Informativo do STF 725 de 25/10/2013
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
ED e demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol - 1
O Plenário, por maioria, proveu em parte embargos de declaração opostos de decisão proferida em sede de ação popular (Pet 3388/RR, DJe de 1º.7.2010), na qual julgara-se parcialmente procedente o pedido formulado para, observadas algumas condições, declarar a validade da Portaria 534, de 13.4.2005, do Ministro de Estado da Justiça, que demarcou a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, e do Decreto Presidencial de 15.4.2005, que a homologou. Sustentava-se que o acórdão seria contraditório, na medida em que daria natureza mandamental a decisão declaratória proferida em sede de ação popular. Além disso, alegava-se que o Estado de Roraima não teria sido citado para integrar a lide como litisconsorte do autor, embora a competência da Corte para julgar a ação popular resultasse da existência de conflito federativo. Suscitavam-se, também, as seguintes questões: a) se pessoas miscigenadas poderiam permanecer na reserva; b) se pessoas que vivem maritalmente com índios poderiam permanecer na reserva; c) se autoridades religiosas de denominações não indígenas poderiam continuar a exercer suas atividades na reserva; d) se templos religiosos já construídos deveriam ser destruídos; e) se escolas públicas estatuais e municipais poderiam continuar em funcionamento; f) se, em caso positivo, poderiam continuar a lecionar conteúdo voltado à população não indígena; g) se a passagem de não índios pela única rodovia federal a ligar Boa Vista a Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, teria sido negada ou assegurada, no todo ou em parte, ou se dependeria de autorização; h) se o mesmo ocorreria quanto à rodovia que liga Normandia a Pacaraima; i) a quem caberia autorizar a passagem por essas rodovias; j) qual seria a situação das ações individuais que questionam a boa-fé dos portadores de títulos de propriedade, se estariam automaticamente extintas ou se seriam julgadas individualmente; e k) como se procederia a posse das fazendas desocupadas.
Pet 3388 ED - Terceiros/RR, rel. Min. Roberto Barroso, 23.10.2013. (Pet-3388)
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No tocante à ausência de citação do Estado de Roraima, desproveram-se os embargos. Lembrou-se que, após encerrada a instrução, esse Estado-membro teria pleiteado ingresso como litisconsorte ativo, e o STF teria rejeitado o pedido, para admitir o ente federativo somente como assistente simples, a fim de ingressar no processo na situação em que se encontrava. Quanto à natureza da decisão proferida em ação popular, desproveu-se o recurso. Registrou-se que não seria mais aceito em caráter absoluto entendimento segundo o qual apenas sentenças condenatórias seriam suscetíveis de execução. Essa percepção teria sido reforçada após a alteração do CPC, que suprimira a referência a sentença condenatória proferida em processo civil. Sobreviera o art. 475-N, cujo inciso I identificaria como título executivo a sentença proferida no processo civil que reconhecesse a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia. Assentou-se que esse dispositivo aplicar-se-ia à sentença que, ao julgar improcedente, parcial ou totalmente, o pedido de declaração de inexistência de relação jurídica obrigacional, reconhecesse a existência de obrigação do demandante para com o demandado. No caso, apontou-se que o STF teria declarado a validade da Portaria 534, de 13.4.2005, do Ministro de Estado da Justiça, que estabelecera a demarcação, bem como as condições em que seria implementada. Assim, o objeto executado na decisão da Corte seria o decreto presidencial que homologara essa portaria. Ademais, destacou-se que simples declaração judicial não teria o condão de fazer cessar, de forma imediata, toda e qualquer oposição indevida aos direitos reconhecidos no processo. Concluiu-se que o STF optara por dar execução própria a essa decisão, de modo a concretizar a portaria do Poder Executivo.
