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    Informativo do STF 678 de 06/09/2012

    Publicado por Supremo Tribunal Federal


    PLENÁRIO

    AP 470/MG - 61

    O Plenário retomou julgamento de ação penal movida, pelo Ministério Público Federal, contra diversos acusados pela suposta prática de esquema a envolver crimes de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta e outras fraudes — v. Informativos 673 a 677. Na sessão de 3.9.2012, o Min. Joaquim Barbosa, relator, ao prosseguir na análise do capítulo V da denúncia, julgou procedente o pedido para condenar Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane, detentores de cargos executivos no Banco Rural à época dos fatos (“núcleo financeiro”), como incursos no delito previsto no art. 4º, caput, da Lei 7.492/86 (gestão fraudulenta de instituição financeira). Inicialmente, citou laudo segundo o qual essa instituição, ao reiterar procedimentos a impedir que as empresas SMP&B e Graffiti apresentassem atrasos nos seus mútuos, atribuiria às operações de crédito — em evidente situação de inadimplência — tratamento de transação em curso normal, de maneira a reconhecer resultados fictícios. Aludiu que os normativos relacionados ao assunto vedariam o reconhecimento no resultado de receitas de operações de crédito com atraso igual ou superior a 60 dias (Resolução 2.682/99, do Bacen, art. 9°). Acresceu que, no caso de operações renegociadas, o ganho deveria ser apropriado ao resultado somente quando efetivamente recebido (art. 8°, § 2º, da mesma resolução). Frisou que, com este comportamento, o Banco Rural geraria resultado fictício, elevando seu patrimônio, com consequente aumento dos limites operacionais.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 62

    Mencionou excerto de parecer técnico no qual a alta administração daquele banco aprovara as operações de crédito ora reclassificadas com pleno conhecimento de que se trataria de empréstimos de alto risco, com grande probabilidade de não serem pagos, visto que incompatíveis com a capacidade financeira dos devedores. Realçou que a garantia de direitos creditórios, posteriormente agregada às operações (contrato de prestação de serviços entre DNA Propaganda e Banco do Brasil - BB), não teria validade jurídica, dado que o Banco Rural não possuiria autorização do BB (contratante) a fim de que a avença fosse dada como caução. Assim, sobrelevou que, de todo o material probatório, despontaria cristalino que essas operações de crédito teriam sido simuladas. Igualmente, sobressairia nítido que os principais dirigentes do Banco Rural à época, para encobrir o caráter simulado dessas operações, utilizar-se-iam, dolosamente, de mecanismos fraudulentos, tais como: a) celebração de sucessivos contratos de renovação desses empréstimos fictícios, de modo a obstar que eles apresentassem atrasos; b) incorreta classificação do risco dessas operações; c) desconsideração da manifesta insuficiência financeira tanto dos mutuários, quanto das suas garantias; e d) não observância tanto de normas aplicáveis à espécie, quanto de análises das áreas técnica e jurídica do próprio Banco Rural.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 63

    Diante da arguição de que os empréstimos contraídos pela SMP&B e pela Graffiti seriam lícitos, colacionou laudo — realizado a pedido da defesa — a atestar que o procedimento utilizado para a elaboração da escrituração alterada não se enquadraria no conceito contábil de retificação, bem assim que a contabilidade da primeira empresa teria sido modificada de maneira substancial, em desacordo com as normas vigentes, o que evidenciaria erros voluntários, caracterizados como fraude contábil. Outrossim, anotou que essas operações teriam sido lançadas somente depois da divulgação do caso pela imprensa, a dificultar a devida identificação dos beneficiários de fato dos recursos repassados. Consignou trecho de laudo a dispor que os livros mercantis equiparar-se-iam a documento público, de modo que falhas de registro e retificação então analisadas resultariam de inequívoca vontade do contador e dos sócios, a corroborar a fraude contábil. Reproduziu, ainda, fragmento de parecer técnico a constar que, em razão de a contabilidade ter sido ilicitamente alterada, os peritos não se comprometeriam com a veracidade material ou ideológica das operações de crédito examinadas, porque a apreciação feita fundar-se-ia em contabilidade fraudada. Destarte, discorreu que aqueles profissionais alertariam para o fato de que as análises teriam sido desenvolvidas apenas sob o aspecto formal, sem exame da falsidade desses mútuos. No ponto, assentou que a conclusão pericial, a rigor, nem poderia ser diferente, já que contrato simulado, apesar de material ou ideologicamente falso, poderia ser formalmente autêntico.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 64

