Informativo do STF 645 de 21/10/2011
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Voto secreto e art. 5º da Lei 12.034/2009 - 1
O Plenário deferiu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo Procurador Geral da República, para suspender os efeitos do art. 5º da Lei 12.034/2009, que dispõe sobre a criação, a partir das eleições de 2014, do voto impresso [“Art. 5 Fica criado, a partir das eleições de 2014, inclusive, o voto impresso conferido pelo eleitor, garantido o total sigilo do voto e observadas as seguintes regras: § 1º A máquina de votar exibirá para o eleitor, primeiramente, as telas referentes às eleições proporcionais; em seguida, as referentes às eleições majoritárias; finalmente, o voto completo para conferência visual do eleitor e confirmação final do voto. § 2º Após a confirmação final do voto pelo eleitor, a urna eletrônica imprimirá um número único de identificação do voto associado à sua própria assinatura digital. § 3º O voto deverá ser depositado de forma automática, sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado. § 4º Após o fim da votação, a Justiça Eleitoral realizará, em audiência pública, auditoria independente do software mediante o sorteio de 2% (dois por cento) das urnas eletrônicas de cada Zona Eleitoral, respeitado o limite mínimo de 3 (três) máquinas por município, que deverão ter seus votos em papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo respectivo boletim de urna. § 5º É permitido o uso de identificação do eleitor por sua biometria ou pela digitação do seu nome ou número de eleitor, desde que a máquina de identificar não tenha nenhuma conexão com a urna eletrônica”].
ADI 4543 MC/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 19.10.2011. (ADI-4543)
Voto secreto e art. 5º da Lei 12.034/2009 - 2
A Min. Cármen Lúcia, relatora, inicialmente realizou retrospecto acerca de pretéritas experiências legislativas na tentativa de dar efetividade ao sistema do voto impresso e revelou seu fracasso, em razão das dificuldades jurídicas e materiais constatadas. Afirmou-se que esses episódios teriam demonstrado o quão correta fora a opção e a invenção do sistema brasileiro do voto eletrônico, dada a inadequação e o retrocesso representado pelo voto registrado em papel. Destacou-se o caráter secreto do sufrágio no direito constitucional brasileiro (CF, art. 14), conquista destinada a garantir a inviolabilidade do querer democrático do eleitor e a intangibilidade do seu direito por qualquer forma de pressão. Reputou-se que a impressão do voto feriria o direito inexpugnável ao segredo, visto que configuraria prova do ato de cidadania. Assim, o papel seria desnecessário, pois o eleitor não haveria de prestar contas a quem quer que fosse e o sistema eletrônico dotar-se-ia de segurança incontestável, conforme demonstrado reiteradamente. Nesse sentido, concluiu-se que a impressão serviria para demonstração a terceiro e para vulnerar o segredo constitucionalmente assegurado ao cidadão. Consignou-se que o § 2º do dispositivo impugnado reforçaria essa assertiva, pois o número de identificação associado à assinatura digital poderia favorecer a coação de eleitores pela possibilidade de vincular o voto a compromissos espúrios. Por outro lado, a urna eletrônica, atualmente utilizada, permitiria que o resultado fosse transmitido às centrais sem a identificação do votante. Ademais, a impressão criaria discrímen em relação às pessoas com deficiências visuais e aos analfabetos, que não teriam como verificar seus votos, para o que teriam de buscar ajuda de terceiros, em detrimento do direito ao sigilo igualmente assegurado a todos.
ADI 4543 MC/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 19.10.2011. (ADI-4543)
Voto secreto e art. 5º da Lei 12.034/2009 - 3
Frisou-se que a cada eleitor seria garantido o direito e o dever de um voto, apenas, e que o sistema atual asseguraria que somente se abriria a urna após a identificação do votante e a pessoa não seria substituída, sequer votaria mais de uma vez. Por seu turno, ao vedar a conexão entre o instrumento de identificação e a respectiva urna, o § 5º do artigo de que se cuida possibilitaria a permanência da abertura dela, pelo que poderia o eleitor votar mais de uma vez, ao ficar na cabine. Sublinhou-se, ademais, o princípio da proibição de retrocesso, que seria aplicável também aos direitos políticos, dentre os quais a invulnerabilidade do segredo de voto (CF, art. 60, § 4º, II). No ponto, o Min. Gilmar Mendes afastou esse fundamento, em razão do risco de se ter como parâmetro de controle não apenas a Constituição, mas as leis consideradas benéficas. O Colegiado afirmou que o princípio democrático (CF, art. 1º) garantiria o voto sigiloso, que o sistema adotado — sem as alterações do art. 5º da Lei 12.034/2009 — propiciaria. Destacou-se que a alteração do processo conduziria à desconfiança no sistema eleitoral, própria das ditaduras.
