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    Informativo do STF 578 de 12/03/2010

    Publicado por Supremo Tribunal Federal


    PLENÁRIO

    Centrais Sindicais e Contribuição Sindical - 7

    O Tribunal retomou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido Democratas - DEM contra os artigos 1º, II, e 3º, da Lei 11.648/2008, bem como os artigos 589, II, b e seus §§ 1º e 2º e 593 da CLT, na redação dada pela referida lei, a qual dispõe sobre o reconhecimento formal das centrais sindicais para os fins que especifica, e dá outras providências — v. Informativos 552 e 577. O Min. Joaquim Barbosa, relator, de início, negou provimento a agravo regimental interposto por sindicato — que ingressara como amicus curiae quando os autos já se encontravam no gabinete do Min. Eros Grau com pedido de vista —, no que foi acompanhado pelos demais Ministros da Corte. Em seguida, o relator reiterou o voto que proferira anteriormente, rememorando os fundamentos expendidos no ponto relativo à possibilidade de as centrais sindicais serem sujeitos ativos da contribuição social. O Min. Marco Aurélio, por sua vez, tendo em conta que a interpretação conforme dada ao art. 1º, caput, e inciso II, e ao art. 3º, da Lei 11.648/2008, seria apenas no sentido de a representação pelas centrais não excluírem a representação pelas entidades que estão na pirâmide sindical, reajustou seu voto, para aderir à posição externada pelos Ministros Cármen Lúcia e Eros Grau. Explicou o Min. Marco Aurélio que, no voto que proferira, já estava embutida essa visão, ou seja, o fato de não se afastar do campo da representação nos diversos órgãos aquelas entidades que integram a pirâmide sindical. Acrescentou que, no tocante à contribuição, não se teria na Carta da República preceito algum que, interpretado e aplicado, levasse à exclusão das centrais quanto ao rateio dessa mesma contribuição. Após, pediu vista dos autos o Min. Ayres Britto.

    ADI 4067/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10.3.2010. (ADI-4067)

    ADI e Destinação de Recursos

    Por vislumbrar aparente violação ao disposto nos artigos 61, § 1º, II, b, e 165, III, da CF, o Tribunal referendou medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada como argüição de descumprimento de preceito fundamental, proposta pelo Governador do Distrito Federal contra a Lei distrital 3.189/2003 que inclui no calendário de eventos oficiais do Distrito Federal o “Brasília Music Festival”. Suspendeu-se, com eficácia ex tunc, até o julgamento final da ação, a vigência do art. 2º e seu parágrafo único desse diploma legal, que estabelecem, respectivamente, que, de forma anual, o Poder Executivo destinará à Secretaria de Cultura, os recursos necessários à montagem e à realização do evento, bem como que o aparato de segurança e controle do trânsito necessário ficarão a cargo da Secretaria de Segurança Pública. Em preliminar, com base no princípio da fungibilidade, conheceu-se da argüição proposta como ação direta de inconstitucionalidade (Lei 9.882/99, art. 4º, § 1º), ante a perfeita satisfação dos requisitos exigidos à sua propositura (legitimidade ativa, objeto, fundamentação e pedido), reportando-se à orientação firmada no julgamento da ADPF 72 QO/PA (DJU de 2.12.2005). Entendeu-se que a norma em questão, de iniciativa formulada por Deputado Distrital, ao prever destinação de recursos, pelo Poder Executivo, para a Secretaria de Cultura, com vista à realização do evento musical, e encargo da Secretaria de Segurança Pública para o respectivo aparato de segurança e controle de trânsito, teria usurpado a competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo para projetos de lei orçamentária e de organização administrativa.

    ADI 4180 Referendo-MC/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 10.3.2010. (ADI-4180)