    No que tange à tese defensiva de negativa de autoria em virtude de ausência de provas, sobretudo quanto à prática de todos os atos fraudulentos dispostos na denúncia e de imputação de responsabilidade penal objetiva, lembrou que o crime fora perpetrado em concurso de pessoas, em atuação orquestrada, com unidade de desígnios e divisão de tarefas típicas dos membros de grupo criminoso organizado. Nessa senda, seria desnecessário, para a configuração da coautoria delitiva, que cada um dos réus tivesse realizado todos os atos fraudulentos que caracterizariam a gestão fraudulenta. Isso porque, pela divisão de tarefas, caberia a cada corréu determinadas funções, de cuja execução dependeria o sucesso da empreitada criminosa. Dessumiu que, nesse contexto de divisão de tarefas, como seria próprio aos delitos em concurso de pessoas, o acervo probatório revelaria a intensa atuação de todos os acusados, em diferentes etapas da gestão fraudulenta.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 65

    Apontou que, dentre renovações de mútuo formalmente contraídas pela SMP&B e pela Graffiti aprovadas por José Roberto Salgado, algumas delas teriam sido subscritas também por Ayanna Tenório ou Kátia Rabello. Estas teriam ocorrido irregularmente. Uma delas, por exemplo, a despeito de “parecer técnico” com ressalva de analista do Banco Rural, que alertara para o risco elevado da operação e para o fato de que ainda não teriam sido enviados dados contábeis atualizados. Verificou que, em outra dessas concessões de mútuo, membro do Comitê Pleno de Crédito da instituição acrescera que se cuidaria de risco de alçada da administração central, com aprovação necessária de José Roberto Salgado. Observou que, na mesma linha, em outros empréstimos, realçaram-se irregularidades, tendo em conta a ausência de dados contábeis relativos aos últimos exercícios, bem assim porque os números apresentados por uma das empresas seria de “ínfimo valor” e sua ficha cadastral teria “poucos dados”. Constatou que a mesma conduta repetira-se em outros mútuos entre ambas as empresas e a instituição financeira, dentre os quais houvera risco de renovação tão elevado que membro do aludido comitê registrara envolvimento de “risco banqueiro”. A respeito, explanou que as ressalvas feitas pelos analistas de crédito do próprio banco teriam sido ignoradas pelos réus, o que desmentiria discurso da defesa de que os acusados apenas ratificariam o que já aprovado pela área técnica da instituição financeira e que suas atribuições seriam alheias à área operacional. Ressurtiu que tanto Kátia Rabello quanto Ayanna Tenório, ao invés de seguirem o parecer da área de crédito do próprio Banco Rural, teriam autorizado a renovação dessas operações de elevadíssimo risco, mesmo sem conhecimento técnico sobre o tema.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 66

    Outrossim, colacionou, do depoimento de Vinícius Samarane, que este seria membro do Comitê de Prevenção à Lavagem de Dinheiro, além de responsável pela atividade no âmbito de auditoria e inspetoria e compliance. Esta seção consistiria em acompanhar e monitorar a aplicação, nas atividades da instituição, dos normativos internos e externos. Preceituou que tanto Vinícius Samarane, quanto Ayanna Tenório também seriam, em última análise, responsáveis pela verificação da conformidade das operações de crédito em questão com as normas incidentes à espécie, especialmente as do Bacen. Dessa forma, justificou que, para que o grupo criminoso obtivesse sucesso, seria necessária, dentro da divisão de tarefas verificada entre os acusados, a omissão dolosa de ambos no exercício de suas obrigações. Assim, concluiu que Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório — em divisão de tarefas típica de quadrilha organizada e de forma livre, consciente e com unidade de desígnios — teriam atuado intensamente na simulação dos empréstimos bancários sob enfoque, bem como utilizado mecanismos fraudulentos para encobrir o caráter simulado das operações de crédito citadas. Noutros termos, asseverou que, ao contrário do que alardeado pelos réus, a acusação de gestão fraudulenta de instituição financeira que recairia sobre eles não decorreria de imputação de responsabilidade penal objetiva, mas sim do exame de suas condutas no contexto dos fatos.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 67