Pet 3388 ED - Terceiros/RR, rel. Min. Roberto Barroso, 23.10.2013. (Pet-3388)
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No que se refere às demais questões formuladas nos embargos, assinalou-se que pessoas miscigenadas, ou que vivessem maritalmente com índios, poderiam permanecer na área. Explicou-se que a CF/88 teria caráter pluralista e inclusivo, de maneira que o critério adotado pelo acórdão do STF não seria genético, mas sociocultural. Desse modo, poderiam permanecer na área demarcada e valer-se de seu usufruto todos que integrassem as comunidades indígenas locais. Importaria, para esse fim, a comunhão com o modo de vida tradicional dos índios da região. Reputou-se que a indagação acerca da presença de autoridades religiosas ou de templos de denominações não indígenas não teria sido debatida no acórdão de forma específica, mas reforçou-se que o objetivo da Constituição seria resguardar, para os índios, um espaço exclusivo onde pudessem viver a própria cultura e religiosidade. Esse direito, entretanto, não exigiria a ausência de contato com pessoas de fora desse espaço, como os não indígenas. Ressalvou-se, por outro lado, que não seria legítima a presença de indivíduos que tivessem como propósito interferir sobre a religião dos índios. Sublinhou-se, ainda, que a Constituição não teria por objetivo impedir os índios de fazer suas próprias escolhas, como se devessem permanecer em isolamento incondicional. Concluiu-se que, nos termos do acórdão, seria aplicável à questão religiosa a mesma lógica aplicada quanto ao usufruto das riquezas do solo, que seria conciliável com a eventual presença de não índios, desde que tudo ocorresse sob a liderança institucional da União. Asseverou-se caber às comunidades indígenas o direito de decidir se, como, e em quais circunstâncias seria admissível a presença dos missionários e seus templos. Não se trataria de ouvir a opinião dos índios, mas de dar a ela o caráter definitivo que qualquer escolha existencial mereceria. No tocante às escolas públicas, explicitou-se que o acórdão teria sido expresso ao dizer que as entidades federadas deveriam continuar a prestar serviços públicos nas terras indígenas, desde que sob a liderança da União (CF, art. 22, XIV). Assim, seria necessária a presença de escolas públicas na área, desde que respeitadas as normas federais sobre a educação dos índios, inclusive quanto ao currículo escolar e o conteúdo programático. No que se refere à passagem de não índios pelas rodovias citadas, lembrou-se que o acórdão estabelecera esse direito de passagem, visto que os índios não exerceriam poder de polícia, sequer poderiam obstar a passagem de outros pelas vias públicas que cruzassem a área demarcada. Quanto às ações individuais que questionam a boa-fé dos portadores de títulos de propriedade, proveu-se o recurso para explicitar que ao STF não teriam sido submetidos outros processos a respeito de questões individuais relacionadas à área. Assentou-se que, uma vez transitada em julgado a sentença de mérito proferida em ação popular, nos termos do art. 18 da Lei 4.717/65 (“Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível ‘erga omnes’, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”), todos os processos relacionados a essa terra indígena deveriam adotar as seguintes premissas: a) a validade da portaria do Ministério da Justiça e do decreto presidencial, observadas as condições estabelecidas no acórdão; e b) a caracterização da área como terra indígena, para os fins dos artigos 20, XI, e 231 da CF. Disso resultaria a inviabilidade de pretensões possessórias ou dominiais de particulares, salvo no tocante a benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. Por fim, quanto à posse das fazendas desocupadas, desproveu-se o recurso. Frisou-se que o tema não teria sido objeto de decisão no acórdão, mas eventuais disputas do tipo deveriam ser resolvidas pelas comunidades interessadas, com a participação da Funai e da União, sem prejuízo da intervenção do Ministério Público e do Judiciário. Vencido, em parte, o Ministro Marco Aurélio, que, considerados os esclarecimentos prestados pelo Plenário quanto a essas questões, provia os embargos em maior extensão.
Pet 3388 ED - Terceiros/RR, rel. Min. Roberto Barroso, 23.10.2013. (Pet-3388)
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Em seguida, o Plenário, por maioria, proveu parcialmente embargos declaratórios nos quais impugnadas as condições incorporadas ao dispositivo do acórdão recorrido. Alegava-se que não caberia ao STF traçar parâmetros abstratos de conduta, que sequer teriam sido objeto de discussão na lide. Sustentava-se que condições definidas em caráter geral e abstrato só poderiam ser impostas, a partir de casos concretos, por meio de súmula vinculante, inviável na hipótese porque inexistiriam reiteradas decisões da Corte sobre o tema. A Corte afirmou que as citadas condições seriam pressupostos para o reconhecimento da demarcação válida. Dessa forma, se o fundamento para se reconhecer a validade da demarcação é o sistema constitucional, seria o caso de não apenas explicitar o resultado, mas também as diretrizes que confeririam substância ao usufruto indígena e o compatibilizariam com outros elementos protegidos pela Constituição. Ponderou-se que seria impossível resolver o conflito fundiário apresentado sem enunciar os aspectos básicos do regime jurídico aplicável à área demarcada. Nesse sentido, as condições integrariam o objeto da decisão e fariam coisa julgada material. Portanto, a incidência das referidas diretrizes na reserva em comento não poderia ser objeto de questionamento em outros processos. Ressalvou-se, porém, que isso não significaria transformação da coisa julgada em ato normativo geral e abstrato, vinculante para outros processos que discutissem matéria similar. Assim, a decisão proferida na ação popular não vincularia juízes e tribunais quanto ao exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas. Entretanto, uma vez pronunciado o entendimento da Corte sobre o tema, a partir da interpretação do sistema constitucional, seria natural que esse pronunciamento servisse de diretriz relevante para as autoridades estatais que viessem a enfrentar novamente as mesmas questões. Em suma, ainda que o acórdão embargado não tivesse efeitos vinculantes em sentido formal, ostentaria a força de decisão da mais alta Corte do País, do que decorreria elevado ônus argumentativo nos casos em que se cogitasse de superação das suas razões.
