Informativo do STF 606 de 29/10/2010
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
Lei da “Ficha Limpa”: inelegibilidade e renúncia - 1
O Plenário, ante o empate na votação, manteve acórdão do Tribunal Superior Eleitoral - TSE que, ao enfatizar a aplicabilidade imediata das alterações introduzidas pela LC 135/2010, concluíra pela inelegibilidade de candidato a cargo de Senador da República. O acórdão impugnado assentara a inelegibilidade do candidato para as eleições que se realizassem durante o período remanescente do mandato para o qual ele fora eleito e para os 8 anos subseqüentes ao término da legislatura, nos termos da alínea k do inciso I do art. 1º da LC 64/90, acrescentado pela aludida LC 135/2010 [“Art. 1º São inelegíveis: I – para qualquer cargo: ... k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura.”]. Considerara o fato de o candidato ter renunciado a mandato de igual natureza, em 2001, após o oferecimento de representação capaz de autorizar a abertura de processo por infração a dispositivo da Constituição. Na espécie, passados 9 anos da data da renúncia e tendo sido o candidato eleito, nesse ínterim, Deputado Federal, por duas vezes, a ele fora negado o registro de sua candidatura às eleições de 3.10.2010. No presente recurso extraordinário, alegava-se ofensa: a) ao princípio da anualidade eleitoral (CF, art. 16); b) aos princípios da segurança jurídica e da irretroatividade das leis (CF, art. 5º, XXXVI); c) ao art. 14, § 9º, da CF, pois a cláusula de inelegibilidade em questão não se amoldaria aos pressupostos constitucionais autorizadores de novas hipóteses de inelegibilidade e d) ao princípio da presunção de inocência ou de não-culpabilidade (CF, art. 5º, LVII).
RE 631102/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27.10.2010. (RE-631102) Parte 1 - Parte 2
Lei da “Ficha Limpa”: inelegibilidade e renúncia - 2
O Min. Joaquim Barbosa, relator, na linha do voto proferido no julgamento do RE 630147/DF — em que reconhecida a repercussão geral da matéria —, desproveu o recurso. Inicialmente, salientou que apreciaria o caso a partir da perspectiva de valorização da moralidade e da probidade no trato da coisa pública, sob uma ótica de proteção dos interesses públicos e não dos puramente individuais. Em passo seguinte, rejeitou a assertiva de ofensa ao art. 16 da CF. Afirmou que a norma adversada não se inseriria no campo temático de processo eleitoral e que a “Lei de Inelegibilidade” não se qualificaria como lei de processo eleitoral. Consignou que as condições de elegibilidade seriam examinadas na data do registro da candidatura, sendo que a lei em comento fora publicada antes do período fixado para a realização das convenções partidárias, de modo a inexistir surpresa ou quebra ao princípio da isonomia para os partidos políticos. Repeliu, de igual maneira, o argumento de ofensa ao art. 5º, XXXVI, da CF, ao fundamento de que a referida lei complementar não teria aplicação retroativa, mas concedera efeitos futuros a fatos desabonadores praticados no passado. Enfatizou que retroação ocorreria se os cargos exercidos posteriormente à renúncia do recorrente tivessem sido declarados nulos. No que concerne ao art. 14, § 9º, da CF, assinalou haver expectativa do corpo eleitoral de que os parlamentares não venham a renunciar, configurando a renúncia um ato desabonador do candidato, o qual demonstraria não se preocupar com seu eleitorado. Ademais, registrou que a norma em comento teria dado concretude à opção constitucional pela avaliação da vida pregressa do candidato. Por fim, relativamente ao art. 5º, LVII, da CF, asseverou que inelegibilidade não seria pena ou punição e não caracterizaria repercussão prática da culpa ou do dolo do agente político, mas uma reprovação prévia, anterior e prejudicial às eleições, por comportamento objetivamente descrito como contrário às normas de organização política. Acompanharam o relator os Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto e Ellen Gracie.
