Informativo do STF 607 de 05/11/2010
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
CPI e convocação de magistrado
O Plenário deferiu, em parte, habeas corpus no qual questionada a convocação de magistrado para prestar esclarecimentos perante Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI destinada a investigar a prática de delitos de pedofilia e a relação desses com o crime organizado. A impetração aduzia que o requerimento não teria indicado expressamente se o paciente seria ouvido na condição de testemunha ou de investigado. Alegava, dentre outros, não caber à CPI convocar magistrado para ser objeto de investigação quando em trâmite, pelos mesmos fatos, inquérito perante o Poder Judiciário. Entendeu-se que esse argumento perdera o objeto, porque o tribunal competente já teria afastado o paciente do cargo de magistrado da Justiça do Trabalho. Entretanto, verificou-se que, no caso, estaria demonstrado o fundado receio do paciente relativamente à possível ofensa de garantias constitucionais. Assim, concedeu-se a ordem tão-somente para que lhe seja assegurado: a) o direito de ser assistido por seu advogado e de se comunicar com este durante a sua inquirição; b) a dispensa da assinatura do termo de compromisso legal de testemunha; c) o exercício do seu direito ao silêncio, incluído o privilégio contra a auto- incriminação, excluída a possibilidade de ser submetido a qualquer medida privativa de liberdade ou restritiva de direitos em razão do exercício de tais prerrogativas processuais. Asseverou-se, ainda, que o paciente não estaria dispensado da obrigação de comparecer perante a denominada “CPI da Pedofilia” na audiência pública a ser designada oportunamente. Determinou-se, por fim, a expedição de salvo-conduto, nesses termos, e a comunicação, com urgência, à autoridade coatora.
HC 100341/AM, rel. Min. Joaquim Barbosa, 4.11.2010. (HC-100341)
REPERCUSSÃO GERAL
Sociedades de economia mista e regime de precatórios - 1
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute se o regime de precatórios se aplica, ou não, a sociedades de economia mista. Trata-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto pelas Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A - ELETRONORTE contra acórdão que reputara não se aplicar o regime de execução dos precatórios às sociedades de economia mista, por possuírem elas personalidade jurídica de direito privado e por não se confundir o regime de execução com a impossibilidade de penhora de bens que comprometam o fornecimento do serviço público. O Min. Ayres Britto, relator, deu provimento ao recurso. Entendeu que, se as atividades genuinamente estatais são protegidas com o regime especial do precatório, este deveria ser estendido às empresas que prestam serviços públicos essenciais, não importando a natureza jurídica delas, mas atividade estatal em si, titularizada pelo Estado, ponto avançado do constitucionalismo social. Ao fazer remissão aos fundamentos de seu voto no julgamento da AC 1947/DF e da AC 669/SP (DJU de 26.5.2006) e definir a natureza jurídica do precatório, afirmou que a razão de ser do regime especial de execução de dívidas seria a de responder à necessidade maior de impedir o risco de uma súbita paralisia nas atividades de senhorio estatal (de domínio ou titularidade estatal), das quais dependeriam a qualidade de vida e, até mesmo, a sobrevivência física da população, atividades marcadas, por isso, pelo signo da irrestrita continuidade.
RE 599628/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.11.2010. (RE-599628)
Sociedades de economia mista e regime de precatórios - 2
Em seguida, o Min. Ayres Britto observou que, no caso dos autos, tratar-se-ia de prestadora de serviço público essencial que geraria e forneceria energia elétrica para 9 Estados da região Norte, e que, apenas por modo formal, se revestiria de sociedade de economia mista, tendo em vista que somente 0,77% do respectivo capital não pertenceria ao setor público. Enfatizou que o art. 175 da CF abriria uma importante dicotomia, qual seja, setor público versus setor privado. Esclareceu que, quando o Estado presta o serviço público, por órgão da Administração Direta, por entidade da Administração Indireta, ou recorrendo às suas empresas, ele mesmo é que se faria presente, seria o setor público. Assim, o advérbio “diretamente”, constante desse dispositivo (“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”), significaria que o Estado prestaria o serviço por si mesmo, ou seja, sem recorrer ao setor privado. Logo, a prestação de serviço por meio de empresa pública e sociedade de economia mista seria prestação do serviço público pelo Estado mesmo, pelo setor público diretamente. Por outro lado, disse que, quando o Estado entrega a prestação de serviço público a empresa privada, fazendo-o mediante concessão ou permissão, a atividade continuaria pública, porém prestada pelo setor privado. Frisou que, ao propor a extensão da expressão Fazenda Pública para as empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviço público, isto é, que não exploram atividade econômica, nada mais estaria fazendo que dizer que tal expressão seria sinônima de setor público. Portanto, ela não alcançaria somente as clássicas atividades liberais do Estado, mas também os serviços públicos, notadamente os chamados essenciais, parte do constitucionalismo social, e que, por isso, não poderiam sofrer descontinuidade, o que eventualmente ocorreria se ao setor público, seu prestador, não fosse aplicado o regime especial de execução.