    ADI e Infrações Administrativas de Conselheiro de Tribunal de Contas

    O Tribunal referendou medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil - ATRICON para, até final julgamento do feito, suspender a eficácia da Emenda Constitucional 40/2009, que acrescentou os §§ 5º e 6º ao art. 128 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, os quais definem infrações administrativas de Conselheiro do Tribunal de Contas, sujeitas a julgamento pela Assembléia Legislativa, com afastamento do cargo, e estabelecem rito a ser obedecido no processo administrativo por fato descrito no parágrafo anterior. Entendeu-se que os dispositivos em questão estariam em aparente afronta com os artigos 22, I, e 85, parágrafo único, da CF, e aplicou-se a orientação jurisprudencial da Corte consolidada na Súmula 722 (“São da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento”). Observou-se, ademais, que, mesmo que se reconhecesse a competência estadual para tipificar crimes de responsabilidade, para efeito de decretação da perda de cargo de Conselheiro de Tribunal de Contas do Estado, por deliberação da Assembléia Legislativa local, a Emenda Constitucional estadual 40/2009 em exame pareceria incidir em outra inconstitucionalidade, haja vista que provocaria usurpação da competência originária do Superior Tribunal de Justiça - STJ para processar e julgar os membros dos Tribunais de Contas estaduais nos crimes comuns e, também, nos crimes de responsabilidade, abrangentes, segundo entendimento jurisprudencial desta Corte, das infrações político-administrativas (CF, art. 105, I, a). Registrou-se, por fim, que, ainda que não incidisse, na espécie, a competência originária do STJ, pareceria haver, em referida emenda à Constituição estadual, outra eiva de inconstitucionalidade, porquanto o Conselheiro do Tribunal de Contas disporia, como garantia de ordem subjetiva destinada a proteger-lhe a independência funcional, da prerrogativa jurídico-constitucional da vitaliciedade (CF, art. 73, § 3º, c/c o art. 75), a qual confere significativa proteção contra a demissão funcional, somente permitindo a decretação de perda do cargo mediante decisão judicial, e não decisão proferida pelas Casas legislativas.

    ADI 4190 MC-Referendo/RJ, rel. Min. Celso de Mello, 10.3.2010. (ADI-4190)

    Reclamação e Controle de Constitucionalidade - 4

    Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em reclamação ajuizada pelo Município de Indaiatuba contra acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região que mantivera a expedição de requisição de pequeno valor em patamar superior ao fixado pela Lei municipal 4.233/2002, por considerá-la inconstitucional ante a ausência de fixação da quantia em número de salários mínimos. Alegava-se, na espécie, desrespeito à autoridade da decisão do Supremo na ADI 2868/PI (DJU de 11.12.2004), na qual se teria reconhecido a possibilidade de fixação, pelos Estados-membros, de valor referencial inferior ao do art. 87 do ADCT — v. Informativo 475. Entendeu-se que haveria falta de identidade entre o caso dos autos e o objeto da ADI 2868/PI. Esclareceu-se que, naquele julgado, a Corte limitara-se a proclamar a possibilidade de que o valor estabelecido na norma estadual fosse inferior ao parâmetro constitucional, sem discutir, entretanto, a tese da necessidade de fixação das obrigações de pequeno valor em números de salários mínimos. Vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Presidente, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Celso de Mello que julgavam procedente a pretensão e consideravam possível a análise, em reclamação, da constitucionalidade de lei de teor idêntico ou semelhante à lei que já teria sido objeto de fiscalização abstrata de constitucionalidade perante o Supremo.

    Rcl 3014/SP, rel. Min. Ayres Britto, 10.3.2010. (Rcl-3014)

    Contribuição Previdenciária e Vale-Transporte - 1

    O Tribunal, por maioria, proveu recurso extraordinário, afetado ao Pleno pela 2ª Turma, no qual instituição financeira discutia a constitucionalidade da cobrança de contribuição previdenciária sobre o valor pago, em dinheiro, a título de vales-transporte aos seus empregados, por força de acordo trabalhista — v. Informativo 552. Inicialmente, enfatizou-se que a questão constitucional envolvida ultrapassaria os interesses subjetivos da causa. Em seguida, salientou-se que o art. 2º da Lei 7.418/85, a qual instituiu o vale-transporte, estabelece que o benefício: 1) não tem natureza salarial, nem incorpora à remuneração para quaisquer efeitos; 2) não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço; e 3) não se configura como rendimento tributável do trabalhador. No ponto, aduziu-se que a referida exação não incide sobre o montante correspondente à benesse quando esta é concedida ao empregado mediante a entrega de vales-transporte, devendo-se perquirir se a sua substituição por dinheiro teria o condão de atribuir ao benefício caráter salarial.

    RE 478410/SP, rel. Min. Eros Grau, 10.3.2010. (RE-478410)

    Contribuição Previdenciária e Vale-Transporte - 2

    Asseverou-se, desse modo, que o deslinde da causa importaria necessária consideração sobre o conceito de moeda, conceito jurídico — não conceito específico da Ciência Econômica —, haja vista as funções por ela desempenhadas na intermediação de trocas e como instrumento de reserva de valor e padrão de valor. Após digressão sobre o tema, concluiu-se que, pago o benefício em vale-transporte ou em moeda, isso não afetaria o caráter não salarial do auxílio. Tendo isso em conta, reputou-se que a cobrança de contribuição previdenciária sobre o valor pago, em pecúnia, a título de vales-transporte pelo recorrente aos seus empregados afrontaria a Constituição em sua totalidade normativa. Consignou-se, ademais, que a autarquia previdenciária buscava fazer incidir pretensão de natureza tributária sobre a concessão de benefício, parcela esta que teria caráter indenizatório. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio que desproviam o recurso ao fundamento de que o valor configuraria vantagem remuneratória e, portanto, se enquadraria no gênero “ganhos habituais do empregado”, integrando a remuneração (CF, art. 201, § 11). O Min. Marco Aurélio afirmava, ainda, não se estar diante do vale-transporte tal como definido pela lei, porquanto esse não poderia ser pago em pecúnia.

