Informativo do STF 768 de 21/11/2014
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Ação civil pública e foro por prerrogativa de função - 2
Em conclusão de julgamento, o Plenário reputou prejudicado agravo regimental em que negado seguimento a pedido no sentido de que ação civil pública, por ato de improbidade administrativa, supostamente praticado por parlamentar, fosse apreciada no STF — v. Informativo 732. Na espécie, Senador da República figurara no polo passivo da ação civil pública, o que ensejara a alegada competência da Corte, entretanto, posteriormente renunciara ao cargo, a implicar a prejudicialidade do agravo. O Ministro Roberto Barroso (relator) reajustou o voto.
Pet 3067 AgR/MG, rel. Min. Roberto Barroso, 19.11.2014. (Pet-3067)
Ação de improbidade administrativa: Ministro de Estado e foro competente - 1
O Plenário iniciou julgamento de agravo regimental em petição no qual se discute a competência para processar e julgar ação civil por improbidade administrativa supostamente praticada por parlamentar, à época Ministro de Estado. Na espécie, tribunal regional federal declinara de sua competência e remetera os autos o STF que, por sua vez, determinara a suspensão do processo até o final julgamento dos embargos de declaração na ADI 2.797/DF (DJe de 28.2.2013). Após o julgamento da referida ação — em que assentada a inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002, que acresceu os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do CPP —, o Ministro Cezar Peluso, então relator da petição, reconhecera a incompetência do STF e determinara o retorno dos autos ao juízo de origem. Ocorre que, anteriormente, em 13.6.2007, o STF concluíra, na Rcl 2.138/DF (DJe de 18.4.2008) pela “incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, c, da Constituição”. No presente regimental, o agravante sustenta que: a) a Rcl 2.138/DF fixa a competência do STF para processar e julgar ações de improbidade contra réus com prerrogativa de foro criminal; b) o julgamento da ADI 2.797/DF não interfere na decisão deste processo; e c) os agentes políticos respondem apenas por crimes de responsabilidade, mas não pelos atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992. O Ministro Teori Zavascki (relator) deu provimento ao agravo e consignou que seriam duas as questões trazidas a debate no recurso, ambas a respeito da posição jurídica dos agentes políticos em face da Lei 8.429/1992, que trata das sanções por ato de improbidade. A primeira seria verificar se haveria submissão dos agentes políticos ao duplo regime sancionatório (o fixado na Lei 8.429/1992 e na Lei 1.079/1950, que dispõe sobre crimes de responsabilidade). A segunda seria consolidar entendimento quanto à existência, ou não, de prerrogativa de foro nas ações que visassem a aplicar as mencionadas sanções, em face da ausência de posição do STF sobre o tema. No que concerne à questão do duplo regime sancionatório, o relator enfatizou que, sob o ângulo constitucional, seria difícil justificar a tese de que todos os agentes políticos sujeitos a crime de responsabilidade, nos termos da Lei 1.079?1950 ou do Decreto-lei 201?1967, estariam imunes, mesmo que em parte, às sanções do art. 37, § 4º da CF (“§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”). Segundo essa norma constitucional, qualquer ato de improbidade estaria sujeito às sanções nela estabelecidas, inclusive à da perda do cargo e à da suspensão de direitos políticos.
Pet 3240 AgR/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 19.11.2014. (Pet-3240)
Ação de improbidade administrativa: Ministro de Estado e foro competente - 2
O relator assinalou que ao legislador ordinário, por sua vez, a quem o dispositivo delegara competência apenas para normatizar a forma e a gradação dessas sanções, não seria dado limitar o alcance do referido mandamento constitucional. Somente a Constituição poderia fazê-lo e, salvo em relação a atos de improbidade do Presidente da República, não se poderia identificar no texto constitucional qualquer limitação dessa natureza. Ressalvou que as normas constitucionais que dispõem sobre crimes de responsabilidade poderiam ser divididas em dois grandes grupos: a) as que tratam exclusivamente de competência para o processo e julgamento desses crimes — normas tipicamente instrumentais —, a estabelecerem foro por prerrogativa de função (CF, artigos 52, I e II; 96, III; 102, I, c; e 105, I); e b) as que dispõem sobre aspectos objetivos do crime, a indicar condutas típicas (CF, artigos 29-A, §§ 2º e 3º; 50, “caput” e § 2º; e 85, V). Ponderou que não se poderia identificar nas normas do primeiro grupo qualquer elemento a indicar sua incompatibilidade material com o regime do art. 37, § 4º, da CF. O que elas incitariam seria um problema de ordem processual, concernente à necessidade de compatibilizar as normas sobre prerrogativa de foro com o processo destinado à aplicação das sanções por improbidade administrativa, em especial as que implicassem a perda do cargo e a suspensão dos direitos políticos. Quanto às normas do segundo grupo, a única alusão à improbidade administrativa como crime de responsabilidade seria a do inciso V do art. 85 da CF, ao considerar crime de responsabilidade os atos praticados pelo Presidente da República contra a “probidade na administração”, o que daria ensejo a processo e julgamento perante o Senado Federal (CF, art. 86). Somente nessa restrita hipótese é que se identificaria, no âmbito material, concorrência de regimes (o geral do art. 37, § 4º, e o especial dos artigos 85, V, e 86, todos da CF). Não se poderia negar ao legislador ordinário a faculdade de dispor sobre aspectos materiais dos crimes de responsabilidade, a tipificar outras condutas além daquelas indicadas no texto constitucional. Essa atribuição existiria especialmente em relação a condutas de autoridades que a própria Constituição, sem tipificar, indicaria como possíveis agentes daqueles crimes. Todavia, no desempenho de seu mister, ao legislador ordinário cumpriria observar os limites próprios da atividade normativa infraconstitucional, que não o autorizaria a afastar ou a restringir injustificadamente o alcance de qualquer preceito constitucional. Por isso mesmo, não lhe seria lícito, a pretexto de tipificar crimes de responsabilidade, excluir os respectivos agentes das sanções decorrentes do comando do art. 37, § 4º, da CF.