ADI 4543 MC/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 19.10.2011. (ADI-4543)
Voto secreto e art. 5º da Lei 12.034/2009 - 4
Quanto às questões de ordem prática, reputou-se que a reinserção do voto impresso criaria diversos inconvenientes. Seria necessária a introdução de impressoras nas seções eleitorais, a potencializar falhas e impedir o transcurso regular dos trabalhos. Ademais, a mudança aumentaria a vulnerabilidade do sistema, visto que o voto impresso não atingiria o objetivo ao qual se propõe, de possibilitar a recontagem e a auditoria. A respeito, asseverou-se que a sistemática eletrônica atual, por sua vez, permitiria a recontagem de votos, de forma automatizada, sem comprometer o segredo do sufrágio ou a credibilidade do processo eleitoral. Consignou-se, ainda, a existência de outros instrumentos de segurança a garantir a auditagem da urna eletrônica sem a necessidade de implantação do voto impresso. Nesse aspecto, o Min. Dias Toffoli mencionou a desproporcionalidade entre o fim pretendido pela lei impugnada e os meios por ela descritos. Sob o ponto de vista orçamentário, acrescentou-se — de maneira a corroborar os demais argumentos — que o custo do voto, por eleitor, aumentaria em mais de 140%, o que afrontaria os princípios da eficiência administrativa (CF, art. 37) e da economicidade (CF, art. 70). Por fim, no que concerne ao periculum in mora, necessário à concessão da medida, sublinhou-se que a aquisição e a adequação dos equipamentos necessários para dar efetividade ao dispositivo afrontado, bem como a mudança na estrutura e dinâmica do Serviço de Tecnologia da Informação do TSE — já ocupado com as providências requeridas para a realização das eleições de 2012 — seriam requeridas para a realização das eleições de 2012 — seriam esforços descartados e sem aproveitamento se, ao final, declarar-se inconstitucional o referido artigo.
ADI 4543 MC/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 19.10.2011. (ADI-4543)
Majoração de alíquota de IPI e princípio da anterioridade nonagesimal - 1
O Plenário deferiu pedido de medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo partido político Democratas - DEM, para suspender o art. 16 do Decreto 7.567/2011, que confere vigência imediata à alteração da Tabela de Incidência do IPI - TIPI, na qual se majoraram alíquotas sobre operações envolvendo veículos automotores (“Art. 16. Esse Decreto entra em vigor na data de sua publicação”). Consignou-se que a reforma tributária promovida pelo constituinte derivado, com a promulgação da Emenda Constitucional 42/2003, alargara o âmbito de proteção dos contribuintes e estabelecera nova restrição ao poder de tributar da União, dos Estados-membros e dos Municípios. Aduziu-se que fora acrescentada a alínea c ao inciso III do art. 150 da CF, com ampliação da incidência do princípio da anterioridade nonagesimal, antes restrita à cobrança das contribuições sociais (CF, art. 195, § 6º). No tocante ao IPI, o tratamento teria sido singular. Na redação conferida ao art. 150, § 1º, da CF, continuara o imposto excepcionado da incidência do princípio da anterioridade anual, mas não da anterioridade nonagesimal. [“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: ... III - cobrar tributos: ... b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; ... § 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. ... Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: ... IV - produtos industrializados; ... § 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V”].
