Informativo do STF 650 de 02/12/2011
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
ECA: classificação indicativa e liberdade de expressão - 1
O Plenário iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada, pelo Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, contra a expressão “em horário diverso do autorizado” contida no art. 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (“Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação: Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias”). O Min. Dias Toffoli, relator, acompanhado pelos Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Ayres Britto, julgou o pleito procedente, para declarar a inconstitucionalidade da mencionada expressão. Afirmou que tanto a liberdade de expressão nos meios de comunicação como a proteção da criança e do adolescente seriam axiomas de envergadura constitucional e que a própria Constituição teria delineado as regras de sopesamento entre esses valores. A respeito, rememorou o julgamento da ADPF 130/DF (DJe de 6.11.2009) por esta Corte, em que consignada a plenitude do exercício da liberdade de expressão como decorrência da dignidade da pessoa humana e como meio de reafirmação de outras liberdades constitucionais. Ademais, assentara-se, à época, a regulação estritamente constitucional do tema, a imunizar o direito de livre expressão contra tentativas de disciplina ou autorização prévias por parte de norma hierarquicamente inferior, a teor do art. 220 da CF. Asseverara-se, ainda, a existência de óbice constitucional ao controle prévio pelo Poder Público do conteúdo objeto de expressão sem, entretanto, retirar do emissor a responsabilidade por eventual desrespeito a direitos alheios, imputados à comunicação.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011. (ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e liberdade de expressão - 2
Reputou que o presente caso destacaria a liberdade de expressão na sua dimensão instrumental, ou seja, a forma como se daria a exteriorização da manifestação do pensamento. Nesse sentido, registrou que a real consagração da liberdade de expressão, nos termos do art. 5º, IX, da CF, dependeria da liberdade de comunicação social, prevista no art. 220 da CF, de modo a garantir a livre circulação de idéias e de informações, a comunicação livre e pluralista, protegida da ingerência estatal. A respeito, anotou a liberdade de programação como uma das dimensões da liberdade de expressão em sentido amplo, essencial para construir e consolidar uma esfera de discurso público qualificada. Por outro lado, asseverou que a criança e o adolescente, pela posição de fragilidade em que se colocariam no corpo da sociedade, deveriam ser destinatários, tanto quanto possível, de normas e ações protetivas voltadas ao seu desenvolvimento pleno e à preservação contra situações potencialmente danosas a sua formação física, moral e mental. Nesse aspecto, sublinhou o art. 227 da CF (“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”). Frisou que o ECA concretizaria o valor de preservação insculpido na Constituição, ao estabelecer incentivos para que se alcançassem os objetivos almejados e ao fixar uma série de vedações às atividades a eles contrárias.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011. (ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e liberdade de expressão - 3
De modo a compatibilizar a defesa da criança e do adolescente contra a exposição a conteúdos inapropriados veiculados em diversões públicas e programas de rádio e de televisão, de um lado, e a garantia constitucional da liberdade de expressão, de outro, lembrou o art. 21, XVI, da CF (“Art. 21. Compete à União: ... XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão”), bem como o art. 220, § 3º, I e II, do mesmo diploma (“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição ... § 3º - Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”). Concluiu que a Constituição teria estabelecido mecanismo apto a oferecer aos telespectadores das diversões públicas e de programas de rádio e televisão as indicações, as informações e as recomendações necessárias acerca do conteúdo veiculado. O sistema de classificação indicativa seria, então, ponto de equilíbrio tênue adotado pela Constituição para compatibilizar os dois postulados, a fim de velar pela integridade das crianças e dos adolescentes sem deixar de lado a preocupação com a garantia da liberdade de expressão.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011. (ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e liberdade de expressão - 4
Destacou que a Constituição buscaria, em ultima ratio, conferir aos pais, como reflexo do exercício do poder familiar, o papel de supervisão efetiva sobre o conteúdo acessível aos filhos, enquanto não plenamente aptos a conviver com os influxos prejudiciais do meio social. Dessumiu que seriam muitos os fatores a pluralizar as concepções morais e comportamentais das famílias, fossem eles religiosos, econômicos, sociais ou culturais. Ressurtiu, porém, que teria sido resguardado o direito dos dirigentes da entidade familiar ao seu livre planejamento, respeitados os postulados da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (CF, art. 226, § 7º). Dessa forma, a classificação dos produtos audiovisuais buscaria esclarecer, informar, indicar aos pais a existência de conteúdo inadequado para seus filhos. A classificação, desenvolvida pela União, possibilitaria que os pais, calcados na autoridade do poder familiar, decidissem se a criança ou o adolescente poderia ou não assistir a determinada programação. Não teria, assim, caráter impositivo. Citou a regulação do tema estabelecida pelo ECA (artigos 74 a 77) e a sanção administrativa para a hipótese de descumprimento da classificação efetuada pelo Poder Público, no mesmo diploma (art. 254).
