Informativo do STF 570 de 04/12/2009
Publicado por Supremo Tribunal Federal
PLENÁRIO
“Leasing” e Incidência de ICMS - 2
O Tribunal retomou julgamento de recurso extraordinário, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, em que se discute a constitucionalidade, ou não, da incidência do ICMS na importação de bem móvel realizada mediante operação de arrendamento mercantil (leasing). O recurso impugna acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que reputara indevido o recolhimento do referido imposto, quando do desembaraço aduaneiro, ao fundamento de que o contrato de leasing é complexo e, no caso, não fora exercida a opção de compra, não se cuidando, dessa forma, de operação que envolvesse circulação de mercadoria, mas prevalecendo a prestação de serviços consoante previsão da Lei Complementar 56/87 — v. Informativo 534. O Min. Eros Grau, em voto-vista, abriu divergência e negou provimento ao recurso. Reportou-se à orientação firmada no RE 461968/SP (DJU de 24.8.2007), no sentido de que não incide ICMS na importação de bem móvel mediante arrendamento mercantil quando não há operação relativa à circulação de mercadoria, pressuposto da incidência do tributo, nos termos do art. 155, II, da CF. Asseverou que duas leituras poderiam ser feitas do inciso IX, alínea a, do § 2º do art. 155 da CF. Da primeira, equivocada, extrair-se-ia que qualquer entrada de bem ou mercadoria importadas do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não fosse contribuinte habitual do imposto, qualquer que fosse a sua finalidade, sofreria a incidência do ICMS. Da segunda, adequada à compreensão do todo normativo desse preceito, ter-se-ia que qualquer entrada de bem ou mercadoria importadas do exterior — desde que atinente à operação relativa à circulação desse mesmo bem ou mercadoria — por pessoa física ou jurídica, ainda que não fosse contribuinte habitual do imposto, qualquer que fosse a sua finalidade, sofreria a incidência do ICMS. Afastou, por conseguinte, a aplicação, na espécie, do RE 206069/SP (DJU de 1º.9.2006), no bojo do qual se verificara a circulação mercantil, haja vista que, naquele caso, tratava-se de importação de equipamento destinado ao ativo fixo de empresa, situação na qual a opção do arrendatário pela compra do bem ao arrendador era mesmo necessária. Após os votos dos Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, que acompanhavam a divergência, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Joaquim Barbosa.
RE 226899/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 2.12.2009. (RE-226899)
Proposta de Súmula Vinculante: Indenização decorrente de Acidente de Trabalho e Competência
O Tribunal, por maioria, acolheu a proposta de edição da Súmula Vinculante 24 com o seguinte teor: “A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as causas relativas a indenizações por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, alcançando-se, inclusive, as demandas que ainda não possuíam, quando da promulgação da EC nº 45/2004, sentença de mérito em primeiro grau.”. Vencido, em parte, o Min. Marco Aurélio que propunha que se limitasse o verbete à primeira parte, até o vocábulo “empregador”. Salientava que a segunda parte diria respeito às ações nas quais, ao tempo da edição da Súmula, ainda não havia sido proferida sentença de mérito em primeiro grau. Concluía tratar-se de situações residuais, de 2004, que já estariam ultrapassadas, e que o verbete, principalmente o vinculante, deveria ser algo que tivesse repercussão no quadro atual. PSV 24/DF, 25.11.2009. (PSV-24)
Proposta de Súmula Vinculante: Ações Possessórias decorrentes do Exercício de Greve e Competência
O Tribunal, por maioria, acolheu a proposta de edição da Súmula Vinculante 25 com o seguinte teor: “É competente a Justiça do Trabalho para julgar ação possessória relacionada com o exercício do direito de greve de trabalhadores da iniciativa privada.”. Vencido, em parte, o Min. Marco Aurélio, que considerava que o verbete deveria ter ficado adstrito à expressão “interdito proibitório”, objeto dos precedentes da Corte. PSV 25/DF, 2.12.2009. (PSV-25)
Proposta de Súmula Vinculante: Crime Material contra a Ordem Tributária e Lançamento Definitivo do Tributo
O Tribunal, por maioria, acolheu a proposta de edição da Súmula Vinculante 29 com o seguinte teor: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Marco Aurélio, que não aprovavam a proposta por entender que o tema tratado não estaria cristalizado o bastante na Corte para ser objeto de Súmula Vinculante. PSV 29/DF, 2.12.2009. (PSV-29)