ADI 4661 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 20.10.2011. (ADI-4661)
Majoração de alíquota de IPI e princípio da anterioridade nonagesimal - 2
Asseverou-se que o princípio da anterioridade representaria garantia constitucional estabelecida em favor do contribuinte perante o Poder Público, norma voltada a preservar a segurança e a possibilitar um mínimo de previsibilidade às relações jurídico-tributárias. Mencionou-se que o referido princípio destinar-se-ia a assegurar o transcurso de lapso temporal razoável a fim de que o contribuinte pudesse elaborar novo planejamento e adequar-se à realidade tributária mais gravosa. Assim, o art. 16 do Decreto 7.567/2011, ao prever a imediata entrada em vigor de norma que implicara aumento da alíquota de IPI contrariara o art. 150, III, c, da CF. Deste modo, a possibilidade de acréscimo da alíquota do IPI mediante ato do Poder Executivo, em exceção ao princípio da legalidade (CF, art. 153, § 1º), não afastaria a necessidade de observância ao postulado da anterioridade nonagesimal. Por revelar garantia do contribuinte contra o poder de tributar, esse princípio somente poderia ser mitigado mediante disposição constitucional expressa, o que não ocorreria em relação ao IPI.
ADI 4661 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 20.10.2011. (ADI-4661)
Majoração de alíquota de IPI e princípio da anterioridade nonagesimal - 3
Reputou-se que a Constituição deveria ser interpretada de forma sistemática. Dessa maneira, o permissivo por meio do qual se autorizaria o uso de ato infralegal para a modificação da alíquota não conferiria ao Executivo poderes mais amplos do que os atribuídos ao Congresso Nacional, até mesmo porque, nos termos do art. 153, § 1º, da CF, os poderes seriam exercidos nas condições e limites estabelecidos em lei. Apesar do inegável aspecto extrafiscal do IPI, a atividade do contribuinte seria desenvolvida levando em conta a tributação existente em dado momento, motivo pelo qual a majoração do tributo, ainda mais quando poderia efetivar-se em até trinta pontos percentuais, deveria obedecer aos postulados da segurança jurídica e da não-surpresa. Os Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso, Presidente, destacaram que o princípio da anterioridade nonagesimal constituiria direito fundamental deslocado do art. 5º da CF, destinado a salvaguardar o contribuinte do arbítrio destrutivo ou dos excessos gravosos do Estado. Dessa forma, nem mesmo o Poder Constituinte derivado poderia mutilá-lo e, muito menos, extingui-lo. Por fim, deliberou-se conferir efeitos ex tunc à medida liminar. Vencido, nesta parte, o relator, que atribuía efeitos ex nunc à decisão.
ADI 4661 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 20.10.2011. (ADI-4661)
Liminar em ação cautelar: recurso extraordinário não-admitido e desapropriação - 1
O Plenário retomou julgamento de agravo regimental interposto de decisão proferida pela Min. Ellen Gracie, que deferira pedido de medida liminar, em ação cautelar, da qual relatora, para suspender os efeitos de acórdãos de tribunal de justiça local, bem assim a imissão do ora agravante na posse do imóvel rural. O Estado-membro agravante alega que o tema central seria a ocorrência de preclusão, matéria processual infraconstitucional, não passível de análise no âmbito de extraordinário. Na espécie, encontra-se pendente de exame, nesta Corte, agravo de instrumento interposto de decisão que negara seguimento a recurso extraordinário dos proprietários do imóvel, ora agravados. Na sessão de 4.8.2011, a relatora propôs o referendo da cautelar por ela deferida e julgou prejudicado o regimental. Inicialmente, registrou entendimento no sentido de que a jurisdição cautelar do Supremo somente é iniciada com a admissão de recurso extraordinário, ou com o provimento de agravo de instrumento, no caso de juízo negativo de admissibilidade. Salientou que, entretanto, esta Corte tem suspendido, excepcionalmente, os efeitos de acórdão que sejam manifestamente contrários a sua jurisprudência e que provoquem efeitos de difícil ou impossível reversão. Em seguida, verificou que, num primeiro exame, o acórdão recorrido pareceria ter divergido da orientação do STF segundo a qual os Estados-membros não possuiriam competência para efetuar desapropriações para reforma agrária, matéria situada na competência privativa da União, portanto, demonstrada a plausibilidade do pedido. Ademais, reputou patentemente comprovado o perigo da demora, haja vista prazo determinado judicialmente para desocupação do bem, além de notícia de data para se efetivar a imissão na posse. Ato contínuo, ressaltou que o juízo de origem consignara expressamente na sentença que o Estado-membro teria legitimidade ativa para propor a ação de desapropriação para reforma agrária. No ponto, observou que a questão processual poderia ser examinada na oportunidade do julgamento do recurso extraordinário.