Pet 3240 AgR/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 19.11.2014. (Pet-3240)
Ação de improbidade administrativa: Ministro de Estado e foro competente - 3
O Ministro Teori Zavascki frisou que, excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República, submetidos a regime especial, não haveria norma constitucional que imunizasse os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º, da CF. Igualmente incompatível com a Constituição seria eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza. Haveria situação de cunho estritamente processual relacionada com a competência para o processo e julgamento das ações de improbidade, já que elas poderiam conduzir agentes políticos da mais alta expressão a sanções de perda do cargo e a suspensão de direitos políticos. Essa seria a real e delicada questão institucional no que concerne à polêmica sobre atos de improbidade praticados por agentes políticos. Nesse ponto, concluiu que a solução constitucional para o problema seria o reconhecimento, também para as ações de improbidade, do foro por prerrogativa de função assegurado nas ações penais. Explicou que, embora as sanções aplicáveis aos atos de improbidade não tivessem natureza penal, haveria laços de identidade entre as duas espécies, seja quanto às funções (punitiva, pedagógica e intimidatória), seja quanto ao conteúdo. Com efeito, não haveria diferença entre a perda da função pública ou a suspensão dos direitos políticos ou a imposição de multa pecuniária, quando decorrente de ilícito penal e de ilícito administrativo. Nos dois casos, as consequências práticas em relação ao condenado seriam idênticas. A rigor, a única distinção se situaria em plano puramente jurídico, relacionado com os efeitos da condenação em face de futuras infrações, porquanto a condenação criminal produziria as consequências próprias do antecedente e da perda da primariedade, que poderiam redundar em futuro agravamento de penas ou, indiretamente, em aplicação de pena privativa de liberdade.
Pet 3240 AgR/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 19.11.2014. (Pet-3240)
Ação de improbidade administrativa: Ministro de Estado e foro competente - 4
Do ponto de vista dos direitos fundamentais e do postulado da dignidade da pessoa humana, não pareceria lógico que se investisse o acusado de amplas garantias até mesmo quando devesse responder por infração penal que produziria simples pena de multa pecuniária e se lhe negassem garantias semelhantes quando a infração, conquanto administrativa, pudesse resultar em pena mais severa, como a perda de função pública ou a suspensão de direitos políticos. Ao se buscar consolidar entendimento quanto às regras sobre competências jurisdicionais, os dispositivos da Constituição comportam interpretação sistemática que permite preencher vazios e abarcar certas competências implícitas, mas inafastáveis por imperativo do próprio regime constitucional. Em suma, por entender que essa linha de compreensão também deveria ser adotada em relação ao foro por prerrogativa de função, o relator reconheceu a competência do STF para processar e julgar a ação de improbidade contra o requerido, deputado federal. Determinou, ainda, o desmembramento do processo em relação aos demais demandados para que, no tocante a eles, tivesse prosseguimento no foro próprio. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Roberto Barroso.
Pet 3240 AgR/DF, rel. Min. Teori Zavascki, 19.11.2014. (Pet-3240)
ADPF e Plano Real - 3
O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, conheceu de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e em seguida, por unanimidade, referendou medida cautelar deferida para determinar a suspensão dos processos em curso, nos quais fosse questionada a constitucionalidade do art. 38 da Lei 8.880/1994 (“Art. 38. O cálculo dos índices de correção monetária, no mês em que se verificar a emissão do Real de que trata o art. 3º desta lei, bem como no mês subseqüente, tomará por base preços em Real, o equivalente em URV dos preços em cruzeiros reais, e os preços nominados ou convertidos em URV dos meses imediatamente anteriores, segundo critérios estabelecidos em lei. Parágrafo Único. Observado o disposto no parágrafo único do art. 7º, é nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito a aplicação de índice, para fins de correção monetária, calculado de forma diferente da estabelecida no caput deste artigo”) — v. Informativo 485. A Corte afirmou que a norma em comento, ao estabelecer mecanismo de transição entre o regime anterior e o superveniente Plano Real, se constituiria, por isso mesmo, em pilar fundamental do referido plano, seja do ponto de vista econômico, seja do ponto de vista jurídico. Seria temeridade, a essa altura, já passados tantos anos da implantação do Plano Real — cujas virtudes foram reconhecidas inclusive pelas correntes doutrinárias e políticas que à época a ele se opuseram —, deixar de confirmar a liminar deferida, o que resultaria num ambiente de profunda insegurança jurídica sobre atos e negócios de quase duas décadas. Ademais, a tradição inflacionária do Brasil teria motivado múltiplas discussões judiciais a respeito da correção monetária. O STF, inclusive, já teria apreciado a constitucionalidade de diversos planos econômicos, ao examinar a perspectiva do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Ayres Britto, que não conheciam da arguição.
