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    Informativo do STF 722 de 04/10/2013

    Publicado por Supremo Tribunal Federal


    PLENÁRIO

    Magistratura e auxílio-alimentação - 1

    O Plenário iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta contra a Resolução 133/2011 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ e a Resolução 311/2011 do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. O primeiro ato impugnado, ao disciplinar a equiparação de vantagens entre a magistratura e o Ministério Público, considerou devido o pagamento de auxílio-alimentação aos magistrados. A norma do tribunal local, por sua vez, autorizou o pagamento da mencionada verba aos juízes daquela unidade da federação. O Ministro Marco Aurélio, relator, conheceu do pedido, em parte, e, na parte conhecida, julgou-o procedente para declarar a inconstitucionalidade formal das normas questionadas. Salientou, de início, que, embora o autor tivesse requerido a declaração de inconstitucionalidade de toda a resolução editada pelo CNJ, as justificativas se circunscreveram apenas à inconstitucionalidade do auxílio-alimentação, a caracterizar irresignação genérica quanto às demais vantagens constantes na norma. Isso acarretaria a inadmissibilidade da ação em relação aos pontos não atacados motivadamente. Atestou a adequação da via eleita, por entender tratar-se de ato normativo secundário dotado de generalidade de lei. Asseverou, também, não vislumbrar a necessidade de reserva de lei complementar para dispor sobre a matéria. Ponderou que a fundamentação adotada pelo CNJ para instituir o auxílio-alimentação para os magistrados qual seja, a necessidade de equiparação, por simetria, dos critérios remuneratórios adotados pelos membros do Ministério Público, que percebem a referida verba seria destituída de embasamento constitucional. Apontou que no art. 93 da Constituição de 1988 inexistiria a técnica de especificidade temática, como ocorreria na Constituição de 1969, com a redação dada pela EC 7/77 (art. 112, parágrafo único). Destacou que a redação original do inciso V do art. 93 da Constituição de 1988, ao cuidar de limites e escalonamento para a fixação dos “vencimentos” dos magistrados, não exigia lei complementar para disciplinar assunto relativo a pagamentos em favor dos integrantes da carreira.

    ADI 4822/PE, rel. Min. Marco Aurélio, 2.10.2013. (ADI-4822)

    Magistratura e auxílio-alimentação - 2

    O Ministro Marco Aurélio assinalou, ainda, que essa situação não fora modificada com a EC 19/98, que definiu a figura do “subsídio” como forma exclusiva de remuneração dos magistrados, a impor novos parâmetros e escalas. Mencionou que a verba questionada possuiria caráter indenizatório, haja vista consistir em valor a ser pago aos magistrados para recompor o patrimônio individual em virtude de gastos realizados com alimentação ocorridos no âmbito do exercício da função judicial. Assim, o auxílio-alimentação não se enquadraria no conceito de verba remuneratória, gênero do qual seriam espécies os “vencimentos” e os “subsídios”. Ressaltou que caberia ao legislador ordinário federal instituí-lo quanto aos juízes federais, do trabalho e militares, e ao legislador de cada Estado-membro, no que concerne aos juízes estaduais. Consignou, ademais, que a simetria disposta no § 4º do art. 129 da CF (“§ 4º Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93”) significaria que ao parquet aplicar-se-iam as garantias institucionais da magistratura, e não o inverso. Assentou o não cabimento da paridade remuneratória obrigatória e da concessão linear e automática, à magistratura, de verbas indenizatórias concedidas ao Ministério Público, a exemplo do auxílio-alimentação. Externou seu posicionamento no sentido de que o CNJ teria extrapolado suas funções ao editar o ato normativo, tendo em conta o princípio da reserva legal. Reputou, além disso, que a Resolução 311/2011 do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco conteria idêntico vício de inconstitucionalidade.