Princípio da Neutralidade do Estado: Provas do ENEM e Dia Compatível com o Exercício da Fé - 1
O Tribunal desproveu agravo regimental interposto contra decisão que suspendera decisão de Desembargador do TRF da 3ª Região que, nos autos de agravo de instrumento, deferira pedido de antecipação de tutela recursal, com a conseqüente determinação de que fosse oportunizada a autores de ação ordinária — alunos secundaristas que professam a fé judaica — a participação no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM em dia compatível com exercício da fé por eles professada, a ser fixado pelas autoridades responsáveis pela realização das provas, observando-se o mesmo grau de dificuldade das provas realizadas por todos os demais estudantes. Manteve-se o fundamento da decisão impugnada no sentido de que a designação de dia alternativo para a realização das provas colocaria em risco a ordem pública, compreendida em termos de ordem jurídico-administrativa. Asseverou-se não haver dúvida de que o direito fundamental à liberdade religiosa impõe ao Estado o dever de neutralidade em face do fenômeno religioso, e que é proibida toda e qualquer atividade do ente público que privilegie certa confissão religiosa em prejuízo das demais. Aduziu-se que, não obstante, o dever de neutralidade por parte do Estado não pode ser confundido com a idéia de indiferença estatal, sendo necessário que o Estado, em determinadas situações, adote comportamentos positivos, a fim de evitar barreiras ou sobrecargas que venham a inviabilizar ou dificultar algumas opções em matéria de fé. Ressaltou-se não ser inconstitucional, dessa forma, que o Estado venha a se relacionar com as confissões religiosas, tendo em vista, inclusive, os benefícios sociais que elas são capazes de gerar, não se admitindo, entretanto, que assuma certa concepção religiosa como a oficial ou a correta, que beneficie um grupo religioso ou lhe conceda privilégios em detrimento de outros. Portanto, dever-se-ia promover a livre competição no “mercado de idéias religiosas”. Ressaltou-se que tais ações positivas apenas são legítimas se preordenadas à manutenção do livre fluxo de idéias religiosas e se comprovadamente não houver outro meio menos gravoso de se alcançar esse desiderato, devendo-se ter o cuidado de que a medida adotada estimule a igualdade de oportunidades entre as confissões religiosas e não, ao contrário, seja fonte de privilégios e favorecimentos. STA 389 AgR/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 3.12.2009. (STA-389)
Princípio da Neutralidade do Estado: Provas do ENEM e Dia Compatível com o Exercício da Fé - 2
Afirmou-se que a designação de dia alternativo para a realização das provas do ENEM pelo grupo religioso em questão, apesar de poder ser, em princípio, considerada uma medida de “acomodação”, apta a afastar as mencionadas sobrecargas indesejáveis, não estaria em consonância com o princípio da isonomia, convolando-se em privilégio para esse grupo. Observou-se, no ponto, que o Ministério da Educação oferta aos candidatos que, em virtude de opções religiosas não podem fazer as provas durante o dia de sábado, a possibilidade de fazê-las após o pôr-do-sol, medida que já vem sendo aplicada, há algum tempo, em relação aos adventistas do sétimo dia, grupo religioso que também possui como “dia de guarda” o sábado. Não obstante, salientando não se estar insensível ao argumento de que medida adotada pelo MEC poderia prejudicar os candidatos praticantes da citada profissão religiosa — os quais teriam de ser confinados, para apenas ao fim do dia iniciar as suas provas —, considerou-se que tal medida revelar-se-ia, diante dos problemas decorrentes da designação de dia alternativo, mais condizente com o dever do Estado de neutralidade em face do fenômeno religioso e com a necessidade de se tratar todas as denominações religiosas de forma isonômica. Registrou-se, por fim, não se cuidar de posicionamento definitivo desta Corte sobre a matéria, haja vista a existência de duas ações diretas de inconstitucionalidade pendentes de julgamento, nas quais será possível se aprofundar sobre o tema, de modo a definir, com maior acuidade, o âmbito de proteção e o alcance do direito fundamental à liberdade religiosa (CF, art. 5º, VIII). Vencido o Min. Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso, restabelecendo a decisão do TRF da 3ª Região que determinara fosse observada a cláusula final do inciso VIII do art. 5º da CF, a revelar que se deveria sempre sinalizar com uma prestação alternativa, no caso, a designação do exame para um dia útil. STA 389 AgR/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 3.12.2009. (STA-389)