    RE 478410/SP, rel. Min. Eros Grau, 10.3.2010. (RE-478410)

    Art. 92 da Lei 8.666/93 e Tipicidade - 4

    Por atipicidade da conduta (CPP, art. 386, III), o Tribunal, por maioria, absolveu, em ação penal promovida pelo Ministério Público Federal, dois Deputados Federais aos quais se imputava a suposta prática do crime tipificado no art. 92, caput, e seu parágrafo único, da Lei 8.666/93 (“Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ... : Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais.”) c/c o art. 29, do CP — v. Informativo 577. Considerou-se que o fato descrito na peça acusatória não se subsumiria ao tipo penal previsto no art. 92 da Lei 8.666/93, haja vista que, no caso, não se estaria, ainda, na fase de execução do contrato, salientando-se haver de se fazer interpretação restritiva em matéria de legislação penal. Vencidos os Ministros Ellen Gracie, relatora, Cezar Peluso, revisor, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ayres Britto, que condenavam os réus.

    AP 433/PR, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 11.3.2010. (AP-433)

    Apropriação Indébita: Compra e Venda de Automóvel e Prescrição - 4

    Também por atipicidade da conduta (CPP, art. 386, III), o Tribunal, por maioria, absolveu, em ação penal promovida pelo Ministério Público Federal, Deputado Federal ao qual se imputava a prática do crime de apropriação indébita (CP, art. 168, § 1º, I). Conforme a denúncia, o parlamentar, dono de uma concessionária de veículos, propusera, verbalmente, à vítima que comprasse um veículo de sua propriedade, dando em troca um veículo da propriedade desta, de menor valor, mais os direitos de um consórcio junto a uma administradora de consórcio e prestações mensais, representadas por notas promissórias. Após a entrega recíproca dos aludidos veículos, um funcionário da empresa do denunciado teria exigido da vítima a transferência definitiva do seu veículo ao denunciado, do consórcio e das notas promissórias, sem entregar, no entanto, a documentação do veículo por esta adquirido. Diante disso, a vítima teria resolvido desfazer o negócio, devolvendo o veículo adquirido ao denunciado, o qual, não obstante se comprometera a devolver o veículo da vítima imediatamente, passara a constrangê-la, exigindo, para a restituição de seu veículo, que a mesma lhe pagasse uma determinada importância em dinheiro, a fim de cobrir despesas com a negociação desfeita. A empresa de propriedade do denunciado teria sido, então, notificada, na sua pessoa, via cartório de títulos e documentos, para que devolvesse o veículo no prazo de 24 horas, tendo, em resposta, negado a existência do contrato. Posteriormente, o veículo teria sido apreendido nessa concessionária, por meio de mandado de busca e apreensão expedido por juízo de direito da comarca, no curso da ação penal — v. Informativos 554 e 559. Prevaleceu o voto do Min. Cezar Peluso que asseverou que o negócio de compra e venda já teria se aperfeiçoado, haja vista que as partes acordaram sobre preço e objeto, e que a inexecução do contrato constituiria mero ilícito civil. Ressaltou, ainda, que a posse ou a detenção no tipo da apropriação indébita seria a posse e a detenção precária e não a posse contratual. Vencidos os Ministros Ayres Britto, relator, Joaquim Barbosa, revisor, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie, que reconheciam a prescrição da pretensão punitiva.

    AP 480/PR, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 11.3.2010. (AP-480)

    Vacância de Mandato e Justa Causa para Desfiliação Partidária - 1

    O reconhecimento de justa causa para a desfiliação partidária permite que o parlamentar desfiliado continue no exercício do mandato, mas não transfere ao novo partido o direito de sucessão à vaga na hipótese de vacância. Com base nesse entendimento, o Tribunal denegou mandado de segurança impetrado por partido político contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados que indeferira pedido do impetrante no sentido de ser dada a posse ao primeiro suplente de Deputado Federal, a ele filiado, que falecera no curso do mandato. Na espécie, o parlamentar falecido fora eleito por outra agremiação partidária, tendo obtido do Tribunal Superior Eleitoral - TSE o reconhecimento da existência de justa causa para sua transferência para o partido impetrante. Alegava o partido impetrante que possuiria direito líquido e certo de manter a vaga, tendo em conta esse reconhecimento, salientando que a vaga decorrera do falecimento do titular e não em função de infidelidade partidária.