    ADI 4822/PE, rel. Min. Marco Aurélio, 2.10.2013. (ADI-4822)

    Magistratura e auxílio-alimentação - 3

    Em divergência, o Ministro Teori Zavascki julgou o pleito improcedente. Reconheceu a Resolução 133/2011 do CNJ como ato normativo primário, de âmbito de competência constitucional do CNJ. Registrou que, ao estender o auxílio-alimentação à magistratura, o CNJ teria exercido atividade eminentemente administrativa. Ressaltou que o STF teria declarado a compatibilidade do art. 65 da Loman com a Constituição de 1988, a encerrar rol taxativo de vantagens, sem importar se de natureza indenizatória ou não. Salientou que, entretanto, o tema exigiria reflexão em face da alteração trazida pela EC 19/98 no regime remuneratório da magistratura. Considerou que, a partir da mencionada emenda, fora instituída remuneração por subsídio fixado em parcela única, e que o art. 65 da Loman seria com ela incompatível. Pontuou que, não mais subsistente esse dispositivo, porque contrário à nova ordem constitucional, seria possível ao CNJ editar resoluções, como fizera anteriormente, sobre teto remuneratório e subsídios da magistratura. Entendeu que a paridade de regimes entre magistratura e Ministério Público poderia ser deduzida diretamente da Constituição e, por isso, não haveria vício nas resoluções impugnadas. No que se refere ao reconhecimento do direito ao auxílio-alimentação, afirmou que as normas questionadas não teriam natureza constitutiva, mas declarativa. Destacou o caráter indenizatório dessa verba, a qual seria reconhecida à universalidade dos trabalhadores e atribuída a todos os servidores. Assim, em face do devido tratamento simétrico, concluiu que o auxílio-alimentação deveria ser estendido aos integrantes da magistratura. Após o voto do Ministro Teori Zavascki, o julgamento foi suspenso.

    ADI 4822/PE, rel. Min. Marco Aurélio, 2.10.2013. (ADI-4822)

    HC: chefe da Interpol e competência

    O STF não tem competência para julgar habeas corpus cuja autoridade apontada como coatora seja delegado federal chefe da Interpol no Brasil. Esse o entendimento do Plenário, que resolveu questão de ordem proposta pela Ministra Cármen Lúcia, relatora do writ, no sentido de determinar a remessa dos autos à justiça federal de 1º grau. Cuidava-se de habeas corpus preventivo, impetrado em favor de equatoriano nacionalizado brasileiro, que teria notícia da existência de ação penal proposta, nos EUA, em seu desfavor, pelo suposto cometimento de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Por essa razão, a impetração alegava a existência de mandado de prisão expedido contra o paciente. O Tribunal aduziu que não haveria sequer pedido extradicional formalizado e que a autoridade apontada como coatora não seria responsável pelo aludido mandado prisional. Destacou que a Corte já haveria firmado entendimento segundo o qual não teria competência para julgar caso análogo. Assim, impor-se-ia aguardar novo writ, em que apontada, como coatora, autoridade submetida à jurisdição do STF. Segundo o Ministro Teori Zavascki, ainda que o pedido de execução da prisão viesse por meio de exequatur, o STJ seria competente para autorizar a execução, mas não seria o executor. Este seria o juiz federal a quem o pleito fosse distribuído. Portanto, em qualquer hipótese, não se trataria de autoridade sujeita à jurisdição do STF. O Ministro Celso de Mello sublinhou que o paciente não seria detentor de prerrogativa de foro perante o STF. Ademais, os crimes pelos quais supostamente processado o paciente não teriam o condão de tornar extraditável sequer o brasileiro naturalizado, pois não se cuidaria de tráfico de entorpecentes ou de delitos perpetrados antes da naturalização. Seria também inviável que o STJ pudesse conceder exequatur para a execução, em território nacional, de mandado de prisão expedido por autoridade estrangeira. Esclareceu, ademais, que não seria viável, no caso, a homologação de sentença penal estrangeira para efeito de execução da pena privativa de liberdade, de modo que inexistiria possibilidade, mesmo que remota, de ofensa ao estado de liberdade do paciente. Precedente citado:

    HC 96074/DF (DJe de 21.8.2009). HC 119056 QO/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 3.10.2013. (HC-119056)

    REPERCUSSÃO GERAL

    ED: repercussão geral e art. 543-B do CPC

    O Plenário do STF, em deliberação presencial, pode não conhecer de recurso extraordinário ao fundamento de tratar-se de matéria de índole infraconstitucional, ainda que tenha reconhecido, anteriormente, a existência de repercussão geral por meio do Plenário Virtual. Com base nesse entendimento, a Corte acolheu, em parte, embargos declaratórios opostos de acórdão no qual assentado que o Tema 347 da Repercussão Geral — relativo ao percentual de reajuste do vale-refeição dos servidores do Estado do Rio Grande do Sul — demandaria interpretação de legislação infraconstitucional e de direito local. O Tribunal aduziu que o reconhecimento da repercussão geral não impediria o reexame dos requisitos de admissibilidade do recurso quando de seu julgamento definitivo. Consignou, ainda, a eficácia do pronunciamento do Supremo acerca da conclusão de não se tratar de matéria constitucional, de modo a impedir a subida dos processos sobrestados na origem. Por fim, determinou a aplicação do art. 543-B do CPC ao tema veiculado no recurso.

