos de divergência para reformar o acórdão recorrido e reafirmar a tese de que a isenção concedida às sociedades civis de profissão regulamentada, anteriormente prevista no art. 6º, II, da LC 70/1991, teria sido revogada pelo art. 56 da Lei 9.430/1996. Os Ministros Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente) acompanharam o voto do relator. Preliminarmente, o Ministro Gilmar Mendes destacou que o STJ teria efetivamente discutido a questão constitucional relativa à possibilidade de revogação, por lei ordinária, de isenção concedida por lei complementar. Portanto, aquele tribunal não teria se limitado a abordar somente a questão relativa ao cabimento de recurso especial, o que fora assinalado pelo acórdão recorrido. Outrossim, a matéria em discussão seria, de fato, idêntica àquela examinada pelo STF nos precedentes apontados pelo embargante. A jurisprudência tradicional do STF seria no sentido da inexistência de hierarquia constitucional entre lei complementar e lei ordinária, espécies normativas formalmente distintas exclusivamente em relação à matéria eventualmente reservada à lei complementar pela própria Constituição. Ademais, no caso das contribuições sociais, desde logo previstas no texto da Constituição, a jurisprudência também seria pacífica ao afirmar que sua disciplina específica seria perfeitamente factível mediante legislação ordinária, salvo o que se caracterizasse como normas gerais em matéria tributária, relativamente aos aspectos referidos na alínea b do inciso III do art. 146 da CF. Além do mais, especificamente com relação à LC 70/1991, o STF, no julgamento da ADC 1/DF (DJU de 16.6.1995), reconhecera, precisamente pelas razões referidas, que o diploma legal seria, materialmente, lei ordinária. Portanto, ao contrário do que afirmado no acórdão proferido pelo STJ, a questão do conflito aparente entre as normas em comento — art. 56 da Lei 9.430/1996 e art. 6º, II, da LC 70/1991 — não se resolveria por critérios hierárquicos, mas por critérios constitucionais quanto à materialidade própria a cada uma dessas espécies legais. Logo, a solução do conflito seria sim matéria constitucional.
AI 597906 EDv/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 26.11.2014. (AI-597906)
Cofins e revogação de isenção por lei ordinária - 2
O Ministro Marco Aurélio não conheceu do recurso. Ressaltou que o STJ, certo ou errado, teria concluído não poder adentrar o tema de fundo, alusivo ao conflito de interesses, porque envolveria matéria constitucional. Não teria, portanto, definido a questão de direito, se poderia uma lei ordinária afastar ou não isenção prevista em lei complementar. Não se teria, então, o que cotejar em termos de matéria de fundo com os precedentes do STF para dizer que a 1ª Turma não os teria observado. A Turma teria, simplesmente, se defrontado com questão processual, dirimida à luz do CPC. Em seguida, o julgamento foi suspenso.
AI 597906 EDv/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, 26.11.2014. (AI-597906)
ECT: imunidade tributária recíproca e IPVA
São imunes à incidência do IPVA os veículos automotores pertencentes à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT (CF, art. 150, VI, a). Esse o entendimento do Plenário, que, por maioria, julgou procedente pleito formulado em ação cível originária na qual a referida empresa pública buscava o afastamento da exigibilidade do IPVA cobrado por Estado-membro, bem como das sanções decorrentes do não pagamento do tributo, tendo em conta o alegado desempenho de atividades típicas de serviço público obrigatório e exclusivo. A Corte reafirmou sua jurisprudência no sentido de ser aplicável a imunidade tributária recíproca em favor da ECT, inclusive em relação ao IPVA, reiterado o quanto decidido no RE 601.392/PR (DJe de 5.6.2013), na ACO 819 AgR/SE (DJe de 5.12.2011) e na ACO 803 AgR/SP (acórdão pendente de publicação). Vencido o Ministro Marco Aurélio (relator), que julgava improcedente o pedido. Destacava que só se poderia cogitar de imunidade recíproca quando houvesse possibilidade jurídica de ser, a um só tempo, sujeito passivo e sujeito ativo tributário, o que não ocorreria com as pessoas jurídicas de direito privado, como a ECT.