    MS 27938/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 11.3.2010. (MS-27938)

    Vacância de Mandato e Justa Causa para Desfiliação Partidária - 2

    Reportou-se à orientação firmada pela Corte no julgamento dos mandados de segurança 26602/DF, 26603/DF e 26604/DF (DJE de 17.10.2008), no sentido de que a observância do dever de fidelidade partidária é condição para o exercício de mandato eleitoral. Relembrou-se que, conforme essa orientação, no sistema de eleições proporcionais, o exercício de mandato eletivo não é direito pessoal do candidato, mas está vinculado à lealdade a agremiação. Afirmou-se que, como a Corte decidira que a fidelidade partidária é requisito para a manutenção do exercício do mandato eletivo, pois o resultado favorável em eleição proporcional depende da sigla, todo e qualquer candidato deveria permanecer fiel ao partido. Ponderou-se que a justa causa para a desfiliação permitiria que o mandato continuasse a ser exercido, mas não garantiria ao candidato, por mais famoso que fosse, como no caso, carregar ao novo partido relação que fora aferida no momento da eleição. Observou-se que, se fosse feita a distinção em razão do potencial para angariar votos, candidatos de grande fama transfeririam a sua vaga para o novo partido, enquanto candidatos menos expressivos não teriam a mesma sorte. Asseverou-se que o exame da fidelidade partidária para fins de sucessão no caso de vacância no cargo deveria ser aferido no momento em que ocorresse a eleição. Registrou-se, ademais, que o sistema brasileiro seria desprovido de mecanismos que permitissem ao eleitor confirmar a sua aderência ao candidato ou à linha adotada pelo partido no curso do mandato, não havendo votos de confiança ou de reafirmação intercorrentes no curso do mandato parlamentar. Aduziu-se que, do ponto de vista eleitoral, o parâmetro utilizado pelo cidadão somente poderia ser colhido nas urnas, no momento em que o candidato fosse eleito ou buscasse a sua reeleição. Afirmou-se que, de fato, ao ser eleito, a relação de fidelidade partidária escaparia ao domínio completo do candidato, pois passaria a ser comungada em maior ou menor extensão por seus eleitores. Concluiu-se que presumir que a justa causa permitiria a manutenção do mandato não implicaria dizer, entretanto, que a Constituição autorizaria a transferência da vaga ao novo partido, pois, como a troca de partidos não é submetida ao crivo do eleitor, o novo vínculo de fidelidade partidária não receberia legitimidade democrática inequívoca para sua perpetuação e, assim, não haveria a transferência da vaga à nova sigla. Outro precedente citado:

    ADI 3999/DF (DJE de 17.4.2009). MS 27938/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 11.3.2010. (MS-27938)

    CPI Estadual e Quebra de Sigilo Fiscal - 1

    O Tribunal iniciou julgamento de ação cível originária, processada segundo o rito do mandado de segurança, ajuizada pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - LAERJ contra ato do Chefe da Superintendência Regional da Receita Federal na 7ª Região Fiscal que, com base no dever do sigilo fiscal, negara pedido de transferência de dados fiscais relativos aos principais investigados em Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI, criada pela autora, destinada a apurar a ação de milícias no referido Estado-membro. Preliminarmente, o Min. Joaquim Barbosa, relator, firmou a competência do Supremo para conhecer do pedido, haja vista que a divergência acerca dos limites da competência de entes federados, perante órgãos de outros entes federados, poderia caracterizar o conflito federativo. Asseverou, no ponto, que a matéria discutida nos autos — poderes de CPI estadual e dever de prestação de informações custodiadas por órgão ou entidade da União — tomaria por parâmetro elementos essenciais ao modelo de pacto federativo adotado pela Constituição.

    ACO 1271/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 11.3.2010. (ACO-1271)