    RE 607607 ED/RS, rel. Min. Luiz Fux, 2.10.2013. (RE-607607)

    Art. 25 da LCP e não recepção pela CF/88 - 1

    O art. 25 da Lei de Contravenções Penais - LCP (Decreto-lei 3.688/41: “Art. 25. Ter alguém em seu poder, depois de condenado, por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima: Pena - prisão simples, de dois meses a um ano, e multa de duzentos mil réis a dois contos de réis”) não é compatível com a Constituição de 1988, por violar os princípios da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e da isonomia (CF, art. 5º, caput e I). Essa a conclusão do Plenário, que deu provimento a recursos extraordinários, julgados em conjunto, e absolveu os recorrentes, nos termos do art. 386, III, do CPP. Discutia-se a temática relativa à recepção do mencionado art. 25 da LCP pelo novo ordenamento constitucional. No caso, os recorrentes foram condenados pela posse injustificada de instrumento de emprego usual na prática de furto, tendo em conta condenação anterior pelo aludido crime (CP, art. 155, §4º). Inicialmente, o Tribunal acolheu questão de ordem suscitada pelo Ministro Gilmar Mendes, relator, no sentido de superar o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva no RE 583523/RS, processo no qual reconhecida a repercussão geral da matéria. Aduziu-se que eventual declaração de incompatibilidade do preceito legal implicaria atipicidade da conduta, cujas consequências seriam mais benéficas ao recorrente do que a extinção da punibilidade pela perda da pretensão punitiva do Estado.

    RE 583523/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 3.10.2013. (RE-583523) RE 755565/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 3.10.2013. (RE-755565)

    Art. 25 da LCP e não recepção pela CF/88 - 2

    No mérito, destacou-se que o princípio da ofensividade deveria orientar a aplicação da lei penal, de modo a permitir a aferição do grau de potencial ou efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma. Observou-se que, não obstante a contravenção impugnada ser de mera conduta, exigiria, para a sua configuração, que o agente tivesse sido condenado anteriormente por furto ou roubo; ou que estivesse em liberdade vigiada; ou que fosse conhecido como vadio ou mendigo. Assim, salientou-se que o legislador teria se antecipado a possíveis e prováveis resultados lesivos, o que caracterizaria a presente contravenção como uma infração de perigo abstrato. Frisou-se que a LCP fora concebida durante o regime ditatorial e, por isso, o anacronismo do tipo contravencional. Asseverou-se que a condição especial “ser conhecido como vadio ou mendigo”, atribuível ao sujeito ativo, criminalizaria, em verdade, qualidade pessoal e econômica do agente, e não fatos objetivos que causassem relevante lesão a bens jurídicos importantes ao meio social. Consignou-se, no ponto, a inadmissão, pelo sistema penal brasileiro, do direito penal do autor em detrimento do direito penal do fato. No que diz respeito à consideração da vida pregressa do agente como elementar do tipo, afirmou-se o não cabimento da presunção de que determinados sujeitos teriam maior potencialidade de cometer novas infrações penais. Por fim, registrou-se que, sob o enfoque do princípio da proporcionalidade, a norma em questão não se mostraria adequada e necessária, bem como afrontaria o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito. Os Ministros Teori Zavascki, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello ressaltaram, em acréscimo, que a tipificação em comento contrariaria, também, o princípio da presunção de inocência, da não culpabilidade.