RE 631102/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27.10.2010. (RE-631102) Parte 1 - Parte 2
Lei da “Ficha Limpa”: inelegibilidade e renúncia - 3
Em divergência, os Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, Presidente, ao também reiterar posição firmada no julgamento do aludido RE 630147/DF, proveram o recurso. Reputaram que a lei complementar repercutira em inúmeros julgamentos no processo eleitoral. Acrescentaram que a alínea k da citada LC 135/2010 não seria fruto de iniciativa popular, mas resultado de emenda a projeto de lei. Registraram que, quando da renúncia do recorrente em 2001, dentre as conseqüências previstas para tal ato, não havia a inelegibilidade e que uma lei posterior não poderia buscar um fato pretérito para dele extrair conseqüências no presente. Realçaram que a concessão de eficácia retroativa à lei implicaria aplicação casuística e personalizada. Observaram que, na situação dos autos, após a renúncia, o recorrente obtivera da Justiça Eleitoral o deferimento dos registros e respectivas diplomações nas 2 eleições seguintes, sendo o candidato a Deputado Federal mais votado no Brasil. Indagaram como, à época, ele seria elegível e atenderia às formalidades legais e, nos dias atuais, considerado inelegível para exercer mandato, por essa mesma Justiça Eleitoral, tendo em conta aquela mesma renúncia que não o impedira de exercer os cargos de parlamentar federal. Assim, entendiam que a norma impugnada teria atribuído a um ato lícito um caráter de ilicitude para efeito de privação da elegibilidade passiva, haja vista que a inelegibilidade, dessa forma, configuraria sanção de direito eleitoral restritiva do exercício ao direito fundamental de participação política. Concluíram que a interpretação conferida pelo TSE afrontaria não só o postulado fundamental inscrito no art. 16 da CF, bem como aquele que busca prestigiar a incolumidade de situações já consolidadas no passado.
RE 631102/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27.10.2010. (RE-631102) Parte 1 - Parte 2
Lei da “Ficha Limpa”: inelegibilidade e renúncia - 4
Em seguida, o Plenário rejeitou questão de ordem suscitada da tribuna pelo patrono do recorrente no sentido de suspender o julgamento até a nomeação de novo Ministro para compor o Tribunal. A defesa informava a peculiaridade das eleições no Estado-membro pelo qual concorrera o recorrente, porquanto lá haveria outro candidato ao Senado Federal com idêntica causa de inelegibilidade, cujo processo estaria aguardando apreciação pelo TSE. Considerou-se que o exame do processo deveria prosseguir para que o impasse fosse solucionado e efetivada a prestação jurisdicional. Vencidos os Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio que acolhiam o pleito de suspensão para evitar decisões díspares. O Min. Cezar Peluso fez ressalva de sua posição pessoal. Dessa forma, deliberou-se sobre a existência de critérios impessoais, objetivos e apriorísticos para a resolução do empate. Por maioria, acatou-se proposta formulada pelo Min. Celso de Mello para que fosse aplicado, por analogia, o inciso II do parágrafo único do art. 205 do Regimento Interno do Supremo e, com isso, mantida a decisão recorrida (“Art. 205. ... Parágrafo único. O julgamento de mandado de segurança contra ato do Presidente do Supremo Tribunal Federal ou do Conselho Nacional da Magistratura será presidido pelo Vice-Presidente ou, no caso de ausência ou impedimento, pelo Ministro mais antigo dentre os presentes à sessão. Se lhe couber votar, nos termos do art. 146, I a III, e seu voto produzir empate, observar-se-á o seguinte: ... II – havendo votado todos os Ministros, salvo os impedidos ou licenciados por período remanescente superior a três meses, prevalecerá o ato impugnado.”). Considerou-se a presunção de legitimidade dos atos estatais e o fato de que esse critério já teria sido adotado no julgamento da ADPF 46/DF (DJe de 26.2.2010). O Min. Celso de Mello salientou que a sugestão poderia ser adotada sem prejuízo da convicção de cada membro da Corte, haja vista que em discussão a superação do impasse. Foram rejeitados outros critérios, tais como o voto de qualidade do Presidente (RISTF, art. 13, IX), a convocação de Ministros do STJ e o art. 146, caput, do RISTF. Vencidos os Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que determinavam a aplicação do voto de qualidade do Presidente.