ADPF 77 MC/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 19.11.2014. (ADPF-77)
ADI: servidores públicos e vinculação remuneratória
O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 47, “caput”, da Constituição do Estado da Bahia (“Lei disporá sobre a isonomia entre as carreiras de policiais civis e militares, fixando os vencimentos de forma escalonada entre os níveis e classes, para os civis, e correspondentes postos e graduações, para os militares”). A Corte, ao reiterar o que decidido na ADI 3.295/AM (DJe de 5.8.2011) e na ADI 3.930/RO (DJe de 23.10.2009), afirmou que o estabelecimento de política remuneratória de servidores do Poder Executivo, à luz da separação de Poderes, seria de competência exclusiva do chefe daquele Poder (CF, art. 61, § 1º, II, a). Além disso, a norma constitucional estadual em exame, ao estabelecer, a toda evidência, hipótese de vinculação remuneratória entre policiais militares e policiais civis do Estado da Bahia, ofenderia o disposto no art. 37, XIII, da CF (“XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público”). Ademais, o argumento de que se trataria de uma disposição meramente programática ou autorizativa para o legislador infraconstitucional, se revelaria frágil, uma vez que não se poderia conceder ao legislador autorização para editar atos normativos em desconformidade com o que estatui a Constituição Federal. O Ministro Roberto Barroso acompanhou o entendimento do Colegiado apenas quanto à inconstitucionalidade material da norma, no tocante à violação ao art. 37, XIII, da CF.
ADI 3777/BA, rel. Min. Luiz Fux, 19.11.2014. (ADI-3777)
ADI: órgão de segurança pública e vício de iniciativa
O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face da EC 10/2001, que inseriu a Polícia Científica no rol dos órgãos de segurança pública previsto na Constituição do Estado do Paraná. A Corte afirmou que não se observara a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para disciplinar o funcionamento de órgão administrativo de perícia.
ADI 2616/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 19.11.2014. (ADI-2616)
ADI: órgão de segurança pública e repristinação - 1
O Plenário iniciou julgamento de ação direta ajuizada em face da EC 10/2001, que inseriu a Polícia Científica no rol dos órgãos de segurança pública previsto na Constituição do Estado do Paraná. Além disso, também se impugna o art. 50 da Constituição estadual (“A Polícia Científica, com estrutura própria, incumbida das perícias de criminalísticas e médico-legais, e de outras atividades técnicas congêneres, será dirigida por peritos de carreira da classe mais elevada, na forma da lei”) em virtude da repristinação de sua redação primitiva, diante da declaração de inconstitucionalidade da EC 10/2001. O Ministro Dias Toffoli (relator) julgou parcialmente procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da EC 10/2001 — já mencionada no caso acima —, bem como para conferir interpretação conforme à expressão “polícia científica”, constante da redação primitiva do art. 50 da Constituição do Estado do Paraná. O relator rememorou o entendimento firmado na ADI 2.827/RS (DJe de 6.4.2011) no sentido de que o rol de órgãos encarregados do exercício da segurança pública, previsto no art. 144, I a V, da CF, seria taxativo e de que esse modelo federal deveria ser observado pelos Estados-membros e pelo Distrito Federal. Frisou que nada impediria que a polícia científica, órgão responsável pelas perícias, continuasse a existir e a desempenhar suas funções, sem estar, necessariamente, vinculada à polícia civil, razão pela qual afastou a alegada inconstitucionalidade da redação originária do art. 50 da Constituição paranaense. Contudo, reputou necessário, com vistas a evitar confusão pelo uso do termo “polícia científica”, conferir-lhe interpretação conforme, para afastar qualquer interpretação que lhe outorgasse o caráter de órgão de segurança pública.
ADI 2575/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 19.11.2014. (ADI-2575)
ADI: órgão de segurança pública e repristinação - 2
Em divergência, o Ministro Roberto Barroso julgou integralmente procedente o pedido formulado. Inicialmente, acompanhou o relator na parte em que declarada a inconstitucionalidade da citada emenda. Entretanto, dissentiu, em parte, para não repristinar o art. 50 da Constituição paranaense. Considerou que esse artigo cairia por arrastamento, pelos mesmos fundamentos pelos quais julgada inconstitucional a aludida emenda, qual seja, a de instituir órgão — polícia técnica — fora da estrutura da polícia civil, o que seria materialmente incompatível com a Constituição. Sublinhou não ser possível criar uma polícia técnica fora da estrutura dos órgãos de segurança pública. Enfatizou que a polícia técnica deveria ter autonomia e não poderia estar subordinada ao delegado de polícia, mas sim à estrutura geral da polícia civil, a qual integraria, por mandamento constitucional. Ressaltou que sem a polícia técnica, a polícia civil não poderia cumprir as duas missões que a Constituição lhe atribuíra: polícia judiciária e a condução da investigação criminal. Em seguida, pediu vista o Ministro Teori Zavascki.
ADI 2575/PR, rel. Min. Dias Toffoli, 19.11.2014. (ADI-2575)
ADI e participação de empregados em órgãos de gestão
É constitucional o art. 24 da Lei Orgânica do Distrito Federal (“A direção superior das empresas públicas, autarquias, fundações e sociedades de economia mista terá representantes dos servidores, escolhidos do quadro funcional, para exercer funções definidas, na forma da lei”). Com base nesse entendimento, o Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade. O Tribunal esclareceu que a norma em questão, por ser oriunda do poder constituinte originário decorrente, não sofreria vício de reserva de iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo. Frisou, ainda, não haver violação da competência privativa da União para legislar sobre direito comercial. Além disso, a norma observaria a diretriz constitucional voltada à realização da ideia de gestão democrática.