ACO 879/PB, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 26.11.2014. (ACO-879)
REPERCUSSÃO GERAL
Art. 384 da CLT e recepção pela CF/1988 - 1
O art. 384 da CLT [“Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de quinze (15) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho”] foi recepcionado pela CF/1988 e se aplica a todas as mulheres trabalhadoras. Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, desproveu recurso extraordinário em que discutida a compatibilidade do referido dispositivo com a Constituição vigente, à luz do princípio da isonomia, para fins de pagamento, pela empresa empregadora, de indenização referente ao intervalo de 15 minutos, com adicional de 50% previsto em lei. Preliminarmente, o Colegiado, por decisão majoritária, rejeitou questão de ordem, suscitada pelo Ministro Marco Aurélio, no sentido de não haver quórum para julgamento, tendo em conta se tratar de conflito de norma com a Constituição, e a sessão contar com menos de oito integrantes. No ponto, o Ministro Celso de Mello frisou que não se cuidaria de juízo de constitucionalidade, mas de discussão em torno de direito pré-constitucional. Assim, o juízo da Corte seria positivo ou negativo de recepção. Vencido o suscitante. No mérito, o Colegiado ressaltou que a cláusula geral da igualdade teria sido expressa em todas as Constituições brasileiras, desde 1824. Entretanto, somente com a CF/1934 teria sido destacado, pela primeira vez, o tratamento igualitário entre homens e mulheres. Ocorre que a essa realidade jurídica não teria garantido a plena igualdade entre os sexos no mundo dos fatos. Por isso, a CF/1988 teria explicitado, em três mandamentos, a garantia da igualdade. Assim: a) fixara a cláusula geral de igualdade, ao prescrever que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; b) estabelecera cláusula específica de igualdade de gênero, ao declarar que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; e c) excepcionara a possibilidade de tratamento diferenciado, que seria dado nos termos constitucionais. Por sua vez, as situações expressas de tratamento desigual teriam sido dispostas formalmente na própria Constituição, a exemplo dos artigos 7º, XX; e 40, § 1º, III, a e b. Desse modo, a Constituição se utilizara de alguns critérios para o tratamento diferenciado. Em primeiro lugar, considerara a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impusera ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho. Além disso, o texto constitucional reputara existir componente biológico a justificar o tratamento diferenciado, tendo em vista a menor resistência física da mulher. Ademais, levara em conta a existência de componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no ambiente de trabalho. No caso, o dispositivo legal em comento não retrataria mecanismo de compensação histórica por discriminações socioculturais, mas levara em conta os outros dois critérios (componentes biológico e social). O Plenário assinalou que esses parâmetros constitucionais legitimariam tratamento diferenciado, desde que a norma instituidora ampliasse direitos fundamentais das mulheres e atendesse ao princípio da proporcionalidade na compensação das diferenças.
RE 658312/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 27.11.2014. (RE-658312)
Art. 384 da CLT e recepção pela CF/1988 - 2
O Colegiado reputou que, ao se analisar o teor da norma discutida, seria possível inferir que ela trataria de forma proporcional de aspectos de evidente desigualdade, ao garantir período mínimo de descanso de 15 minutos antes da jornada extraordinária de trabalho à mulher. Embora, com o tempo, tivesse ocorrido a supressão de alguns dispositivos a cuidar da jornada de trabalho feminina na CLT, o legislador teria mantido a regra do art. 384, a fim de garantir à mulher diferenciada proteção, dada sua identidade biossocial peculiar. Por sua vez, não existiria fundamento sociológico ou comprovação por dados estatísticos a amparar a tese de que essa norma dificultaria ainda mais a inserção da mulher no mercado de trabalho. O discrímen não violaria a universalidade dos direitos do homem, na medida em que o legislador vislumbrara a necessidade de maior proteção a um grupo de trabalhadores, de forma justificada e proporcional. Inexistiria, outrossim, violação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, recepcionada pela Constituição, que proclamara, inclusive, outros direitos específicos das mulheres: a) nas relações familiares, ao coibir a violência doméstica; e b) no mercado de trabalho, ao proibir a discriminação e garantir proteção especial mediante incentivos específicos. Dessa forma, tanto as disposições constitucionais como as infraconstitucionais não impediriam tratamentos diferenciados, desde que existentes elementos legítimos para o discrímen e que as garantias fossem proporcionais às diferenças existentes entre os gêneros ou, ainda, definidas por conjunturas sociais. Na espécie, não houvera tratamento arbitrário em detrimento do homem. A respeito, o Colegiado anotou outras espécies normativas em que concebida a igualdade não a partir de sua formal acepção, mas como um fim necessário em situações de desigualdade: direitos trabalhistas extensivos aos trabalhadores não incluídos no setor formal; licença maternidade com prazo superior à licença paternidade; prazo menor para a mulher adquirir direito à aposentadoria por tempo de serviço e contribuição; obrigação de partidos políticos reservarem o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo; proteção especial para mulheres vítimas de violência doméstica; entre outras. Além disso, a jurisprudência da Corte entenderia possível, em etapa de concurso público, exigir-se teste físico diferenciado para homens e mulheres quando preenchidos os requisitos da necessidade e da adequação para o discrímen. Não obstante, o Colegiado concluiu que, no futuro, poderia haver efetivas e reais razões fáticas e políticas para a revogação da norma, ou mesmo para ampliação do direito a todos os trabalhadores.