RE 631102/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 27.10.2010. (RE-631102) Parte 1 - Parte 2
Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 1
O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação penal para condenar Deputado Federal pela prática dos delitos tipificados nos artigos 288 e 312, este na forma do art. 71, c/c o art. 69, todos do CP, à pena de 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão e ao pagamento de 66 dias-multa, no valor de um salário mínimo vigente à época do fato, corrigido monetariamente. Na espécie, o Ministério Público do Estado de Rondônia instaurara procedimento investigatório a partir de representações em que questionada a licitude de contrato publicitário firmado entre a Assembléia Legislativa local e determinada empresa. No decorrer das apurações, o parquet constatara a existência de suposto esquema criminoso — engendrado para desviar dinheiro daquela Casa Legislativa — no qual o réu, na qualidade de diretor financeiro da Assembléia Legislativa, teria assinado vários cheques e os repassado, por mais de 2 anos, à mencionada empresa de publicidade a pretexto de pagamento pelos serviços, sequer prestados. Em razão disso, o Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público daquela unidade federativa oferecera denúncia contra o parlamentar e outros 7 co-réus por formação de quadrilha e peculato, em concurso material e de pessoas. Após o recebimento da inicial acusatória pela Corte de origem, o réu fora empossado Deputado Federal e o processo, desmembrado, remetido ao STF, que assim o mantivera e afirmara a validade dos atos judiciais praticados anteriormente à diplomação e à posse do parlamentar federal.
AP 396/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.10.2010. (AP-396)
Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 2
Inicialmente, por maioria, resolveu-se questão de ordem suscitada pela Min. Cármen Lúcia, relatora, no sentido de se reconhecer a subsistência da competência do Supremo para a causa. Tendo em conta que o parlamentar apresentara, perante à Presidência da Câmara dos Deputados, manifestação formal de renúncia ao seu mandato, a defesa alegava que a prerrogativa de foro não mais se justificaria. Realçou-se que o pleito de renúncia fora formulado em 27.10.2010 e publicado no Diário da Câmara no dia seguinte, data para a qual pautado o julgamento da presente ação penal. Aduziu-se que os motivos e fins desse ato demonstrariam o intento do parlamentar de se subtrair ao julgamento por esta Corte, em inaceitável fraude processual, que frustraria as regras constitucionais e não apenas as de competência. Destacou-se, desse modo, que os fins dessa renúncia — às vésperas da apreciação do feito e após a tramitação do processo por mais de 14 anos — não se incluiriam entre aqueles aptos a impedir o prosseguimento do julgamento, configurando, ao revés, abuso de direito ao qual o sistema constitucional vigente não daria guarida. Vencido o Min. Marco Aurélio que, ao salientar a competência de direito estrito do Supremo, assentava que, com a renúncia operada, o réu teria deixado de ser membro do Congresso Nacional, o que cessaria, em conseqüência, a competência desta Corte. Os Ministros Dias Toffoli e Joaquim Barbosa sinalizavam, ainda, não ter efeito a renúncia operada após o fim da instrução, quando o processo já estiver concluso para o relator, faltando apenas a elaboração do voto.