ADI 1167/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 19.11.2014. (ADI-1167)
ADI: reconhecimento de responsabilidade civil do Estado e iniciativa legislativa
O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face da Lei 5.645/1998 do Estado do Espírito Santo. A referida norma, de iniciativa parlamentar, autoriza o Poder Executivo estadual a reconhecer sua responsabilidade civil pelas violações aos direitos à vida e à integridade física e psicológica decorrentes das atuações de seus agentes contra cidadãos sob a guarda legal do Estado. A Corte destacou não haver, na espécie, a alegada violação ao art. 61, § 1º, II, b, da CF, que fixa a competência privativa do Presidente da República para dispor sobre a organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios. Ademais, a disciplina estabelecida na norma impugnada, a dispor sobre responsabilidade civil — matéria de reserva legal —, seria, inclusive, salutar. Permitiria que a Administração reconhecesse, “motu proprio”, a existência de violação aos direitos nela mencionados.
ADI 2255/ES, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.11.2014. (ADI-2255)
ADI: matéria orçamentária e competência legislativa
O Plenário julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do inciso I do art. 189 da Constituição do Estado de Rondônia, inserido pela EC estadual 17/1999, e confirmou, quanto a esse dispositivo, medida cautelar anteriormente deferida (noticiada no Informativo 195). A Corte afirmou que a norma impugnada, ao considerar como integrantes da receita aplicada na manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas empenhadas, liquidadas e pagas no exercício financeiro, afrontaria o quanto disposto no art. 24, I, II, e § 1º, da CF (“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; II - orçamento; ... § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais”). O Ministro Roberto Barroso, ao acompanhar esse entendimento, acrescentou que o art. 212 da CF (“A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”) estabeleceria a necessidade de efetiva liquidação das despesas nele versadas. Não bastaria, portanto, o simples empenho da despesa para que se considerasse cumprido o mandamento constitucional, prática adotada pelo Estado de Rondônia.
ADI 2124/RO, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.11.2014. (ADI-2124)
REPERCUSSÃO GERAL
IPI e importação de automóveis para uso próprio - 1
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a incidência do IPI na importação de automóveis para uso próprio, por pessoa física, como consumidor final, que não atua na compra e venda de veículos, ante o princípio da não-cumulatividade do referido tributo. O Ministro Marco Aurélio (relator) desproveu o recurso para assentar a exigibilidade do IPI relativo à importação, praticada por pessoa natural não contribuinte, de veículo automotor para uso próprio. Ressaltou que o IPI incidiria sobre produtos enquadrados como industrializados, ou seja, decorrentes da produção. Afirmou que, conforme preceitua o art. 153, § 3º, da CF, o IPI seria seletivo, em função da essencialidade do produto. A cláusula ensejaria a consideração, consoante o produto e a utilidade que apresentasse, de alíquotas distintas. O IPI seria um tributo não cumulativo. A definição desse instituto estaria no inciso II do referido parágrafo. Resultaria na compensação do que devido em cada operação subsequente, quando cobrado, com o montante exigido nas operações anteriores. Frisou que, no entanto, não incidiria sobre produtos destinados ao exterior. Nesse ponto, notar-se-ia que a recíproca, em termos de normatização constitucional, não seria verdadeira. A imunidade, porque o benefício estaria preconizado na Constituição e não em outra legislação, apenas alcançaria os produtos industrializados que fossem exportados.
RE 723651/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 20.11.2014. (RE-723651)
IPI e importação de automóveis para uso próprio - 2
O relator consignou que a Constituição não distinguiria o contribuinte do imposto que, ante a natureza, poderia ser um nacional, pessoa natural ou pessoa jurídica brasileira, de modo que seria neutro o fato de não estar no âmbito do comércio e a circunstância de adquirir o produto para uso próprio. Assinalou a impossibilidade de o tributo ser confundido com o de importação. Recordou que o CTN preveria, em atendimento ao disposto no art. 146 da CF, os parâmetros necessários a ter-se como legítima a incidência do IPI em bens importados, presente a definição do fato gerador, da base de cálculo e do contribuinte. O art. 46 do CTN esclareceria que o imposto recairia em produtos industrializados e, no caso, teria como fato gerador o desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira (inciso I). O parágrafo único do citado artigo definiria produto industrializado, considerado como aquele submetido a qualquer operação que lhe modificasse a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoasse para consumo. Sob o ângulo da base de cálculo, disporia o art. 47 do CTN que, se o produto adviesse do estrangeiro, o preço normal seria o versado no inciso II do artigo 20 do CTN, acrescido do montante do Imposto sobre a Importação, das taxas exigidas para entrada do produto no País, dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis.
