Informativo do STF 686 de 31/10/2012
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
ADI e “softwares” abertos - 1
O Plenário iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada, pelo partido político Democratas, contra a Lei 11.871/2002, do Estado do Rio Grande do Sul, que dispõe sobre o uso de programas abertos — livres de restrições proprietárias quanto a sua cessão, alteração e distribuição — em sistemas e equipamentos de informática da Administração Pública direta, indireta, autárquica e fundacional da referida unidade federativa, bem como dos órgãos autônomos e empresas sob seu controle. O Min. Ayres Britto, Presidente e relator, julgou improcedente o pedido. Afastou alegação de contrariedade à alínea b do inciso II do §1º do art. 61 da Constituição, uma vez que a norma impugnada cuidaria de licitação no âmbito da Administração Pública estadual, e não de matéria orçamentária ou de organização administrativa, hipóteses cuja iniciativa reservar-se-ia ao Presidente da República em tema adstrito a territórios federais. Destacou que esse preceito não se aplicaria a estados-membros, com suposto fundamento no princípio da simetria. Assinalou que, embora inserida no art. 22 da CF, a competência da União para legislar sobre licitação e contratação — em todas as modalidades, para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais dos entes federados — limitar-se-ia à edição de “normas gerais” (inciso XXVII), assim como ocorreria com os assuntos referidos no art. 24 da CF. Nesse tocante, a lei gaúcha apenas complementaria a legislação nacional preexistente, sem afrontá-la, ao estabelecer preferência pela aquisição de softwares “livres”. Além disso, acentuou que a diferença entre software “livre” e software “proprietário” não diria respeito à qualidade intrínseca em ambas as tipologias de programas informáticos, mas em aspecto relacionado à licença de uso. O primeiro dar-se-ia quando o titular do respectivo direito autoral repassasse ao usuário o código-fonte do programa, de modo a permitir pleno conhecimento, alteração, cessão, distribuição. Reputou que o diploma adversado não ofenderia os princípios constitucionais da igualdade e da impessoalidade e, tampouco, desequilibraria o processo licitatório, pois todos que desenvolvessem softwares e tivessem interesse em contratar com o ente público poderiam concorrer em igualdade de condições, sem que a escolha por programa livre constituísse obstáculo. Para tanto, bastaria a disponibilização do código-fonte do software.
ADI 3059/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3059)
ADI e “softwares” abertos - 2
Realçou, por outro lado, que a norma instituiria política de incentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico regional (CF, artigos 3º, II, e 219), em mercado concentrado por poucas empresas estrangeiras. Assim, conceder-se-iam mais opções à Administração Pública brasileira ao ampliar o rol de competidores. Repeliu, outrossim, assertiva de cerceamento à liberdade do administrador para adotar, no caso concreto, solução mais favorável ao interesse público. Acresceu que a preferência legal pelo software “livre” apenas exigiria da Administração reforço de motivação para escolha contrária, sem inviabilizar contratação de programas com restrições proprietárias (software “proprietário”). Afirmou que a lei gaúcha não desrespeitaria os princípios constitucionais da economicidade e da eficiência, os quais seriam aferidos não somente pelo custo do produto ou serviço, como também pela segurança dos dados públicos inseridos nos sistemas informatizados e pela aquisição imaterial de conhecimento tecnológico. Alfim, aduziu que se, por um lado, os criadores de programas informáticos não teriam obrigação de compartilhar o uso de seus inventos de criação (CF, art. 5º, XXVII), por outro lado, a Administração Pública disporia do poder de ditar as características dos produtos ou dos serviços de que necessitaria. Não estaria compelida a aceitar condição unilateralmente imposta pelos detentores de direitos autorais na matéria. Após, pediu vista o Min. Luiz Fux.