    Rechaçou argumento da defesa de que não teria havido lesão ao Sistema Financeiro Nacional (bem jurídico tutelado pela Lei 7.492/86), porquanto esta sustentara que supostamente o Banco Rural teria demonstrado responsabilidade na sua gestão, sendo a sua lucratividade e o percentual de inadimplência dos seus empréstimos compatíveis com os de outros bancos brasileiros. A respeito, prelecionou que o art. 4º da Lei 7.492/86, ao descrever o crime imputado aos réus, limitar-se-ia a tipificar conduta caracterizada como crime formal, a qual não exigiria qualquer resultado naturalístico. Além disso, acentuou que o argumento de que a conduta dos réus não teria atingido o Sistema Financeiro Nacional evidenciaria muito mais opinião subjetiva, do que dado concreto, apoiado em bases legais. Repeliu, outrossim, tese defensiva de que Kátia Rabello e José Roberto Salgado não poderiam ser responsabilizados pelo crime de gestão fraudulenta de instituição financeira porque não teriam participado da concessão dos empréstimos efetuados por meio de fraude, mas apenas de algumas renovações dessas operações de crédito, nas quais não haveria disponibilização de novos recursos, nem aumento de risco, de modo que essas renovações seriam penalmente irrelevantes. No ponto, sobressaiu que, além de eles já terem aprovado mútuos formalmente concedidos pelo Banco Rural, o delito que lhes fora imputado não se consubstanciaria apenas pela concessão de empréstimos falsos, mas também pelo uso de mecanismos fraudulentos para encobrir o caráter simulado dessas operações de crédito. Igualmente, refutou a asserção da defesa de que a avaliação de risco realizada nas operações de crédito concedido por banco — rating — possuiria caráter subjetivo e que somente após o escândalo do caso em comento teria sido possível aferir a veracidade dessas notas, pois alegadamente o Bacen somente teria imposto a reclassificação das operações de crédito para o menor nível após despontar a crise. Nesse diapasão, versou que o próprio Bacen procedera à verificação especial em operações de crédito do conglomerado, a apontar falha no processo de classificação delas. Ademais, revelou que tanto os empréstimos simulados quanto suas sucessivas e fraudulentas renovações, ao contrário do que alegado pela defesa de José Roberto Salgado, constariam na denúncia.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 68

    No atinente à afirmativa da defesa de que a acusação teria ignorado provas, principalmente a oitiva de testemunhas arroladas pela defesa, sopesou não ser a simples quantidade de testemunhos que orientaria julgamento, haja vista inexistir hierarquia entre as provas. Referiu que o órgão julgador, após examinar todo o conjunto probatório, verificaria quais elementos de convicção expressariam a verdade acerca dos fatos controversos. Observou que a defesa apoiar-se-ia, sobretudo, em seleção de depoimentos de testemunhas com as quais mantivera vínculo de amizade ou ascendência profissional e que muitas delas teriam incorrido, ao menos em tese, no mesmo crime examinado nos autos, bem como figurariam como corrés dos acusados tanto no delito em tela quanto em outras ações penais que também tratariam de crimes financeiros. De outro lado, rejeitou a suposta incompatibilidade do delito de gestão fraudulenta com o de lavagem de dinheiro, pois a defesa sustentara que ambos basear-se-iam em empréstimos simulados. Esclareceu que os crimes não se consubstanciariam unicamente pela realização de mútuos falsos. Explicitou que a gestão fraudulenta materializar-se-ia, também, pelo recurso a diversos mecanismos fraudulentos, utilizados especialmente para encobrir o caráter simulado dos empréstimos. Quanto à lavagem de dinheiro, também constituiriam importantes etapas para a sua caracterização a prática de fraudes contábeis e, sobretudo, a ocultação dos verdadeiros sacadores dos milionários valores repassados pelo “núcleo Marcos Valério” por meio do Banco Rural.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 69