AC 2910 AgR-MC/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 20.10.2011. (AC-2910)
Liminar em ação cautelar: recurso extraordinário não-admitido e desapropriação - 2
Nesta assentada, o Min. Dias Toffoli, em divergência, negou referendo à cautelar concedida. Entreviu que, na espécie, a solução mais adequada à discussão residiria no indeferimento da medida liminar, porquanto a primeira sentença, que extinguira o feito sem apreciação de mérito, fora reformada pelo tribunal de justiça gaúcho, que tratara da legitimidade do ente federado e determinara o prosseguimento da desapropriação, em pronunciamento transitado em julgado. Apontou que o recurso extraordinário decorreria da segunda sentença, posterior à mencionada, e que a divergência entre as partes, dentre outros aspectos, prosseguira quanto aos valores envolvidos na indenização. Anotou que a Corte a quo não mais se manifestara sobre a matéria da legitimidade por considerá-la preclusa. Além disso, explicitou que, no juízo de admissibilidade, o tribunal de justiça afirmara a ausência de prequestionamento, bem assim a inviabilidade do apelo extremo, em virtude de se restringir a temas, a rigor, infraconstitucionais. Sublinhou inexistir pronunciamento colegiado do Supremo, em face da atual Constituição, a respeito da competência da aludida unidade federativa para efetuar a desapropriação requerida nos autos e que apenas 1 dos atos monocráticos, contrários à utilização pelo Estado-membro do instituto para fins de reforma agrária, transitara em julgado. Aduziu que esses entendimentos, no entanto, seriam irrelevantes para o deslinde da discussão, visto que se encontraria coberta pelo manto da coisa julgada. Portanto, não haveria que se falar em fumaça do bom direito a amparar a renovada pretensão dos agravados. Assim, em razão das escassas chances de êxito e da ausência de demonstração de viabilidade do recurso extraordinário, entendeu não ser cabível a liminar. Aludiu, por derradeiro, à jurisprudência do STF nesse sentido. Após, pediu vista o Min. Luiz Fux.
AC 2910 AgR-MC/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 20.10.2011. (AC-2910)
PRIMEIRA TURMA
“Racha” e dolo eventual - 1
A 1ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que alegado constrangimento ilegal decorrente de: a) falta de fundamentação da sentença de pronúncia, porquanto genérica; b) substituição indevida de relatores na ocasião do segundo julgamento de recurso em sentido estrito, uma vez que a mesma desembargadora — que anteriormente proferira voto prevalecente pelo provimento do apelo — mudara sua convicção; c) excesso de linguagem no acórdão confirmatório da decisão que pronunciara o réu; e d) contradição neste decisum, haja vista que o conselho de sentença entendera que o co-réu não participara da disputa dolosamente, mas culposamente. No mérito, a defesa sustentava que a conduta objeto da denúncia não caracterizaria dolo eventual, mas culpa consciente, pelo que pugnava pelo deferimento da ordem, a fim de que fosse determinada a competência do juízo singular, e não do tribunal do júri, para julgar o paciente. De início, assinalou-se que o juízo pronunciante teria cumprido seu dever de fundamentação, de modo a não incidir em excesso de linguagem, tendo em vista que ele apenas teria demonstrado seu convencimento acerca da materialidade do crime e dos indícios de autoria. Outrossim, ressaltou-se que a fundamentação do voto condutor do acórdão que confirmara a pronúncia também teria observado os limites inerentes à espécie de provimento jurisdicional, ao assentar a comprovação da materialidade do fato e dos indícios suficientes de autoria, consoante a norma vigente à época (CPP, art. 408: “Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento”). Ademais, consignou-se que nada impediria que o mesmo magistrado, ao participar de nova apreciação de recurso, revelasse convencimento diverso, desde que devidamente motivado. No ponto, asseverou-se que, verificada a anulação do primeiro julgamento, este não condicionaria a manifestação do órgão julgador no segundo.