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011. (ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e liberdade de expressão - 5
Quanto à classificação indicativa, aludiu ser efetuada por órgão do Ministério de Estado da Justiça, o Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação, ao qual teria sido delegada a competência de monitorar programas de televisão e recomendar as faixas etárias e os seus horários (Decreto 6.061/2007, art. 10, III). Ademais, segundo o art. 3º da Lei 10.359/2001, a atividade de classificação indicativa seria exercida com a participação das entidades representativas das emissoras. Destacou que, atualmente, o procedimento administrativo de classificação seria regulamentado pela Portaria 1.220/2007, daquele Ministério. Demonstrou que, inclusive sob a óptica da regulamentação infralegal, a classificação seria dirigida aos pais ou responsáveis, e não às emissoras de radiodifusão. Anotou que, de acordo com a referida portaria, o procedimento adotado para a classificação seria o seguinte: o titular ou o representante legal da obra audiovisual apresentaria requerimento ao órgão ministerial responsável, com descrição fundamentada sobre o conteúdo e o tema do programa que se pretenderia veicular, abrangendo, ainda, a “autoclassificação” pretendida. O pedido de classificação ficaria, então, submetido a análise, podendo haver reclassificação, passível de recurso. Os programas jornalísticos ou noticiosos, esportivos, eleitorais e obras publicitárias em geral não estariam sujeitos à classificação indicativa. Já os programas exibidos ao vivo submeter-se-iam a atividade de monitoramento, podendo ser classificados quando constatada a presença reiterada de inadequações. A portaria disporia, também, sobre a classificação dos programas televisivos conforme as faixas etárias para as quais não se recomendariam e os horários em que sua apresentação se mostraria inadequada.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011. (ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e liberdade de expressão - 6
Acentuou que o sistema configuraria classificação eminentemente estatal, de regulação exclusivamente pública. Caberia, portanto, ao Estado estabelecer as normas e critérios gerais a serem seguidos na classificação, como também exercer a atividade classificatória, monitorar e fiscalizar o cumprimento das regras estabelecidas. Nesse contexto, considerado o passado não muito distante de censura institucionalizada no país, asseverou que, a fim de se evitar esse tipo de intervenção estatal, adotar-se-ia, no direito comparado, a sistemática de classificação indicativa calcada na auto-regulação e no autocontrole pelas próprias emissoras ou mediante co-regulação, a qual combinaria auto-regulação e regulação pública. Exemplificou experiências que ocorreriam nos EUA, Canadá, Espanha e Portugal. Anotou que o modelo de classificação eminentemente estatal, como ocorreria no Brasil, distanciar-se-ia das tendências dos marcos regulatórios de muitas democracias ocidentais, e que os outros modelos explicitados estimulariam as emissoras de radiodifusão a se envolverem de forma mais responsável na proteção do público infanto-juvenil, em face da sua programação, para apresentar e tornar públicas suas posições — o que seria monitorado pela sociedade e pelos próprios telespectadores — de forma que o Estado ofereceria apenas os parâmetros gerais de classificação e incentivaria a auto-regulamentação, por intermédio de órgãos, que somente atuariam nas situações de falhas ou abusos no sistema.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011. (ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e liberdade de expressão - 7
Pontuou que a competência da União para exercer a classificação indicativa somente se legitimaria por expressa disposição constitucional, e que essa incumbência não se confundiria com autorização, sequer poderia servir de anteparo para que se aplicassem sanções de natureza administrativa. Assim, o uso do verbo “autorizar”, contido na expressão impugnada, revelaria sua ilegitimidade. Entendeu que a submissão de programa ao Ministério de Estado da Justiça não consistiria em condição para que pudesse ser exibido, pois não se trataria de licença ou de autorização estatal, vedadas pela Constituição. A submissão ocorreria, exclusivamente, com o fito de que a União exercesse sua competência administrativa para classificar, a título indicativo, as diversões públicas e os programas de rádio e televisão (CF, art. 21, XVI). Assim, o Estado não poderia determinar que a exibição da programação somente se desse em horários determinados, o que caracterizaria imposição, e não recomendação. Inexistiria dúvida de que a expressão questionada teria convertido a classificação indicativa em obrigatória, portanto. No compasso, recordou que os debates ocorridos durante a Assembléia Nacional Constituinte teriam ressaltado a importância da expressão “para efeito indicativo”, contida no art. 21, XVI, da CF e que o diploma constitucional utilizaria o termo “indicativo” também ao tratar da ordem econômica (art. 174, caput). Enfatizou que o referido vocábulo seria utilizado no sentido de “facultativo, não obrigatório”.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011. (ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e liberdade de expressão - 8
Aduziu que a Constituição conferira à União e ao legislador federal margem limitada de atuação no campo da classificação dos espetáculos e diversões públicas. A autorização constitucional seria para que aquele ente federativo classificasse, informasse, indicasse as faixas etárias e/ou horários não recomendados, e não que proibisse, vedasse ou censurasse. A classificação indicativa deveria, pois, ser entendida como aviso aos usuários acerca do conteúdo da programação, jamais como obrigação às emissoras de exibição em horários específicos, mormente sob pena de sanção administrativa. A respeito, concluiu que o dispositivo adversado, ao estabelecer punição às empresas do ramo por exibirem programa em horário diverso do autorizado, incorreria em abuso constitucional. Por outro lado, reputou que, embora a norma discutida não impedisse a veiculação de idéias, não impusesse cortes em obras audiovisuais, mas tão-somente exigisse que as emissoras veiculassem seus programas em horário adequado ao público-alvo, implicaria censura prévia, acompanhada de elemento repressor, de punição. Esse caráter não se harmonizaria com os artigos 5º, IX; 21, XVI; e 220, § 3º, I, todos da CF. Salientou não se poder pressupor que as emissoras, na escolha de sua programação, seriam, a priori, nocivas à população infanto-juvenil, a merecer tutela estatal. Ademais, afastou a idéia paternalista de que se justificaria a proibição diante da dificuldade de se ter a presença dos pais ao lado dos filhos, porquanto o Estado não deveria atuar como protagonista na escolha do que deveria ou não ser exibido em determinado horário. No ponto, dessumiu que os agentes administrativos seriam tão falíveis quanto as emissoras ao realizar a classificação indicativa. Ressurtiu que o Poder Público não deveria substituir os pais ao regular o conteúdo a que os filhos tivessem acesso, mas deveria dotar a sociedade de meios eficazes para o exercício desse controle de qualidade. Frisou que permaneceria o dever de as emissoras mostrarem ao público o aviso de classificação etária, de forma antecedente e concomitante com a veiculação do conteúdo (ECA, art. 76, parágrafo único).