    CPI Estadual e Quebra de Sigilo Fiscal - 2

    Quanto ao mérito, o Min. Joaquim Barbosa, relator, ao conhecer da ação como mandado de segurança, concedeu a ordem, reportando-se à orientação fixada pelo Supremo no julgamento da ACO 730/RJ (DJU de 1º.10.2004). Frisou determinados pontos a fim de reafirmar e reforçar o papel conferido aos Poderes Legislativos dos entes federados no modelo adotado pela Constituição. Observou serem dois os argumentos levantados para conformar a competência das CPIs não-federais: 1) a ausência de previsão expressa da aptidão para requerer informações protegidas pelo sigilo fiscal e 2) o temor de que a dita extensão da competência poderia trazer risco à garantia individual do sigilo, alçada como direito fundamental. Asseverou que, em sua essência, a postulação do Estado-membro diz respeito ao modelo de pacto federativo adotado na CF/88 e à garantia de instrumentos ao Poder Legislativo para exercer sua função precípua e histórica consolidada no curso da evolução da democracia, qual seja, a fiscalização do exercício do Poder. Explicou, no ponto, que o Poder Legislativo não está limitado, pela Constituição, à função de criar normas gerais e abstratas, a ele competindo, também, autorizar despesas e receitas do Estado, fiscalizar a atividade de outras entidades do Poder Público em campos previamente estabelecidos, como as contas prestadas pelo Presidente da República, e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo e os atos do Poder Executivo, incluídos os da Administração Indireta (CF, art. 48, II, IX e X). Acrescentou que mais do que a superada distinção entre as funções do Estado de acordo com a abrangência normativa da respectiva atividade (gerais e abstratas ou individuais e concretas), se evidenciaria a diferenciação funcional em termos de mecanismos de controle recíproco da atividade estatal.

    ACO 1271/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 11.3.2010. (ACO-1271)

    CPI Estadual e Quebra de Sigilo Fiscal - 3

    O relator assinalou que, numa federação, a outorga de competência no campo da fiscalização aos entes federados que não compõem a União seria ínsita ao tipo de equilíbrio do pacto federativo que se tem por emanado da Constituição. Registrou que, mesmo em uma federação tendente à concentração, como é o caso da brasileira, seria imprescindível assegurar acervo mínimo de instrumentos para que cada um dos Poderes, no âmbito do respectivo ente federado e nos limites legais, pudesse exercer com plenitude seu dever de restringir a atividade inadequada, ilegal, inconstitucional que porventura fosse praticada por representante de outro Poder. Considerou que o fato de o art. 58, § 3º, da CF se referir literalmente à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal não restringiria, por si só, o alcance do dispositivo às entidades federais. Afirmou que, por uma questão de simetria, as aptidões essenciais ao exercício da função de controle pelo Legislativo da União deveriam ser adaptadas à realidade dos Estados-membros e do Distrito Federal, respeitados sempre os âmbitos de atuação de cada um, salientando que, salvo momentos pontuais de instabilidade institucional, a União não poderia substituir o Estado-membro na representação da vontade de seus cidadãos e no exercício da competência que a Constituição lhes assegura. Enfatizou que os Estados-membros e o Distrito Federal estariam representados politicamente na formação da vontade nacional, de modo que não se poderia cogitar de qualquer hierarquia entre os entes federados. Citou, ainda, disposição da Constituição do Estado do Rio de Janeiro acerca dos poderes de investigação de comissão parlamentar de inquérito (“Art. 109 - A Assembléia Legislativa terá comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas nos respectivos Regimento ou ato legislativo de sua criação. ... § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no Regimento Interno da Casa, serão criadas a requerimento de um terço dos membros da Assembléia Legislativa, para apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.”).

    ACO 1271/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 11.3.2010. (ACO-1271)

    CPI Estadual e Quebra de Sigilo Fiscal - 4

    Quanto à questão sobre a pertinência entre o objeto da investigação de interesse do Estado federado e a requisição de informações coligidas por órgão federal, bem como do temor de que a divulgação de tais informações, sem a intermediação judicial, violasse garantia individual, o Min. Joaquim Barbosa assentou que as informações protegidas pelo sigilo fiscal seriam colhidas com as chamadas obrigações acessórias (deveres instrumentais), que registrariam dados da atividade dos sujeitos passivos relevantes à apuração de tributos devidos, constituindo, também, resultado da atividade de fiscalização do próprio Estado, que, com meios próprios, levantaria direta e indiretamente fatos sobre a vida dos contribuintes. Expôs que a proteção destas informações atenderia a duas finalidades: uma voltada à esfera privada, e outra, à esfera pública. Na esfera privada, as informações seriam reservadas para impedir que outras pessoas tivessem acesso a dados que permitissem, direta ou indiretamente, revelar detalhes sobre o patrimônio e as atividades desempenhadas pelo sujeito passivo. Dentre as razões para isso apontou a proteção à privacidade e à intimidade. Consignou que, já no campo público, não haveria cláusula geral e absoluta de proteção da intimidade oponível ao Estado-arrecadador, de modo a legitimar a ocultação de bens e operações como instrumento para a evasão fiscal. A restrição se justificaria em termos funcionais, ou seja, se servissem as informações para auxiliar o Fisco a constituir e cobrar créditos tributários, somente os agentes públicos destacados para tal atividade específica é que deveriam ter acesso aos dados. Nesse sentido, a restrição ajudaria a Administração a lidar melhor com os riscos de vazamento indevido de informações, bem como reduziria o risco de utilização geral indevida dos dados.