Financiamento de Campanha Eleitoral: Peculato e Lavagem de Dinheiro - 2
Por vislumbrar indícios de autoria e de materialidade, o Tribunal, por maioria, recebeu denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República contra Senador da República, acusado pela suposta prática dos crimes de peculato (sete vezes) e de lavagem de dinheiro (seis vezes), previstos, respectivamente, no art. 312, § 2º, do CP e no art. 1º, V, da Lei 9.613/98. Na espécie, o parlamentar acusado, na condição de Governador do Estado de Minas Gerais, supostamente teria organizado um esquema criminoso de desvio de verbas estatais, colocando em ação mecanismos que permitiriam a ocultação da origem criminosa desses recursos e o financiamento ilícito da sua reeleição. Narra a denúncia que o então Governador teria ordenado a expedição de ofícios à Companhia de Saneamento de Minas Gerais - COPASA, à Companhia Mineradora de Minas Gerais - CEMIG e ao Banco do Estado de Minas Gerais - BEMGE, determinando o patrocínio de evento esportivo, o que implicara a transferência de recursos estatais para determinada empresa de comunicação, responsável pela veiculação publicitária do evento, da qual o então candidato a Vice-Governador fora sócio. Por meio de acordo com os sócios dessa empresa, o parlamentar teria planejado a aplicação dessas verbas na sua campanha de reeleição ao Governo do Estado de Minas Gerais em 1998. Para tanto, e visando à ocultação da origem desses recursos, os sócios da referida empresa de comunicação teriam tomado empréstimos junto a banco, aplicando-os na campanha do parlamentar acusado. Tais empréstimos teriam sido parcialmente liquidados com os recursos públicos que deveriam ser destinados ao evento esportivo — v. Informativo 566. Vencidos os Ministros Dias Toffoli, Eros Grau e Gilmar Mendes, Presidente, que rejeitavam a denúncia. Inq 2280/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3.12.2009. (Inq-2280)
REPERCUSSÃO GERAL
“Leasing” e Incidência do ISS - 2
O Tribunal concluiu julgamento de dois recursos extraordinários em que se discutia a constitucionalidade, ou não, da incidência do Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza - ISS sobre operações de arrendamento mercantil (leasing) — v. Informativo 534. Deu-se provimento ao RE 547245/SC, interposto pelo Município de Itajaí, e negou-se provimento ao RE 592905/SC, interposto por instituição financeira. Afirmou-se, quanto ao caráter jurídico do contrato de arrendamento mercantil, que ele seria contrato autônomo que compreenderia 3 modalidades: 1) o leasing operacional; 2) o leasing financeiro e 3) o chamado lease-back (Resolução 2.309/96 do BACEN, artigos 5º, 6º e 23, e Lei 6.099/74, art. 9º, na redação dada pela Lei 7.132/83). Asseverou-se que, no primeiro caso, haveria locação, e, nos outros dois, serviço. Ressaltou-se que o leasing financeiro seria modalidade clássica ou pura de leasing e, na prática, a mais utilizada, sendo a espécie tratada nos recursos examinados. Esclareceu-se que, nessa modalidade, a arrendadora adquire bens de um fabricante ou fornecedor e entrega seu uso e gozo ao arrendatário, mediante pagamento de uma contraprestação periódica, ao final da locação abrindo-se a este a possibilidade de devolver o bem à arrendadora, renovar a locação ou adquiri-lo pelo preço residual combinado no contrato. Observou-se que preponderaria, no leasing financeiro, portanto, o caráter de financiamento e nele a arrendadora, que desempenha função de locadora, surgiria como intermediária entre o fornecedor e arrendatário. Após salientar que a lei complementar não define o que é serviço, mas apenas o declara, para os fins do inciso III do art. 156 da CF, concluiu-se que, no arrendamento mercantil (leasing financeiro) — contrato autônomo que não é contrato misto, cujo núcleo é o financiamento e não uma prestação de dar —, por ser financiamento serviço, poderia sobre ele incidir o ISS, resultando irrelevante a existência de uma compra. Vencido o Min. Marco Aurélio, que, por reputar que locação gênero não é serviço, considerava inconstitucional a incidência do tributo, reportando-se ao voto que proferira no julgamento do RE 116121/SP (DJU de 25.5.2001).