RE 723651/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 20.11.2014. (RE-723651)
IPI e importação de automóveis para uso próprio - 3
O Ministro Marco Aurélio considerou que incidiria o referido imposto quando ocorresse a produção em território nacional. Ponderou que políticas de mercado referentes à isonomia deveriam ser conducentes a homenagear, tanto quanto possível, a circulação dos produtos nacionais, sem prejuízo, evidentemente, do fenômeno no tocante aos estrangeiros. A situação estaria invertida se, simplesmente, desprezada a regência constitucional e legal, fosse assentado não incidir o imposto em produtos industrializados de origem estrangeira, fabricados fora do País e neste introduzidos via importação. Concluiu que o valor dispendido com o produto importado surgiria como próprio à tributação, sem distinção dos elementos que, porventura, o tivessem norteado. Então, a toda evidência, a cobrança do tributo, pela vez primeira, não implicaria o que vedado pelo princípio da não-cumulatividade, ou seja, a cobrança em cascata. Em seguida, pediu vista o Ministro Roberto Barroso.
RE 723651/PR, rel. Min. Marco Aurélio, 20.11.2014. (RE-723651)
Procuradores federais e férias - 1
Os procuradores federais têm o direito às férias de 30 dias, por força do que dispõe o art. 5º da Lei 9.527/1997, porquanto não recepcionados com natureza complementar o art. 1º da Lei 2.123/1953 e o art. 17, parágrafo único, da Lei 4.069/1962. Com base nessa orientação, o Plenário conheceu em parte de recurso extraordinário e, na parte conhecida, deu-lhe provimento. Na espécie, discutia-se a compatibilidade, com a CF/1988, de leis que estabelecem férias de 60 dias a procuradores federais. A turma recursal de tribunal local entendera que normatividade anterior à vigente Constituição teria sido por ela recepcionada com “status” de lei complementar, razão pela qual o art. 1º da Lei 2.123/1953 (que garante aos procuradores das autarquias federais as mesmas prerrogativas dos membros do Ministério Público da União) e o parágrafo único do art. 17 da Lei 4.069/1962 (que fixa vencimentos, gratificações e vantagens aos demais membros do serviço jurídico da União), ambos revogados pelo art. 18 da Lei 9.527/1997, somente poderiam ter sido eliminados do mundo jurídico por norma de igual ou superior hierarquia. O tribunal de origem concluíra que as disposições normativas anteriormente citadas continuariam em vigor, pois não teriam sido revogadas pela LC 73/1993. Em preliminar, por ausência de prequestionamento do tema, a Corte não conheceu da alegada incompetência absoluta de juizado especial federal cível para julgar a causa.
RE 602381/AL, rel. Min. Cármen Lúcia, 20.11.2014. (RE-602381)
Procuradores federais e férias - 2
No mérito, esclareceu que a questão posta estaria centrada na interpretação do art. 131, “caput”, da CF (“A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”) e sua aplicação aos procuradores federais. A evolução legislativa da matéria demonstraria que, até o advento da Medida Provisória 2.229-43/2001, não haveria a carreira de procurador federal mas, sim, cargos diversos cujos titulares seriam responsáveis pela representação judicial, consultoria e assessoria jurídica das autarquias e fundações públicas federais. A esses cargos se refeririam o art. 1º da Lei 2.123/1953 e o art. 17, parágrafo único, da Lei 4.069/1962. A Medida Provisória 2.229-43/2001 criara a carreira de procurador federal, com subordinação administrativa ao Advogado-Geral da União. A procuradoria-geral federal fora criada posteriormente, com a Lei 10.480/2002, e se estruturara segundo o que posto em leis ordinárias, em especial após a Constituição de 1988. Assim, o art. 131 da CF não tratara da Procuradoria-Geral Federal ou dos procuradores federais, ou seja, esse dispositivo constitucional não disciplinara a representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas (Administração indireta), mas apenas da União (Administração direta). O § 3º do art. 131 da CF referira-se à Advocacia-Geral da União e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (“Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei”). Ou seja, à representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais não se aplicaria o art. 131 da CF, pelo que a LC 73/1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União) limitara-se a dispor, em seu art. 17, que os “órgãos jurídicos” das autarquias e das fundações públicas seriam vinculados à Advocacia-Geral da União. De toda sorte, a organização e a estrutura não diria respeito com o regime jurídico específico dos membros daquela carreira. Assim, não ofenderia o art. 131 da CF a revogação do art. 1º da Lei 2.123/1953 e do art. 17, parágrafo único, da Lei 4.069/1962 pelo art. 18 da Lei 9.527/1997, pois os dispositivos revogados não teriam sido recepcionados pela Constituição como leis complementares. Juridicamente inadequado, portanto, manter a equiparação dos procuradores autárquicos (hoje procuradores federais) aos membros do Ministério Público Federal. Aqueles teriam perdido, desde a CF/1988, a função de representantes jurídicos da União, transferida para a Advocacia-Geral da União, nos termos do art. 131 da CF.
RE 602381/AL, rel. Min. Cármen Lúcia, 20.11.2014. (RE-602381)
Dano moral e manifestação de pensamento por agente político - 1
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a existência de direito a indenização por dano moral em razão da manifestação de pensamento por agente político, considerados a liberdade de expressão e o dever do detentor de cargo público de informar. Na espécie, o recorrente — Ministro de Estado à época dos fatos — fora condenado ao pagamento de indenização por danos morais em virtude de ter imputado ao ora recorrido responsabilidade pela divulgação do teor de gravações telefônicas obtidas a partir da prática de ilícito penal. O Ministro Marco Aurélio (relator) deu provimento ao recurso para reformar o acórdão recorrido e julgar improcedente o pedido formalizado na inicial. A princípio, destacou que, diferentemente do regime aplicável aos agentes públicos, o regime de direito comum, aplicável aos cidadãos, seria de liberdade quase absoluta de expressão, assegurada pelos artigos 5º, IV e XIV, e 220, “caput”, e § 2º, ambos da CF. No sistema constitucional de liberdades públicas, a liberdade de expressão possuiria espaço singular e teria como único paralelo, em escala de importância, o princípio da dignidade da pessoa humana, ao qual relacionado. O referido direito seria alicerce, a um so? tempo, do sistema de direitos fundamentais e do princi?pio democra?tico, portanto, genui?no pilar do Estado Democra?tico de Direito.