    ACO 1271/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 11.3.2010. (ACO-1271)

    CPI Estadual e Quebra de Sigilo Fiscal - 5

    O relator lembrou que o Código Tributário Nacional permite a troca de informações fiscais entre entes federados, nos termos de leis ou convênios (Lei 5.172/66, art. 199), asseverando que, mantida a pertinência entre os dados e a finalidade (fiscalizar, constituir e cobrar créditos tributários), não haveria que se falar propriamente em sigilo intransponível. Após anotar que os dados fiscais também podem ser importantes à elucidação de práticas delituosas que constituam crimes ou ilícitos administrativos, por se referirem ao estado financeiro e econômico das pessoas, concluiu não haver óbice incontornável à utilização das informações inicialmente destinadas à apuração do tributo também para as finalidades de fiscalização do Estado em outras áreas, como a fiscal e a administrativa. Para o relator, assim como haveria dever de colaboração na área tributária, também o haveria nas esferas penal e administrativa, sendo que a informação colhida pelo Fisco federal poderia, legitimamente, ser de interesse do Fisco ou dos Estados federados para elucidar desvios penais ou administrativos que dissessem respeito especificamente ao interesse local. Comentou que, de outro modo, haveria monopólio investigativo do Legislativo federal incompatível com a convivência harmônica juntamente com outros entes federados. Em divergência, o Min. Eros Grau denegou a ordem, afirmando os direitos e garantias individuais como regra, e não como exceção. Ao confirmar posicionamento externado no julgamento da mencionada ACO 730/RJ, realçou ser função do Supremo defender os direitos e garantias individuais, e que não seria necessário que cada um fosse ao Poder Judiciário para exigir afirmação deles. Ressaltou que, se houvesse a necessidade da quebra de sigilo, a CPI local deveria recorrer ao Judiciário, o qual só excepcionalmente haveria de admiti-la. Após, pediu vista dos autos o Min. Dias Toffoli.

    ACO 1271/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 11.3.2010. (ACO-1271)

    PRIMEIRA TURMA

    Art. 37, XI, da CF: Procuradores Autárquicos e Procuradores de Estado - 1

    A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que assentara ser ilegal a distinção preconizada pelo Decreto 48.407/2004, da mencionada unidade da federação, o qual estabelecera o teto dos vencimentos dos Procuradores Autárquicos conforme subsídio mensal do Governador do Estado, enquanto que, para os Procuradores do Estado, limitara os vencimentos a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento dos subsídios mensais dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Entendera a Corte de origem que o art. 37, XI, da CF, ao disciplinar a matéria, nada dispusera acerca de tal separação, sendo que ao intérprete não caberia distinguir onde a própria lei não o fizera. Sustenta o recorrente transgressão aos artigos 37, XI, 131, caput e § 3º, e 132, todos da CF, ao argumento de que o referido decreto compatibilizar-se-ia com a nova ordem constitucional, na medida em que somente aos Procuradores da União, dos Estados e do Distrito Federal se estipulara, como teto remuneratório, aquele fixado para o Poder Judiciário.

    RE 558258/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 9.3.2010. (RE-558258)

    Art. 37, XI, da CF: Procuradores Autárquicos e Procuradores de Estado - 2

    O Min. Ricardo Lewandowski, relator, por não vislumbrar motivos para, na aplicação do subteto constitucional, fazer-se distinção entre Procuradores do Estado e Procuradores Autárquicos, negou provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelo Min. Dias Toffoli. Observou, inicialmente, que a matéria em debate não diria respeito à equiparação, em termos de vencimentos e vantagens, entre Procuradores do Estado e Procuradores Autárquicos, dado que se cingiria em saber se a referência ao termo “Procuradores” no art. 37, XI, da CF, na redação dada pela EC 41/2003, alcançaria, ou não, os Procuradores Autárquicos. Registrou, no ponto, que a referida emenda constitucional, ao modificar o inciso XI do art. 37 da CF, fixara um teto absoluto, equivalente ao subsídio dos Ministros do STF, além de estabelecer outros parâmetros para os Estados, Distrito Federal e Municípios. Ressaltou, ainda, que tal dispositivo somente excepcionara os membros do Ministério Público, os Procuradores e Defensores Públicos do subteto correspondente ao subsídio do Governador depois da promulgação da EC 41/2003. Assinalou que, a partir da EC 47/2005, que alterara o § 12 do art. 37 da CF, facultara-se aos Estados e ao Distrito Federal, mediante emenda às respectivas Constituições ou à Lei Orgânica, fixar um subteto remuneratório único para todos os servidores, excetuados os parlamentares, o qual também deverá corresponder a 90,25% do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