Pet 3388 ED - Sextos/RR, rel. Min. Roberto Barroso, 23.10.2013. (Pet-3388)
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A parte recorrente sustentava, ainda, que o STF teria dado primazia incondicionada a interesses da União, bem como à tutela do meio ambiente, em detrimento dos direitos indígenas. No ponto, o Tribunal observou que o acórdão teria sido expresso a respeito da orientação adotada, sem que se pudesse vislumbrar primazia incondicionada em favor de alguém. Explicou-se que se aplicariam aos índios, como a quaisquer outros brasileiros nas suas terras, os regimes de proteção ambiental e de segurança nacional. O acórdão embargado teria definido como seriam conciliadas, em princípio, as pretensões antagônicas existentes. Sublinhou-se que essa seria tarefa ordinária do legislador, mas, na ausência de disposições claras sobre essas questões, coubera à Corte discorrer sobre o sentido das exigências constitucionais na matéria, à luz do caso concreto. Destacou-se que essa ponderação em abstrato, feita pelo STF, não impediria que outros julgadores chegassem a conclusões específicas diversas, que poderiam ser questionadas pelas vias próprias.
Pet 3388 ED - Sextos/RR, rel. Min. Roberto Barroso, 23.10.2013. (Pet-3388)
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Alegava-se, também, que a utilização das terras indígenas pela União dependeria da prévia edição de lei complementar (CF, art. 231, § 6º). A respeito, o Tribunal asseverou que, de acordo com a interpretação conferida pelo acórdão, a reserva de lei complementar prevista nesse dispositivo não alcançaria toda e qualquer atuação da União nas terras indígenas. Em particular, o patrulhamento de fronteiras, a defesa nacional e a conservação ambiental nas áreas demarcadas não dependeriam da prévia promulgação da referida lei.
Pet 3388 ED - Sextos/RR, rel. Min. Roberto Barroso, 23.10.2013. (Pet-3388)
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Indagava-se, ademais, como se realizaria a participação das comunidades indígenas nas deliberações que afetassem seus interesses e direitos. A respeito, a Corte afirmou que a consulta aos indígenas seria elemento central da Convenção 169 da OIT, que integraria o direito pátrio e teria sido considerada no acórdão. Entretanto, frisou-se que esse direito de participação não seria absoluto. Assim, certos interesses também protegidos pela Constituição poderiam excepcionar ou limitar, sob certas condições, o procedimento de consulta prévia. No caso, lembrou-se que a decisão destacara que o direito de prévia consulta deveria ceder diante de questões estratégicas relacionadas à defesa nacional. Via de regra, o planejamento das operações militares não envolveria a necessidade de prévia consulta, mas, em relação a outros temas, ainda que estrategicamente relevantes, caberia às autoridades, e eventualmente ao Judiciário, utilizar-se da referida Convenção para ponderar os interesses em jogo. Salientou-se que a relevância da consulta às comunidades indígenas não significaria que as decisões dependessem formalmente da aceitação dessas comunidades como requisito de validade. A mesma lógica se aplicaria em matéria ambiental, de modo que não haveria problema no fato de que as tradições e costumes indígenas fossem considerados como apenas mais um fator, a ser sopesado pela autoridade ambiental. Assim, a autoridade responsável pela administração das áreas de preservação não poderia decidir apenas com base nos interesses dos indígenas, e deveria levar em conta as exigências relacionadas à tutela do meio ambiente. Assinalou-se que, em qualquer caso, estaria garantido o acesso ao Judiciário para impugnar qualquer decisão da autoridade competente.
Pet 3388 ED - Sextos/RR, rel. Min. Roberto Barroso, 23.10.2013. (Pet-3388)
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Questionava-se, ainda, a vedação à ampliação das áreas demarcadas, nos termos do que decidido pelo Plenário. Primeiramente, o Tribunal esclareceu que o instrumento da demarcação, previsto no art. 231 da CF, não poderia ser empregado, em sede de revisão administrativa, para ampliar a terra indígena já reconhecida, sob pena de insegurança jurídica quanto ao espaço adjacente. Isso não impediria, entretanto, que a área sujeita a uso pelos índios fosse aumentada por outras vias previstas no direito. Nesse sentido, os índios e suas comunidades poderiam adquirir imóveis na forma da lei. Além disso, a União poderia obter o domínio de outras áreas, por meio de compra e venda, doação ou desapropriação. Em segundo lugar, a Corte explicitou que o acórdão não proibiria toda e qualquer revisão do ato de demarcação. Permitir-se-ia o controle judicial, e a limitação prevista no ato decisório alcançaria apenas o exercício da autotutela administrativa. Portanto, não haveria espaço para nenhum tipo de revisão fundada na conveniência e oportunidade do administrador. Isso não ocorreria, porém, nos casos de vício no processo de demarcação. Impor-se-ia o dever à Administração de anular suas decisões quando ilícitas, observado o prazo decadencial de 5 anos. Nesses casos, a anulação deveria ser precedida de procedimento administrativo idôneo. Ademais, como a nulidade configuraria vício de origem, fatos ou interesses supervenientes à demarcação não poderiam ensejar a cassação administrativa do ato. Em terceiro lugar, o Tribunal explicitou que seria vedado à União rever os atos de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ainda que no exercício de autotutela administrativa, considerado o fato de que sua correção formal e material teria sido atestada pela Corte. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, Presidente, que proviam os embargos quanto às condicionantes expostas na parte dispositiva do acórdão, visto que encerrariam normas abstratas autônomas. Aduziam não caber ao STF atuar de forma tão alargada, como legislador positivo, para introduzir regras que somente poderiam existir mediante atuação do Poder Legislativo.