    RE 583523/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 3.10.2013. (RE-583523) RE 755565/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 3.10.2013.(RE-755565)

    Associações: legitimidade processual e autorização expressa - 3

    O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute o alcance da expressão “quando expressamente autorizados”, constante do inciso XXI do art. 5º da CF (“as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”). Na espécie, a Associação do Ministério Público Catarinense - ACMP ajuizara ação ordinária em que pleiteara, em prol de seus associados, a incidência e os pagamentos reflexos do percentual correspondente a 11,98% sobre a gratificação eleitoral, retroativamente a março de 1994, calculada sobre os vencimentos dos juízes federais, mas reduzida por força de sua conversão em Unidade Real de Valor (URV) — v. Informativo 569. Em voto-vista, o Ministro Joaquim Barbosa, Presidente, acompanhou o Ministro Ricardo Lewandowski, relator, para negar provimento ao recurso, porém, com fundamentação diversa. Aduziu que as ações ajuizadas por associações para a defesa de direitos e interesses difusos e coletivos não despertariam discussão referente a substituição e representação processual, porque o caráter incindível do bem da vida pleiteado não comportaria cumprimento individualizado da condenação imposta e, por conseguinte, essa discussão seria despida de utilidade. Asseverou que discussões travadas sobre a extensão dos conceitos de parte e interessados seriam retomadas no presente julgado para explicitar que, quando se tratasse de direitos difusos e coletivos, a titularidade do bem reivindicado não se exauriria no sujeito que figurasse no polo ativo da demanda.

    RE 573232/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 3.10.2013. (RE-573232)

    Associações: legitimidade processual e autorização expressa - 4

    O Ministro Joaquim Barbosa prosseguiu, afirmando que, da mesma forma, na hipótese de direitos individuais homogêneos, a pluralidade de situações jurídicas congêneres desestimularia o ajuizamento de ações com igual conteúdo, com consequências prejudiciais à prestação jurisdicional célere. Registrou adotar premissa distinta da defendida pelo relator, que poderia desencadear resultados, caso associações agissem como substitutas processuais desatreladas da delimitação específica dos titulares dos interesses defendidos. Destacou que o art. 5º, XXI, da CF veicularia hipótese de representação processual, razão porque a previsão estatutária e a expressa autorização dada pelos seus integrantes, em assembleia da associação, seriam pressupostos processuais para a aferição da capacidade para estar no processo em defesa de direitos individuais homogêneos dos integrantes da associação. Entendeu que, em vista da peculiaridade dos limites subjetivos da coisa julgada formada na ação coletiva, não existiria afronta ao art. 5º, XXI, da CF, se o título judicial fosse utilizado para propositura de execução individual por associado que não tivesse concorrido para a deliberação favorável ao ajuizamento da demanda. Em suma, frisou que a ausência de autorização não impediria que o beneficiado propusesse execução individual baseada em sentença proferida em ação coletiva movida por associação para defesa de interesse individual homogêneo. Após o voto do Ministro Joaquim Barbosa, pediu vista o Ministro Teori Zavascki.

    RE 573232/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 3.10.2013. (RE-573232)

    PRIMEIRA TURMA

    Criação de nova vara e “perpetuatio jurisdictionis” - 1

    A 1ª Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pleiteia o reconhecimento da competência de vara federal com jurisdição sobre o Município de Unaí/MG para processar e julgar crimes dolosos contra a vida de auditores-fiscais do trabalho. A impetração alega a nulidade de acórdão do STJ, proferido em reclamação, que cassara decisão do juízo federal em Belo Horizonte/MG, o qual declinara de sua competência, ante a criação da mencionada vara federal em Unaí/MG, local em que ocorreram os homicídios. Sustenta, ainda, cerceamento de defesa em face de ausência de intimação da parte interessada para se manifestar sobre a referida reclamação. Além disso, aduz que a decisão do STJ teria afrontado orientação desta Corte sobre a matéria (HC 89849/MG, DJU de 16.2.2007). O Ministro Marco Aurélio, relator, concedeu a ordem para fixar a competência da vara federal no Município de Unaí/MG, a fim de que esta realize o júri. Inicialmente, afirmou que a reclamação poderia implicar o afastamento de situação constituída que seria favorável aos pacientes. Ponderou que se mostraria irrefutável o direito do cidadão de ter ciência de quando o processo fosse colocado em pauta, porque lhe assistiria o direito de, por seu defensor, assomar à tribuna para fazer sustentação oral, além de distribuir memoriais aos integrantes do órgão julgador. Entretanto, entendeu possível a aplicação do § 2º do art. 249 do CPC (“Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta”). Aduziu que o Plenário, ao assentar a perpetuação da jurisdição (RHC 83181/RJ, DJU de 22.10.2004), levara em conta o que disposto no art. 87 do CPC (“Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia”).