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011. (ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e liberdade de expressão - 9
Esclareceu que a exibição do aviso de classificação indicativa teria efeito pedagógico, a exigir reflexão por parte do espectador e dos responsáveis. Seria dever estatal, nesse ponto, conferir maior publicidade aos avisos de classificação, bem como desenvolver programas educativos acerca desse sistema. Lembrou que o controle parental poderia ser feito, inclusive, com o auxílio de meios eletrônicos de seleção e de restrição de acesso a determinados programas, como já feito em outros países. Evidenciou que a tecnologia seria de uso obrigatório no Brasil, apesar de ainda não adotada (Lei 10.359/2001). Destacou que a classificação indicativa desencadearia importante efeito auto-regulador por parte das próprias emissoras, pois sujeitas às susceptibilidades dos espectadores. Considerou, ademais, que seria sempre possível a responsabilização judicial das emissoras de radiodifusão por abusos ou danos à integridade de crianças e adolescentes, tendo em conta, inclusive, a recomendação do Ministério de Estado da Justiça em relação aos horários em que determinada programação seria adequada. Nesse aspecto, a liberdade de expressão exigiria igualmente responsabilidade no seu exercício. As emissoras deveriam observar na sua programação as cautelas necessárias às peculiaridades do público infanto-juvenil. Elas deveriam, não obstante, proceder ao enquadramento horário de sua programação, e não o Estado. Por fim, rejeitou o pedido de declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento, da expressão “a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias”, constante do parágrafo único do art. 254 do ECA e o de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 76 do mesmo diploma. Ambas as pretensões teriam sido formuladas pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão - Abert, na qualidade de amica curiae. A citada expressão também se aplicaria à conduta referida no caput do art. 254, a qual não teria sido objeto da presente ação direta. No tocante ao art. 76 do ECA, entendeu possuir vida própria, a afastar o fenômeno da inconstitucionalidade por arrastamento.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011. (ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e liberdade de expressão - 10
O Min. Luiz Fux acrescentou que a Constituição encontraria uma de suas expressões mais caras na preservação de uma imprensa livre e independente, que pudesse dar voz com desenvoltura às diversas manifestações populares, mesmo diante da atuação do Poder Público. Assinalou que seria claro o risco subjacente a qualquer forma de controle prévio pelo Poder Executivo do conteúdo a ser veiculado nos meios de comunicação, no sentido de ensejar abusos e arbitrariedades pelo corpo da burocracia administrativa, suscetível à influência das maiorias políticas ocasionais. Relatou situações pretéritas de manipulação e de inibição da imprensa em ditaduras latino-americanas, a ressaltar o caráter exclusivamente indicativo da atividade de classificação do conteúdo dos programas. Ponderou acerca da disciplina constitucional pormenorizada do tema, nos artigos 220 a 224 da CF, e da tônica pelo caráter indicativo da classificação estatal, a enfatizar o papel da própria pessoa e da família na tutela frente aos efeitos nocivos da infringência aos valores protegidos constitucionalmente. Realçou a confiança que o constituinte depositara no poder familiar, a quem caberia o zelo, em primeiro lugar, pela formação psicológica adequada da criança (CF, art. 227, caput). A classificação indicativa permitiria, portanto, que o Estado aconselhasse, sem tomar para si a função de oráculo moral da sociedade. Nesse sentido, a lógica que perpassaria o regime de liberdade de imprensa basear-se-ia, simultaneamente, na desconfiança quanto ao Poder Público e na confiança da atuação dos próprios agentes que atuariam no chamado “livre mercado de idéias”. Referiu que, ao longo da história brasileira, os veículos de comunicação não demonstrariam descompromisso quanto aos valores sociais, a reforçar o papel da auto-regulação. Ressalvou a necessidade de serem impostos balizamentos no que concerne a essa regulação própria, em harmonia com o art. 221, IV, da CF. Resguardou, por derradeiro, ampla possibilidade de acesso ao Poder Judiciário para tutelar direitos eventualmente contrapostos à liberdade de imprensa.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011. (ADI-2404)
ECA: classificação indicativa e liberdade de expressão - 11
A Min. Cármen Lúcia discorreu sobre as dificuldades de se consolidar a liberdade de expressão, mesmo em plena democracia, e que a questão seria de ameaça a esse valor. Dessa maneira, a censura não seria meio legal de garantia de defesa contra programações indesejadas, já que sequer se conheceria o conteúdo que não teria ido ao ar por impedimento prévio. Ressaiu que a internet exporia crianças e adolescentes a programas de toda sorte e que o Estado buscaria vedar o acesso ao que poderia ser verificado, sob ameaça de certas medidas punitivas, o que contrariaria a Constituição. O Min. Ayres Britto versou que esse diploma teria autorizado o Poder Público a emitir juízo negativo do que não fosse adequado, segundo critério discricionário. Isso não implicaria, entretanto, passar a dizer o que a emissora poderia fazer ou não. Inferiu que, no tocante aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, o discurso constitucional seria totalmente aberto, de modo que a censura de conteúdo seria proibida, pois plena a liberdade de imprensa. Enumerou os conteúdos desse postulado, que seriam a liberdade de manifestação do pensamento, a de expressão e a de informação. Aduziu que a proteção constitucional à família seria no sentido de autotutela, e que o papel do Estado consistiria em mera classificação indicativa. Após, pediu vista o Min. Joaquim Barbosa.