Pet 3388 ED - Sextos/RR, rel. Min. Roberto Barroso, 23.10.2013. (Pet-3388)
ED e demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol - 9
Em seguida, o Plenário proveu parcialmente embargos de declaração nos quais, em face da condicionante do acórdão a estipular que o usufruto dos índios não compreenderia a garimpagem ou a faiscação, que dependeriam de permissão de lavra garimpeira, alegava-se que caberia apenas aos indígenas o aproveitamento de jazimento mineral localizado naquelas terras. A Corte rememorou que o acórdão embargado não discutira à exaustão o regime legal e regulamentar aplicável à espécie, mas apenas definira que o usufruto não conferiria aos índios o direito de explorar os recursos minerais sem autorização da União, nos termos de lei específica (CF, artigos 176, § 1º, e 231, § 3º). Diferenciou-se mineração, como atividade econômica, das formas tradicionais de extrativismo, praticadas imemorialmente, nas quais a coleta constituiria expressão cultural de determinadas comunidades indígenas. Assim, no primeiro caso, não haveria como afastarem-se as exigências constitucionais citadas. Ademais, indagava-se como se realizaria o pagamento de indenização quando a feitura de obras públicas, fora da terra indígena, prejudicasse o usufruto exclusivo dos índios sobre a área. Esclareceu-se que o ponto não integraria o objeto da ação e, por isso, não teria sido abordado na decisão embargada. Salientou-se que a configuração do dever de indenizar dependeria de pressupostos que deveriam ser examinados em cada caso concreto, à luz da legislação pertinente.
Pet 3388 ED - Sétimos/RR, rel. Min. Roberto Barroso, 23.10.2013. (Pet-3388)
ED e demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol - 10
Seguindo no julgamento do recurso, o Plenário deliberou, em face de questão de ordem apresentada pelo Ministro Roberto Barroso, relator, que tão logo transitado em julgado o acórdão, cessaria a competência do STF em relação ao feito. Anotou-se que a execução do que decidido pela Corte estaria a transcorrer, na justiça federal local, normalmente, e que não haveria mais conflito federativo a sanar. Dessa forma, eventuais processos a envolver a área em questão deveriam ser julgados pelos órgãos locais competentes.
Pet 3388 ED - Primeiros a Sétimos/RR, rel. Min. Roberto Barroso, 23.10.2013. (Pet-3388)
Modulação: precatório e EC 62/2009 - 1
O Plenário iniciou exame de questão de ordem em que se propusera modulação dos efeitos, no tempo, do quanto decidido no julgamento conjunto de ações diretas de inconstitucionalidade em que declarados parcialmente inconstitucionais dispositivos da EC 62/2009, que instituíra regime especial de pagamento de precatórios pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Na espécie, o Tribunal, por maioria, rejeitara a arguição de inconstitucionalidade formal em que alegada inobservância do interstício dos turnos de votação. No mérito, por maioria, declarara-se inconstitucional: a) a expressão “na data de expedição do precatório”, contida no § 2º do art. 100 da CF, na redação da EC 62/2009. Explicou-se que configuraria critério de aplicação de preferência no pagamento de idosos, uma vez que esse balizamento temporal traria a isonomia entre cidadãos credores da Fazenda Pública ao discriminar, sem fundamento, aqueles que viessem a alcançar 60 anos em data posterior à expedição do precatório, enquanto pendente este e ainda não ocorrido o pagamento; b) os §§ 9º e 10 do art. 100 da CF, incluídos pela EC 62/2009, e o art. 97, II, do ADCT, que fixava um regime unilateral de compensação dos débitos da Fazenda Pública inscritos em precatório. Esse critério beneficiaria exclusivamente o devedor público, em ofensa ao princípio da isonomia. Além disso, os dispositivos instituiriam nítido privilégio em favor do Estado e em detrimento do cidadão, cujos débitos em face do poder público sequer poderiam ser compensados com as dívidas fazendárias; c) a expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”, constante do § 12 do art. 100 da CF, incluído pela EC 62/2009, para que aos precatórios de natureza tributária se aplicassem os mesmos juros de mora incidentes sobre o crédito tributário; d) por arrastamento, a mesma expressão contida no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pela Lei 11.960/2009, porquanto reproduziria a literalidade do comando contido no § 12 do art. 100 da CF; e) o art. 97, § 1º, II, e § 16 do ADCT, definidores do critério de atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatório, ao fundamento de afronta ao princípio da proporcionalidade, por determinarem sacrifício desmesurado ao direito fundamental de propriedade; f) a expressão “independentemente de sua natureza”, sem redução de texto, contida no § 12 do art. 100 da CF, incluído pela EC 62/2009, para afastar a incidência dos juros moratórios calculados segundo índice de caderneta de poupança quanto aos créditos devidos pela Fazenda Pública em razão de relações jurídico-tributárias; g) por arrastamento, conferiu-se interpretação conforme a Constituição à mesma expressão citada no item anterior e contida no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pela Lei 11.960/2009; h) o § 15 do art. 100 da CF e todo o art. 97 do ADCT porque, ao criarem regime especial para pagamento de precatórios para Estados, Distrito Federal e Municípios, veiculariam nova moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Pública e imporiam contingenciamento de recurso para esse fim, a violar a cláusula constitucional do estado de direito, o princípio da separação de poderes, o postulado da isonomia, a garantia do acesso à justiça, a efetividade da tutela judicial, o direito adquirido e a coisa julgada — v. Informativos 631, 643, 697 e 698.