    Aduziu que estariam detalhados no capítulo IV da exordial acusatória (“Lavagem de Dinheiro - Lei 9.613/98”) diversos repasses de vultosos valores por intermédio do Banco Rural, com dissimulação da natureza, origem, localização, disposição e movimentação dos valores, bem como ocultação, especialmente do Bacen e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras - Coaf, dos verdadeiros proprietários e beneficiários dessas quantias, que sabidamente proviriam, direta ou indiretamente, de crimes contra a Administração Pública e o Sistema Financeiro Nacional, além de praticados por organização criminosa. Salientou que, mesmo a considerar apenas a simulação de empréstimos, não haveria que se falar em incompatibilidade entre o delito de gestão fraudulenta de instituição financeira e o de lavagem de dinheiro, tendo em vista a regra do concurso formal. Aclarou que os réus, ao atuarem dolosamente na simulação de empréstimos formalmente contraídos com o Banco Rural, em infringência às normas que regeriam a matéria, teriam cometido tanto o crime de gestão fraudulenta de instituição financeira quanto o de lavagem de dinheiro, especialmente em virtude de que esses ilícitos decorreriam de desígnios autônomos (CP, art. 70, 2ª parte). Acerca dessa matéria, trouxe à colação doutrina conforme a qual hipóteses em que o sujeito não só objetivasse e obtivesse lucro com a atividade criminosa, como ainda atuasse com vistas a ocultar ou dissimular a origem do proveito, possibilitaria o concurso formal de crimes. Por fim, estatuiu que se imporia a Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório a condenação pela prática de gestão fraudulenta em relação ao Banco Rural (Lei 7.492/86, art. 4º).

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 70

    O Min. Ricardo Lewandowski, revisor, acompanhou, em parte, o relator para julgar procedente o pleito do parquet a fim de condenar Kátia Rabello e José Roberto Salgado pela prática do delito de gestão fraudulenta de instituição financeira. A princípio, atestou ser aberto o tipo penal em questão, na medida em que o legislador não preceituara quais os atos de administração fraudulenta. Não obstante, o revisor indicou, consoante a conduta nele descrita, que o dolo deveria ser específico, a requerer do agente o emprego de meios ardilosos ou fraudulentos na condução da instituição de crédito que encerrassem o potencial de causar lesão à higidez do sistema financeiro e, por via reflexa, aos direitos e interesses de número indeterminado de acionistas, clientes e investidores. Por oportuno, distinguiu gestão fraudulenta de gestão temerária. Nesta última, admitir-se-ia dolo eventual. Em seguida, articulou que nos delitos societários, em especial naqueles chamados de colarinho branco, não se poderia exigir sempre obtenção de prova direta para condenação, sob pena de estimular-se a impunidade nesse campo. Portanto, quando o Estado não lograsse a obtenção da prova direta seria possível levar em conta os indícios, desde que lógica e seguramente encadeados, a permitir o estabelecimento da verdade processual. Registrou exsurgir dos autos materialidade delitiva, destacadamente do minucioso acervo probatório técnico, produzido tanto na fase extrajudicial como ao longo do contraditório. Ressaltou que o correto provisionamento do capital emprestado implicaria a majoração do passivo do Banco Rural e, consequentemente, alteraria qualitativa e quantitativamente sua posição patrimonial e financeira. Ao deixar de assim proceder, os administradores da instituição teriam procurado fazer crer que a situação desta seria melhor do que a efetivamente vivenciada.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 71

    Teceu considerações a respeito da errônea classificação das operações realizadas, da subversão dos valores constantes dos demonstrativos contábeis, da utilização de mecanismos destinados a impedir ou dissimular a caracterização de atrasos das operações adversadas, da ausência de provisão do banco, da falta de capacidade financeira dos mutuários, da inexistência de validade jurídica da garantia de direitos creditórios agregada aos empréstimos (contrato de prestação de serviços entre a DNA Propaganda e o BB), do desacordo com as mais comezinhas normas de prudência bancária. Estimou ter ocorrido gestão caracterizada por manobras contábeis, notadamente irregulares, que passariam ao largo do desejo de preservar a posição da instituição financeira no mercado ou de fomentar suas atividades comerciais, a ingressar decisivamente na seara dos ilícitos penais. As práticas delituosas dos dirigentes do conglomerado patentear-se-iam, sobretudo, pela relação que a cúpula mantinha com Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, todos sócios da DNA Propaganda, SMP&B Comunicação e Graffiti Participações, que ultrapassaria de longe a relação normal bancária. Constatou, em passo seguinte, que Marcos Valério agiria como agente de negócios e relações públicas do Banco Rural, encarregando-se, principalmente, de intermediar contatos entre aquela instituição e alguns setores do governo.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 72