RE 599628/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.11.2010. (RE-599628)
Sociedades de economia mista e regime de precatórios - 3
Por fim, reputou inconsistente o argumento de que o regime de precatórios não poderia ser estendido às empresas públicas e sociedades de economia mista por não disporem elas de orçamento público. Frisou que, à luz do § 5º do art. 165 da CF (“§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá: I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.”), a realidade financeira de todas as empresas estatais seria apanhada pela lei orçamentária da União. Explicou que, na prática, os orçamentos das empresas estatais ora fariam parte diretamente do orçamento fiscal da lei orçamentária, ora seriam aprovadas por decreto do Poder Executivo, isso de acordo com a classificação da empresa como dependente, ou não, do regular aporte de recursos financeiros da União. Registrou que a sistemática legal de pagamentos de débitos judiciais pelas empresas estatais dependentes seria praticamente idêntica ao mecanismo do precatório, ou seja, esses débitos seriam pagos por dotações constantes do orçamento fiscal da União, assim como o seriam aqueles formalizados em precatórios ou em requisições de pequeno valor. No que se refere às estatais não dependentes, expôs que seus orçamentos seriam aprovados por Decreto presidencial, nos termos do art. 107 da Lei 4.320/64, os quais seriam consolidados e acompanhados pelo Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais - DEST. Essa consolidação de informações econômico-financeiras das empresas estatais, dispostas de modo sistematizado, seria denominada Programa de Dispêndios Globais - PDG, instrumento de planejamento paralelo ao orçamento de investimentos, previsto no inciso II do § 5º do art. 165 da CF. A execução do PDG de cada estatal não dependente seria supervisionada pelo Ministério federal a que ela se vincula, que, no caso da ELETRONORTE, seria o Ministério das Minas e Energia. Concluiu, portanto, que haveria sim um orçamento a governar as estatais, previsto em lei e regulado por ato normativo do Poder Executivo, que se vincularia ao orçamento público geral, seja por sua relevância para a definição do chamado orçamento de investimento, por sua importância para a geração de resultados econômicos da própria União, e, ainda, pela indispensabilidade de controle da gestão dos bens e recursos públicos sob responsabilidade dessas empresas. Mencionou, por fim, a previsão expressa de precatórios para a Administração Pública Indireta, sem qualquer limitação a autarquias ou fundações, feita pela EC 62/2009, ao acrescentar o art. 97 ao ADCT. Após, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa.
RE 599628/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.11.2010. (RE-599628)
Responsabilidade de sócios cotistas por débitos contraídos junto à Seguridade Social - 1
É inconstitucional o art. 13 da Lei 8.620/93, na parte em que estabeleceu que os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social. Essa a conclusão do Plenário ao manter acórdão que declarara inconstitucional o referido dispositivo por ofensa ao art. 146, III, b, da CF. Preliminarmente, ressaltou-se que a revogação do citado preceito pela Medida Provisória 449/2008, convertida na Lei 11.941/2009, não impediria o julgamento, em razão de não se estar no âmbito do controle direto de constitucionalidade, mas do controle difuso. Acrescentou-se o fato de o dispositivo impugnado ter vigorado por quase 16 anos e a existência de milhares de feitos aguardando o pronunciamento definitivo do Supremo sobre a matéria. No mérito, salientou-se, de início, inexistir dúvida quanto à submissão das contribuições de seguridade social, por terem natureza tributária, às normas gerais de direito tributário, as quais reservadas, pelo art. 146, III, b, da CF, à lei complementar.