    HC 117871/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.10.2013. (HC-117871) HC 117832/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.10.2013. (HC-117832)

    Criação de nova vara e “perpetuatio jurisdictionis” - 2

    O Ministro Marco Aurélio salientou, ainda, que o Plenário não emitira entendimento sob a óptica da prática de crime doloso contra a vida. Consignou que estaria implícito no preceito constitucional (CF, art. 5º, XXXVIII) o julgamento do acusado pelos próprios pares. Rememorou que no julgamento do HC 89849/MG, a Turma assentara que a incidência da perpetuatio jurisdictionis nos crimes dolosos contra a vida somente se justificaria na fase anterior ao julgamento pelo júri. Sublinhou que, no caso, houvera a instrução processual no juízo federal de Belo Horizonte/MG e este viera a declinar da competência ante a criação da vara federal no Município de Unaí/MG, local em que ocorreram os homicídios e onde o paciente teria domicílio, segundo a denúncia. Enfatizou que não bastasse a regra linear do art. 70 do CPP (“A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”), ter-se-ia a peculiaridade de tratar-se de crime doloso contra a vida submetido ao tribunal do júri. Assim, a interpretação sistemática do arcabouço jurídico constitucional seria conducente a assentar-se a competência do júri da vara federal criada no Município de Unaí/MG.

    HC 117871/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.10.2013. (HC-117871) HC 117832/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.10.2013. (HC-117832)

    Criação de nova vara e “perpetuatio jurisdictionis” - 3

    Em divergência, a Ministra Rosa Weber denegou a ordem. Entendeu não haver descumprimento pelo STJ de decisão do STF. Asseverou que a norma do art. 87 do CPC, consagradora da perpetuatio jurisdictionis como regra geral, só teria aplicação até o momento do libelo que antecederia o júri. Aduziu que não haveria preclusão do tema, porque, não existindo mais o libelo, houvera, no momento oportuno, a arguição da incompetência superveniente da vara federal em Belo Horizonte/MG. Ressaltou a perplexidade de se ter três acusados já julgados pela aludida vara federal em Belo Horizonte/MG. Afirmou que a matéria seria de competência relativa, de competência territorial. Reputou que a competência da Justiça Federal decorrera do envolvimento de servidores federais no exercício de suas funções. Frisou que, no entanto, não haveria vara federal do tribunal do júri em Belo Horizonte ou em Unaí. Afiançou que o direito do cidadão de ser julgado pelos seus pares significaria que os jurados seriam cidadãos leigos. Por fim, rejeitou a tese da nulidade por ausência de intimação. Recordou jurisprudência do STF no sentido de que a falta de intimação de interessados para julgamento de reclamação não geraria nulidade absoluta, porque a participação deles seria facultativa ou espontânea. Após o voto da Ministra Rosa Weber, pediu vista o Ministro Dias Toffoli.

    HC 117871/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.10.2013. (HC-117871) HC 117832/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.10.2013. (HC-117832)

    SEGUNDA TURMA

    Poder de investigação do Ministério Público - 1

    A 2ª Turma iniciou julgamento de recurso ordinário em habeas corpus em que se discute a nulidade das provas colhidas em inquérito presidido pelo Ministério Público. Além disso, a impetração alega: a) inépcia da denúncia, bem como ausência de elementos aptos a embasar o seu oferecimento; b) ofensa ao princípio do promotor natural; c) violação ao princípio da identidade física do juiz; d) possibilidade de suspensão condicional do processo antes do recebimento da denúncia; e) ausência de provas para a condenação; f) possibilidade de aplicação da atenuante prevista no art. 65, III, b, do CP; e g) incompatibilidade entre a causa de aumento da pena do art. 121, § 4º, do CP e o homicídio culposo, sob pena de bis in idem. No caso, as investigações que antecederam o oferecimento da denúncia por homicídio culposo foram realizadas pela Curadoria da Saúde do Ministério Público. Segundo os autos, a filha da vítima noticiara ao parquet a ocorrência de possível homicídio culposo por imperícia de médico que operara seu pai, bem como cobrança indevida pelo auxílio de enfermeira durante sessão de hemodiálise.