ADI 4357 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 24.10.2013. (ADI-4357) ADI 4425 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 24.10.2013. (ADI-4425)
Modulação: precatório e EC 62/2009 - 2
O Ministro Luiz Fux, relator, destacou que, embora o Tribunal houvesse reconhecido a nulidade dos citados dispositivos, inegável que, durante quase quatro anos, ao longo dos exercícios financeiros de 2010 a 2013, a mencionada sistemática juridicamente inválida entrara em vigor, surtira efeito e fora aplicada por diversas unidades federativas. Asseverou que esse quadro fático denotaria, em primeiro lugar, a existência de situações concretas e, de certo modo, consolidadas no tempo. Em segundo lugar, indicaria que a atual programação orçamentária e financeira dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios fora realizada em cenário distinto, em que vigoraria integralmente a EC 62/2009. Apontou que esses fatos tornariam imperioso que o STF definisse o alcance temporal de seu pronunciamento, razão pela qual fora suscitada a presente questão de ordem. Aduziu que, em matéria de jurisdição constitucional, a eficácia retrospectiva seria corolário lógico do princípio da supremacia da Constituição, que não se coadunaria com o reconhecimento de validade de lei inconstitucional, ainda que por período determinado. Ponderou que a modulação dos efeitos temporários da declaração de inconstitucionalidade não significaria afronta à Constituição, mas defesa da segurança jurídica ou outro valor constitucional relevante sob o prisma do princípio da proporcionalidade. Assegurou serem esses os fundamentos a explicar a existência e a justificar a validade desse instituto como corolário imediato da força normativa da própria Constituição. Assim, quanto à declaração de inconstitucionalidade da expressão “na data da expedição do precatório” (CF, art. 100, § 2º, na redação da EC 62/2009), pontuou que a decisão deveria ter efeito retroativo. Entendeu que o fato de o STF haver reconhecido a invalidade da limitação temporal criada pela EC 62/2009 implicaria, de imediato, que todo credor que tivesse completado 60 anos de idade após a expedição do respectivo precatório teria jus à nova preferência. Explicou que, na verdade, não se trataria propriamente de eficácia retroativa da decisão, mas de aplicabilidade imediata do entendimento judicial, afastado o óbice temporal existente até então para o gozo do benefício. No que concerne ao regime de compensação unilateral dos débitos da Fazenda Pública inscritos em precatório, criados pelos §§ 9º e 10 do art. 100 da CF, bem como pelo § 9º, II, do art. 97 do ADCT, introduzidos pela EC 62/2009, entendeu que a decisão deveria produzir efeitos retrospectivos, a atingir toda e qualquer compensação unilateral que tivesse sido realizada pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Frisou que a segurança jurídica e a proteção da confiança legítima, vetores axiológicos que justificariam a modulação das decisões judiciais, não protegeriam aqueles que agissem utilizando-se da própria torpeza. Salientou que não existira qualquer ameaça à segurança jurídica ou à estabilidade social ao se declarar retroativamente a invalidade ou a prática arbitrária e anti-isonômica como a que fora elaborada pela própria Fazenda Pública, ao criar um regime jurídico desproporcionalmente desvantajoso. Não vislumbrou, tampouco, interesse social na manutenção das compensações unilaterais realizadas pela Fazenda Pública ao arrepio da lei.