RE 685493/SP rel. Min. Marco Aurélio, 20.11.2014. (RE-685493)
Dano moral e manifestação de pensamento por agente político - 2
Segundo a jurisprudência do STF, as restrições à liberdade de expressão decorreriam da colisão com outros direitos fundamentais previstos no texto constitucional, dos quais seriam exemplos a proteção da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem de terceiros (CF, art. 5º, X). Porém, ainda que fosse possível a relativização de um princípio em certos contextos, seria forçoso reconhecer a prevalência da liberdade de expressão quando em confronto com outros valores constitucionais, raciocínio que encontraria diversos e cumulativos fundamentos. Assim, a referida liberdade seria uma garantia preferencial em razão da estreita relação com outros princípios e valores constitucionais fundantes, como a democracia, a dignidade da pessoa humana e a igualdade. Nesse sentido, o livre desenvolvimento da personalidade, por exemplo, um dos alicerces de vida digna, demandaria a existência de um mercado livre de ideias, onde os indivíduos formariam as próprias cosmovisões. Outrossim, sob o prisma do princípio democrático, a liberdade de expressão impediria que o exercício do poder político pudesse afastar certos temas da arena pública de debates, na medida em que o funcionamento e a preservação do regime democrático pressuporia alto grau de proteção aos juízos, opiniões e críticas, sem os quais não se poderia falar em verdadeira democracia.
RE 685493/SP rel. Min. Marco Aurélio, 20.11.2014. (RE-685493)
Dano moral e manifestação de pensamento por agente político - 3
O relator afirmou que, por outro lado, os agentes públicos estariam sujeitos a regime de menor liberdade em relação aos indivíduos comuns, tendo em conta a teoria da sujeição especial. Portanto, a relação entre eles e a Administração, funcionalizada quanto ao interesse público materializado no cargo, exigiria que alguns direitos fundamentais tivessem a extensão reduzida. Desse modo, no rol de direitos fundamentais de exercício limitado alusivos aos servidores públicos estaria a liberdade de expressão, por exemplo, no que diz com o dever de guardar sigilo acerca de informações confidenciais (CF, art. 37, § 7º). No caso em comento, entretanto, o que estaria em debate não seria a liberdade de expressão nas relações entre o servidor e a própria Administração Pública, à qual estaria ligado de forma vertical. Buscar-se-ia definir a extensão do direito à liberdade de expressão no trato com os administrados de modo geral e presente a coisa pública. Dentre os servidores públicos, se destacariam os agentes políticos — integrantes da cúpula do Estado e formadores de políticas públicas —, competindo-lhes formar a vontade política do Estado. Aqueles agentes estatais deveriam, portanto, gozar de proteção especial, o que seria estabelecido pela própria Constituição, por exemplo, no tocante aos integrantes do Poder Legislativo (CF, artigos 25; 29, VIII; e 53, “caput”).
RE 685493/SP rel. Min. Marco Aurélio, 20.11.2014. (RE-685493)
Dano moral e manifestação de pensamento por agente político - 4
De igual modo, os agentes políticos inseridos no Poder Executivo, embora não possuíssem imunidade absoluta quando no exercício da função, deveriam também ser titulares de algum grau de proteção conferida pela ordem jurídica constitucional. Isso se daria por dois motivos. Primeiramente, porque existiria evidente interesse público em que os agentes políticos mantivessem os administrados plenamente informados a respeito da condução dos negócios públicos, exigência clara dos princípios democrático e republicano. Em outras palavras, haveria o dever de expressão do agente público em relação aos assuntos públicos, a alcançar não apenas os fatos a respeito do funcionamento das instituições, mas até mesmo os prognósticos que eventualmente efetuassem. Consequentemente, reconhecer a imunidade relativa no tocante aos agentes do Poder Executivo, como ocorreria com os membros do Poder Legislativo, no que tange às opiniões, palavras e juízos que manifestassem publicamente, seria importante no sentido de fomentar o livre intercâmbio de informações entre eles e a sociedade civil. Em segundo lugar, por conta da necessidade de reconhecer algum grau de simetria entre a compreensão que sofrem no direito à privacidade e o regime da liberdade de expressão. No ponto, o STF admitiria a ideia de que a proteção conferida à privacidade dos servidores públicos situar-se-ia em nível inferior à dos cidadãos comuns, conforme decidido na SS 3.902 AgR-segundo/SP (DJe de 3.10.2011). O argumento seria singelo: aqueles que ocupassem cargos públicos teriam a esfera de privacidade reduzida. Isso porque o regime democrático imporia que estivessem mais abertos à crítica popular. Em contrapartida, deveriam ter também a liberdade de discutir, comentar e manifestar opiniões sobre os mais diversos assuntos com maior elasticidade que os agentes privados, desde que, naturalmente, assim o fizessem no exercício e com relação ao cargo público ocupado. Seria plausível, portanto, no contexto da Constituição, reconhecer aos servidores públicos campo de imunidade relativa, vinculada ao direito à liberdade de expressão, quando se pronunciassem sobre fatos relacionados ao exercício da função pública. Essa liberdade seria tanto maior quanto mais flexíveis fossem as atribuições políticas do cargo que exercessem, excluídos os casos de dolo manifesto, ou seja, o deliberado intento de prejudicar outrem.