    RHC 97926/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013. (RHC-97926)

    Poder de investigação do Ministério Público - 2

    O Ministro Gilmar Mendes, relator, negou provimento ao recurso. Entendeu que ao Ministério Público não seria vedado proceder a diligências investigatórias, consoante interpretação sistêmica da Constituição (art. 129), do CPP (art. 5º) e da Lei Complementar 75/93 (art. 8º). Afirmou que a jurisprudência do STF acentuara reiteradamente ser dispensável, ao oferecimento da denúncia, a prévia instauração de inquérito policial, desde que evidente a materialidade do fato delituoso e presentes indícios de autoria. Considerou que a colheita de elementos de prova se afiguraria indissociável às funções do Ministério Público, tendo em vista o poder-dever a ele conferido na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127). Frisou que seria ínsito ao sistema dialético de processo, concebido para o estado democrático de direito, a faculdade de a parte colher, por si própria, elementos de provas hábeis para defesa de seus interesses. Da mesma forma, não poderia ser diferente com relação ao parquet, que teria o poder-dever da defesa da ordem jurídica. Advertiu que a atividade investigatória não seria exclusiva da polícia judiciária. O próprio constituinte originário, ao delimitar o poder investigatório das comissões parlamentares de inquérito (CF, art. 58, § 3º), encampara esse entendimento. Raciocínio diverso — exclusividade das investigações efetuadas por organismos policiais — levaria à conclusão de que também outras instituições, e não somente o Ministério Público, estariam impossibilitadas de exercer atos investigatórios, o que seria de todo inconcebível. Por outro lado, o próprio CPP, em seu art. 4º, parágrafo único, disporia que a apuração das infrações penais e sua autoria não excluiria a competência de autoridades administrativas a quem por lei fosse cometida a mesma função.

    RHC 97926/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013. (RHC-97926)

    Poder de investigação do Ministério Público - 3

    Prosseguindo, o Ministro Gilmar Mendes reafirmou que seria legítimo o exercício do poder de investigar por parte do Ministério Público, mas essa atuação não poderia ser exercida de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. Mencionou que a atividade de investigação, seja ela exercida pela polícia ou pelo Ministério Público, mereceria, pela sua própria natureza, vigilância e controle. Aduziu que a atuação do parquet deveria ser, necessariamente, subsidiária, a ocorrer, apenas, quando não fosse possível ou recomendável efetivar-se pela própria polícia. Exemplificou situações em que possível a atuação do órgão ministerial: lesão ao patrimônio público, excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais (vg. tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão, corrupção), intencional omissão da polícia na apuração de determinados delitos ou deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar a investigação, em virtude da qualidade da vítima ou da condição do suspeito. Sublinhou que se deveria: a) observar a pertinência do sujeito investigado com a base territorial e com a natureza do fato investigado; b) formalizar o ato investigativo, delimitando objeto e razões que o fundamentem; c) comunicar de maneira imediata e formal ao Procurador-Chefe ou Procurador-Geral; d) autuar, numerar e controlar a distribuição; e) dar publicidade a todos os atos, salvo sigilo decretado de forma fundamentada; f) juntar e formalizar todos os atos e fatos processuais, em ordem cronológica, principalmente diligências, provas coligidas, oitivas; g) garantir o pleno conhecimento dos atos de investigação à parte e ao seu advogado, consoante o Enunciado 14 da Súmula Vinculante do STF; h) observar os princípios e regras que orientam o inquérito e os procedimentos administrativos sancionatórios; i) respeitar a ampla defesa e o contraditório, este ainda que de forma diferida; e j) observar prazo para conclusão e controle judicial no arquivamento.

    RHC 97926/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013. (RHC-97926)

    Poder de investigação do Ministério Público - 4

    O Ministro Gilmar Mendes consignou, ainda, que, na situação dos autos, o Ministério Público estadual buscara apurar a ocorrência de erro médico em hospital de rede pública, bem como a cobrança ilegal de procedimentos que deveriam ser gratuitos. Em razão disso, o procedimento do parquet encontraria amparo no art. 129, II, da CF (“São funções institucionais do Ministério Público: ... II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”). Asseverou que seria inegável a necessidade de atuação do Ministério Público, pois os fatos levados a seu conhecimento sinalizariam ofensa à política pública de saúde. Reputou, assim, legítima a sua atuação. Assinalou a improcedência das assertivas relativas à falta de elementos lícitos a embasarem o oferecimento e o recebimento da denúncia, bem como a alegação atinente à inépcia da denúncia. Apontou que o entendimento do STF seria no sentido de que o trancamento de ação penal, por falta de justa causa, seria medida excepcional, especialmente na via estreita do habeas corpus. Dessa forma, se não comprovada, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria e materialidade, impor-se-ia a continuidade da persecução criminal. Na espécie, destacou que a peça inicial estaria em consonância com a jurisprudência desta Corte e com os requisitos do art. 41 do CPP, pois se consubstanciaria em contundente conjunto probatório, com a conduta do agente devidamente individualizada. Não haveria, portanto, constrangimento ilegal a ser corrigido.