RE 658312/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 27.11.2014. (RE-658312)
Art. 384 da CLT e recepção pela CF/1988 - 3
O Ministro Gilmar Mendes sublinhou que a Corte só poderia invalidar a discriminação feita pelo legislador se ela fosse arbitrária, o que não seria o caso. O Ministro Celso de Mello frisou que o juízo negativo de recepção do art. 384 da CLT implicaria transgressão ao princípio que veda o retrocesso social, que cuidaria de impedir que os níveis de concretização de prerrogativas inerentes aos direitos sociais, uma vez atingidos, viessem a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses em que políticas compensatórias viessem a ser implementadas. A Ministra Cármen Lúcia acrescentou que a Constituição atual teria inovado no sentido de estabelecer um sistema jurídico capaz de possibilitar novos espaços de concretização de direitos que sempre existiram — notadamente o princípio da igualdade. Vencidos os Ministros Luiz Fux e Marco Aurélio, que proviam o recurso, para assentar a não-recepção do art. 384 da CLT pela CF/1988. O Ministro Luiz Fux ponderava que, em atendimento à isonomia, o dispositivo deveria ser aplicável somente em relação às atividades que demandassem esforço físico. O Ministro Marco Aurélio considerava que o preceito trabalhista não seria norma protetiva, mas criaria discriminação injustificada no mercado de trabalho, em detrimento da mulher.
RE 658312/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 27.11.2014. (RE-658312)
PRIMEIRA TURMA
Ação penal e art. 1º, XIII, do Decreto-Lei 201/1967 - 1
A 1ª Turma, por maioria, proveu apelação para absolver parlamentar, então prefeito municipal, condenado pela prática do crime previsto no art. 1º, XIII, do Decreto-Lei 201/1967 (“Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei”). No caso, o apelante nomeara, em 10.2.2003 e em 3.3.2004, duas pessoas, sucessivamente, para ocupar cargo público comissionado de diretor administrativo e financeiro de fundação municipal, mediante remuneração, em desconformidade com o art. 2º da Lei 4.142/2000 do Município de Joinville/SC. Esse diploma legal determina que o referido cargo seja ocupado pelo diretor de administração e finanças da Companhia de Desenvolvimento Urbano de Joinville - Conurb, sem qualquer remuneração em acréscimo pelo exercício dessa atribuição. A denúncia fora recebida quando o apelante já não mais exercia o mandato de prefeito. Após a condenação, fora interposta apelação, remetida ao STF, em razão da diplomação do apelante como deputado federal. Inicialmente, por maioria, a Turma rejeitou as preliminares suscitadas. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que acolhia a preliminar de nulidade da condenação, por reputar exíguo o prazo de 20 dias para oitiva de testemunha por carta precatória. Em seguida, o Colegiado afirmou que o STF seria competente para o julgamento de apelação criminal, na forma do art. 102, I, b, da CF, em virtude da diplomação, como membro do Congresso Nacional, de réu condenado em primeira instância. Frisou que a admissão, pelo Legislativo, da acusação criminal contra o Chefe do Executivo, seria dispensável quando já encerrado o mandato do acusado ao tempo do recebimento da denúncia.