AP 396/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.10.2010. (AP-396)
Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 3
Em seguida, rejeitaram-se todas as preliminares argüidas pelo réu. No tocante à alegação de que o inquérito teria sido instaurado e dirigido pelo Ministério Público em ofensa aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, enfatizou-se que os elementos de informação que serviram de suporte para a denúncia não teriam sido extraídos de investigação penal conduzida pelo parquet, mas de autos de inquérito civil. Relativamente à eventual quebra do princípio do promotor natural, observou-se que a peça acusatória fora apresentada pelo titular do órgão ministerial em âmbito estadual. Ressaltou-se, ainda, que os crimes em apreço seriam crimes contra a Administração Pública, o que afastaria a assertiva de que, por se tratar de crime político, haveria a impossibilidade de instauração de ação de improbidade. Repeliram-se, de igual modo, os argumentos de inépcia da denúncia e de ausência de subsunção dos fatos narrados ao tipo penal do art. 288 do CP ao fundamento de que a inicial teria delineado os limites de atuação do parlamentar. Por fim, quanto à necessidade de unidade do julgamento, mencionou-se que o desmembramento do processo fora mantido, em conformidade com a jurisprudência deste Tribunal.
AP 396/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.10.2010. (AP-396)
Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 4
No mérito, reputou-se que a materialidade do crime de peculato estaria demonstrada pela vasta prova documental carreada, especialmente pelos cheques destinados ao pagamento da empresa. Acrescentou-se que a prova testemunhal produzida revelaria que a empresa de publicidade, embora tivesse recebido os pagamentos, não prestara serviços para o Poder Legislativo do Estado-membro e nem emitira notas fiscais. No ponto, assinalou-se que testemunha afirmara que documentos teriam sido incinerados por um dos co-réus. No que concerne à autoria, considerou-se que o acervo probatório, produzido sob o crivo do contraditório, apresentaria elementos de convicção suficientes para a formação de um juízo de certeza sobre o envolvimento do parlamentar na empreitada criminosa. Além dos cheques por ele assinados, as testemunhas ouvidas em juízo confirmaram que o parlamentar seria o diretor financeiro da Assembléia Legislativa à época. Também constariam depoimentos afirmando que a empresa que recebia os cheques não possuiria registro contábil, empregados, escritório, equipamentos ou telefone para contato. Consignou-se que não se trataria de responsabilização do acusado com base em prova indiciária, entretanto, ter-se-iam elementos de informação em simetria com o conjunto de provas produzidas durante a instrução processual. Assim, explicitou-se que os indícios obtidos na fase de investigação teriam sido confirmados pela instrução processual. Registrou-se não ser razoável supor-se que um diretor financeiro, ao efetuar o pagamento de serviços que custaram milhões de reais aos cofres públicos, desconhece a não realização dos serviços de publicidade. Por derradeiro, reconheceu-se a ocorrência de crime continuado (CP, art. 71), haja vista que os delitos de peculato teriam sido perpetrados no exercício do cargo de diretor financeiro da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, por meio da assinatura de cheques pertencentes a tal órgão e a emissão de cada um deles fora efetuada com regularidade de tempo.
AP 396/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.10.2010. (AP-396)
Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 5
Com relação ao crime de formação de quadrilha, destacou-se que o tipo exigiria que, pelo menos, 4 pessoas se associassem, em caráter estável e permanente, com a finalidade de cometer crimes. Assinalou-se que no esquema criminoso teria ficado comprovado o envolvimento do Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, irmão do réu, de empresário do setor de comunicações naquele ente federativo, de servidores daquela Casa Legislativa e de sócios e patrono da empresa de publicidade. O caráter estável e permanente da associação também estaria demonstrado, já que efetuados, pelo menos, 22 pagamentos indevidos em um período de quase 1 ano. Ademais, avaliou-se que a continuidade delitiva seria bastante para a caracterização da elementar “finalidade de cometer crimes”. Quanto ao parlamentar, destacou-se que o delito de formação de quadrilha teria prova autônoma e independente, de forma a inexistir impedimento à sua condenação por tal crime, independentemente da apuração, nestes autos, da responsabilidade dos demais envolvidos. Informou-se, ademais, que os outros co-réus estariam sendo processados pelo mesmo crime na instância própria, com prolação de sentença penal condenatória. Afirmou-se que, na hipótese de absolvição desses co-réus em instância diversa e de condenação do parlamentar na presente ação penal, existiriam soluções processuais para evitar essa aporia, a exemplo da revisão criminal. Vencido o Min. Cezar Peluso, Presidente, que absolvia o réu da imputação do art. 288 do CP. Ao enfatizar a plurissubjetividade do tipo penal em apreço e o desmembramento do processo, considerava que, para haver condenação pelo Supremo, seria necessário que os demais co-réus tivessem sido definitivamente condenados pelo juízo competente, sob pena do reconhecimento de formação de quadrilha a um único membro.