RE 685493/SP rel. Min. Marco Aurélio, 20.11.2014. (RE-685493)
Dano moral e manifestação de pensamento por agente político - 5
O relator asseverou que, consideradas as premissas expostas, restaria analisar se teria havido, ou não, extrapolação no caso em comento, afinal, a integração entre norma e fatos mostrar-se-ia particularmente relevante quando se tratasse do conflito entre proteção à personalidade e liberdade de expressão. No caso dos autos, o recorrente teria declarado, em entrevistas veiculadas em matérias jornalísticas, a suspeita de que o recorrido teria promovido a distribuição de fitas cassete obtidas por intermédio de interceptação telefônica ilícita, suposição que seria confirmada ou desfeita no curso de inquérito policial sob a condução da polícia federal. Da análise dos fatos, surgiriam três certezas: a) as afirmações feitas pelo recorrente teriam sido juízos veiculados no calor do momento, sem maior reflexão ou prova das declarações; b) em nenhuma entrevista teria sido explicitada acusação peremptória de que o recorrido teria praticado o crime de interceptação ilegal de linhas telefônicas; ao contrário, as manifestações seriam sempre obtemperadas no sentido da ausência de certeza quanto ao que apontado; e c) as afirmações feitas pelo recorrente, então Ministro das Comunicações, teriam ocorrido no bojo das controvérsias a envolver a privatização da telefonia no País, fenômeno capitaneado pelo Ministério que comandava. Assim, o nexo de causalidade entre a função pública exercida pelo recorrente e as declarações divulgadas a levantar suspeitas sobre o recorrido, o qual detinha negócios com a Administração Pública Federal e, mais especificamente, em seara alcançada pelo Ministério das Comunicações, deixaria nítida a natureza pública e política da disputa. Por fim, e ante a motivação consignada, tudo o que se acrescentasse ao campo da calúnia, da injúria, da difamação e das ações reparatórias por danos morais seria subtraído ao espaço da liberdade. Obviamente, imputações sabidamente falsas não poderiam ser consideradas legítimas em nenhum ordenamento jurídico justo. Porém, o desenvolvimento da argumentação revelaria não ser esse o quadro retratado na espécie. Em seguida, pediu vista dos autos o Ministro Luiz Fux.
RE 685493/SP rel. Min. Marco Aurélio, 20.11.2014. (RE-685493)
PRIMEIRA TURMA
Conselho indigenista e legitimidade penal ativa
Os conselhos indigenistas não possuem legitimidade ativa em matéria penal. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma converteu embargos declaratórios em agravo regimental e a ele negou provimento, para rejeitar queixa-crime — ajuizada por organização não-governamental indígena — na qual imputada a prática, por parlamentares, de crimes de racismo e incitação à violência e ódio contra os povos indígenas. Inq 3862 ED/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 18.11.2014. (Inq-3862)
TCU: fiscalização de pessoa jurídica de direito privado e “bis in idem”
A 1ª Turma denegou a ordem em mandado de segurança impetrado com o objetivo de anular decisão do TCU que condenara pessoa jurídica de direito privado a ressarcir ao erário débito decorrente de malversação de verbas públicas recebidas de ministério. O impetrante sustentava que a instauração de procedimentos, pela Corte de Contas, em face de pessoas jurídicas de direito privado seria possível apenas depois do advento da EC 19/1998, e o recebimento do valor discutido teria ocorrido em momento anterior. Além disso, alegava que o objeto do aludido procedimento seria similar ao de ação civil pública em trâmite na justiça federal, o que configuraria “bis in idem”. A Turma asseverou que o TCU teria atribuição fiscalizadora acerca de verbas recebidas do Poder Público, porquanto implícito ao sistema constitucional a aferição da escorreita aplicação de recursos oriundos da União (CF, art. 71, II). O alcance desse dispositivo seria vasto, de forma a abarcar todos que detivessem, de alguma forma, dinheiro público. Além disso, o Decreto 200/1967 dispõe que quem quer que utilize dinheiros públicos tem de justificar seu bom e regular emprego na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas. Demais disso, o TCU, sem prejuízo de seu mister constitucional, atuaria com fundamento infraconstitucional, previsto no art. 8º de sua lei orgânica. Por fim, as instâncias judicial e administrativa não se confundiriam, razão pela qual a fiscalização do TCU não inibiria a propositura de ação civil pública, mesmo porque, na hipótese de condenação ao final do processo judicial, bastaria comprovar a quitação do débito na esfera administrativa ou vice-versa, de modo que não ocorreria duplo ressarcimento em favor da União pelo mesmo fato.