RE 562276/PR, rel. Min. Ellen Gracie, 3.11.2010. (RE-562276)
Responsabilidade de sócios cotistas por débitos contraídos junto à Seguridade Social - 2
Na seqüência, afirmou-se ser necessário verificar se a matéria relacionada à responsabilidade tributária estaria contida na relação das normas gerais. Ressaltou-se que o art. 146, III, b, da CF, ao se referir a obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários, teria apresentado relação meramente exemplificativa, que se somaria aos conteúdos indicados nas outras alíneas desse inciso e a tudo o que se poderia entender alcançado pelo conceito de norma geral em matéria de legislação tributária. Salientou-se que as normas gerais orientariam o exercício da tributação, sendo passíveis de aplicação por todos os entes tributantes e que o Código Tributário Nacional - CTN teria sido recepcionado pela CF/88 com nível de lei complementar por apresentar normas que cumpririam essa função. Considerou-se que a definição dos traços essenciais da figura da responsabilidade tributária, como o de exigir previsão legal específica e, necessariamente, vínculo do terceiro com o fato gerador do tributo, estaria incluída no rol das normas gerais de direito tributário que orientam todos os entes políticos. Aduziu-se que, do mesmo modo, a previsão de regras matrizes de responsabilidade tributária aplicáveis à generalidade dos tributos também se encontraria no âmbito das normas gerais, assegurando uniformidade de tratamento dos terceiros perante o Fisco. Assentou-se ser adequado reconhecer caráter de normas gerais aos dispositivos do CTN que tratam da responsabilidade tributária, sem prejuízo da permissão de que o legislador preveja outros casos específicos de responsabilidade, nos termos do art. 128 do CTN. Reputou-se, então, correto conferir ao art. 135 do CTN (“São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”) o nível de lei complementar por disciplinar matéria abrangida pelo art. 146, III, da CF.
RE 562276/PR, rel. Min. Ellen Gracie, 3.11.2010. (RE-562276)
Responsabilidade de sócios cotistas por débitos contraídos junto à Seguridade Social - 3
Frisou-se, ademais, ser essencial à compreensão do instituto da responsabilidade tributária a noção de que a obrigação do terceiro, de responder por dívida originariamente do contribuinte, jamais decorreria direta e automaticamente da pura e simples ocorrência do fato gerador do tributo. Registrou-se que do fato gerador só surgiria a obrigação direta do contribuinte, visto que cada pessoa seria sujeito de direitos e obrigações próprios e o dever fundamental de pagar tributos estaria associado às revelações de capacidade contributiva a que a lei vinculasse o surgimento da obrigação do contribuinte. Nesse sentido, a relação contributiva dar-se-ia exclusivamente entre o Estado e o contribuinte em face da revelação da capacidade contributiva deste, sendo que o terceiro apenas poderia ser chamado a responder na hipótese de descumprimento de deveres de colaboração para com o Fisco, deveres estes seus, próprios, e que tivessem repercutido na ocorrência do fato gerador, no descumprimento da obrigação pelo contribuinte ou em um óbice à fiscalização pela Administração tributária. Assinalou-se que a referência ao responsável enquanto terceiro evidenciaria, justamente, que não participaria da relação contributiva, mas de uma relação específica de responsabilidade tributária, inconfundível com aquela. Portanto, a referência do art. 121 do CTN ao contribuinte e ao responsável como sujeitos passivos da obrigação tributária principal deveria ser compreendida no sentido de serem eles sujeitos passivos de relações jurídicas distintas, com suporte em previsões legais e pressupostos de fato específicos.