AP 396/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.10.2010. (AP-396)
Ação penal: renúncia a mandato de parlamentar e competência do STF - 6
No tocante à dosimetria da pena, prevaleceu o voto do Min. Dias Toffoli, revisor, relativamente ao delito de peculato, que estabeleceu a pena-base em 5 anos de reclusão e 30 dias-multa (culpabilidade, conduta social, personalidade, circunstâncias, motivos e conseqüências do delito desfavoráveis ao sentenciado) e, ante a ausência de circunstâncias atenuantes e agravantes, aplicou, à pena provisória, a majoração em 1/3, ante a causa especial de aumento prevista no § 2º do art. 327 do CP, a totalizar 6 anos e 8 meses de reclusão e 40 dias-multa. Nos termos preceituados no art. 71 do CP, aumentou a pena em 2/3, tornando-a definitiva em 11 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão e 66 dias-multa. No que concerne à formação de quadrilha, fixou-se a pena em 2 anos e 3 meses de reclusão. Em conseqüência, determinou-se o regime fechado para o cumprimento inicial da pena. Na reparação do dano, seguiu-se a proposta da relatora no sentido da restituição, pelo sentenciado, aos cofres públicos do Estado de Rondônia do valor correspondente a R$ 1.647.500,00, atualizados na execução pelos índices de correção monetária, e da suspensão dos seus direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condenação, além de outras cominações constantes de seu voto. Assentou-se o não cabimento da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e a possibilidade de o réu recorrer em liberdade, até que a pena se torne definitiva. Vencidos, quanto à dosimetria em relação ao peculato, os Ministros Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, que aplicavam a pena de 13 anos e 9 meses de reclusão e 230 dias-multa, e Cezar Peluso, Presidente, que a fixava em 11 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão e 66 dias-multa.
AP 396/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 28.10.2010. (AP-396)
PRIMEIRA TURMA
Unificação de penas e alteração de data-base
A unificação de penas decorrente de condenação transitada em julgado, durante o cumprimento de reprimenda atinente a outro crime, altera a data-base para a obtenção de benefícios executórios e progressão de regime, a qual passa a ser contada a partir da soma da nova condenação e tem por parâmetro o restante de pena a ser cumprido. De acordo com esse entendimento, a 1ª Turma indeferiu habeas corpus em que a defesa pretendia fosse estabelecido como marco inicial para essa finalidade a data da última infração disciplinar de natureza grave praticada pelo apenado, que havia empreendido fuga, ou a data de sua recaptura. Reputou-se que a execução da pena subseqüente, considerado o número de anos e as circunstâncias judiciais, poderia provocar a observância de regime mais gravoso do que o relativo à anterior, motivo pelo qual, inalterada a data-base, impossibilitar-se-ia eventualmente o cumprimento da nova reprimenda. Aduziu-se, também, que o somatório de penas decorrente da unificação teria por conseqüências lógicas tanto a limitação do tempo total que o sujeito deverá permanecer preso (CP, art. 75) quanto a implementação de regime próprio relativo à totalidade de anos em que deva o condenado ficar recluso.