RE 547245/SC, rel. Min. Eros Grau, 2.12.2009. (RE-547245) RE 592905/SC, rel. Min. Eros Grau, 2.12.2009. (RE-592905)
PRIMEIRA TURMA
Júri: Excesso de Linguagem e Nulidade da Decisão
A Turma indeferiu habeas corpus em que acusado pela suposta prática do crime de homicídio praticado contra a sua esposa (CP, art. 121, caput, c/c o art. 61, II, e) pleiteava fosse anulado acórdão proferido por tribunal de justiça, sob alegação de excesso de linguagem. No caso, o Conselho de Sentença desclassificara a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo, sendo interposta, pelo parquet, apelação ao tribunal local, que cassara a sentença prolatada, por reputar que estaria em desacordo com a prova dos autos. Inconformada, a defesa impetrara habeas corpus ao STJ, o qual fora parcialmente concedido para reconhecer o excesso de linguagem e vedar a utilização do aresto proferido pelo tribunal a quo na sessão de julgamento pelo júri. Assentou-se que a decisão do STJ de determinar o desentranhamento da decisão atendera à pretensão do réu de impedir que os jurados sejam influenciados em sua decisão pelas conclusões tomadas pelo tribunal de justiça no julgamento da apelação. Apontou-se jurisprudência da Corte segundo a qual não se reconhece a nulidade por excesso de linguagem — dada a necessidade de comprovação de prejuízo concreto — se os jurados não tiveram acesso à pronúncia ou ao acórdão que a confirmou. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, que deferiam a ordem para declarar subsistente o veredicto do júri. Enfatizavam que foram apresentadas aos jurados duas teses — existência de dolo e outra no sentido da forma culposa do delito —, que concluíram pela ocorrência de homicídio culposo. Assim, tendo em conta a limitação do recurso contra a decisão do júri, o tribunal de justiça só poderia declarar insubsistente o pronunciamento dos jurados se manifestamente contrário à prova dos autos. Consignavam, no ponto, que situações em que se assenta que a decisão é manifestamente contrária à prova dos autos seriam situações que revelariam exceções maiores.
HC 94731/MT, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.12.2009. (HC-94731)
Prescrição e Art. 115 do CP
A causa de redução do prazo prescricional constante do art. 115 do CP deve ser aferida no momento da sentença penal condenatória [“São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.”]. Ao aplicar esta orientação, a Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva de condenado que completara 70 anos de idade pouco tempo após a prolação da sentença penal condenatória e na pendência do julgamento do recurso de apelação defensivo. Precedentes citados:
HC 86320/SP (DJU de 24.11.2006) e HC 71711/SP (DJU de 5.10.1994). HC 96968/RS, rel. Min. Carlos Britto, 1º.12.2009. (HC-96968)
Apelação: Contra-razões e Prestação Jurisdicional - 1
A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do TRF da 4ª Região que dera provimento à apelação da União para cassar segurança concedida na origem, por reputar que a alíquota ad valorem de 25%, exigida da impetrante na liberação alfandegária de fertilizantes, não se inseriria na esfera de interpretação tributária, por ser medida de intervenção do Estado na economia, com o intuito de proteger a indústria doméstica em área específica. A recorrente, evocando o inciso IX do art. 93 da CF, pleiteia, preliminarmente, a decretação de nulidade do acórdão impugnado. Para isso, sustenta que a omissão do aludido tribunal quanto às matérias argüidas em contra-razões de apelação configura falta de prestação jurisdicional. No mérito, alega que foram infringidos os seguintes dispositivos constitucionais: a) 150, II (isonomia tributária), por não assegurar o mesmo tratamento tributário entre contribuintes de equivalente situação e b) 151, I (uniformidade geográfica), por afirmar que o dispositivo constitucional permite a concessão de incentivo fiscal, mas não a oneração, o gravame regional.