    Após rememorar teor de laudo pericial, inferiu que o banco, caso tivesse realizado simples exame na contabilidade dos mutuários, como proposto em seus próprios normativos internos, poderia ter facilmente detectado a não correspondência entre as garantias e os empréstimos. Afigurou manifesto que estes só teriam sido aprovados em razão do relacionamento pessoal e da troca de favores existentes entre a direção do Banco Rural e o acusado Marcos Valério. Elucidou que alguns dos empréstimos teriam sido tratados quase como verdadeiras doações, ante as constantes renovações e ausência de pagamento ou amortizações. Atentou para o fato de que a situação de risco de sucessivas repactuações seria tão alarmante que a decisão envolveria a própria diretoria da instituição, necessários os votos de seus principais dirigentes: Kátia Rabello e José Roberto Salgado. Por outro lado, a postergação do pagamento da dívida seria algo de interesse precípuo do mutuário, sendo no mínimo estranho que as datas de vencimento fossem reajustadas por iniciativa do banco mutuante. Por fim, delineou os comportamentos dos dirigentes máximos do Banco Rural que indicariam o dolo e, consequentemente, a perfeita adequação típica das condutas descritas no caput do dispositivo em comento, e reputou comprovada a autoria delitiva de Kátia Rabello e de José Roberto Salgado.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 73

    Em divergência, na assentada de 5.9.2012, o revisor absolveu Ayanna Tenório e Vinícius Samarane, com esteio no art. 386, VII, do CPP. Sublinhou que o elemento fulcral do tipo “gestão fraudulenta” seria a atuação com engodo, artifício ou ardil. Advertiu que a sanção de inabilitação temporária para gerir instituição financeira, por parte do Banco Central, não acarretaria automaticamente condenação pelo delito em tela, haja vista a total independência entre as esferas penal e administrativa, exigindo a primeira delas maior rigor para imposição de reprimenda. Por esse motivo, alguns dos administrativamente punidos não teriam sido denunciados pelo parquet. Salientou que, inclusive, aqueloutra decisão penderia de exame de recurso. Pronunciou que o ordenamento legal brasileiro, nos termos de jurisprudência do STF, não contemplaria a responsabilidade penal objetiva, ainda que no campo societário, onde sabidamente mais difícil a individuação das condutas dos agentes. Rematou inexistir forma culposa do crime de gestão fraudulenta, a demandar dolo direto. Quanto a Ayanna Tenório, dessumiu não comprovado que tivesse agido de forma fraudulenta ou ardilosa na gestão de instituição financeira, tampouco que detivesse conhecimento da ilicitude dos empréstimos. Assegurou que — antes de ser contratada para o Banco Rural — ela jamais havia trabalhado em estabelecimento de crédito, de acordo com diversos depoimentos colhidos ao longo do contraditório. Resgatou que a atividade profissional de Ayanna Tenório sempre estivera voltada para as áreas de estratégia e recursos humanos. Expôs que ela fora admitida, mediante contrato de trabalho com prazo de 2 anos, para elaboração de trabalho específico de planejamento e reestruturação interna da empresa familiar. Divulgou que ela ingressara na instituição 3 dias antes da morte de seu presidente, pessoa que alegadamente iniciara o relacionamento com as empresas de Marcos Valério.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 74

    Esclareceu que, na qualidade de Vice-Presidente de Suporte Operacional, ela exerceria função de natureza administrativa. De igual modo, anotou que não se envolvera nas negociações que culminaram nos empréstimos objetos desta ação, porquanto sequer lá trabalhava à época em que concedidos. Verificou inexistir prova de que tivesse qualquer espécie de contato com Marcos Valério, ou com os sócios deste, no tocante aos mútuos objurgados, até porque não teria ingerência nos setores responsáveis pelas operações de crédito. Asseverou que os contatos de Ayanna Tenório seriam condizentes com sua função na área administrativa. Apontou que participara de apenas 2 renovações, ao subscrevê-las em conjunto com José Roberto Salgado. Concluiu que ela assinara formalmente os documentos ao seguir orientação deste, que seria o responsável pela área. Ademais, os documentos seriam relativos a mútuos anteriormente aprovados pela alta cúpula da instituição financeira, quando nenhuma suspeita havia sobre eles. Considerou que o elemento subjetivo do tipo, o dolo específico, não estaria demarcado. Depreendeu que, para Ayanna Tenório, cuidar-se-ia de renovação de crédito normal e regular em benefício de antigos clientes bancários. Discorreu que ela participaria ocasionalmente das reuniões de aprovações de créditos, apenas para preencher quórum, visto que sua área de atuação seria distinta.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 75