    RHC 97926/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013. (RHC-97926)

    Poder de investigação do Ministério Público - 5

    O Ministro Gilmar Mendes ressaltou que inexistiria, também, ofensa ao princípio do promotor natural, porquanto a distribuição da ação penal se dera em cumprimento à Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Goiás (Lei Complementar Estadual 25/98), que permite a criação de promotorias especializadas. Destarte, não estaria configurada a desobediência à regra de atuação do promotor e, portanto, inviável a anulação da atuação da Procuradoria de Curadoria da Saúde do Estado de Goiás no caso. No que tange à alegação de nulidade por afronta ao princípio da identidade física do juiz, apontou que não teria sido demonstrado o prejuízo. Quanto à ausência de análise da suspensão condicional do processo, antes do recebimento da denúncia, afirmou que seria inviável a concessão do pedido, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95, uma vez que o recebimento da denúncia seria condição para a proposta de suspensão condicional do processo. No que diz respeito à inexistência de prova para condenação por homicídio culposo, enfatizou que a jurisprudência do STF seria pacífica em não admitir o habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal e, tampouco, permitir o revolvimento aprofundado de conjunto fático-probatório. Além disso, ponderou que não mereceria ser acolhido o requerimento para incidência da atenuante prevista no art. 65, III, b, do CP, haja vista que, neste recurso ordinário, a defesa restringira-se a simplesmente invocar a regra normativa, sem fundamentar a aplicação da atenuante. Por último, no que se refere à incompatibilidade entre a causa de aumento de pena (CP, art. 121, § 4º) e o homicídio culposo caracterizado pela negligência, sob pena de bis in idem, observou que nem a sentença condenatória nem o acórdão confirmatório da sentença imputaram ao paciente esta causa de aumento de pena. Após o voto do Ministro Gilmar Mendes, pediu vista o Ministro Ricardo Lewandowski.

    RHC 97926/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013. (RHC-97926)

    Concussão: elementar do tipo e ganho fácil

    A 2ª Turma deu parcial provimento a agravo regimental e, por conseguinte, proveu parcialmente recurso ordinário em habeas corpus para que o juiz sentenciante corrija vício na individualização da pena, de modo a afastar a elementar do tipo concernente à valoração dos motivos do crime. No caso, os recorrentes teriam sido condenados pelo crime de concussão e tiveram a pena fixada acima do mínimo legal, tendo em conta a condição de policial e o motivo do ganho fácil. A Turma ressaltou a inexistência de direito público subjetivo de condenado à estipulação da pena-base em seu grau mínimo. Considerou-se que a referência, quando do exame da culpabilidade, ao fato de os recorrentes ostentarem o cargo de policial não caracterizaria bis in idem. Afirmou-se que a condição de servidor público seria elementar do tipo de concussão. No entanto, a inserção de servidor público no quadro estrutural do Estado, deveria e poderia ser considerada no juízo de culpabilidade. Afinal, em crime contra a Administração Pública, não seria possível tratar o universo de servidores como realidade jurídica única. Destacou-se não ser possível nivelar a concussão do atendente de protocolo da repartição com o ato de policial, de parlamentar ou de juiz. Nesse sentido, inclusive, remonta a opção do legislador expressa no §2º do art. 327 do CP (ocupantes de cargos em comissão, função de direção ou assessoramento de órgão da administração). Reputou-se, todavia, que haveria vício de fundamentação quanto à circunstância judicial do motivo do crime. Isso porque, de fato, o magistrado a quo considerara desfavorável o motivo, porque “inaceitável locupletar-se às custas do alheio, arrancar dinheiro do cidadão espuriamente, objetivando o ganho fácil”. Asseverou-se que a formulação argumentativa traduzira-se na elementar do tipo “vantagem indevida”. Sublinhou-se que seria inexorável que essa elementar proporcionaria um lucro ou proveito. Logo, um “ganho fácil”.

    RHC 117488 AgR/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.10.2013. (RHC-117488)