    RE 558258/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 9.3.2010. (RE-558258)

    Art. 37, XI, da CF: Procuradores Autárquicos e Procuradores de Estado - 3

    Salientou, por outro lado, que a razão pela qual o inciso XI do art. 37 da CF — na redação dada pela EC 41/2003 — estabelecera uma exceção tão-somente em prol dos membros do Ministério Público, dos Procuradores e dos Defensores Públicos residiria no fato de que, embora os integrantes de tais carreiras não façam parte do Poder Judiciário, exerceriam, segundo assenta o próprio texto constitucional, “funções essenciais à Justiça”. Evidenciou, destarte, que os Procuradores Autárquicos também exerceriam função essencial à Justiça, haja vista que o vocábulo “Procuradores”, em nosso ordenamento jurídico, mostrar-se-ia polissêmico, servindo para designar tanto os membros do Ministério Público quanto os Advogados Públicos que atuam na defesa do Estado. Enfatizou que esse entendimento seria reforçado pelo disposto no art. 131 da Constituição Federal (“A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.”). Afirmou que, para regulamentar esse dispositivo, fora promulgada a Lei Complementar 73/93 que, em seu capítulo IX, trata dos órgãos vinculados à AGU (“Art. 17 - Aos órgãos jurídicos das autarquias e das fundações públicas compete: I - a sua representação judicial e extrajudicial; II - as respectivas atividades de consultoria e assessoramento jurídicos; III - a apuração da liquidez e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às suas atividades, inscrevendo-os em dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial.”).

    RE 558258/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 9.3.2010. (RE-558258)

    Art. 37, XI, da CF: Procuradores Autárquicos e Procuradores de Estado - 4

    Considerou, assim, que os Procuradores das Autarquias e Fundações também representariam a União, judicial e extrajudicialmente, apesar de fazerem-no de forma mediata, visto que estariam vinculados à AGU, nos termos da LC 73/93. Nesse sentido, destacou que a redação dada pela EC 19/2004 ao art. 101 da Constituição do Estado de São Paulo determina que compete à Procuradoria Geral do Estado representar o Estado e suas autarquias. Frisou, entretanto, que esta fora uma opção política, porquanto tal representação poderia continuar a cargo de órgãos vinculados, como o permite a CF. Compreendeu que isso não impediria que se reconhecesse que os órgãos jurídicos das autarquias e fundações públicas nos Estados e no Distrito Federal, assim como ocorre na União, integrariam a Advocacia Pública, tal como preconizado na Seção II, Capítulo IV, Título IV, da Lei Maior e, por conseguinte, exerceriam função essencial à Justiça. Aduziu que a Constituição quando utilizou o termo “Procuradores” o fez de forma genérica, sem distinguir entre os membros das distintas carreiras da Advocacia Pública. Nesse diapasão, reputou ser desarrazoada uma interpretação que, desconsiderando o texto constitucional, excluísse da categoria “Procuradores” os defensores das autarquias, mesmo porque se aplicaria, à espécie, o brocardo latino “ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet”. Acrescentou que a jurisprudência do STF seria firme no sentido de que somente por meio de lei formal seria possível a estipulação de teto remuneratório. Por derradeiro, não se conheceu do recurso quanto aos artigos 131 e 132 da CF, uma vez que o recorrente não demonstrara de que forma a decisão recorrida teria contrariado os aludidos dispositivos constitucionais, incidindo, nesse aspecto, o Enunciado da Súmula 284 do STF (“É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.”). Após, pediu vista a Min. Cármen Lúcia.

    RE 558258/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 9.3.2010. (RE-558258)

    SEGUNDA TURMA

    Trancamento de Ação Penal e Falta de Justa Causa

    Por ausência de justa causa, a Turma deferiu habeas corpus para determinar, em relação ao paciente, o trancamento de ação penal instaurada para apurar a suposta atuação de membros de conselho administrativo de determinado banco nas causas que teriam levado à liquidação forçada da instituição financeira (Lei 7.492/86, artigos 4º e 17), nos termos relatados por comissão de inquérito no âmbito do Banco Central do Brasil - BACEN. Salientou-se que o STF tem reafirmado a validade de denúncias que, embora resumidas na descrição dos fatos, basear-se-iam em relatório formulado por comissão de inquérito do BACEN. No entanto, aduziu-se que isso não significaria que a exordial acusatória, ao confiar a delimitação aprofundada dos fatos e provas ao conteúdo do relatório administrativo, estivesse dispensada dos requisitos mínimos de validade. Asseverou-se que, no caso, o Ministério Público se apoiara exclusivamente no relatório do BACEN, o qual, de maneira expressa, afirmara que o paciente não tomara posse no cargo de membro do conselho de administração. Em conseqüência, reputou-se que o paciente não teria nenhuma responsabilidade nos fatos investigados.