HC 100499/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 26.10.2010. (HC-100499)
Tráfico internacional de munição e princípio da insignificância
A 1ª Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pretendia a aplicação do princípio da insignificância para trancar ação penal instaurada contra o paciente, pela suposta prática do crime de tráfico internacional de munição (Lei 10.826/2003, art. 18). A defesa sustentava que seria objeto da denúncia apenas a apreensão de 3 cápsulas de munição de origem estrangeira, daí a aplicabilidade do referido postulado. Aduziu-se que o denunciado faria do tráfico internacional de armas seu meio de vida e que teriam sido encontrados em seu poder diversos armamentos e munições que, em situação regular, não teriam sido objeto da peça acusatória. Nesse sentido, não se poderia cogitar da mínima ofensividade da conduta ou da ausência de periculosidade social da ação, porquanto a hipótese seria de crime de perigo abstrato, para o qual não importaria o resultado concreto. Vencido o Min. Marco Aurélio, que deferia a ordem por reputar configurado no caso o crime de bagatela, tendo em vista que a imputação diria respeito tão-somente às 3 cápsulas de origem estrangeira, mas não a todo o material apreendido.
HC 97777/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.10.2010. (HC-97777)
Corrupção de menores para prática de mendicância e “abolitio criminis”
A 1ª Turma concedeu, de ofício, habeas corpus para trancar ação penal instaurada contra o paciente, pela suposta prática do crime de corrupção de menor (Lei 8.069/90, art. 244-B) e da contravenção penal de mendicância (Decreto-lei 3.688/41, art. 60). A defesa sustentava a abolitio criminis da imputação feita ao paciente, razão pela qual estaria extinta a punibilidade. Não obstante reconhecendo que a tese não teria sido aventada perante o STJ e que sua análise implicaria supressão de instância, considerou-se a particularidade do caso. Aduziu-se que o fato pelo qual estaria o paciente sendo processado seria corrupção de menores para a prática de mendicância. Entretanto, a partir da análise do art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, reputou-se que, para a consumação do delito nele previsto, far-se-ia necessário que o agente corrompesse ou facilitasse a corrupção de menor, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la. Assim, tendo em conta a revogação do art. 60 da Lei das Contravenções Penais pela Lei 11.983/2009, concluiu-se que a conduta do acusado não seria típica, visto que a mendicância perdera o status de infração penal.
HC 103787/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.10.2010. (HC-103787)
Tribunal do Júri e nulidade
A 1ª Turma indeferiu habeas corpus em que pretendido o restabelecimento de decisão absolutória proferida pelo Tribunal do Júri em favor de denunciado pela suposta prática do crime de homicídio qualificado. No caso, o parquet, ao alegar nulidade decorrente de violação, por parte da defesa, ao disposto na antiga redação do art. 475 do CPP (“Durante o julgamento não será permitida a produção ou leitura de documento que não tiver sido comunicado à parte contrária, com antecedência, pelo menos, de três dias, compreendida nessa proibição a leitura de jornais ou qualquer escrito, cujo conteúdo versar sobre matéria de fato constante do processo”) interpôs recurso perante o tribunal de justiça local, ao qual dado provimento, para determinar a realização de novo julgamento pelo júri popular. A defesa alegava que essa decisão teria violado o princípio constitucional da soberania dos veredictos. Reputou-se que, no julgamento absolutório, teria havido a leitura, por parte do patrono do acusado, de folhas de antecedentes criminais dos policiais que teriam atuado na fase inquisitória, sem que observada a referida regra instrumental. Salientou-se, ademais, que a proibição contida nesse dispositivo seria bilateral, ou seja, atingiria tanto o Estado-acusador quanto a defesa.