ADI 2404/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 30.11.2011. (ADI-2404)
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 8
O Plenário retomou julgamento conjunto de duas ações declaratórias de constitucionalidade e de ação direta de inconstitucionalidade nas quais se aprecia a denominada Lei da “Ficha Limpa” — v. Informativo 647. O Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, julgou procedentes os pedidos formulados nas primeiras e improcedente o requerido na última. Preliminarmente, acompanhou o Min. Luiz Fux, relator, quanto ao conhecimento das ações apenas no tocante às causas de inelegibilidade. No mérito, destacou que a Constituição erigira à condição de critérios absolutos para o exercício de cargos públicos a probidade, a moralidade e a legitimidade das eleições. Nessa linha, reafirmou que a LC 135/2010 seria compatível com a Constituição, em especial com o que disposto no seu art. 14, § 9º (“Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”), a formar um todo que poderia ser qualificado como Estatuto da Ética e da Moralidade da Cidadania Política Brasileira. Relembrou que inelegibilidade não seria pena, razão pela qual incabível incidir o princípio da irretroatividade da lei, notadamente, do postulado da presunção de inocência às hipóteses de inelegibilidade. No ponto, alertou sobre o empréstimo desse princípio à seara eleitoral, em que prevaleceriam outros valores, cuja primazia diria respeito ao eleitor, que não se veria representado por pessoas que ostentariam em seu currículo nódoas como as previstas na lei em comento.
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 1º.12.2011. (ADC-29) ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 1º.12.2011. (ADC-30) ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 1º.12.2011. (ADI-4578)
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 9
Após breve histórico sobre as inelegibilidades, reputou insustentável tese que afastaria a imposição de inelegibilidades a pessoas que se enquadrariam nas situações da Lei da “Ficha Limpa”, quais sejam, as comprovadamente corruptas, ímprobas, que responderam ou que foram condenadas sob o devido processo legal por fatos extremamente graves, que não mais poderiam ser legalmente revistos, revisitados ou revertidos por qualquer tribunal do país. No que concerne à alínea k do inciso I do art. 1º, divergiu do relator para assentar a constitucionalidade do dispositivo. Asseverou que a Constituição já conteria preceito que vedaria a renúncia como burla ao enfrentamento de processo que visasse ou pudesse levar à perda do mandato. Consignou que não seria simples petição ou requerimento que ocasionaria a renúncia, sendo esta fruto da valoração feita pelo parlamentar acerca dos fatos a ele imputados e de sua decisão livre e autônoma de rejeitar o mandato eletivo. Assim, entendeu que a lei impugnada não retroagiria para atingir os efeitos da renúncia, que se encontraria perfeita e acabada, mas concederia efeitos futuros a ato ocorrido no passado. Concluiu que essa manobra parlamentar para fugir à elucidação pública mereceria ser incluída entre os atos que manchariam a vida pregressa do candidato. Por derradeiro, repeliu a alegação de inconstitucionalidade da alínea m, pleiteada na ADI 4578/DF, ao fundamento de que a condenação por infração ético-profissional demonstraria sua inaptidão para interferência na gestão da coisa pública. Após o reajuste de voto do Min. Luiz Fux para também declarar a constitucionalidade da aludida alínea k, pediu vista o Min. Dias Toffoli.
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 1º.12.2011. (ADC-29) ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 1º.12.2011. (ADC-30) ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 1º.12.2011. (ADI-4578)
ED: extinção de punibilidade pelo pagamento integral de débito e prescrição retroativa - 1
O Plenário iniciou julgamento de embargos de declaração opostos sob a alegação de que o acórdão condenatório omitira-se sobre o entendimento desta Corte acerca de pedido de extinção de punibilidade pelo pagamento integral de débito fiscal, bem assim sobre a ocorrência de prescrição retroativa da pretensão punitiva do Estado. Na situação, o parlamentar, ora embargante, fora condenado pela prática dos crimes de apropriação indébita previdenciária e de sonegação de contribuição previdenciária (CP, art. 168-A, § 1º, I, e art. 337-A, III, c/c o art. 71, caput, e art. 69) — v. Informativo 602. Argumenta que a extinção de punibilidade poderia ocorrer a qualquer tempo. No ponto, afirma que o adimplemento total, acompanhado dos consectários legais, acontecera antes da publicação do acórdão e, portanto, do próprio trânsito em julgado, ainda pendente. Sustenta, ainda, a ocorrência de prescrição retroativa da pretensão punitiva do Estado, embasado no art. 109, IV, c/c art. 115, daquele diploma penal, e no art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003. Argüi que teria completado 70 anos de idade em momento anterior ao início da própria sessão de julgamento que o condenara, assim como da publicação da respectiva decisão. À derradeira, pugna pelo acolhimento dos embargos com efeitos infringentes. De início, o Colegiado indeferiu pleito de sustentação oral formulado pela defesa, tendo em conta o disposto no § 2º do art. 131 do RISTF (“Não haverá sustentação oral nos julgamentos de agravo, embargos declaratórios, argüição de suspeição e medida cautelar”). Reportou-se, ainda, à posição do STF no sentido de que essa norma não ofende o princípio do contraditório nem vulnera o postulado da plenitude de defesa.