    HC 95507/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 9.3.2010. (HC-95507)

    “Abolitio Criminis” e Cloreto de Etila - 1

    A Turma deferiu habeas corpus para declarar extinta a punibilidade de denunciado pela suposta prática do delito de tráfico ilícito de substância entorpecente (Lei 6.368/76, art. 12) em razão de ter sido flagrado, em 18.2.98, comercializando frascos de cloreto de etila (lança-perfume). Tratava-se de writ em que se discutia a ocorrência, ou não, de abolitio criminis quanto ao cloreto de etila ante a edição de resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA que, 8 dias após o haver excluído da lista de substâncias entorpecentes, novamente o incluíra em tal listagem. Inicialmente, assinalou-se que o Brasil adota o sistema de enumeração legal das substâncias entorpecentes para a complementação do tipo penal em branco relativo ao tráfico de entorpecentes. Acrescentou-se que o art. 36 da Lei 6.368/76 (vigente à época dos fatos) determinava fossem consideradas entorpecentes, ou capazes de determinar dependência física ou psíquica, as substâncias que assim tivessem sido especificadas em lei ou ato do Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia do Ministério da Saúde — sucedida pela ANVISA. Consignou-se que o problema surgira com a Resolução ANVISA RDC 104, de 7.12.2000, que retirara o cloreto de etila da Lista F2 — lista das substâncias psicotrópicas de uso proscrito no Brasil, da Portaria SVS/MS 344, de 12.5.98 — para incluí-lo na Lista D2 — lista de insumos utilizados como precursores para fabricação e síntese de entorpecentes e/ou psicotrópicos. Ocorre que aquela primeira resolução fora editada pelo diretor-presidente da ANVISA, ad referendum da diretoria colegiada (Decreto 3.029/99, art. 13, IV), não sendo tal ato referendado, o que ensejara a reedição da Resolução 104, cujo novo texto inserira o cloreto de etila na lista de substâncias psicotrópicas (15.12.2000).

    HC 94397/BA, rel. Min. Cezar Peluso, 9.3.2010. (HC-94397)

    “Abolitio Criminis” e Cloreto de Etila - 2

    Aduziu-se que o fato de a primeira versão da Resolução ANVISA RDC 104 não ter sido posteriormente referendada pelo órgão colegiado não lhe afastaria a vigência entre sua publicação no Diário Oficial da União - DOU e a realização da sessão plenária, uma vez que não se cuidaria de ato administrativo complexo, e sim de ato simples, mas com caráter precário, decorrente da vontade de um único órgão — Diretoria da ANVISA —, representado, excepcionalmente, por seu diretor-presidente. Salientou-se que o propósito da norma regimental do citado órgão seria assegurar ao diretor-presidente a vigência imediata do ato, nas hipóteses em que aguardar a reunião do órgão colegiado lhes pudesse fulminar a utilidade. Por conseguinte, assentou-se que, sendo formalmente válida, a resolução editada pelo diretor-presidente produzira efeitos até a republicação, com texto absolutamente diverso. Repeliu-se a fundamentação da decisão impugnada no sentido de que faltaria ao ato praticado pelo diretor-presidente o requisito de urgência, dado que a mera leitura do preâmbulo da resolução confirmaria a presença desse pressuposto e que a primeira edição da resolução não fora objeto de impugnação judicial, não tendo sua legalidade diretamente questionada. Assim, diante da repercussão do ato administrativo na tipicidade penal e, em homenagem ao princípio da legalidade penal, considerou-se que a manutenção do ato seria menos prejudicial ao interesse público do que a sua invalidação. Rejeitou-se, também, a ocorrência de erro material, corrigido pela nova edição da resolução, a qual significara, para efeitos do art. 12 da Lei 6.368/76, conferir novo sentido à expressão “substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, elemento da norma penal incriminadora. Concluiu-se que atribuir eficácia retroativa à nova redação da Resolução ANVISA RDC 104 — que tornou a definir o cloreto de etila como substância psicotrópica — representaria flagrante violação ao art. 5º, XL, da CF. Em suma, assentou-se que, a partir de 7.12.2000 até 15.12.2000, o consumo, o porte ou o tráfico da aludida substância já não seriam alcançados pela Lei de Drogas e, tendo em conta a disposição da lei constitucional mais benéfica, que se deveria julgar extinta a punibilidade dos agentes que praticaram quaisquer daquelas condutas antes de 7.12.2000.

    HC 94397/BA, rel. Min. Cezar Peluso, 9.3.2010. (HC-94397)