HC 102442/MT, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.10.2010. (HC-102442)
Homicídio e confissão espontânea
A 1ª Turma deferiu habeas corpus a condenado pela prática de homicídio tentado para determinar o redimensionamento, por parte do juízo competente, da pena imposta. A defesa pretendia fosse considerada, na reprimenda, a atenuante da confissão espontânea, que fora afastada por conter a tese defensiva da legítima defesa e configurar, portanto, confissão qualificada. Reputou-se que a simples postura de reconhecimento da prática do delito atrairia a observância da regra contida no art. 65, III, d, do CP (“São circunstâncias que sempre atenuam a pena: ... III - ter o agente: ... d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime”), que não possuiria qualquer ressalva no tocante à maneira como o agente pronuncia a confissão. Precedentes citados:
HC 69479/RJ (DJU de 18.12.92) e HC 82337/RJ (DJU de 4.4.2003). HC 99436/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.10.2010. (HC-99436)
Princípio da insignificância e descaminho - 2
Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma, ante o empate na votação, concedeu habeas corpus para reconhecer a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho (CP, art. 334, § 1º) e trancar a ação penal ao fundamento de que o referido postulado emergiria do valor sonegado diante da grandeza do Estado e do custo de sua máquina, não se compreendendo movimentá-la para cobrar o tributo devido. No caso, houvera a apreensão de bebidas cujo valor estimado totalizaria o montante de R$ 2.991,00 — v. Informativo 569. Votaram pelo indeferimento os Ministros Marco Aurélio, relator, e Cármen Lúcia.
HC 96412/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, 26.10.2010. (HC-96412)
Representação processual e cópia não autenticada - 3
A 1ª Turma retomou julgamento de agravo regimental interposto contra decisão monocrática do Min. Menezes Direito que, em agravo de instrumento, entendera intempestivo recurso extraordinário não admitido pelo Tribunal a quo por motivo diverso — v. Informativos 545 e 560. A Min. Cármen Lúcia, em voto-vista, acompanhou o Min. Menezes Direito para não conhecer do agravo regimental. Salientou, de início, que o relator entendera que a petição estaria subscrita por advogada que não possuiria instrumento de mandato válido para representar a agravante. Em seguida, ressaltou que, quanto à formação do agravo de instrumento, não seria necessária a autenticação em cartório das peças trasladadas dos autos principais. Entretanto, consignou não ser possível admitir cópias das procurações e substabelecimentos quando apresentadas originariamente nesta Corte. Aduziu que a importância da apresentação de procuração e substabelecimentos originais estaria no fato de se visar garantir que o representante judicial das partes não utilizasse instrumentos conferidos para atuação em outro processo sem o conhecimento daquelas. Por sua vez, o Min. Marco Aurélio reiterou que se presumiriam autênticas as cópias das procurações e substabelecimentos juntados aos autos pelo advogado, no que foi acompanhado pelo Min. Ricardo Lewandowski. Após, verificado o empate na votação, a Turma decidiu aguardar a convocação do Min. Celso de Mello, para a continuação do julgamento.
AI 741616 AgR/RJ, rel. Min. Menezes Direito, 27.10.2010. (AI-741616)
Processamento de RE trancado na origem - 3
Em conclusão, a 1ª Turma, por maioria, proveu agravo regimental para que seja julgado recurso extraordinário. Tratava-se, na espécie, de agravo regimental contra decisão monocrática do Min. Ricardo Lewandowski, que negara seguimento a agravo de instrumento no qual pretendida a subida do apelo extremo, apresentado contra acórdão do STJ, o qual provera recurso ordinário em mandado de segurança para devolver os autos ao tribunal local. Na origem, a ora agravada impetrara writ contra ato de Presidente de Turma Recursal dos Juizados Especiais no qual alegada a incompetência dos Juizados para apreciação do feito, dado que o valor discutido ultrapassaria o teto legalmente estabelecido (Lei 9.099/95, art. 3º, I) — v. Informativo 572. Sem adentrar a matéria de fundo e ao salientar a sua relevância, considerou-se estar em jogo o sistema constitucional alusivo à atuação dos Juizados Especiais, à do tribunal de justiça quanto aos Juizados Especiais e à do STJ, que não a tem relativamente aos Juizados Especiais. Vencido o relator, que negava provimento ao agravo regimental.