AP 516 ED/DF, rel. Min. Ayres Britto, 1º.12.2011. (AP-516)
ED: extinção de punibilidade pelo pagamento integral de débito e prescrição retroativa - 2
O Min. Ayres Britto, relator, rejeitou os embargos declaratórios e indeferiu o pedido de reconhecimento de extinção da punibilidade pelo superveniente pagamento do débito tributário. Ante a assertiva de quitação integral do débito fiscal, informou que teria requisitado informações detalhadas à Secretaria da Receita Federal e obtivera o esclarecimento da “liquidação por pagamento” dos débitos objetos do presente processo-crime. Registrou, também, que determinara: a) retificação da ata da sessão para que passasse a constar, conforme o resultado da decisão colegiada do Supremo, a deliberação de firmar como marco interruptivo da prescrição a data da assentada de julgamento em que proferida a condenação; e b) posterior republicação do acórdão. Anotou que, após a retificação deste, o embargante corroborara, tempestivamente, os termos dos embargos aclaratórios. Pontuou, em seguida, o caráter manifestamente protelatório do recurso, em que se notaria o objetivo, pela simples leitura das razões nele lançadas, de pretensão de reexame de questão já enfrentada e repelida pelo Plenário. Matéria esta alusiva ao fato de o réu não contar mais de 70 anos de idade na precisa data de exame da ação penal, o que teria motivado o afastamento da incidência de causa de redução do prazo prescricional em virtude da senilidade a que se refere o art. 115 do CP. A respeito, enfatizou que o debate explícito sobre a tese fora provocado pela própria intervenção do advogado constituído. Considerou estar-se diante de embargos que buscariam, sob pretexto de vício inexistente, a rediscussão do que já decidido, com propósito de retardar o início do cumprimento das penas aplicadas. Nessa contextura, concluiu inexistir omissão a suprir.
AP 516 ED/DF, rel. Min. Ayres Britto, 1º.12.2011. (AP-516)
ED: extinção de punibilidade pelo pagamento integral de débito e prescrição retroativa - 3
Relativamente ao pedido de extinção da punibilidade pelo superveniente pagamento do débito fiscal, sublinhou que se trataria de questão de ordem pública e espécie de apreciação, até mesmo de ofício, por esta Corte. Após digressão evolutiva da jurisprudência do STF, assinalou que a extinção da punibilidade pela quitação do débito tributário seria apenas admissível enquanto existente pretensão punitiva estatal, em contraposição à pretensão executória do Estado. Acentuou que, em regra, a reparação do dano seria simples circunstância atenuante e, em caráter excepcional, utilizada como causa extintiva de punibilidade. Dessumiu ser o caráter definitivo da decisão condenatória, irrecorrível do ponto de vista processual, que daria efetividade concreta à pretensão punitiva estatal, ao conferir-lhe o direito de impor a sanção ao apenado. Condenação definitiva que afastaria o direito constitucional da presunção de não-culpabilidade, substituindo-o pelo juízo da culpa. Destacou que a força que conferiria imutabilidade às decisões judiciais viria da inacessibilidade a recurso, o que, diante das peculiaridades da jurisdição do STF, carregaria diferença em relação ao trânsito em julgado perante os demais órgãos do Poder Judiciário. Igualmente, explicitou que, de ordinário, a Constituição quando quisera aludir à decisão transitada em julgado o fizera de maneira expressa. Por outro lado, daria tratamento diverso a decisões definitivas de mérito desta Corte, sem menção ao trânsito em julgado. Inferiu que o tratamento particularizado decorreria do fato de competir, precipuamente, ao STF, como órgão de cúpula do Judiciário nacional, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, além das causas próprias de Corte Constitucional, também o plexo de jurisdição tipicamente ordinária, originariamente ou em competência recursal, de tribunal de última instância. Pontuou que, excluída a hipótese de cabimento de embargos infringentes, o julgado condenatório do Plenário da Suprema Corte em ação penal originária seria definitivo e anunciaria o momento de se dar cumprimento à pena. Reputou que, verificados os marcos interpretativos, a jurisdição do STF quando exercida em única ou última instância prescindiria do trânsito em julgado para sua decisão ganhar foros de definitividade. Definitividade que limitaria, então, a possibilidade de se reconhecer o pagamento do tributo como causa de extinção da punibilidade, por não mais existir pretensão punitiva do Estado passível de suspensão ou anulação. Assim, uma vez exercida em definitivo essa pretensão estatal, com a sentença condenatória, teria ficado inviabilizada a eficácia jurídico-penal do pagamento completo da dívida no caso concreto, para efeitos de extinção da punibilidade. Por fim, observou encontrar-se em tramitação nesta Corte a ADI 4273/DF (pendente de julgamento), sob a relatoria do Min. Celso de Mello, em que se questiona a constitucionalidade dos artigos 67 a 69 da Lei 11.941/2009. Após, pediu vista o Min. Luiz Fux.
AP 516 ED/DF, rel. Min. Ayres Britto, 1º.12.2011. (AP-516)
Aposentadoria compulsória e limite etário - 1
Por vislumbrar aparente ofensa aos artigos 25, caput, e 40, § 1º, II, da CF, o Plenário deferiu pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, a fim de suspender, com eficácia ex tunc, a vigência do art. 57, § 1º, II, da Constituição do Estado do Piauí, na redação conferida pelo art. 1º da EC 32/2011. O dispositivo adversado alterara de 70 para 75 anos a idade para o implemento de aposentadoria compulsória dos servidores públicos daquela unidade federada e de seus municípios. Precipuamente, verificou-se a legitimidade ad causam da requerente, bem assim a pertinência temática entre os objetivos institucionais da associação e a matéria tratada pela norma impugnada, inegavelmente inserida na esfera de interesses de parte significativa de seus associados. Reportou-se ao entendimento ratificado pelo Supremo na análise da ADI 4375/RJ (DJe de 20.6.2011) — em que rejeitada preliminar de ausência parcial de pertinência temática —, para assentar que o fato de a norma contestada dispor sobre a aposentadoria compulsória de servidores públicos em geral, e não somente a respeito de uma que se impusesse exclusivamente a magistrados, não impediria, em absoluto, o amplo conhecimento da ação direta proposta. Salientou-se que este não seria o foro adequado para se averiguar a idade ideal para o estabelecimento de aposentadoria compulsória. No ponto, consignou-se tramitar, no Congresso Nacional, proposta de emenda à Constituição para alterar o limite de idade para a aposentadoria compulsória do servidor público em geral.