RE 259739/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.12.2009. (RE-259739)
Apelação: Contra-razões e Prestação Jurisdicional - 2
O Min. Marco Aurélio, relator, proveu o extraordinário para — reconhecendo o vício na arte de proceder e assentando a nulidade do acórdão proferido por força dos declaratórios — determinar que outro seja formalizado, com enfrentamento explícito das matérias neles versadas, as quais compuseram as contra-razões à apelação. Asseverou que, no caso, o TRF defrontara-se com recurso por excelência, cuja devolutividade seria das mais plenas, chegando mesmo a ensejar supressão de instância. Observou que o art. 515 do CPC revela que, no caso de extinção do processo sem julgamento do mérito, pode a Corte competente, para apreciar a apelação, se o tema for estritamente de Direito, afastar a extinção e adentrar pela primeira vez a matéria de fundo. Aduziu que o prequestionamento reserva-se a recursos possuidores de natureza extraordinária, quando, além dos pressupostos gerais de recorribilidade, a parte atentar para um dos específicos, sempre a exigir o cotejo e, portanto, a formalização de decisão a respeito do tema suscitado. Frisou, na parte em que o tribunal a quo ponderara que as contra-razões não constituiriam recurso, que a premissa mostrar-se-ia correta, mas que não se resolveria a questão sob tal ângulo. Destacou que seria faculdade das partes a apresentação, ou não, das contra-razões — a menos que exista recurso retido que deva ser novamente ressaltado nessa via —, mas que, uma vez protocoladas, para se dar o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, deveria o órgão julgador emitir entendimento sobre o que articulado. Registrou que, na espécie, a recorrente não tinha interesse jurídico em interpor apelação, haja vista que, com a concessão da ordem pelo juízo, saíra vitoriosa, sem poder alcançar decisão mais favorável. Sustentou, todavia, que se julgara a apelação de forma unilateral, levando-se em conta apenas as razões respectivas. Enfatizou que nada se dissera sobre o fato de os temas versados nas contra-razões não terem sido objeto de causa de pedir constante da inicial. Concluiu, assim, ter surgido o vício, presente a circunstância de não se haver adotado entendimento sobre a defesa veiculada, especialmente no tocante ao princípio da igualdade tributária (CF, art. 150, II) e à atipicidade do fato gerador. Após o voto do Min. Dias Toffoli, acompanhando o relator, pediu vista dos autos a Min. Cármen Lúcia.
RE 259739/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 1º.12.2009. (RE-259739)
Revisão Criminal: Direito de Aguardar em Liberdade e Art. 16 do CP
Ante as peculiaridades do caso, a Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para que o paciente aguarde em liberdade o julgamento de revisão criminal, ficando, neste período, suspenso o prazo prescricional. Na espécie, o STJ, em recurso especial movido pelo parquet, cassara decisão absolutória proferida por tribunal local e restabelecera sentença que condenara o paciente à pena de 2 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial aberto, pela prática do crime de apropriação indébita, agravada pela reincidência e aumentada em virtude de o paciente ter cometido o crime na condição de advogado da vítima (CP, art. 168, § 1º, III, c/c o art. 61, I). Essa decisão transitara em julgado, sendo ajuizada, pelo paciente, revisão criminal, em que se busca a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 16 do CP (“Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.”). O Ministro relator no STJ, liminarmente, indeferira tal pleito, o que ensejara a presente impetração. Frisou-se que, no caso, o impetrante, antes do recebimento da denúncia, celebrara acordo amigável com a vítima, visando ao ressarcimento da quantia indevidamente apropriada. Salientou-se, ademais, que, se fosse aplicada a redução máxima prevista no art. 16 do CP, o paciente já teria quase cumprido integralmente a sua pena. Vencido o Min. Carlos Britto, que indeferia o writ.