AI 666523 AgR/BA, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ acórdão Min. Marco Aurélio, 26.10.2010. (AI-666523)
SEGUNDA TURMA
Rapto e “abolitio criminis”
A 2ª Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do crime de rapto (CP, art. 219). A defesa sustentava a ocorrência de abolitio criminis, em razão da superveniência da Lei 11.106/2005, que revogou os artigos 219 a 222 do CP, e pleiteava a conseqüente extinção da pretensão executória. Aduziu-se que, muito embora o referido dispositivo tenha sido revogado com o advento da supracitada lei, a restrição da liberdade com finalidade libidinosa teria passado a figurar — a partir da entrada em vigor desta mesma norma — entre as possibilidades de qualificação dos crimes de seqüestro ou cárcere privado (CP, art. 148, § 1º, V). Reputou-se que a mera alteração da norma, portanto, não haveria de ser entendida como abolitio criminis, por ter havido continuidade normativa acerca do tipo penal. HC101035/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 26.10.2010. (HC-101035)
Princípio da insignificância e elementos subjetivos desfavoráveis
A 2ª Turma, ante a falta de justa causa, concedeu habeas corpus para trancar ação penal instaurada em desfavor de acusado por furto de uma janela no valor de R$ 120,00. Considerou-se, relativamente ao princípio da insignificância, não ser possível a análise dos elementos subjetivos desfavoráveis, mesmo que se trate de reiteração de conduta. Afirmou-se, ainda, que o referido postulado, afetaria a própria tipicidade penal.
HC 104468/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, 26.10.2010. (HC-104468)
Recebimento de denúncia e provas ilícitas - 3
Em conclusão de julgamento, a 2ª Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pretendia o trancamento de ação penal instaurada contra o paciente. Alegava-se que o STJ não poderia receber denúncia oferecida com esteio em provas que antes declarara ilícitas, obtidas por meio de interceptações telefônicas realizadas em outra investigação criminal, cuja ação penal correspondente fora trancada com fundamento na ilicitude da prova em julgamento, naquela Corte, do HC 57624/RJ — v. Informativo 589. Salientou-se, inicialmente, que as transcrições que os impetrantes diziam terem sido declaradas ilícitas no julgamento do citado writ objetivavam a apuração do crime de sonegação fiscal e que, como as escutas telefônicas haviam sido autorizadas antes da constituição definitiva do crédito tributário, condição de procedibilidade da ação penal, o STJ as anulara. Asseverou-se que a denúncia que resultara na ação penal instaurada contra o ora paciente não se valeria exclusivamente das escutas invalidadas, mas, principalmente, de documentos extraídos de inquérito, não se podendo afirmar que esses documentos seriam derivados da prova obtida ilicitamente. Ressaltou-se que o trancamento de ação penal em habeas corpus seria medida excepcionalíssima e que o cenário de incerteza que haveria no caso impediria que assim se procedesse.
HC 92467/ES, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/o acórdão Min. Gilmar Mendes, 26.10.2010. (HC-92467)
Recebimento de denúncia e provas ilícitas - 4
Extraiu-se do voto do relator no HC 57624/RJ que as interceptações telefônicas realizadas tinham a finalidade de servir à investigação da suposta prática do crime de sonegação fiscal. Assim, reputou-se haver dúvida a respeito da exclusividade, ou não, da escuta telefônica como prova dos fatos imputados na peça acusatória, referentes aos crimes de estelionato, formação de quadrilha, falsidade ideológica e uso de documento falso. Concluiu-se que a certeza da exclusividade da prova e da contaminação de outras a partir dela demandaria aprofundado reexame do acervo fático-probatório coligido nas investigações, o que seria inviável em habeas corpus. Vencido o Min. Celso de Mello que concedia a ordem, por considerar que se mostraria indivisível a questão da ilicitude da prova penal resultante de interceptação telefônica tal como qualificada no anterior julgamento do HC 57624/RJ pelo STJ.
HC 92467/ES, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/o acórdão Min. Gilmar Mendes, 26.10.2010. (HC-92467)