ADI 4696 MC/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1º.12.2011. (ADI-4696)
Aposentadoria compulsória e limite etário - 2
Em seguida, constatou-se presente, nesse exame perfunctório, densa plausibilidade jurídica da alegação de inconstitucionalidade do dispositivo em comento. Entreviu-se desbordamento das limitações jurídicas impostas pela Constituição ao poder constituinte estadual no exercício da prerrogativa conferida aos Estados-membros de organizarem-se e regerem-se por suas Constituições (CF, art. 25). Apontou-se que a matéria encontrar-se-ia disposta no art. 40, § 1º, II, da CF, que disciplinaria, de forma global, o regime de previdência dos servidores públicos vinculados aos entes da Federação. Entendeu-se que a Carta da República não deixara qualquer margem para a atuação inovadora do legislador constituinte estadual, porquanto estabeleceria norma central categórica, de observância compulsória por parte dos Estados-membros e municípios. Reputou-se também atendido o requisito do periculum in mora, principalmente ao se considerar a preocupante situação de insegurança jurídica em que se encontraria a Administração Pública e o Poder Judiciário piauienses, que, diante da natureza vinculada do ato de aposentadoria, estariam em dramático dilema de ter que optar entre dar cumprimento ao comando constitucional federal ou obedecer à nova norma constitucional estadual. Desse modo, qualquer escolha que viesse a ser tomada provocaria conseqüências perturbadoras à ordem pública e ao bom andamento do serviço público, sem falar na possibilidade de surgirem inúmeras demandas judiciais, danos ao erário de difícil reparação e desequilíbrio financeiro dos regimes próprios de previdência social. Acentuou-se que, na esfera municipal, a indefinição ainda geraria discrepâncias inaceitáveis nos regimes previdenciários de servidores públicos de unidades federadas de mesma estatura, ligadas a um só Estado-membro. No que concerne ao Poder Judiciário estadual, indicou-se que a permanência de magistrados com mais de 70 anos em pleno exercício jurisdicional poderia causar inúmeros questionamentos sobre a validade das decisões judiciais por eles proferidas. O sistema de promoções na carreira também sofreria impacto imediato.
ADI 4696 MC/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1º.12.2011. (ADI-4696)
Aposentadoria compulsória e limite etário - 3
Os Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, Presidente, asseveraram a validade dos atos jurídicos já praticados. O Min. Celso de Mello acresceu que a Constituição estabeleceria um regime homogêneo em matéria de aposentação, inclusive naquela jubilação compulsória, quer dispondo no art. 40, § 1º, II, a propósito dos servidores vinculados a todas as unidades federadas, quer quanto ao art. 93, VI, que, ao compor as linhas básicas que deveriam orientar a formulação do próprio Estatuto da Magistratura, mandaria estender aos magistrados a disciplina constitucional concernente aos servidores públicos em geral. Acrescentou que a matéria seria de jure constituendo. O Min. Gilmar Mendes sinalizou ser preciso cogitar de uma alteração do próprio procedimento da Lei 9.868/99, para admitir o julgamento desde logo em casos de descumprimento tão flagrante. Vencido, quanto à modulação, o Min. Marco Aurélio, que concedia a cautelar com efeitos ex nunc.
ADI 4696 MC/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1º.12.2011. (ADI-4696)
Aposentadoria compulsória e limite etário - 4
Com base nos fundamentos acima expendidos e por aparente violação aos artigos 24, XII, e 40 da CF, o Plenário deferiu pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, a fim de suspender, com eficácia ex tunc, a vigência do inciso II do art. 22 (“compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos setenta ou aos setenta e cinco anos de idade, na forma da lei complementar”) e do inciso VIII do art. 72 (“a aposentadoria será compulsória aos setenta e cinco anos de idade ou por invalidez comprovada, e facultativa aos trinta anos de serviço público, em todos esses casos com vencimentos integrais, após cinco anos de efetivo exercício na judicatura”), ambos da Constituição do Estado do Maranhão, com a redação dada pela EC 64/2011. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a cautelar com efeitos ex nunc.
ADI 4698 MC/MA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.12.2011. (ADI-4698)
PRIMEIRA TURMA
Guarda de menor e necessidade de oitiva
A 1ª Turma, por maioria, ao resolver questão de ordem, deliberou afetar ao Plenário julgamento conjunto de dois habeas corpus e recurso ordinário em medida de idêntica natureza nos quais se discute a necessidade de menor ser ouvido por autoridade judiciária brasileira, tendo em conta o disposto no art. 13 da Convenção de Haia [“Sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o retorno da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha a seu retorno provar: a) que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou b) que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável”]. Alega-se que a decisão de entregar o menor ao Consulado Americano, sob a condução da polícia federal, corresponderia a banimento do território nacional, uma vez que os EUA o reconheceriam, exclusivamente, como cidadão norte-americano. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que mantinha a competência da Turma, por não vislumbrar implicação maior no fato de a impetração ter como fundamento a referida convenção.
RHC 102871/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 29.11.2011. (RHC-102871) HC 99945/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 29.11.2011. (HC-99945) HC 101985/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 29.11.2011. (HC-101985)
“Lex mitior” e dias remidos
Ao aplicar a novel redação do art. 127 da Lei de Execução Penal - LEP [“Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar”], a 1ª Turma denegou habeas corpus, mas concedeu a ordem, de ofício, para determinar ao juízo da execução que reanalise a situação dos pacientes. Consignou-se que o magistrado deverá atentar para os novos parâmetros promovidos pela Lei 12.433/2011, de modo a aplicar aos condenados a fração cabível para a perda dos dias remidos dentro do patamar máximo permitido de 1/3, conforme as circunstâncias do caso concreto. Reputou-se que, antes da superveniência da nova lei, o cometimento de falta grave tinha como consectário lógico a perda de todos os dias remidos, diferentemente da sistemática atual, que determina a revogação de até 1/3 desse tempo.