HC 101698/RJ, rel. Min. Luiz Fux, 18.10.2011. (HC-101698)
“Racha” e dolo eventual - 2
Quanto ao mérito, distinguiu-se o caso dos autos daquele versado no HC 107801/SP (DJe de 13.10.2011), que cuidara de homicídio na direção de veículo automotor cometido por agente sob o efeito de bebidas alcoólicas. Rememorou-se que o Colegiado limitara a aplicação da teoria da actio libera in causa aos casos de embriaguez preordenada. Sublinhou-se, entretanto, que não se deveria generalizar a compreensão de que qualquer homicídio praticado na direção de veículo automotor seria culposo, desde que tratasse de embriaguez preordenada. Elucidou-se que a diferença entre dolo eventual e culpa consciente encontrar-se-ia no elemento volitivo do tipo penal. Todavia, ante a impossibilidade de se adentrar a psique do agente, essa análise exigiria a observação de todas as circunstâncias objetivas do caso concreto. Nesse sentido, dessumiu-se, da descrição dos fatos realizada pelas instâncias ordinárias, que o réu, ao lançar-se em prática de altíssima periculosidade em via pública e mediante alta velocidade, teria consentido com que o resultado se produzisse, de sorte a incidir em dolo eventual (CP, art. 18, I: “Diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”). No ponto, assentou-se que o Supremo firmara jurisprudência no sentido de que o homicídio cometido na direção de veículo automotor em virtude de “pega” seria doloso. Desta feita, aludiu-se que a prática de competições automobilísticas em vias públicas seria crime autônomo, doloso e de perigo concreto (CTB, art. 308: “Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada”). Enfatizou-se que este tipo penal, se resultar em lesão corporal ou homicídio, progrediria para os delitos dispostos nos artigos 129 ou 121 do CP, em sua forma dolosa, visto que seria contra-senso transmudá-lo para a modalidade culposa em razão do advento de resultado mais grave. Assim, reconheceu-se presente o elemento volitivo do dolo eventual. Por fim, explicou-se tanto haver hipótese de “racha” entre dois condutores, assim como de apenas um motorista, que poderia perseguir outro veículo, o que denotaria um único imputável para a prática. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia a ordem, para que os 2 réus respondessem criminalmente pelo fato tendo em conta o art. 302 do CTB (“Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor”).
HC 101698/RJ, rel. Min. Luiz Fux, 18.10.2011. (HC-101698)
Crimes contra a ordem tributária e quadrilha - 5
Em conclusão, por maioria, a 1ª Turma concedeu habeas corpus para determinar o trancamento de ação penal quanto à imputação aos pacientes da suposta prática do delito de formação de quadrilha (CP, art. 288) para consecução de crimes contra a ordem tributária — v. Informativo 568. Prevaleceu o voto do Min. Marco Aurélio. Considerou que os indícios apontados para se chegar à pretensão punitiva quanto ao crime de quadrilha não seriam idôneos. Afirmou ver com reserva denúncias que contivessem convergência de imputação de crime fiscal e de crime de quadrilha, na medida em que não poderia imaginar que alguém constituiria uma sociedade simplesmente para sonegar, mormente pessoas que possuíssem ficha ilibada. Mencionou que não se poderia partir do pressuposto de que se formalizaria uma pessoa jurídica para a prática de crimes. Assim, não se presumiria — por essa criação — o dolo específico do delito de formação de quadrilha. Destacou sua preocupação com a prática do parquet de denunciar pelo crime de sonegação e, a partir da reunião de pessoas num corpo societário, lançar, também, a imputação por formação de quadrilha. Ressaltou, no ponto, que a inicial acusatória teria de reunir dados e indícios para se chegar a essa conclusão. A Min. Cármen Lúcia, ao acrescentar que, de fato, a descrição dos comportamentos dos pacientes não tornaria factíveis ou óbvios os indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas para a prática do crime em questão. Vencido o Min. Ayres Britto, relator, que denegava a ordem. Assinalava que, conquanto entendesse correta a tese de que o crime de formação de quadrilha não se configuraria como decorrência pura e simples do fato de sócios gerenciarem uma pessoa jurídica envolvida em crimes tributários, não seria o caso de aplicá-la ao caso. Destacava que poderia haver a associação de pessoas para praticar atos empresariais lícitos e, paralelamente, cometer crimes contra a ordem tributária. Observava ser este o núcleo da denúncia, cumprindo examinar, ao longo da instrução criminal, se os indícios se confirmariam com mais nitidez.