HC 99918/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.12.2009. (HC-99918)
SEGUNDA TURMA
EC e Desvinculação de Receitas
Não há impedimento para que emenda constitucional estabeleça desvinculação de receitas. Com base nessa orientação, a Turma negou seguimento a recurso extraordinário em que o Estado do Rio Grande do Sul alegava ofensa ao art. 76 do ADCT [“É desvinculado de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2011, 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais.”] ao argumento de que a desvinculação de percentual do produto da arrecadação das contribuições sociais teria criado imposto novo e inconstitucional. Salientou-se que, consoante firmado no julgamento da ADI 2925/DF (DJU de 4.3.2005), o elemento essencial para a identificação das contribuições previdenciárias seria a destinação do produto de sua arrecadação. Entretanto, reputou-se que não haveria como, a partir dessa premissa, concluir-se que a desvinculação parcial do produto da arrecadação teria implicado criação de imposto. Aduziu-se que as Emendas Constitucionais 27/2000 e 42/2003 alteraram o mencionado art. 76 do ADCT para determinar a desvinculação das receitas de impostos e de contribuições sociais da União e sua aplicação na Conta Única do Tesouro Nacional, sem que, com isso, despontasse incompatibilidade com o restante do texto constitucional. Asseverou-se, ademais, que a norma que prescreve a aludida vinculação não assume caráter de cláusula pétrea.
RE 537610/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.12.2009. (RE-537610)
PIS: Fundo Social de Emergência e Medida Provisória
A Turma iniciou julgamento de dois recursos extraordinários nos quais Estados-membros alegam transgressão aos artigos 72 e 73 do ADCT, na medida em que as Cortes de origem afastaram o recolhimento do PIS nos moldes estabelecidos pela Medida Provisória 517/94 e reedições. O Min. Cezar Peluso, relator, proveu os recursos para denegar a segurança. Inicialmente, enfatizou que o art. 73 do ADCT veda, expressamente, regulamentação do Fundo Social de Emergência mediante medida provisória. Entretanto, registrou que a Medida Provisória 517/94 apenas regulara a contribuição para o PIS, o que não seria proibido pelo aludido dispositivo. Em seguida, ressaltou que a Lei 9.701/98 — resultante da conversão das reedições da referida medida provisória — consigna, já na ementa, que esse diploma dispõe sobre a base de cálculo da contribuição para o PIS, sem nenhuma alusão àquele fundo. Assinalou, ademais, que o STF possui precedentes no sentido de que o PIS pode ser disciplinado por meio de lei ordinária, não havendo, pois, razão para não se permitir o tratamento da matéria por medida provisória, a qual tem força de lei. Acolheu, ainda, o argumento de que a Medida Provisória 517/94 não violaria o art. 72, V, do ADCT, uma vez que não alterara o conceito de receita bruta, previsto na legislação relativa ao Imposto de Renda, mas apenas operara ajustes e exclusões nessa base de cálculo. Após, pediu vista dos autos o Min. Eros Grau.
RE 346983/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.12.2009. (RE-346983) RE 525874/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 1º.12.2009. (RE-525874)
Crime Hediondo: Indulto e Irretroatividade
A Turma deferiu habeas corpus para restabelecer decisão do juízo das execuções que concedera indulto a condenado por homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, I e IV) praticado antes do advento da Lei 8.930/94, a qual conferira nova redação à Lei 8.072/90 para nela incluir o referido tipo penal como delito hediondo. Tendo em conta que o Decreto 4.495/2002 não previra a aplicação de suas disposições aos crimes perpetrados anteriormente à vigência das Leis 8.072/90 e 8.930/94 — antes de sua definição legal como hediondos —, asseverou-se que a não extensão desse benefício de indulto ao paciente implicaria afronta ao art. 5º, XL, da CF (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”).
HC 99727/RJ, rel. Min. Eros Grau, 1º.12.2009. (HC-99727)
Imunidade Recíproca e Caixa de Assistência dos Advogados
A imunidade tributária recíproca aplicável à Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, quando atua no campo próprio que lhe outorga a Constituição, não se estende às atividades sociais ou de assistência desempenhada pelas respectivas Caixas de Assistência. Com base nesse entendimento, a Turma proveu recurso extraordinário interposto pelo Município de Belo Horizonte contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que considerara imóvel da Caixa de Assistência dos Advogados dessa mesma unidade federativa imune ao pagamento do IPTU. Consignou-se que a imunidade tributária recíproca é garantia direta do Estado contra duas espécies de tensão: a) evitar que atividades imanentes do Estado sofram degradação pelo custo representado pela carga tributária e b) impedir que o tributo seja utilizado como instrumento de pressão indireta, destinado a induzir a postura do ente federado no sentido desejado por outro membro da federação. Aduziu-se que, nestes autos, não se questionaria a imunidade conferida à OAB, mas sim se entidade a ela ligada, destinada especificamente a prestar serviços aos seus associados, também poderia ser considerada como instrumentalidade estatal e, portanto, ser beneficiada pela salvaguarda constitucional. Asseverou-se que, embora as Caixas de Assistência dos Advogados estejam ligadas à estrutura organizacional da OAB (Lei 8.906/94, art. 45, IV), tratar-se-ia de entidades com personalidade jurídica própria (art. 46, § 4º), não se dedicariam primordialmente à defesa da Constituição, da ordem jurídica, do Estado Democrático de Direito etc., tendo por objetivo conceder benefícios pecuniários por motivo de invalidez e outros auxílios de natureza setorial. No ponto, salientou-se que as Caixas de Assistência dos Advogados não se diferenciariam das demais entidades destinadas à outorga de benefícios assistenciais ou previdenciários a seus associados, sejam eles servidores públicos, empregados privados ou quaisquer outras pessoas unidas por laços de afinidade ou de situação fático-jurídica.