ADI 3059/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3059)
Amianto e competência legislativa concorrente - 1
O Plenário iniciou julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas, pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, contra as Leis 11.643/2001 e 12.684/2007, respectivamente, dos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Os diplomas proíbem o uso, a comercialização e a produção de produtos à base de amianto naquelas unidades federativas. O Min. Ayres Britto, Presidente e relator da ADI 3357/RS, votou pela improcedência de ambos os pedidos. De início, examinou alegada contrariedade da lei gaúcha à competência legislativa da União para editar normas gerais sobre produção e consumo, responsabilidade por dano ao meio ambiente e ao consumidor, bem como proteção e defesa da saúde (CF, art. 24, V, VIII e XII). A respeito, explicou que a competência legislativa exclusiva da União estaria estampada no art. 22 da CF. Disciplinar-se-iam relações jurídicas por modo federativamente igual, a vincular a totalidade de sujeitos jurídicos privados. No rol das matérias deste dispositivo, alusivamente a algumas delas, o poder de legislar da União seria apenas o de produzir normas gerais. Por sua vez, estas normas gerais teriam por contraponto normas específicas, franqueadas ao poder legiferante dos demais entes federados. Anotou que, enquanto a competência normativa plena apanharia certas relações jurídicas por todos os ângulos, a competência legislativa geral somente conformaria tais relações nos aspectos perceptíveis como de aplicabilidade federativa uniforme.
ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3357) ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 31.10.2012. (ADI-3937)
Amianto e competência legislativa concorrente - 2
Acresceu que, além da competência específica em que os estados-membros, o Distrito Federal e os municípios poderiam se investir, a qualquer momento e por iniciativa própria, para legislar, ressalvadas as matérias dos incisos XXI e XXVII do art. 22 da CF, estados-membros poderiam receber delegação legislativa da União sobre questões específicas de toda e qualquer matéria do citado art. 22. Nesse sentido, os estados-membros poderiam editar normas específicas para as “questões específicas” reportadas no parágrafo único do preceito em comento, contanto que o concreto exercício dessa competência normativa específica fosse objeto de expressa delegação por lei complementar federal. Nesta hipótese, estados-membros e Distrito Federal apenas poderiam fazer o que permitido pela União no ato de delegação legislativa, pois a competência originária seria exclusivamente dela, e em caráter pleno. Em outra hipótese, na qual a União se limitaria a expedir normas gerais, ela nada delegaria às pessoas estatais periféricas. Atuaria contidamente no campo das normas gerais, pois a legislação específica sobre o mesmo tema seria titularizada por outrem. No ponto, inferiu que, enquanto as normas gerais manteriam laço de subordinação com a materialidade dos princípios e regras constitucionais, o mesmo não sucederia com as normas específicas, que não retirariam do querer legislativo da União seu fundamento de validade. A relação destas com as normas gerais seria, portanto, de simples compatibilidade, e não de subordinação.
ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3357) ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 31.10.2012. (ADI-3937)
Amianto e competência legislativa concorrente - 3
Relativamente às competências legislativas concorrentes (CF, art. 24), discorreu que se trataria de condomínio legislativo federado. Caberia à União editar normas gerais, nos termos do § 1º deste mesmo artigo. O § 2º, por sua vez, designaria aos estados-membros e ao Distrito Federal “competência suplementar”. A União deveria conter-se na produção de normas gerais e os outros entes, diante de sua eventual edição, produziriam normas suplementares, acréscimos necessários de tutela aos bens jurídicos objeto das normas gerais em causa, somente válidos no âmbito territorial daquele ente periférico. A plenitude normativa seria obtida pela elaboração conjugada de normas gerais e suplementares. No particular, articulou que a Constituição tutelaria e promoveria consumidor, saúde e meio ambiente (art. 24, VI, VII e XII), bens jurídicos qualificados como fundamentais (CF, artigos 5º, XXXII; 6º, caput; e 225). Ademais, o meio ambiente ecologicamente equilibrado integraria o desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II). Acrescentou que o adjetivo “suplementar”, nos incisos VI, VIII e XII do art. 24 da CF, traduziria funcionalidade favorecedora dos bens jurídicos conformados na mesma medida da funcionalidade alusiva às normas gerais. Diferenciar-se-iam apenas quanto ao âmbito geográfico de incidência.
ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3357) ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 31.10.2012. (ADI-3937)
Amianto e competência legislativa concorrente - 4
Avaliou que, na ausência de lei federal veiculadora de normas gerais, os estados-membros e o Distrito Federal exerceriam competência legislativa plena (CF, art. 24, § 3º), para não deixar sem o máximo de proteção e defesa os bens jurídicos em foco. Essa investidura contingencial da plenitude da competência legiferante objetivaria o atendimento de situação que, em determinado ente federativo, ostentasse precariedade tutelar grave a ponto de não poder aguardar a iniciativa da União em ocupar os espaços devidos para produção de normas gerais. Assim, sem parâmetros legislativos federais para uso de sua competência suplementar, os entes federados deveriam providenciar leis compatíveis com suas necessidades. Por derradeiro, o § 4º do art. 24 da CF disporia que, se os estados-membros e o Distrito Federal se antecipassem à União, posterior antinomia se resolveria em favor das normas gerais eventualmente produzidas por esta. Entretanto, frisou que, no caso dos bens jurídicos ora versados, possível colisão normativa deveria ser compreendida em termos de proteção e defesa, ou seja, dever-se-ia verificar se a norma geral tutelaria os valores protegidos de forma plena e, do contrário, se as normas suplementares o fariam.
ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3357) ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 31.10.2012. (ADI-3937)
Amianto e competência legislativa concorrente - 5
Apontou que, na espécie, a União editara a Lei 9.055/95, cujo objeto seria a extração, utilização, comercialização e transporte de asbesto/amianto e dos produtos que o contivessem, mas em contradição. Ocorre que, enquanto veiculada clara vedação ao uso do material, ele deveria ser extraído, utilizado e comercializado em consonância com as disposições legais. Estes comandos, entretanto, manteriam a validade de normas constantes de outros diplomas legais que liberariam a utilização de asbesto/amianto. Assim, a lei federal remetera a normação da matéria para outras leis, de que não se teria notícia nos autos. Lembrou que a Convenção 162 da Organização Internacional do Trabalho - OIT — que trataria de medidas para prevenir riscos à saúde decorrentes da exposição ao amianto —, ao dispor sobre proteção da saúde dos trabalhadores, teria status de norma supralegal. Deduziu que tratados internacionais não seriam lei ou emenda constitucional, mas apenas teriam força de lei ou emenda, conforme o caso. Ademais, os que versariam sobre direitos humanos teriam primazia na ordem jurídica interna, mesmo os não aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em 2 turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros. Neste caso, a supralegalidade decorreria da prevalência conferida aos direitos humanos no art. 4º, II, da CF.
ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3357) ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 31.10.2012. (ADI-3937)
Amianto e competência legislativa concorrente - 6
Qualificou o amianto como nocivo à saúde e capaz de colocar o meio ambiente em situação de fragilidade. Esse seria o entendimento da legislação e de diversas entidades ligadas à saúde. Elucidou que a referida Convenção da OIT, ao tolerar leis permissivas do uso desse produto no mercado, fizera-o com a ressalva do desenvolvimento técnico e do avanço científico. Além disso, o diploma proibiria totalmente o amianto, quando a medida se tornasse tecnicamente viável e necessária à proteção dos trabalhadores. Nesse diapasão, a lei nacional deveria ser revisitada para se ajustar aos progressos técnicos e científicos. Ter-se-ia, então, classificação das normas de cada país signatário da Convenção como de eficácia progressivamente atenuada, até a proibição da permanência do amianto no mercado. Enfatizou recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa pela substituição do amianto por álcool polivinílico e polipropileno. Entendeu, entretanto, que a Lei 9.055/95 não teria qualidade de norma de eficácia progressivamente atenuada, ao estatuir que deveriam ser promovidas pesquisas científicas no sentido da utilização, sem riscos à saúde, do amianto. A lei buscaria permitir a permanência do produto no mercado. Isso nulificaria a proibição contida no próprio diploma e confrontaria a Convenção 162 da OIT, a qual a legislação federal brasileira, paradoxalmente, citaria como fundamento de validade. Comentou, ainda, proibições relativas ao material advindas dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente.
ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3357) ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 31.10.2012. (ADI-3937)
Amianto e competência legislativa concorrente - 7
Aduziu que a legislação estadual em julgamento, ao proibir produtos à base de amianto, cumpriria com maior efetividade a Constituição no plano da proteção da saúde, bem assim aproximar-se-ia mais da Convenção da OIT. De igual modo, sintonizar-se-ia com o art. 7º, XXII, da CF. Ressaiu, ainda, não contrariado o princípio da livre iniciativa, visto que a ordem econômica também seria fundada na valorização do trabalho e teria por fim assegurar a todos existência digna. Nesse aspecto, deveriam ser protegidos também a defesa do consumidor e o meio ambiente (CF, art. 170, III e VI), parelhados com a proteção do trabalhador, a saúde pública e a defesa dos direitos humanos. Por fim, mencionou que a lei gaúcha estabelecera prazos razoáveis para que os estabelecimentos econômicos se adequassem ao novo quadro legal, a permitir o planejamento e execução das medidas impostas.
ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3357) ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 31.10.2012. (ADI-3937)
Amianto e competência legislativa concorrente - 8
O Min. Marco Aurélio, relator da ADI 3937/SP, por sua vez, julgou os pleitos procedentes. Primeiramente, realçou que, nos termos do art. 103, § 3º, da CF, a única atribuição do Advogado-Geral da União - AGU seria a de atuar como curador do ato normativo envolvido em ação direta, e não se confundiria com a do Procurador-Geral da República, que poderia se manifestar tanto no sentido da procedência quanto no da improcedência do pedido formulado. Observou que, no caso, o AGU não teria defendido, como lhe incumbiria, o ato impugnado, mas o atacara. Anotou que a Corte não referendara liminar deferida para suspender a eficácia da norma paulista, tendo em vista que a Lei 9.055/95 seria potencialmente inconstitucional, bem assim afrontaria o art. 196 da CF e a Convenção 162 da OIT. Rememorou, por outro lado, entendimento anterior pela inconstitucionalidade das normas estaduais a vedar o uso e comércio do amianto. Revelou que eventual declaração de invalidade da legislação federal sobre o tema importaria em vácuo normativo, de forma que os estados-membros teriam plena competência legislativa a respeito. Entretanto, se o STF viesse a proclamar a constitucionalidade da Lei 9.055/95, o resultado seria a observância da jurisprudência assentada sobre a temática: de que a existência de legislação federal impediria o exercício da competência legislativa concorrente pelo estado da federação. Salientou as características do amianto, sua aplicação prática e importância econômica. Delimitou que, de um lado, estariam os princípios da proteção ao meio ambiente, à saúde em geral e do trabalhador. De outro, os postulados da separação de poderes e da democracia, tendo em vista contexto de incerteza científica, assim como a busca pelo desenvolvimento nacional.
ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3357) ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 31.10.2012. (ADI-3937)
Amianto e competência legislativa concorrente - 9
Em seguida, cuidou da assertiva de inconstitucionalidade formal do art. 2º da Lei 9.055/95 [“Art. 2º O asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco), do grupo dos minerais das serpentinas, e as demais fibras, naturais e artificiais de qualquer origem, utilizadas para o mesmo fim, serão extraídas, industrializadas, utilizadas e comercializadas em consonância com as disposições desta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, consideram-se fibras naturais e artificiais as comprovadamente nocivas à saúde humana”], o qual supostamente extrapolaria o campo das normas gerais, ao ingressar em particularidades que deveriam ser disciplinadas pelos estados-membros. Asseverou que o constituinte pretendera conferir à União atribuição geral para regulamentar o comércio de materiais perigosos (CF, art. 24, V). Indicou que ela gozaria de preferência para cuidar de tais matérias, tendo em conta o art. 22, XII, XXI e XXVI, da CF. Versou que a disciplina do uso e comércio do amianto não seria tema afeto ao interesse particular dos estados-membros. Assim, autorizar a mercancia alusiva a determinado produto em certo território seria questão a ser submetida ao princípio federativo somente de modo tangencial. Ademais, sua proibição poderia fomentar nova guerra federativa, mediante embate por incremento arrecadatório, com prejuízo ao interesse público. Pronunciou, ainda, que a tese de prevalência da norma mais benéfica não poderia ser acolhida, por subverter o condomínio legislativo e implicar insegurança jurídica. Teceu considerações sobre a Convenção 162 da OIT e deduziu não haver, no diploma, exigência ao banimento do uso da fibra de amianto. Preceituar-se-ia a implementação de técnicas modernas para reduzir o risco de sua inalação e de eventuais danos à saúde. Impor-se-ia a adoção de sistema estatal a fiscalizar o uso de forma suficiente e adequada, objetivo compatível com os ditames da Lei 9.055/95. Consignou inexistir decisão do Poder Público no sentido de substituir o amianto por outro produto. Afirmou que a autoridade competente para isso seria o Legislativo e, eventualmente, as agências reguladoras de caráter técnico. Na mesma linha, a Convenção prescreveria que a lei nacional deveria passar por revisão periódica, obrigação apenas dirigida aos órgãos técnico-burocráticos e ao legislador, não ao STF. Não vislumbrou incompatibilidade entre os dispositivos da Convenção sobre asbestos e a Lei 9.055/95, de forma que a tese sobre o caráter supralegal da Convenção sequer precisaria ser analisada.
ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3357) ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 31.10.2012. (ADI-3937)
Amianto e competência legislativa concorrente - 10
Registrou os riscos decorrentes da aspersão do amianto e a tutela da saúde, contida nos artigos 7º, XXII; e 196, ambos da CF. Observou que as políticas públicas destinadas à proteção das pessoas quanto aos perigos inerentes ao uso do amianto seriam suficientes e adequadas, tendo em conta as normas a esse respeito dispostas em lei federal, lei complementar e em resoluções. Sublinhou razoável consenso no sentido de que a utilização do amianto em construção civil não geraria maiores riscos à população em geral. As doses a que as pessoas seriam submetidas geralmente não desencadeariam doenças relacionadas ao produto. Por outro lado, o uso do material normalmente geraria riscos para os trabalhadores associados a sua produção, se feito inadequadamente. Ressaltou os riscos acerca do descarte incorreto de amianto e da poluição gerada pelo uso da fibra, bem assim dos ilícitos praticados por transportadoras que descumpririam normas de segurança previstas em legislação federal e estadual. Porém, a incapacidade de fiscalização não poderia conduzir à proibição do produto pela via judicial. Descaberia vedar certa atividade à iniciativa privada apenas porque o Poder Público — ao descumprir os deveres da Convenção 162 da OIT — não conseguiria fiscalizá-la devidamente, mesmo porque haveria pessoas a atender às prescrições legais, e a consequência prática de eventual vedação seria puni-las em razão de conduta imprópria de outros agentes. Reputou irrazoável a proibição de determinado produto por seu uso indevido. A mera inação da Administração Pública no exercício do poder de polícia não poderia fundar decisão da Corte.
ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3357) ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 31.10.2012. (ADI-3937)
Amianto e competência legislativa concorrente - 11
Explicitou que a patogenia associada ao amianto dependeria de diversos fatores e que, se esses elementos fossem passíveis de controle, confirmar-se-ia a tese de viabilidade do uso controlado do material, embora não pressuposta a existência de “risco zero”. A ação governamental, em qualquer caso, geraria ganhadores e perdedores, e escolhas regulatórias normalmente envolveriam alternativas com riscos. Nesse sentido, não existiriam estudos conclusivos quanto à toxicologia do álcool polivinílico e do polipropileno, potenciais substitutos. Trocar-se-ia um risco à saúde fartamente conhecido por outro, ainda ignorado pela literatura médica. Destacou que o risco potencial das doenças, consideradas as normas voltadas a trabalhadores, seria bastante reduzido, bem como que as patologias hoje manifestadas decorreriam de exposições ocorridas há muitos anos, quando os padrões de segurança para a exploração do amianto eram praticamente nulos. Dessumiu que a questão da saúde ocupacional do trabalhador em contato com as fibras de amianto deveria se resolver mediante: a) imposição de limites rígidos à exposição à poeira resultante do produto; b) fiscalização empreendida pelo Poder Público; e c) compensação por eventuais danos à saúde, com antecipação de aposentadoria e recebimento de adicionais previstos em lei. Essa sistemática otimizaria o conflito entre o direito à saúde do trabalhador e o desenvolvimento de atividades econômicas a ele nocivas.
ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3357) ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 31.10.2012. (ADI-3937)
Amianto e competência legislativa concorrente - 12
Interpretou o art. 225, § 1º, V, da CF, a determinar o controle, e não o banimento, das atividades a por em risco a vida e o meio ambiente. Obtemperou a importância do direito ao meio ambiente, de valor inestimável. Apontou a inexistência de estudos suficientes acerca do impacto da crisotila sobre fauna e flora. Não se poderia, assim, invocar o princípio da precaução em virtude de prejuízos ainda indeterminados para o meio ambiente no futuro. A regulação estatal deveria gerenciar riscos, sem permitir regresso a um estado anterior de tecnologia e civilização. Entretreviu que a sociedade brasileira não iria abandonar o uso do fibrocimento e dos demais produtos derivados do amianto. Ademais, os materiais apresentados como potenciais substitutos não teriam sido endossados pela medicina, havendo troca de riscos. Nada impediria, entretanto, que o Estado adotasse padrões ainda mais elevados de proteção ao trabalhador, ao meio ambiente e à população. O simples banimento retiraria, em caráter sumário, agentes econômicos relevantes do mercado e poderia maximizar os riscos com o uso de produtos ainda pouco testados, de disponibilidade limitada e com impactos acentuados. Por sua vez, a implementação de medidas de segurança existentes hoje em relação ao amianto levariam a crer que os riscos seriam gerenciáveis. Analisou que o banimento do amianto com base no potencial carcinogênico do produto poderia conduzir à proibição de outras substâncias, como tabaco, álcool, pílula anticoncepcional, combustíveis fósseis e outros.
ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3357) ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 31.10.2012. (ADI-3937)
Amianto e competência legislativa concorrente - 13
Ponderou acerca dos impactos econômicos e sociais da proibição do amianto e os classificou como relevantes. Arrematou que a vedação de certos produtos pela via judicial implicaria dizer que a sociedade, por seus representantes, seria incapaz de analisar os riscos e benefícios de determinada atividade. Considerou que, em questões a envolver política pública de alta complexidade e com elevada repercussão social, a Corte deveria adotar postura de deferência à solução jurídica encontrada pelos respectivos formuladores. Não haveria excepcionalidade a justificar a atuação do STF, que teria conhecimento limitado acerca dos efeitos e das políticas públicas a envolver o uso controlado do amianto, bem como das consequências práticas de eventual decisão pelo banimento, a exigir o predicado da autocontenção. Aquilatou que nem mesmo os órgãos da União seriam uníssonos quanto à continuidade da exploração de amianto no Brasil. Concluiu pela constitucionalidade do art. 2º da Lei 9.055/95, bem como pela inconstitucionalidade da legislação estadual, esta por inadequação ao art. 24, V, VI, XII, e § 3º, da CF. Por fim, deliberou-se suspender o julgamento.