    Procedeu, então, a análise da situação de Vinícius Samarane. Assinalou não dispor a denúncia do delito de gestão temerária, que permitiria dolo eventual. Repisou trechos da peça da acusação, dentre os quais os réus mencionados no presente capítulo, na qualidade de gestores do Banco Rural, teriam efetuado diversas operações de crédito com as empresas de Marcos Valério e sócios, bem assim de Rogério Tolentino, e com o Partido dos Trabalhadores - PT, que totalizariam valor milionário, correspondente, à época, a 10% da carteira de crédito do conglomerado. Na sequência, aduziu que o Ministério Público não lograra provar a participação de Vinícius Samarane em qualquer dos fatos, tampouco nos eventos citados na denúncia. Reforçou que as concessões de crédito aludidas datariam de período em que o réu não ostentaria condição funcional de gestor de instituição financeira. Ele seria funcionário, com título de superintendente, sem poder de concessão ou veto a empréstimos ou renovações, pois não integraria a direção do banco, para a qual teria sido eleito posteriormente. De igual modo, também não comporia a diretoria responsável pelo Comitê de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro no intervalo em que ocorridas as mencionadas operações de crédito. Por outro lado, o revisor rechaçou a caracterização de suposta omissão dolosa do réu e de dolo específico. Narrou que aquela somente seria penalmente relevante quando o omitente pudesse ou devesse agir para evitar o resultado (CP, art. 13, § 2º). No ponto, exprimiu que qualquer manifestação do réu seria inócua. Qualificou como não demonstrado que Vinícius Samarane conhecesse ou mantivesse relacionamento com os demais corréus, à exceção dos dirigentes do banco.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 76

    Alfim, o Plenário proclamou o resultado provisório do julgamento, quanto ao capítulo V da denúncia, no sentido de: a) condenar, pela prática do delito previsto no caput do art. 4º da Lei 7.492/86, Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane, vencidos, quanto ao último corréu, os Ministros revisor e Marco Aurélio, que o absolviam; e b) absolver Ayanna Tenório do mencionado crime, com fulcro no art. 386, VII, do CPP, vencido o relator. A Min. Rosa Weber ressaltou que nos crimes empresariais a imputação, em regra, deveria recair sobre os dirigentes ou órgãos de controle (presunção iuris tantum). Assim, imperioso verificar, no caso concreto, quem deteria poder de controle da organização para efeito de decidir pela consumação do delito. Destarte, caberia ao acusado comprovar não ter havido poder de decisão. Destacou, ainda, que nenhuma das operações de saque em espécie — cujo destinatário final teria sido agente público que comporia o capítulo IV da denúncia — teria ocorrido após Ayanna Tenório assumir a responsabilidade pela área de prevenção à lavagem de dinheiro. Entendeu plausível que a corré não tivesse conhecimento de todas as circunstâncias envolvidas, a impor sua absolvição, por inexistir quadro probatório seguro, acima de qualquer dúvida, que teria agido com dolo. O Min. Luiz Fux assinalou que a gestão fraudulenta de hoje seria o crime contra a economia popular de outrora. Além disso, aludiu que a criminalização daquela infração penal ocorreria na medida em que violadas regras básicas da atividade financeira.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 77