AP 595/SC, rel. Min. Luiz Fux, 25.11.2014. (AP-595)
Ação penal e art. 1º, XIII, do Decreto-Lei 201/1967 - 2
O Ministro Luiz Fux (relator) absolveu o réu com base no art. 386, VI, do CPP. Consignou que o erro de direito consistente no desconhecimento da lei seria inescusável, de acordo com o art. 21 do CP. Essa presunção seria evidenciada pelo fato de que a lei seria do conhecimento de todos e pressuposto da vida em sociedade. Rememorou que o erro sobre a ilicitude do fato, se invencível ou escusável, isentaria de pena, nos termos do mesmo dispositivo legal. No que se refere ao erro determinado por terceiro, se quem o cometesse a ele tivesse sido levado por outrem, responderia este pelo fato que seria doloso ou culposo conforme sua conduta. Na espécie, o erro sobre a ilicitude de comportamento (desconhecimento da ilicitude das nomeações) teria sido determinado por terceiros, agentes administrativos, que pelos atos que teriam praticado previamente à assinatura das nomeações ilegais pelo prefeito, teriam induzido o réu em erro. Salientou que a dúvida razoável quanto à ocorrência de erro de ilicitude, reforçada pelas circunstâncias fáticas e pela situação pessoal do autor demonstrada nos autos, conferiria verossimilhança à tese defensiva e não afastada por outros elementos de prova que indicassem a consciência da atuação ilícita. Enfatizou que as manifestações prévias da secretária de administração, do presidente da Conurb e da procuradoria-geral do município teriam induzido o acusado a uma incorreta representação da realidade. Assim, em razão da ausência de indícios de que ele tivesse agido em união de desígnios com esses agentes públicos, ou de que, ao menos, conhecesse os servidores nomeados para favorecê-los, não seria possível comprovar o dolo da prática do crime de responsabilidade contra a administração pública municipal. Ponderou que ele teria descumprido a lei e poderia até ter cometido, no limite, uma improbidade, mas não agira com dolo porque se submetera a três pareceres prévios, sem que os tivesse pedido.
AP 595/SC, rel. Min. Luiz Fux, 25.11.2014. (AP-595)
Ação penal e art. 1º, XIII, do Decreto-Lei 201/1967 - 3
A Ministra Rosa Weber absolveu o acusado com base no art. 386, VII, do CPP. Destacou que na hipótese de norma penal em branco, o erro sobre o preceito complementador constituir-se-ia em erro de tipo, conforme se observaria do art. 20 do CP. Registrou que o inciso XIII do art. 1º do Decreto-Lei 201/1967, ao preceituar como criminosa a conduta consistente em nomear, admitir ou designar servidor contra expressa disposição de lei, constituiria preceito penal a exigir complemento, sem o qual não se inferiria com exatidão o conteúdo da proibição. Na hipótese dos autos, o preceito complementador seria a Lei Municipal 4.142/2000, a qual conferiria ao tipo do inciso XIII a exatidão necessária para tornar compreensível o conteúdo da proibição típica. Assim, os elementos constantes do preceito complementador da norma penal em branco seriam, para todos os efeitos, elementos típicos, e a falsa compreensão sobre esses elementos constituiria erro de tipo que excluiria o dolo, nos termos do já mencionado art. 20 do CP. Por sua vez, o Ministro Roberto Barroso concluiu que o fato não consistiria em infração penal e absolveu o apelante com base no art. 386, III, do CPP. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que desprovia a apelação. Pontuava que o decreto-lei versaria responsabilidade penal de prefeitos e vereadores. O fato de haver, no âmbito do Executivo, manifestações técnicas-opinativas sobre a possibilidade de prática de certo ato, não eximiria o prefeito da responsabilidade penal. Portanto, reputava inobservado o disposto no inciso XIII do Decreto-Lei 201/1967.
AP 595/SC, rel. Min. Luiz Fux, 25.11.2014. (AP-595)