ADI 3357/RS, rel. Min. Ayres Britto, 31.10.2012. (ADI-3357) ADI 3937/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 31.10.2012. (ADI-3937)
PRIMEIRA TURMA
Anistia e acumulação de aposentadoria
A 1ª Turma concedeu mandado de segurança para anular acórdão do TCU e restabelecer as pensões percebidas pela impetrante. Tratava-se, na espécie, de writ impetrado contra decisão da Corte de Contas que determinara a suspensão de um dos benefícios, ao argumento de que seriam resultantes de cargos que, em atividade, não seriam acumuláveis. Destacou-se que a primeira aposentadoria fora concedida ao marido falecido em 1970 e julgada legal pelo TCU após 7 anos. A segunda ocorrera em 1990 e registrada em 1993, implementada há mais de 15 anos. Acrescentou-se que ambas foram revertidas em pensões em 25.6.98, antes da promulgação da EC 20, de 15.12.98. Inicialmente, rejeitou-se a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, em face da jurisprudência do Supremo no sentido de que o TCU seria parte legítima para figurar no polo passivo de mandado de segurança quando a decisão proferida estivesse dotada de caráter impositivo. No mérito, ressaltou-se a relevância das causas de pedir vinculadas a: devido processo legal; passagem do lapso temporal — considerado o art. 54 da Lei 9.784/99 —; aplicação da EC 20/98 no tempo e, em especial, singularidade da primeira pensão, decorrente de indenização em face do Ato Institucional 5 e do art. 8º do ADCT. Destacou-se a natureza jurídica da anistia, no que visaria minimizar atos do passado, a implicar reparação monetária. Frisou-se que a aposentadoria decorrente do AI 5 seria verdadeira indenização e, portanto, acumulável com segunda relação jurídica que o servidor viera a manter com a Administração. Por fim, julgou-se prejudicado o agravo regimental interposto.
MS 28700/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 30.10.2012. (MS-28700)
Juízo deprecado e intimação de defensor público
Em razão da peculiaridade do caso, a 1ª Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para reconhecer nulidade processual em face da não intimação da Defensoria Pública do local de cumprimento de carta precatória. Na espécie, o juízo deprecado nomeara defensora dativa para acompanhar audiência de inquirição da vítima. Destacou-se que, na origem, o acusado fora assistido por defensor público, o qual não poderia deslocar-se para outro estado e prestar assistência ao réu, tendo em conta a existência, no juízo deprecado, de Defensoria Pública estadual estruturada. Assentou-se que, embora a jurisprudência do STF estivesse consolidada no sentido da prescindibilidade da intimação da defesa para audiência a ocorrer no juízo deprecado — necessária apenas a ciência da expedição da carta precatória —, a questão posta nos autos mereceria ressalva em respeito àquela instituição.
RHC 106394/MG, rel. Min. Rosa Weber, 30.10.2012. (RHC-106394)
SEGUNDA TURMA
CNMP e revisão de ato homologatório de TAC
A 2ª Turma concedeu mandado de segurança impetrado por Ministério Público estadual contra ato do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, para invalidar decisão deste órgão. Na espécie, o Conselho Superior do Ministério Público estadual negara homologação a termo de ajustamento de conduta - TAC proposto por promotor de justiça. O CNMP, após reclamação de membro do parquet, apesar do entendimento de que não seria de sua competência adentrar na atividade-fim daquele Colegiado estadual, anulara a decisão e mantivera o TAC. Consignou-se tratar-se de interferência indevida na autonomia administrativa e funcional do órgão estadual, não passível de apreciação pelo CNMP. Ademais, ressaltou-se a existência de sistema de controle interno na legislação local de cada Ministério Público, a cargo Conselho de Procuradores Regionais, sem prejuízo da fiscalização jurisdicional.
MS 28028/ES, rel. Min. Cármen Lúcia, 30.10.2012. (MS-28028)
HC substitutivo de recurso ordinário e adequação
A 2ª Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para determinar ao STJ que conheça de writ lá impetrado e, por conseguinte, se pronuncie quanto às alegações da defesa. No caso, o tribunal a quo não conhecera da ordem pleiteada por entender que consistiria em utilização inadequada da garantia constitucional, em substituição aos recursos ordinariamente previstos. Ressaltou-se que o acórdão ora impugnado contrariaria a jurisprudência desta 2ª Turma, porquanto deixara de conhecer do habeas corpus ajuizado naquela Corte, ao fundamento de tratar-se de substitutivo de recurso ordinário.
RHC 114188/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 30.10.2012. (RHC-114188)