HC 92499/SP, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 18.10.2011. (HC-92499)
SEGUNDA TURMA
“Lex mitior”: tempo remido e alteração de data-base
A 2ª Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que discutida a alteração de data-base para concessão de benefícios executórios, em virtude de falta grave consistente na posse de telefone celular. Ante o fato ocorrido, o juízo singular determinara nova data-base para futuros benefícios e declarara a perda dos dias remidos anteriores à prática da infração disciplinar. O Min. Gilmar Mendes, relator, concedeu a ordem, ao aplicar a novel redação dos artigos 127 e 128 da Lei de Execução Penal - LEP, alterada pela Lei 12.433/2011 [“Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar. Art. 128. O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos”] para determinar ao juízo da VEC que reanalise a situação do paciente, atentando-se para os novos parâmetros. Preliminarmente, destacou a reiterada jurisprudência desta Corte no sentido de que o cometimento de falta grave implicaria o recomeço da contagem do prazo para a obtenção de benefícios executórios. Esse entendimento resultara na Súmula Vinculante 9 [“O disposto no artigo 127 da lei nº 7.210/1984 (lei de execução penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58”]. Porém, reputou que, com as modificações produzidas pela nova lei, o reconhecimento da falta grave não implicaria mais perda de todos os dias remidos, nos termos do art. 127 da LEP. Destacou que, recentemente, esta Corte reconhecera a repercussão geral da matéria e, na oportunidade, o Min. Luiz Fux registrara a necessidade de se deliberar “a respeito da retroatividade da nova norma e, se for o caso, sobre a revisão ou cancelamento da referida Súmula Vinculante”. Concluiu, com fulcro no art. 5º, XL, da CF e no art. 2º do CP, tratar-se de lex mitior, devendo, portanto, ser aplicada para beneficiar o réu. Após, pediu vista dos autos o Min. Ricardo Lewandowski.
HC 109851/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 18.10.2011. (HC-109851)
EC 41/2003: teto remuneratório e vantagens pessoais
As vantagens pessoais percebidas antes da entrada em vigor da EC 41/2003 não se computam para fins de cálculo do teto constitucional. Com esse entendimento, a 2ª Turma, por maioria, concedeu a ordem em mandado de segurança impetrado por procurador da república aposentado, para reconhecer o direito do impetrante de — a partir da data da impetração — continuar a receber, sem redução, o montante bruto que percebia anteriormente à EC 41/2003, até a sua total absorção pelas novas formas de composição de seus proventos. O Min. Gilmar Mendes, relator, destacou que a matéria fora objeto de decisão pelo Plenário desta Corte. Vencido o Min. Ayres Britto, que denegava a segurança.
MS 27565/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 18.10.2011. (MS-27565)
Informações sobre o PAC e ilegitimidade “ad causam”
A 2ª Turma desproveu agravo regimental interposto de decisão do Min. Ricardo Lewandowski, em recurso ordinário em mandado de segurança, do qual relator, interposto de decisão do STJ que extinguira o writ lá impetrado, sem resolução de mérito, em razão de ilegitimidades ativa e passiva ad causam. No caso, parlamentar requerera, individualmente, a Ministro de Estado da Fazenda, informações sobre projeto do Poder Legislativo, referente a implementação de teleférico em complexo de habitações populares. Asseverou-se que a norma do art. 50, § 2º, da CF conferira às Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal prerrogativa para solicitar informações, do que resultaria a ilegitimidade ativa. Consignou-se, ainda, a ilegitimidade do Ministro de Estado da Fazenda para figurar no pólo passivo desse writ, uma vez que referido projeto, no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, seria de responsabilidade do Departamento de Urbanização de Assentamentos Precários do Ministério das Cidades, cabendo a este, eventualmente, o fornecimento das informações pretendidas. O Min. Ayres Britto acompanhou o relator apenas quanto ao segundo fundamento.
RMS 28251 AgR/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 18.10.2011. (RMS-28251)