ADI 4357 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 24.10.2013. (ADI-4357) ADI 4425 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 24.10.2013. (ADI-4425)
Modulação: precatório e EC 62/2009 - 3
Explanou que o interesse social seria contrário ao exercício abusivo das prerrogativas estatais. Certificou que o interesse social imporia a invalidação retroativa da sistemática de compensação unilateral, como fora assentado pelo STF. Lembrou que, conforme apontado pelo autor, bastaria que os tribunais acrescessem, aos valores dos precatórios constituídos, o montante irregularmente compensado, o que solucionaria o problema. Dessa forma, bastaria que esses acréscimos fossem processados ou quitados na ordem cronológica, nos termos do art. 100 da CF. Analisou que essas mesmas razões recomendariam a declaração retroativa de inconstitucionalidade da expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”, constante no § 12 do art. 100 da CF e também nos §§ 1º, II, e 16, ambos do art. 97 do ADCT, porque definidora do critério de atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatório. Atribuiu, também, eficácia retrospectiva à interpretação conforme a Constituição conferida à expressão “independentemente de sua natureza”, contida no mesmo § 12 do art. 100 da CF. Entendeu que não se poderia admitir que o poder público lançasse mão de expedientes inconstitucionais para reduzir o seu passivo com a sociedade brasileira. Por arrastamento, reconheceu com eficácia ex tunc a inconstitucionalidade da expressão “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança”, contida no art. 1º-F da Lei 9.494/97 que, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, passara a reproduzir a literalidade do comando contido no art. 100, § 2º, da CF. De igual modo, deu interpretação conforme a Constituição quanto ao mesmo art. 1º da Lei 9.494/97, com a redação da Lei 11.960/2009, na expressão “independentemente de sua natureza”, para afastar a incidência do índice de remuneração da caderneta de poupança para fins de cômputo dos juros moratórios devidos pela Fazenda Pública em razão de relação jurídico-tributária. Assim, aplicou à hipótese o mesmo índice pelo qual se remuneraria o Fisco pela mora do contribuinte.
ADI 4357 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 24.10.2013. (ADI-4357) ADI 4425 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 24.10.2013. (ADI-4425)
Modulação: precatório e EC 62/2009 - 4
Salientou que, quanto à declaração de inconstitucionalidade do § 15 do art. 100 da CF e do art. 97 do ADCT, ambos incluídos pela EC 62/2009, deveriam ter seus efeitos modulados no tempo. Explanou que, embora fosse desejável que os citados entes políticos honrassem as suas dívidas pontualmente, a satisfação imediata de todos os credores poderia impactar a consecução dos demais misteres constitucionais que caberiam ao poder público, a afetar a esfera jurídica de inúmeros outros cidadãos que não seriam responsáveis pela recalcitrância da Fazenda Pública em pagar as suas dívidas. Salientou que o exercício financeiro de 2013 estaria próximo ao fim e que boa parte do planejamento orçamentário referente a 2014 fora realizado com base na legislação vigente, em especial a EC 62/2009. Defendeu que a presente proposta de modulação manteria, por cinco anos, com base no princípio constitucional da segurança jurídica, todas as demais previsões do regime jurídico especial criado pela EC 62/2009. Acentuou que essa proposta conteria as seguintes regras: a) seriam considerados válidos os pagamentos realizados até o trânsito em julgado das ADI 4425/DF e 4357/DF nas modalidades leilão e quitação por acordo, porque essas formas de pagamento teriam sido declaradas nulas com eficácia ex nunc, certo que não poderiam ser utilizadas doravante; b) seriam mantidos os percentuais mínimos da receita corrente líquida, vinculados ao pagamento do precatório (ADCT, art. 97, §§ 1º e 2º), o que permitiria que Estados, Distrito Federal e Municípios dessem continuidade à quitação de suas dívidas sem prejudicar o atendimento de outras finalidades de interesse público; c) até o final do exercício financeiro de 2018, Estados, Distrito Federal e Municípios devedores que pagassem precatórios pelo regime especial aqui modulado não poderiam ter valores sequestrados, exceto no caso de não liberação tempestiva dos recursos de que tratariam o §§ 1º, II, e 2º do art. 97 do ADCT, por força do art. 97, § 13, do ADCT. Esclareceu que, caso não houvesse liberação tempestiva dos recursos vinculados ao pagamento dos precatórios (ADCT, art. 97, § 10): I) haveria “... o sequestro da quantia nas contas de Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, por ordem do Presidente do Tribunal referido no § 4º do art. 97 do ADCT, até o limite do valor não liberado”; II) constituir-se-ia, “... alternativamente, por ordem do Presidente do Tribunal requerido, em favor dos credores, de precatórios contra Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, direito líquido e certo, autoaplicável e independentemente de regulamentação, à compensação automática com débitos líquidos lançados por esta contra aqueles e, havendo saldo em favor do credor, o valor terá automaticamente poder liberatório ao pagamento de tributos de Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, até onde se compensarem”; e III) “o chefe do Poder Executivo responderá na forma de legislação de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa” (art. 97, § 10, I, II e III, do ADCT).