    O Min. Gilmar Mendes aduziu haver extenso acervo probatório a evidenciar que os dirigentes do Banco Rural realizariam procedimentos incompatíveis com as normas atinentes às instituições financeiras. Embora certas ações ou omissões irregulares pudessem ocorrer em virtude da complexidade ligada à atividade bancária, de maneira a configurar meras infrações administrativas, bem como as instituições financeiras tivessem, de modo geral, flexibilidade para gerir seus negócios fora de padrões preestabelecidos, o quadro revelaria uma série de ações e omissões deliberadas, a caracterizar reprovável modo de administração. Frisou tratar-se de segmento econômico sujeito a rigoroso controle estatal, com distinção própria na Constituição. A instituição financeira seria elemento estrutural do sistema, na medida em que administraria e aplicaria a poupança popular. Asseverou que os fatos apontados extrapolariam as margens de risco e tolerância aceitáveis, com o agravante de a inobservância das normas aplicáveis ter sido recorrente. Sublinhou a tentativa de encobrimento dessas situações ilegais, mediante omissão, alteração e supressão em documentos internos e contábeis da instituição. Ressaltou que, como resultado da gestão fraudulenta, o Banco Rural incrementara artificialmente seu patrimônio líquido, induzindo a erro seus usuários e implicando a descapitalização da instituição. Apontou que as advertências internas — de analistas do Banco Rural — e externas — do Bacen — seriam sinais inequívocos de que os dirigentes conheceriam os fatos e concordariam com eles. Ressalvou, entretanto, que Ayanna Tenório não teria condições de compreender o significado das operações envolvidas no esquema criminoso, de modo que não teria pleno domínio dos fatos.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    AP 470/MG - 78

    O Min. Celso de Mello, por sua vez, destacou que a peça acusatória, ao se referir à suposta negligência dos acusados na concessão de empréstimos às entidades envolvidas, não se referiria à prática do crime em questão na suposta modalidade culposa, inexistente no ordenamento. Os autos evidenciariam que o comportamento seria doloso. No tocante à coautoria de Vinícius Samarane, frisou que o réu produzira peças enganosas e procedera a incorretas classificações de risco das operações. Além disso, adotara medidas para frustrar a ação fiscalizadora do Bacen. Realizara, portanto, fragmento no plano operacional, a refletir atividade exercida em função de um projeto criminoso comum. Seu papel no iter criminis configuraria, assim, coautoria sucessiva. O Min. Ayres Britto, Presidente, a seu turno, lembrou que a tutela imediata do art. 4º, caput, da Lei 7.492/86 diria respeito à instituição financeira — com seu conjunto de acionistas, a qual deveria ser colocada a salvo de gestão tão desastrosa que significasse bancarrota —, ao passo que a proteção mediata remeter-se-ia ao próprio Sistema Financeiro Nacional (CF, art. 192), a ter resguardada sua credibilidade com o escopo de servir aos interesses da “coletividade”. No ponto, trouxe à baila precedente da Corte (HC 93.638/PR, DJe de 25.8.2011), consoante o qual a gestão fraudulenta encartar-se-ia na seara da má administração de instituição financeira e caracterizar-se-ia pela ilicitude dos atos praticados pelos responsáveis pela gerência empresarial, exteriorizada por manobras ardilosas e mediante prática consciente de fraudes. No que tange a Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane, assentou que as práticas ilícitas destes retratariam muito mais que descaso ou descuido, pois revelariam o deliberado propósito de fraudar a gestão colegiada do banco. O Min. Marco Aurélio, no que se refere a Ayanna Tenório, assinalou que sua participação nos fatos não seria suficiente a respaldar título condenatório, a menos que se cogitasse de crime por presunção. Em relação a Vinícius Samarane, destacou ser subordinado a ela. Ademais, a mera subscrição de relatórios a versar sobre atividades do banco não seria suficiente para firmar a culpa do acusado. Sublinhou não haver, nos citados documentos, tentativa de encobrir atividade ilícita. Além disso, eles teriam sido assinados por diversas pessoas, que não estariam no polo passivo da ação. Após, o julgamento foi suspenso.

    AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3, 5 e 6.9.2012. (AP-470)