MS 26969/DF, rel. Min. Luiz Fux, 18.11.2014. (MS-26969)
Abuso de autoridade e prescrição
A 1ª Turma iniciou julgamento de agravo regimental em que se discute imprescritibilidade de crime de abuso de autoridade, previsto no art. 4º da Lei 4.898/1965, bem assim de pena funcional imposta em razão da prática desse tipo penal. A decisão agravada registrara a prescrição da pretensão executória da pena de 20 dias-multa, cominada com a determinação de perda do cargo público e inabilitação para o exercício de qualquer outro cargo durante três anos, imposta ao réu. O Ministério Público, agravante, alega que a imposição da perda do cargo público ocorreria automática e instantaneamente como decorrência do trânsito em julgado da condenação. Ademais, sustenta que, por se tratar de penas autônomas, não poderia o cômputo da prescrição de cada uma delas ser feito com base no menor prazo, o de dois anos para a pena corporal. Nesse sentido, defende que a pena de perda do cargo público guardaria maior identidade com a pena de inabilitação para o exercício da função, fixada pelo prazo de três anos e prescritível em oito (CP, art. 109), de modo que as duas sanções não estariam prescritas. O Ministro Dias Toffoli (relator) desproveu o agravo. Anotou que, à exceção dos delitos destacados no art. 5º, XLII e XLIV, da CF, o ordenamento jurídico não contemplaria crimes imprescritíveis. A imprescritibilidade seria a exceção, de modo que os crimes de abuso de autoridade tipificados na lei e as sanções respectivas estariam sujeitas à prescrição como regra, fosse da pretensão punitiva, fosse da pretensão executória. O fato de a Lei 4.898/1965 não tratar de prescrição não significaria que esses crimes seriam imprescritíveis, mas que a eles seria aplicável a regra geral, nos termos do art. 12 do CP. No tocante à pena funcional imposta, deveria incidir, por ser mais favorável, o menor prazo prescricional previsto no art. 109 do CP, de dois anos, sob pena de se operar analogia “in malam partem”. Em seguida, pediu vista o Ministro Roberto Barroso.
ARE 664961 AgR-ED-AgR/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, 18.11.2014. (ARE-664961)
SEGUNDA TURMA
Foro por prerrogativa de função: duplo grau de jurisdição e prova emprestada - 1
A 2ª Turma desproveu recurso ordinário em “habeas corpus” no qual promotor de justiça processado conforme os ditames da Lei 8.038/1990, pela suposta prática do crime de corrupção passiva, arguia: a) ausência de análise da defesa preliminar; b) falta de citação para defesa prévia; c) inexistência de fundamentação no recebimento da denúncia; c) investigação motivada por vingança e por inimigos institucionais; e) presença de prova plantada para incriminá-lo; f) existência de processo administrativo disciplinar presidido por inimigo capital; g) afastamento cautelar de funções antes do término do prazo de defesa; h) contrariedade ao princípio do duplo grau de jurisdição, tendo em conta suposta recusa do STJ em reexaminar provas; i) nulidade de interceptações telefônicas produzidas em outro processo, em alegada inobservância à Lei 9.296/1996; j) inversão do ônus da prova; e k) atipicidade dos fatos imputados. No que se refere às assertivas de parcialidade no processo, existência de provas plantadas, nulidade das interceptações telefônicas utilizadas como prova emprestada, atipicidade da conduta, ausência de provas, contrariedade à presunção de inocência e ao duplo grau de jurisdição, a Turma reputou que a apreciação do pleito recursal, no ponto, demandaria inviável reexame fático-probatório. No tocante à alegação de que a defesa preliminar não teria sido analisada, o Colegiado asseverou que a denúncia estaria devidamente fundamentada, de modo que estariam afastadas as teses da defesa preliminar. A respeito da falta de citação para defesa prévia, sublinhou a inexistência de prejuízo, tendo em conta que, no momento da resposta preliminar, teria sido apresentada argumentação quanto ao mérito da ação penal. A respeito, destacou o princípio do “pas de nullité sans grief”.
RHC 122806/AM, rel. Min. Cármen Lúcia, 18.11.2014. (RHC-122806)
Foro por prerrogativa de função: duplo grau de jurisdição e prova emprestada - 2
O Ministro Celso de Mello discorreu sobre as questões da prova emprestada e do duplo grau de jurisdição. No que se refere à temática da prova emprestada, assinalou que a jurisprudência da Corte admitiria, excepcionalmente, sua validade, desde que observados determinados postulados. No caso, a prova derivada de interceptação telefônica teria sido produzida, em outro processo, sob observância do contraditório, a conferir-lhe legitimidade jurídica. Nesse sentido, os elementos informativos de persecução penal ou as provas colhidas no bojo de instrução processual penal, desde que obtidos mediante interceptação telefônica devidamente autorizada por juízo competente, admitiriam compartilhamento para fins de instruir procedimento criminal ou administrativo disciplinar. Além disso, no juízo para o qual trasladada a prova deveria ser observada a garantia do contraditório, como teria ocorrido. De outro lado, no que concerne a suposta infringência ao princípio do duplo grau de jurisdição, a definição de competência penal originária para efeito de outorga da prerrogativa de foro não ofenderia o postulado do juiz natural, o devido processo legal ou a ampla defesa. No particular, membro do Ministério Público teria, em razão de seu ofício, essa prerrogativa, e deveria ser processado originariamente por tribunal de justiça. Ademais, sobrevinda condenação, ele teria tido acesso a graus de jurisdição superior.
RHC 122806/AM, rel. Min. Cármen Lúcia, 18.11.2014. (RHC-122806)