ADI 4357 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 24.10.2013. (ADI-4357) ADI 4425 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 24.10.2013. (ADI-4425)
Modulação: precatório e EC 62/2009 - 5
Observou, ainda, que as compensações eventualmente já efetuadas também não causariam impacto gravoso à segurança jurídica ou à estabilidade social. Sublinhou que os tribunais seriam instados a acrescer aos valores dos precatórios formados o montante regularmente compensado e que esses acréscimos deveriam ser processados e quitados em ordem cronológica até final exercício financeiro de 2018. Sinalizou que o entendimento proposto teria aplicabilidade tanto a precatórios pendentes de expedição, porque já ocorrido o trânsito em julgado da decisão condenatória da Fazenda Pública, quanto a precatórios que viessem a surgir em decorrência de novas e ulteriores condenações do erário público até o final do exercício financeiro de 2018. Considerou que, como em toda e qualquer decisão que envolvesse fixação de prazo, o que estaria em jogo seria tanto a efetividade da Constituição quanto a credibilidade do STF. Enfatizou que, vencido o prazo ora fixado e findo o exercício financeiro de 2018, seria imediatamente aplicável o novo art. 100 da CF, que preveria a possibilidade de sequestro de verbas públicas suficientes para a satisfação do débito sempre que não ocorresse tempestiva alocação orçamentária. Preveria ainda a responsabilidade penal e administrativa do Presidente de tribunal que, por ato comissivo ou omissivo, retardasse ou tentasse frustrar a liquidação regular dos precatórios. Consignou ser o momento oportuno para que o STF revisse o entendimento de que a intervenção federal, quando motivada por descumprimento de decisão judicial pelo não pagamento de precatórios, estaria sujeita à comprovação do dolo e da atuação deliberada do gestor público em furtar-se à sujeição ao direito. Ponderou que essa prova de dolo inviabilizaria qualquer pedido de intervenção.
ADI 4357 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 24.10.2013. (ADI-4357) ADI 4425 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 24.10.2013. (ADI-4425)
Modulação: precatório e EC 62/2009 - 6
Ponderou ser indiscutível que o Poder Judiciário teria papel decisivo na construção de rede de incentivos sobre comportamentos humanos na sociedade. Assentou que o não pagamento por parte do poder público, despido de dolo, teria se tornado prática que não envolveria qualquer ônus. Assim, bastaria que o gestor invocasse as limitações da realidade, traduzidas na reserva do possível, para que a possibilidade de intervenção fosse afastada. Atestou que a intervenção federal existente em estado potencial na legislação brasileira teria sido reduzida a zero e que seria necessário romper esse círculo vicioso. Observou que, se a intervenção federal não fosse medida adequada para quitar todos os precatórios pendentes, seria conveniente a criação de rede de incentivos que estimulassem o adimplemento do Poder Público contra seus débitos reconhecidos em juízo. Concluiu que, se adviesse o exercício financeiro ora proposto – 2018 – sem que Estados, Distrito Federal e Municípios tivessem honrado suas dívidas ou sem que viabilizassem formas alternativas para fazê-lo, deveria ser aplicado de imediato o art. 100 da CF, bem como deveria ser cabível a intervenção federal ou estatal, no caso de Municípios, a garantir a efetividade da Constituição e a credibilidade do STF. Após, concluída a proposta do relator, pediu vista o Ministro Roberto Barroso.
ADI 4357 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 24.10.2013. (ADI-4357) ADI 4425 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 24.10.2013. (ADI-4425)
PRIMEIRA TURMA
HC: sustentação oral por estagiário e prejuízo
É causa de prejudicialidade de habeas corpus a superveniência de novo título judicial que mantém a prisão cautelar do paciente com base nos mesmos fundamentos expostos em decreto de prisão anterior. Com essa conclusão, a 1ª Turma, por maioria, não conheceu de habeas corpus impetrado contra decisão que assentara o prejuízo do writ. De início, em votação majoritária, indeferiu-se pedido de sustentação oral de estagiário do curso de Direito. Assinalou-se que o estatuto da OAB estabeleceria que o referido ato seria privativo de advogado. Além disso, referiu-se ao que disposto no RISTF (“Art. 124. As sessões serão públicas, salvo quando este Regimento determinar que sejam secretas, ou assim o deliberar o Plenário ou a Turma. Parágrafo único. Os advogados ocuparão a tribuna para formularem requerimento, produzirem sustentação oral, ou responderem às perguntas que lhes forem feitas pelos Ministros”). O Ministro Marco Aurélio complementou que não se viabilizaria o acesso à tribuna quer pelo estagiário, quer pelo cidadão comum. No ponto, vencido o Ministro Dias Toffoli, relator, que admitia a sustentação. Enfatizava que qualquer cidadão poderia impetrar habeas corpus. No mérito, o Colegiado reputou estar prejudicado o writ pela superveniência da sentença. Vencidos o relator e o Ministro Marco Aurélio, que concediam a ordem para que a Corte a quo enfrentasse o mérito da impetração.
HC 118317/SP, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 22.10.2013. (HC-118317)
“Emendatio libelli” e competência - 1
Ante a situação peculiar dos autos, a 1ª Turma denegou habeas corpus em que se arguia a possibilidade de o magistrado conferir definição jurídica diversa aos fatos narrados na peça acusatória em momento anterior à prolação de sentença, quando repercutisse na fixação de competência ou na delimitação de procedimento a ser adotado. Na origem, juiz federal de 1º grau, no ato do recebimento da denúncia, entendera que os fatos apurados se enquadrariam ao delito de estelionato previdenciário (CP, art. 171, § 3º) e não ao delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, V), e, assim, fixara sua competência. Desta decisão, o Ministério Público Federal interpusera recurso em sentido estrito, provido para determinar a remessa da ação penal a outro juízo federal, especializado em crimes de lavagem de capitais.