HC 109163/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 29.11.2011. (HC-109163) HC 110070/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 29.11.2011. (HC-110070) HC 109034/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 29.11.2011. (HC-109034)
Crime de quadrilha e denúncias sucessivas
A 1ª Turma concedeu habeas corpus para reconhecer litispendência entre ações que imputavam ao réu o crime de quadrilha (CP, art. 288) com fundamento em fatos conexos, de modo a afastar esse tipo penal das denúncias subseqüentes à primeira. Na espécie, o paciente fora acusado simultaneamente por associação para a prática de fatos criminosos em cinco processos criminais, dois dos quais com a qualificadora de quadrilha armada (CP, art. 288, parágrafo único). Inicialmente, aludiu-se que o crime de quadrilha seria autônomo, sendo suficiente para caracterizá-lo a demonstração da existência de associação prévia com estabilidade e finalidade voltada para a prática de atos ilícitos, além da união de desígnios entre os envolvidos, de sorte a prescindir de delitos anteriores ou posteriores. Realçou-se que a própria tipificação do crime em tela pressuporia o propósito de cometimento reiterado de infrações penais. Aduziu-se que, conquanto existisse possibilidade jurídica de imputarem-se diversos delitos de quadrilha ao agente que participasse de várias associações ilícitas, não seria este o caso dos autos, haja vista que teriam sido cindidas as ações penais em decorrência da distinção entre as empresas supostamente utilizadas como “laranjas”, e não porque o paciente integraria quadrilhas independentes. Reputou-se, pois, que configuraria bis in idem essa atribuição ao réu por mais de uma vez, tendo em conta a mesma base fática, relativa à prática habitual de delitos de sonegação fiscal, falsidade ideológica, ocultação de bens e capitais, corrupção ativa e passiva e frustração de direitos trabalhistas. Dessa forma, em virtude de o paciente não compor diversas quadrilhas independentes, concluiu-se que apenas uma imputação deveria permanecer hígida. Ademais, afastou-se a qualificadora de quadrilha armada por deficiência na peça inicial, uma vez que não esclarecera qual dos acusados teria portado arma. Por fim, estendeu-se a ordem aos co-réus, que se encontravam em situação análoga àquela do ora paciente.
HC 103171/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 29.11.2011. (HC-103171)
Crime tributário e oferecimento de denúncia antes da constituição definitiva do crédito tributário - 1
A 1ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que se pleiteava o trancamento de ação penal, ante a ausência de constituição definitiva do crédito tributário à época em que recebida a denúncia, por estar pendente de conclusão o procedimento administrativo-fiscal. Assentou-se que a Lei 8.137/90 não exigiria, para a configuração da prática criminosa, a necessidade de esgotar-se a via administrativa, condição imposta pela Constituição somente à justiça desportiva e ao processo referente ao dissídio coletivo, de competência da justiça do trabalho. Consignou-se que seria construção pretoriana a necessidade de exaurimento do processo administrativo-fiscal para ter-se a persecução criminal e que o Ministério Público imputara a prática criminosa concernente à omissão de informações em declarações do imposto de renda com base em auto de infração que resultara em crédito tributário. Portanto, descaberia potencializar a construção jurisprudencial a ponto de chegar-se, uma vez prolatada sentença condenatória — confirmada em âmbito recursal e transitada em julgado — ao alijamento respectivo, assentando a falta de justa causa.
HC 108037/ES, rel. Min. Marco Aurélio, 29.11.2011. (HC-108037)
Crime tributário e oferecimento de denúncia antes da constituição definitiva do crédito tributário - 2
O Min. Luiz Fux acrescentou que no curso da ação penal houvera a constituição definitiva do crédito tributário. Assim, aplicável o art. 462 do CPC (“Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença”). Vencido o Min. Dias Toffoli, que concedia a ordem e aplicava a Súmula Vinculante 24 (“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”), em razão de a denúncia ter sido apresentada e recebida antes desse momento do processo administrativo.
HC 108037/ES, rel. Min. Marco Aurélio, 29.11.2011. (HC-108037)
Desmembramento sindical: contadores e técnicos em contabilidade - 1
Ante as peculiaridades do caso e as premissas fáticas do acórdão impugnado, a 1ª Turma desproveu recurso extraordinário interposto, pela Federação dos Contabilistas do Estado do Rio Grande do Sul e outros, de acórdão que reconhecera ser o Sindicato dos Contadores do Estado do Rio Grande do Sul - Sindiconta/RS, ora recorrido, o representante sindical da categoria dos contadores dentro de sua base territorial. Sustentavam os recorrentes a ocorrência de: a) cerceamento de defesa, devido à falta de intimação para se manifestarem sobre documento apresentado pelos recorridos e de publicação de pauta para a continuidade do julgamento interrompido em virtude de pedido de vista; e b) inconstitucionalidade da criação do sindicato adversado, em face de o sindicato dos contabilistas abranger bacharéis e técnicos em contabilidade, bem assim de a Constituição estabelecer o princípio do sindicato por categoria e não por função. Afirmavam, ainda, descaber a possibilidade de os próprios substituídos virem a escolher a qual categoria pertenceriam. Além disso, argüiam não ser o princípio da liberdade sindical ilimitado e salientavam ter o STF firmado orientação no sentido de que o Ministério de Estado do Trabalho seria o órgão estatal competente para o registro que conferiria o caráter sindical, resultando inválido o mero registro civil.