    PRIMEIRA TURMA

    Estelionato: assistência judiciária gratuita e cobrança de honorários - 4

    Em conclusão, a 1ª Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para trancar ação penal ao fundamento de atipicidade de conduta (CP, art. 171, caput). Na espécie, o paciente supostamente teria auferido vantagem para si, em prejuízo alheio, ao cobrar honorários advocatícios de cliente beneficiado pela assistência judiciária gratuita, bem como forjado celebração de acordo em ação de reparação de danos para levantamento de valores referentes a seguro de vida. Aduzia a impetração que, depois de ofertada e recebida a denúncia, juízo cível homologara, por sentença, o citado acordo, reputando-o válido, isento de qualquer ilegalidade; que os autores não teriam sofrido prejuízo algum; e que os honorários advocatícios seriam efetivamente devidos — v. Informativo 576. Consignou-se não haver qualquer ilegalidade ou crime no fato de advogado pactuar com seu cliente — em contrato de risco — a cobrança de honorários, no caso de êxito em ação judicial proposta, mesmo quando gozasse do benefício da gratuidade de justiça. Frisou-se que esse entendimento estaria pacificado no Enunciado 450 da Súmula do STF (“São devidos honorários de advogado sempre que vencedor o beneficiário da justiça gratuita”). Vencidos os Ministros Marco Aurélio, que denegava o writ, e Cármen Lúcia, que o concedia parcialmente para trancar a ação penal apenas quanto à conduta referente à cobrança de honorários advocatícios de parte amparada pela gratuidade da justiça, ante a falta de justa causa para o seu prosseguimento. Por outro lado, denegava a ordem quanto à segunda conduta imputada ao paciente ao destacar que, na denúncia, teriam sido descritos comportamentos típicos quanto à forja na formalização de acordo, sendo factíveis e obviados os indícios de autoria e materialidade delitivas.

    HC 95058/ES, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4.9.2012. (HC-95058)

    Art. 150, VI, b e c, da CF: maçonaria e imunidade tributária - 3

    As organizações maçônicas não estão dispensadas do pagamento do imposto sobre propriedade predial e territorial urbana - IPTU. Essa a conclusão da 1ª Turma ao conhecer, em parte, de recurso extraordinário e, por maioria, negar-lhe provimento. Na espécie, discutia-se se templos maçônicos se incluiriam no conceito de “templos de qualquer culto” ou de “instituições de assistência social” para fins de concessão da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, b e c, da CF [“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: ... VI - instituir impostos sobre: ... b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”] — v. Informativo 582. Entendeu-se que o enquadramento da recorrente na hipótese de imunidade constitucional seria inviável, consoante o Verbete 279 da Súmula do STF (“Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”). Aludiu-se, ainda, à observância do art. 14 do CTN para que pudesse existir a possibilidade do gozo do benefício, matéria que não possuiria índole constitucional. Pontuou-se que a maçonaria seria uma ideologia de vida e não uma religião.

    RE 562351/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4.9.2012. (RE-562351)

    Art. 150, VI, b e c, da CF: maçonaria e imunidade tributária - 4

    Vencido o Min. Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso para reconhecer o direito à imunidade tributária dos templos em que realizados os cultos da recorrente. Sustentava que, diversamente das isenções tributárias, que configurariam favores fiscais do Estado, as imunidades decorreriam diretamente das liberdades, razão pela qual mereceriam interpretação, no mínimo, estrita. Frisava não caber potencializar o disposto no art. 111, II, do CTN — que determinaria a interpretação literal da legislação tributária que dispusesse sobre outorga de isenção —, estendendo-o às imunidades. Destacava que a Constituição não teria restringido a imunidade à prática de uma religião, mas apenas àquele ente que fosse reconhecido como templo de qualquer culto. Asseverava que, em perspectiva menos rígida do conceito de religião, certamente se conseguiria classificar a maçonaria como corrente religiosa, que contemplaria física e metafísica. Explicava haver inequívocos elementos de religiosidade na maçonaria. Presumia conceito mais largo de religião, até mesmo em deferência ao art. 1º, V, da CF, que consagraria o pluralismo como valor basilar da República. Realçava que o pluralismo impediria que o Poder Judiciário adotasse definição ortodoxa de religião.

    RE 562351/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4.9.2012. (RE-562351)

    Princípio da insignificância e furto em penitenciária - 3

    Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma, por maioria, deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para aplicar o princípio da insignificância em favor de condenado pela tentativa de subtração de cartucho de tinta para impressora do Centro de Progressão Penitenciária, em que trabalhava e cumpria pena por delito anterior —v. Informativos 618 e 625. Afirmou-se que, embora o bem pertencesse ao Estado, seu valor poderia ser reputado ínfimo, quase zero, e a ausência de prejuízo que pudesse advir para a Administração Pública seria suficiente para que incidisse o postulado. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, relator, e Marco Aurélio, que negavam provimento ao recurso. Asseveravam não poder ser considerado reduzido o grau de reprovabilidade da conduta do paciente que, não mais primário, tentara furtar bem público na constância do cumprimento de pena em estabelecimento penitenciário.

    RHC 106731/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 4.9.2012. (RHC-106731)