HC 115831/MA, rel. Min. Rosa Weber, 22.10.2013. (HC-115831)
“Emendatio libelli” e competência - 2
Preponderou o voto da Ministra Rosa Weber, relatora, que indeferiu o pedido. Consignou que, em regra, a sentença seria a ocasião oportuna para a emendatio libelli (CPP, art. 383). Aduziu que, no entanto, seria admissível antecipar a desclassificação em hipótese de definição de rito e da própria competência. Sublinhou que, não obstante isso, o caso em apreço conteria peculiaridade, uma vez que existiria processo-crime, conexo a esta ação, em trâmite na vara especializada. Observou, ainda, que subtrair do magistrado a oportunidade de apreciar, na esfera de sua própria competência, o exame dos fatos narrados na denúncia como configuradores de lavagem de dinheiro tornaria inócua a especialização do juízo. Por fim, considerou que, acaso configurada a existência do esquema de fraudes e de lavagem de ativos, que já originara a outra ação penal, impenderia concluir ser mais conveniente que o mesmo juízo julgasse ambos os feitos, sobretudo para evitar decisões contraditórias. O Ministro Dias Toffoli registrou ser resistente às especializações havidas para tratar de um ou outro artigo ou tipo penal. Salientou que se teria, na espécie, conflito de competência entre dois juízos criminais. O Ministro Marco Aurélio enfatizou que o acusado defender-se-ia dos fatos, e não do seu enquadramento jurídico.
HC 115831/MA, rel. Min. Rosa Weber, 22.10.2013. (HC-115831)
Competência e injúria praticada por civil contra militar
A 1ª Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para declarar a incompetência absoluta da Justiça Militar para processar e julgar crimes de injúria e difamação praticados por civil contra militar. Reputou-se que as supostas ofensas difamatórias teriam sido proferidas em razão da conduta do ofendido durante atendimento odontológico à paciente, razão pela qual teriam ficado limitadas à esfera pessoal da vítima de modo a macular somente a honra subjetiva desta. Assim, não se vislumbrou ter a conduta da paciente ofendido as instituições militares para fins de fixação da competência da Justiça Castrense para processamento e julgamento do feito. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli, que denegavam a ordem. Consignavam que a competência seria da Justiça Militar. Pontuavam que a vítima procedera ao atendimento da paciente como odontólogo militar, em ambiente militar, situação concreta que atrairia a incidência do art. 9º, III, b, do CPM (“Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: ... os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: ... em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça militar, no exercício da função inerente ao seu cargo”).
HC 116780/CE, rel. Min. Rosa Weber, 22.10.2013. (HC-116780)
Falta grave e não retorno a prisão
A 1ª Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende o afastamento de falta grave. No caso, o paciente estaria cumprindo pena em regime semiaberto e lograra o benefício de visitação periódica ao lar. Ciente de que a referida benesse teria sido cassada em razão de provimento de recurso do Ministério Público, não regressara ao estabelecimento prisional. O Ministro Marco Aurélio, relator, considerou como justificada a ausência de retorno do paciente à penitenciária e, por conseguinte, repeliu o cometimento de falta grave. Consignou que a resistência a ato que, de início, surgisse discrepante da ordem jurídica consubstanciaria direito natural a implicar autodefesa. Reputou que o cidadão não estaria compelido a aceitar o ato, especialmente quando implicasse injustiça. Após, pediu vista o Ministro Roberto Barroso.
HC 115279/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 22.10.2013. (HC-115279)
SEGUNDA TURMA
“Habeas corpus” e sigilo
A 2ª Turma negou provimento a agravo regimental em habeas corpus no qual condenado a prisão civil por dívida pretendia obstar a possibilidade de ofensa ao seu status libertatis. Na espécie, em razão das informações do tribunal de origem no sentido de que o paciente obtivera liminar suspensiva do decreto prisional com subsequente expedição de contramandado de prisão, o Ministro Celso de Mello, relator, julgou prejudicado o habeas corpus. No presente recurso, a defesa intenta o sigilo aos autos, ao argumento de se tratar, na origem, de ação de alimentos. A Turma ressaltou a correção da decisão agravada, ante a perda superveniente de objeto. Afirmou-se que, embora o CPC determinasse que na ação civil de alimentos se observasse o regime de segredo de justiça, não se poderia impor sigilo a habeas corpus em que controverso o ius libertatis do devedor alimentante. Frisou-se que não constaria, na autuação do presente recurso, o nome do alimentado, cuja não identificação somente se legitimaria quando se tratasse de processo de natureza civil.
HC 119538 AgR/SP, rel. Min. Celso de Mello, 22.10.2013. (HC-119538)