RE 233843/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.12.2009. (RE-233843)
Isenção de ICMS: “Free Shop” e Ratificação Tácita - 4
Em conclusão de julgamento, a Turma desproveu recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul contra acórdão da Corte local que anulara débito fiscal de ICMS incidente sobre a venda de mercadorias importadas efetuada por loja franca instalada no aeroporto internacional daquela unidade federativa (free shop) — v. Informativo 562. No caso, o Tribunal a quo entendera que a contribuinte estaria favorecida por isenção fiscal decorrente da celebração do Convênio CONFAZ 91/91 — que autoriza os Estados-membros a isentarem do ICMS determinadas operações — e de sua ratificação tácita prevista na Lei estadual 8.820/89, a qual instituíra o referido imposto. Inicialmente, afirmou-se que o Convênio ICMS 91/91 permitiu aos Estados e ao Distrito Federal isentar deste tributo as operações de saídas promovidas por lojas free shop localizadas nas zonas primárias dos aeroportos de categoria internacional e autorizadas pelo órgão competente do Governo Federal. Em seguida, mencionou-se que o ICMS, nos termos do art. 155, § 2º, g, da CF, deve se submeter a regramento específico previsto em lei complementar, regulando a forma como aqueles entes federativos concederão tais isenções e que a Lei Complementar 24/75 — cuja recepção pela Constituição fora admitida pelo STF — teria sido instrumento normativo que viera estabelecer regramentos à celebração de convênios para a concessão de isenções do ICMS. Consignou-se, ainda, que a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, promulgada em 1989, determina que a concessão de anistia, remissão, isenção, benefícios e incentivos fiscais só ocorrerá mediante autorização legislativa e quando for objeto de convênios celebrados entre o Estado e as demais unidades da federação, bem como que essa concessão somente terá eficácia após ratificação pela Assembléia Legislativa.
RE 539130/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 4.12.2009. (RE-539130)
Isenção de ICMS: “Free Shop” e Ratificação Tácita - 5
Enfatizou-se que, nesse contexto, fora promulgada a Lei estadual 8.820/89, a qual prevê que os convênios referentes à concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais que forem celebrados por aquele Estado-membro devem ser submetidos à apreciação da Assembléia Legislativa para deliberação e publicação de Decreto Legislativo (art. 28, § 1º) e que, caso não haja deliberação dessa Casa Legislativa no prazo previsto, consideram-se ratificados os convênios celebrados (art. 28, § 2º). Assinalou-se, ademais, a promulgação do Decreto Legislativo 6.591/92, com o objetivo de cumprir o disposto nessa legislação estadual. Dessa forma, reputou-se que o princípio da estrita legalidade (CF, art. 150, § 6º) teria sido observado pelas seguintes razões: 1) a existência de ratificação do convênio pelo órgão competente (CONFAZ), em obediência à LC 24/75; 2) a edição da Lei estadual 8.820/89, ato jurídico-normativo concreto, específico e 3) o advento do Decreto Legislativo 6.591/92, norma que consolida e viabiliza a benesse fiscal em discussão. O Min. Joaquim Barbosa, tendo em conta a regra da legalidade tributária estrita, ressaltou em seu voto-vista que admitir a ratificação tácita de convênios elaborados com a participação somente de representantes do Poder Executivo (CONFAZ) implicaria supor-se válida a própria concessão de benefício por ato oriundo apenas do chefe de tal poder.