RE 562276/PR, rel. Min. Ellen Gracie, 3.11.2010. (RE-562276)
Responsabilidade de sócios cotistas por débitos contraídos junto à Seguridade Social - 4
Asseverou-se que o art. 135, III, do CTN constituiria uma regra matriz de responsabilidade tributária que não se confundiria com a regra matriz de incidência de qualquer tributo, que possuiria estrutura própria, e partiria de um pressuposto de fato específico, sem o qual não haveria espaço para a atribuição de responsabilidade. O caráter geral desse dispositivo viabilizaria aplicação relativamente aos diversos tributos. Referido pressuposto de fato ou hipótese de incidência da norma de responsabilidade seria a prática de atos, por quem estivesse na gestão ou representação da sociedade, com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos e que tivessem implicado, se não o surgimento, ao menos o inadimplemento de obrigações tributárias. Destacou-se jurisprudência no sentido de que tais ilícitos, passíveis de serem praticados pelos sócios com poderes de gestão, não se confundiriam com o simples inadimplemento de tributos por força do risco do negócio, isto é, com o atraso no pagamento dos tributos, incapaz de fazer com que os diretores, gerentes ou representantes respondessem, com seu próprio patrimônio, por dívida da sociedade. Seria necessário, para tanto, um ilícito qualificado, do qual decorresse a obrigação ou seu inadimplemento. A regra matriz de responsabilidade do art. 135, III, do CTN, portanto, responsabilizaria aquele que estivesse na direção, gerência ou representação da pessoa jurídica e atuasse em excesso ou abuso de poder, de forma a qualificar um ilícito, o que resultaria no dever de responder pelo tributo devido pela sociedade. Tendo isso conta, entendeu-se que o art. 13 da Lei 8.620/93, ao vincular à simples condição de sócio a obrigação de responder solidariamente pelos débitos da sociedade limitada perante a Seguridade Social, teria estabelecido exceção desautorizada à norma geral de direito tributário consubstanciada no art. 135, III, do CTN, o que demonstraria a invasão da esfera reservada à lei complementar pelo art. 146, III, da CF. Afastou-se, em seguida, o argumento da União segundo o qual o art. 13 da Lei 8.620/93 estaria amparado pelo art. 124, II, do CTN, dado que este, que prevê que são solidariamente obrigadas as pessoas expressamente designadas por lei, não autorizaria o legislador a criar novos casos de responsabilidade tributária sem observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN, nem a desconsiderar as regras matrizes de responsabilidade de terceiros estabelecidas em caráter geral pelos artigos 134 e 135 do mesmo diploma legal.
RE 562276/PR, rel. Min. Ellen Gracie, 3.11.2010. (RE-562276)
Responsabilidade de sócios cotistas por débitos contraídos junto à Seguridade Social - 5
Enfatizou-se, ainda, que a solidariedade estabelecida pelo art. 13 da Lei 8.620/93 também se revestiria de inconstitucionalidade material, porquanto não seria dado ao legislador estabelecer simples confusão entre os patrimônios de pessoa física e jurídica, mesmo que para fins de garantia dos débitos da sociedade perante a Seguridade Social. Asseverou-se que a censurada confusão patrimonial não poderia decorrer de interpretação do art. 135, III, c, da CF, nem ser estabelecida por nenhum outro dispositivo legal, haja vista que impor confusão entre os patrimônios da pessoa jurídica e da pessoa física no bojo de sociedade em que, por definição, a responsabilidade dos sócios é limitada, comprometeria um dos fundamentos do Direito de Empresa, consubstanciado na garantia constitucional da livre iniciativa. Afirmou-se que a garantia dos credores, frente ao risco da atividade empresarial, estaria no capital e no patrimônio sociais, e que seria tão relevante a delimitação da responsabilidade no regramento dos diversos tipos de sociedades empresárias que o Código Civil de 2002 a teria disciplinado no primeiro capítulo destinado a cada qual. Reconheceu-se tratar-se de dispositivo de lei ordinária, mas que regularia a limitação do risco da atividade empresarial, inerente à garantia de livre iniciativa. Concluiu-se que a submissão do patrimônio pessoal do sócio de sociedade limitada à satisfação dos débitos da sociedade para com a Seguridade Social, independentemente de ele exercer, ou não, a gerência e de cometer, ou não, qualquer infração, tolheria, de forma excessiva, a iniciativa privada, de modo a descaracterizar essa espécie societária, em afronta aos artigos 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da CF. Os Ministros Ayres Britto, Dias Toffoli e Gilmar Mendes reconheceram apenas o vício formal da norma em questão. Aplicou-se, ainda, o art. 543-B do CPC a todos os processos sobrestados.
RE 562276/PR, rel. Min. Ellen Gracie, 3.11.2010. (RE-562276)