RE 291822/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 29.11.2011. (RE-291822)
Desmembramento sindical: contadores e técnicos em contabilidade - 2
Inicialmente, afastou-se a assertiva de que vulneraria o devido processo legal o fato de a seqüência do julgamento ter sido retomada sem nova publicação da pauta, após o interregno de aproximadamente 60 dias. No ponto, acentuou-se que o próprio regimento interno do tribunal local preveria a permanência em pauta de processo cujo exame fosse interrompido em razão de pedido de vista. No tocante à questionada juntada de documentos, assinalou-se que eles vieram aos autos após o voto do relator do recurso de apelação, não tendo influenciado a maioria formada na Corte estadual. Quanto à matéria de fundo, propriamente dita, ao observar a liberdade de associação (CF, art. 5º, XVII), anotou-se a mitigação do princípio da unicidade sindical (art. 8º, II). Frisou-se, ainda, que o art. 8º da Constituição revelaria a livre associação profissional ou sindical e encerraria a desnecessidade de autorização do Estado para criação de sindicato, remetendo ao registro no órgão competente, vedada a interferência e a intervenção do Poder Público. Reputou-se, dessa maneira, que a alusão a “registro no órgão competente” direcionaria àquele das pessoas jurídicas. Mencionou-se, então, que ficara consignada essa ocorrência no acórdão proferido.
RE 291822/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 29.11.2011. (RE-291822)
Desmembramento sindical: contadores e técnicos em contabilidade - 3
Ato contínuo ressaltou-se que, no inciso II do art. 8º, haveria apenas obstáculo ao surgimento de mesmo sindicato em área geográfica representada por município. Apontou-se que, consoante o tribunal de justiça local — cuja premissa fática mostrar-se-ia inafastável —, na espécie, ocorrera o desdobramento de categorias profissionais afins. Antes, o Sindicato dos Contabilistas de Porto Alegre, o Sindicato dos Contabilistas de Canoas e o Sindicato dos Contabilistas de Pelotas, congregados sob a Federação dos Contabilistas do Rio Grande do Sul, representariam também os contadores. Esclareceu-se que, conforme a Corte a qua, viável seria o desdobramento com a criação de sindicato próprio aos contadores. Reportou-se a entendimento doutrinário segundo o qual presente a reunião de categorias em um sindicato, dar-se-ia a possibilidade de virem a implementar a dissociação. Explicitou-se que a origem da junção, prevista na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT seria única: o somatório de forças considerados segmentos afins que não teriam, nos primórdios, como formarem isoladamente entidade sindical. Entendeu-se descaber evocar o que decidido quando do julgamento do RMS 21305/DF (DJU de 29.11.91), em que se cuidava de categoria diferenciada. Asseverou-se que a presente situação seria diversa, pois, inexistiria lei a disciplinar de forma una as categorias profissionais em debate, valendo perceber distinção substancial entre elas, haja vista que a dos contadores pressuporia integrantes com nível superior e a dos técnicos em contabilidade não. O Min. Luiz Fux destacou a inadmissibilidade de se exigir obediência às prescrições estatutárias de Federação mais antiga, tendo em vista a garantia da liberdade de instituição de nova entidade. Outro precedente citado:
RE 217328/RS (DJU de 9.6.2000). RE 291822/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 29.11.2011. (RE-291822)
SEGUNDA TURMA
Recurso especial e substituição por HC
A falta de interposição de recurso especial não impede que o STJ processe e julgue habeas corpus lá impetrado. Com base nesse entendimento e em observância ao disposto no art. 105 da CF, a 2ª Turma concedeu a ordem tão-somente para determinar que a autoridade impetrada conheça e julgue o pedido formulado no writ como entender de direito.
HC 110289/MS, rel. Min. Ayres Britto, 29.11.2011. (HC-110289)
Terras indígenas e conflito de competência
A 2ª Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário em que discutida a competência da justiça federal para julgar crime de furto qualificado supostamente praticado por indígena em área reservada. Na espécie, o furto de madeira imputado ao ora recorrido teria sido cometido em ambiente de disputa de terras tidas como tradicionalmente ocupadas por índios. Em conseqüência, o juízo estadual declinara da competência para processar e julgar o feito e o encaminhara à justiça federal, que, por sua vez, suscitara conflito negativo de competência no STJ, dirimido no sentido de competir à justiça estadual apreciar a questão. O Min. Joaquim Barbosa, relator, proveu o recurso. Destacou que o fato de o delito ter sido perpetrado por indígena e no interior de área a ser integrada a reserva, por si só, não atrairia a competência da justiça federal, porém, as peculiaridades do caso indicariam o contrário. Reputou que o crime em comento estaria intimamente ligado a disputa sobre direitos indígenas, a incidir a regra do inciso IX do art. 109 da CF. Após, pediu vista o Min. Gilmar Mendes.
RE 541737/SC, rel. Min. Joaquim Barbosa, 29.11.2011. (RE-541737)
Similitude das formas e comunicação de ato a candidato em concurso público
Em observância à regra da similitude das formas, a 2ª Turma concedeu mandado de segurança para determinar a realização de perícia médica, com a conseqüente habilitação da impetrante para concorrer à vaga especial em concurso público, caso assim se enquadre. Na espécie, a candidata realizara sua inscrição na condição de pessoa com deficiência e, posteriormente, tomara conhecimento da negativa de seu pedido por via postal. Ao constatar erro material, a banca examinadora do certame a convocara, por via editalícia, para comparecer à perícia médica, publicação essa que a candidata não tivera ciência. Destacou-se que a empresa responsável pelo concurso deveria diligenciar para que a concorrente fosse chamada para a avaliação pericial pelo mesmo meio com o qual fora cientificada do indeferimento de sua inscrição naquela condição. Por fim, julgou-se prejudicado o agravo regimental.
MS 30604 AgR/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 29.11.2011. (MS-30604)