RE 539130/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 4.12.2009. (RE-539130)
Tráfico de Drogas e Combinação de Leis Incriminadoras
A Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenada à pena de 4 anos de reclusão por tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12) em que pleiteada a diminuição da pena para o mínimo legal (3 anos), tendo em vista ser ela primária e preponderarem circunstâncias judiciais favoráveis. Requeria-se, também, por idênticas razões, a aplicação do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, que possibilita a redução da pena de um sexto a dois terços em tais casos. Considerou-se que a sentença condenatória estaria devidamente fundamentada, com motivação suficiente para a elevação da pena-base acima do mínimo legal. Rejeitou-se, de igual modo, o pleito de incidência do novo dispositivo da Lei 11.343/2006, pois a causa especial de diminuição nele estabelecida tem como parâmetro a nova pena imposta ao crime de tráfico de entorpecentes pelo diploma legal em questão, que parte do mínimo de 5 anos. Assim, combinar referida norma com a pena imposta à paciente, sob a égide da Lei 6.368/76, significaria criar uma terceira pena, não estabelecida em lei, o que seria vedado ao órgão julgador, por força dos princípios da separação dos poderes e da reserva legal.
HC 96844/MS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 4.12.2009. (HC-96844)
ICMS na Importação e Importador da Mercadoria - 1
A Turma proveu recurso extraordinário no qual se discutia a competência tributária quanto ao sujeito ativo do ICMS, no caso de importação de mercadoria, por estabelecimento localizado em determinado Estado-membro, que ingressa no território nacional em outra unidade federativa e é entregue a outro estabelecimento do importador situado em município diverso de onde fora desembarcada. Tratava-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto pela contribuinte contra acórdão do tribunal de justiça local que entendera que — não obstante situado em Curitiba/PR o estabelecimento importador —, tendo a mercadoria sido desembarcada em Santos/SP e remetida diretamente a outro estabelecimento do importador situado em São Paulo/SP, o ICMS seria devido ao Estado-membro da destinação física do produto, qual seja, São Paulo. Inicialmente, aduziu-se que se deveria interpretar a expressão “destinatário da mercadoria, bem ou serviço” contida na parte final do art. 155, § 2º, IX, a, da CF (“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: ... II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; ... § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: ... IX - incidirá também: a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;”). Como a hipótese de incidência do ICMS, nessa modalidade, é a operação de circulação amparada por importação, considerou-se que o destinatário a que alude o referido dispositivo constitucional seria o jurídico, em contraposição ao destinatário da mera remessa física do bem.
RE 405457/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 4.12.2009. (RE-405457)
ICMS na Importação e Importador da Mercadoria - 2
Na seqüência, asseverou-se que o destinatário jurídico seria aquele que receberia a operação de circulação, sofrendo seu patrimônio a mutação causada pelo pagamento de valor e pela aquisição do bem importado. Assinalou-se que o critério constitucional para identificação do sujeito ativo do ICMS na importação tem assento na expressão econômica que grava o ato de importação do bem e a função que ele terá para seu destinatário. Na presente situação, mencionou-se que o acórdão impugnado afirmara que a mercadoria não circulara pelo Estado do Paraná, embora lá estivesse o estabelecimento importador, e que os bens foram desembaraçados no Porto de Santos e enviados diretamente para o estabelecimento sediado em São Paulo. Reputou-se que tanto o desembaraço aduaneiro quanto a ausência de circulação de mercadoria no território do Estado onde localizado o importador seriam irrelevantes para o desate da questão. O que se deveria indagar é quem teria sido o importador, pessoa efetivamente responsável pelo negócio jurídico que subsidiara a operação que trouxera os produtos ao território nacional. Desse modo, a entrada física dos bens em estabelecimento de pessoa jurídica ou física não seria critério decisivo na identificação do sujeito ativo. Por fim, esclareceu-se que as operações de importação foram realizadas pelo estabelecimento da recorrente localizado no Estado do Paraná e que não haveria indicação que este tivesse atuado como mero intermediário da operação ou como consignatário das mercadorias.
RE 405457/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 4.12.2009. (RE-405457)